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O olhar do Papa Francisco para o Sul
Global: uma análise sobre o diálogo
entre o Vaticano e a República Popular
da China
e Pope Francis’ view to Global South: an analysis about the dialogue between Vatican
and Republic of China
La mirada del Papa Francisco para el Sur Global: un análisis sobre el diálogo entre el
Vaticano y la República Popular China
Ana Beatriz da Costa Mangueira
1
DOI: 10.5752/P.1809-6182.2019v13n3p7
Recebido em: 24 de agosto de 2018
Aceito em: 09 de junho de 2019
Resumo
Este artigo analisa a atuação do Papa Francisco no diálogo entre o Vaticano e a Repú-
blica Popular da China nos últimos dois anos do atual pontificado. Observa-se que o
olhar do pontífice para o Sul Global colabora com esse diálogo, que sofreu ruptura na
década de 1950.
Palavras-chave: Papa Francisco. Vaticano. República Popular da China.
Abstract
is paper aims to analyze the Pope Francis influence on the dialogue between the Vatican
and the Peoples Republic of China in the last two years. It is observed that the Pope’s view
to Global South cooperates with this dialogue, which has been interrupted since 1950s.
Keywords: Pope Francis. Vatican. Republic of China.
Resumen
Este artículo examina la actuación del Papa Francisco en el diálogo entre el Vaticano y la
República Popular China en los últimos dos años del pontificado actual. Se observa que
la mirada del pontífice para el Sur Global contribuye para este diálogo, que sufrió una
ruptura en la década de 1950.
Palabras-clave: Papa Francisco. Vaticano. República Popular China.
1 Mestre em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade Estadual da
Paraíba (PPGRI-UEPB). João Pessoa/Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3246-0058.
Artigo
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Considerações Iniciais
Durante parte significativa da evolução
dos estudos sobre relações internacionais, acre-
ditou-se que com o advento do secularismo a
religião perdeu a sua atuação política no mun-
do. Para a visão secular, a influência global
da Igreja Católica, por exemplo, se extinguiu
(HAYNES, 2016, p. 28). Mas ao observar as
atuações dessa instituição e do seu líder no
cenário internacional, se verifica justamente
o oposto, pois esses atores continuam man-
tendo diálogos com outros, inclusive com os
Estados. Além disso, para Graham (2013, p.
32), as últimas décadas foram marcadas pelo
ressurgimento do ativismo religioso” que vem
acontecendo no mundo todo, especialmente
no Sul Global, o que se opõe à previsão secu-
lar de que a religião vinha perdendo impacto
público e político. Turzi (2013, p. 19) entende
ser necessário considerar a relevância dos atores
religiosos, marginalizados pela ciência com o
surgimento da secularização. Omitir a religião
dos debates de Política Internacional pode pre-
judicar a compreensão de questões importantes
para a área, como as atuações do Papa, relevan-
te para a condução da diplomacia do Vaticano
no cenário mundial.
Desde a chegada do Papa Francisco ao
pontificado no ano 2013, se observa que a di-
plomacia do Vaticano experimenta significa-
tivas transformações. O mundo tem testemu-
nhado a aproximação da Santa Sé com países
que antes não dialogavam com essa entidade,
especialmente aqueles do Oriente Médio e da
Ásia (VUKIĆEVIĆ, 2015, p. 70). Argumen-
ta-se que o posicionamento do atual pontífi-
ce influencia essas modificações, uma vez que
escolheu alterar o foco das relações do Vatica-
no, antes voltado ao Ocidente e ao “centro do
mundo”, para a “periferia” (CARLETTI, 2015,
p. 218). A visão global do Papa Francisco, bem
como suas origens e suas experiências como
clérigo influenciam o modo como conduz a di-
plomacia da Santa Sé. Para Almeida (2013, p.
299), o atual Papa tem como propósito estabe-
lecer a comunicação global. Assim, o pontífice
pode contribuir para transformações de tópicos
mundiais que envolvem a Igreja Católica, so-
bretudo os que são considerados mais delica-
dos para a instituição, como o que se refere aos
dissensos entre a República Popular da China
(RPC) e o Vaticano.
As raízes da ruptura do diálogo entre a
China e o Vaticano remetem à década de 1940,
quando o Partido Comunista Chinês (PCC)
chegou ao poder, e “o papado, pelas suas estrei-
tas ligações com o Ocidente, e pela declarada
oposição ao comunismo, foi considerado como
uma ameaça para a soberania chinesa” (CAR-
LETTI, 2008, p. 12). Com efeito, a Igreja Ca-
tólica na China foi dividida em Igreja patrióti-
ca e Igreja clandestina: a primeira se declarou a
favor do Estado, aceitando ser controlada por
ele; e a segunda continuou ao lado do Vaticano
e do Ocidente, rejeitando as condições impos-
tas pelo governo comunista chinês (TSE-HEI
LEE, 2007, p. 279). Essa divisão ainda per-
dura, sendo uma problemática no sentido do
reconhecimento pelo Vaticano de bispos no-
meados pela China, mas que são considerados
ilegítimos para a Igreja.
