A construção discursiva da demência em processos judiciais dos séculos XVIII e XIX
Resumo
Neste trabalho, propomos uma reflexão sobre a construção discursiva do conceito de demência nos séculos 18 e 19, a partir da análise de gêneros judiciários – inventários e ações de demência – depositados no arquivo público Casa Setecentista, situado em Mariana/MG. A Casa Setecentista é responsável pela guarda e conservação de um amplo acervo de documentos que remontam ao Brasil Colônia, ao Império e à Velha República, entre os quais se encontram catalogados autos cíveis e criminais oriundos do fundo Fórum de Mariana. De acordo com Foucault (1978), as provas produzidas nesses gêneros judiciários, no período histórico contemplado, fundamentavam-se exclusivamente no relato de testemunhas, já que a loucura ainda não havia sido encampada pelo discurso médicocientífico. Sendo assim, as narrativas orais por elas engendradas em torno dos feitos do indivíduo demente tornam-se fundamentais para a procedência da ação. Para essa análise, considerou-se, conforme Motta (2013), que narrar é uma estratégia argumentativa orientada a fim de convencer, de promover certos efeitos de sentido e influenciar a visão de mundo de quem lê ou ouve uma história. Nesse sentido, os relatos de testemunhas nos gêneros judiciários podem ser analisados como exemplos
da evidência argumentativa das narrativas.
Palavras-chave: Gêneros judiciários. Narrativas. Argumentação. Discurso.
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