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Carlos Dominguez Avila Kubitschek, a revolução cubana e a compeção Leste-Oeste, 1959-1961: o Brasil e a recomposição da Guerra Fria Lano-Americana
crescente preocupação do embaixador em Havana, em particular, e do
governo de Kubistchek e da diplomacia brasileira, em geral, foi a crescen-
te divergência diplomática bilateral brasileiro-cubana (BEZERRA, 2012).
Do lado brasileiro, surgiram crescentes preocupações com as condutas
e atividades diplomáticas do embaixador cubano no Rio de Janeiro, Ra-
fael García Bárcenas, bem como de representantes do governo cubano
que visitaram o Brasil, muitas vezes com intuito de realizar atividades
propagandísticas, “inamistosas”, subversivas ou “nitidamente perigosas”
contra o regime democrático encabeçado pelo presidente Juscelino Ku-
bitschek – tudo isso, sem ignorar que, em outubro desse ano, estavam
programadas eleições presidenciais que resultaram na vitória do Jânio
Quadros.10 Destarte, desde o Itamaraty considerou-se apropriado que a
embaixada em Havana passara a adotar as “maiores precauções [na] con-
cessão de vistos quer permitam a entrada neste país de cidadãos cuba-
nos.”11 Nesse marco, o embaixador brasileiro em Havana concordou com
a necessidade de restringir a concessão de vistos a cidadãos cubanos.
Acrescentou que as “representações diplomáticas latino-americanas [em
Havana] podem desempenhar importante papel, tanto pelo asilo, como
pelo amparo psicológico que signica a presença amiga dos Governos do
Continente”, e sublinhou o seguinte: “Parece-me que o objetivo principal
da nossa política para com o Governo revolucionário cubano deveria ser
o de recuperá-lo para o convívio continental.” Concluiu Vasco Leitão da
Cunha ponderando o seguinte,
Não devemos esquecer das vantagens efetivas trazidas ao Continente pela Revo-
lução cubana, ao despertar a atenção universal para um estado de espírito reinan-
te nas Américas e do qual a Revolução cubana é, sem dúvida, a expressão mais
exaltada. A iniciativa brasileira da Operação Pan-Americana deveria ter servido
àquele m, mas o complacente letargo do Governo de Washington só parece ter
sido efetivamente perturbado pela ação drástica e temerária de Fidel Castro e
seus seguidores. Muitos destes já se acham sublevados contra o vezo comunista
que vai tomando a Revolução, mas não contra os seus ideais primeiros, pelos
quais continuam a lutar. Assim, qualquer ação do Continente deve processar-se
com o objetivo de lhe reticar o curso e nunca com de voltar ao “status quo
ante”, cujo único beneciário, por miopia, e a curto prazo, seriam somente os
grandes interesses patrocinados pelo Governo americano, cando prejudicados, a
curto e longo prazo, os demais países do Continente.12
A luta pelo poder político em Cuba também foi um outro assun-
to constantemente abordado pelo diplomata brasileiro. Nesse sentido,
parece pertinente ponderar que, entre setembro de 1960 e janeiro de
1961, muitos dos relatórios encaminhados pela embaixada em Havana
ao Itamaraty passaram incluir uma exuberante retórica anticomunista,
antissoviética e contrarrevolucionária. Infere-se do reposicionamento do
autor que uma eventual invasão da ilha por uma força expedicionária
anticastrista poderia ser positiva e construtiva numa segunda fase da
revolução cubana, desde que conseguisse reconduzi-la pela via nacion-
al-desenvolvimentista. “Convém ter presente que não se trata[ria] de uma
contra-revolução que intenta restabelecer o status quo ante 1959, mas de
um movimento para resgatar a revolução cubana das garras do comunis-
mo”, informou-se ao Itamaraty, no nal de outubro de 1960.13 Poucos dias
depois, Vasco Leitão da Cunha comentou sobre o mesmo assunto nos
seguintes termos: “Não é descabido armar que este país somente en-
10. Em dezembro de 1960, o Conselho
de Segurança Nacional brasileiro teria
sido informado que: “o Embaixador de
Cuba em Moscou declarou que seu país
distribuiu armas e munições a todas
suas Embaixadas na América Latina”.
Segundo o documento em apreço, a
transferência clandestina de armas
desde Havana a países vizinhos teria
“o objetivo de passar esse material
às mãos de grupos locais estudantis,
nacionalistas e comunistas, para
assumir a defesa da revolução cubana,
caso necessário” (MRE a Embaixada em
Washington, Minuta de Telegrama 395
(Secreto), Rio de Janeiro, 31.12.1960,
AMRE). Cumpre acrescentar que as
reuniões do Conselho de Segurança Na-
cional normalmente eram realizadas sob
supervisão direta do próprio presidente
da República.
11. M. Pio Corrêa Jr. a Vasco Leitão da
Cunha, Memorando DPG/ 31 (Secreto),
Rio de Janeiro, 30.7.1960, AMRE.
12. Vasco T. Leitão da Cunha a Horácio
Lafer, Memorando 211 (Secreto), Hava-
na, 19.9.1960, AMRE.
13. Vasco Tristão Leitão da Cunha ao
MRE, Telegrama 337 (Confidencial-ur-
gente), Havana, 29.10.1960, AMRE.