Nos últimos dois anos do atual pontifica-
do, o diálogo sino-vaticano é alvo de discussões
dentro da arena de religião e de relações inter-
nacionais. Desde 2013 os laços entre o Vaticano
e a China começaram a se estreitar. Nesse ano,
Papa Francisco “entrou em contato com a Chi-
na trocando notas de congratulações com o Se-
cretário Geral do PCC, Xi Jinping em sua pos-
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se” (LEUNG; WANG, 2016, p. 14). De acordo
com Leung e Wang (2016), embora em 2015
o governo chinês tenha endurecido o controle
sobre as religiões
2
, notou-se uma abertura para
negociações entre o Papa Francisco e o governo
no ano seguinte sobre a questão que constan-
temente inflamou o relacionamento da China
com a Igreja Católica: a nomeação de bispos.
Para Faggioli (2018, s/p), as atuais “negociações
do Vaticano com a China representam o esforço
diplomático mais importante da Santa Sé em
décadas”. Logo, questiona-se como o olhar do
Papa Francisco, voltado para o Sul Global, con-
tribui para as relações sino-vaticanas.
Para nortear a discussão, o artigo está es-
truturado em duas seções: a primeira parte con-
textualiza a ruptura de relações entre a China e
o Vaticano, compreendendo que o advento do
PCC representa uma das variáveis causais para
a interrupção dessas relações; a segunda parte se
debruça sobre a figura do Papa Francisco, en-
tendendo o seu olhar direcionado ao Sul Global
como via de transformação em questões que en-
volve a Igreja Católica no cenário internacional.
Por fim, realiza-se uma reflexão sobre os esforços
do Papa Francisco e do governo chinês no esta-
belecimento de um acordo sobre os bispos na
China, e sobre a posição do Papa nesse cenário.
A Igreja Católica e a RPC:
contextos e perspectivas
A presença do cristianismo na China é se-
cular e chama a atenção pelo modo como os
princípios cristãos e ocidentais agitaram a esfe-
2 As religiões na China são reguladas pelo PCC, cujo principal
objetivo consiste em manter o poder político (KUAN, 2012,
p. 158). Uma das exigências do Partido para que uma religião
seja reconhecida pelo Estado é o desempenho dela na vida
pública (KUAN, 2012, p. 158).
ra política chinesa (CARLETTI, 2008, p. 14).
Na década de 1940, quando o PCC chegou ao
poder, o governo chinês expressou desconfian-
ça com representantes da Igreja Católica no
país. Para Carletti (2008, p. 11), essa descon-
fiança é fruto das circunstâncias do período co-
lonial europeu na China, quando as potências
ocidentais desrespeitaram a soberania chinesa.
Ademais, a forma como a doutrina cristã ca-
tólica era colocada em prática desconsiderava
a cultura e os costumes chineses (CARLETTI,
2008, p. 12). Com esses acontecimentos, “to-
dos os estrangeiros tornaram-se, aos olhos dos
chineses, automaticamente inimigos, incluindo
os missionários” (CARLETTI, 2008, p. 12).
Nessa acepção, o Estado chinês passou a exi-
gir que os católicos participassem de atividades
religiosas apenas em igrejas reconhecidas pelo go-
verno (YIK- YI CHU, 2012, p. 107). O Vaticano
sempre foi contra a política chinesa de interfe-
rência em assuntos religiosos (LEUNG; WANG,
2016, p. 5), uma das motivações para que o rela-
cionamento da Igreja Católica com a RPC fosse
marcado por perseguições, resistência e ruptura.
A posição anticomunista da Santa Sé resultou em
expulsões de clérigos contrários às diretrizes e prá-
ticas comunistas na região (CARLETTI, 2008, p.
83). Com efeito, na década de 1950 foi criada a
Associação Patriótica Católica Chinesa (APCC),
representando o primeiro traço da divisão da
Igreja Católica na China. A proposta da APCC
era a de continuar seguindo os preceitos da Igreja
Católica, composta por clérigos, mas também a
de apoiar o governo comunista, que era contra
a hegemonia ocidental (VUKIĆEVIĆ, 2015, p.
75). Por sua vez, os católicos e o clero que diver-
giam da Igreja Patriótica foram considerados pelo
governo um movimento clandestino, constituin-
do a “Igreja Católica Clandestina na China”, liga-
da ao Vaticano (TURZI, 2013, p. 24).
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A divisão da Igreja na China provocou dis-
sensos em questões que para o Vaticano deve-
riam ser somente de sua responsabilidade, como
a nomeação de bispos, tarefa exclusiva dessa en-
tidade, mas que passou a ser executada pelo PCC
(LEUNG; WANG, 2016, p. 5). Apesar das di-
vergências entre o Vaticano e a RPC, no governo
de Deng Xiaoping surgiu a possibilidade de mu-
danças em relação à Igreja Católica na China,
pois nesse período o país experimentava trans-
formações sociais. A política de “portas abertas”,
implementada no governo de Deng Xiaoping,
possibilitou, na década de 1970, a reabertura de
Igrejas Católicas na China que se encontravam
fechadas (CARLETTI, 2008, p. 127). Nes-
se contexto, a Santa Sé visava se aproximar da
Igreja Católica na RPC, tentativa que fracassou
(LEUNG; WANG, 2016). Como consequência
desse insucesso, a Santa Sé buscou dialogar com
os católicos de Taiwan e Hong Kong (LEUNG;
WANG, 2016, p. 8), aproximação vista com
desconfiança pelas autoridades chinesas.
O primeiro obstáculo para as relações
diplomáticas entre a Santa Sé e a RPC reside
justamente no fato dessa entidade reconhecer
Taiwan, questão relevante para a RPC, devi-
do ao seu histórico conflituoso com Taiwan
3
(VUKIĆEVIĆ, 2015, p. 75). Por isso, pode-se
afirmar que Taiwan representa “um elemento
que influencia diretamente as prolongadas ne-
gociações sino-vaticanas” (LEUNG; WANG,
2016, p. 15). Outro obstáculo ao reatamento
de laços entre China e Vaticano consiste na in-
tenção de Pequim em designar bispos, o que é
3 Durante a Revolução chinesa na década de 1940, o conflito
entre Partido Nacionalista e Partido Comunista levou Chiang
Kai-shek fugir para Taiwan junto com seus aliados quando o
PCC chegou ao poder (VUKIĆEVIĆ, 2015, p. 75). Nesse
período, Taiwan se declarou um país e Kai-Shek se tornou o
seu líder, obtendo o reconhecimento de alguns atores inter-
nacionais, como a Santa Sé (CARLETTI, 2008, p. 10).
considerado um desrespeito à soberania do Va-
ticano (TURZI, 2013, p. 24). Por isso a Igreja
Católica na China ainda continua dividida, e os
laços entre o Vaticano e a RPC rompidos desde
1951. Essas relações sofrem atualmente trans-
formações desde quando Papa Francisco chegou
ao papado, mas em especial nos últimos dois
anos, contexto em que o governo chinês se mos-
trou mais aberto ao diálogo com o Vaticano.
Argumenta-se que Papa Francisco repre-
senta o principal elo entre o Vaticano e a China.
Segundo Turzi (2013), por ser jesuíta, na condu-
ção do diálogo sino-vaticano o pontífice é tanto
simbólico quanto significativo, tendo em vista
que os jesuítas possuem uma história longa com
a China. Para esse autor, “o carisma jesuíta busca
construir pontes, adaptar e trabalhar com a rea-
lidade, em vez de se impor contra ela” (TURZI,
2013, p. 24). Observa-se que Papa Francisco
busca justamente construir uma ponte entre o
Vaticano e a China com o principal objetivo de
unir a Igreja no país, dividida há mais de cinco
décadas (SUMMARY OF BULLETIN, 2018).
As negociações entre Papa Francisco e a Chi-
na têm provocado divergências na Instituição ca-
tólica, tendo em vista o histórico de perseguições
a clérigos da Igreja e a nomeação de bispos fei-
ta pelo PCC (CARLETTI, 2008). A “oposição
significativa do hemisfério ocidental” à abertura
do pontífice para um diálogo com a RPC não
impediu que o Papa se mantivesse firme na bus-
ca pelo objetivo pastoral de unir a Igreja naquele
país (FAGGIOLI, 2016). O primeiro passo para
uma reconciliação pode ser atribuído a assinatura
do Acordo Santa Sé-China de 2018 atinente à
questão dos bispos. Na mensagem aos católicos
chineses divulgada em 28 de setembro de 2018,
o pontífice declarou que esse é um momento
significativo para a vida da Igreja, especialmen-
te porque a presença da instituição na China é
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marcada por tensões (FAGGIOLI, 2016). Nessa
mensagem, Papa Francisco expressou o seu res-
peito pela cultura chinesa, afirmando que o povo
chinês resistiu as adversidades, abraçou as dife-
renças e se demonstrou receptivo a mensagem
cristã (SUMMARY OF BULLETIN, 2018).
O fator religioso se encontra presente não
somente na mensagem do Papa enviada aos chi-
neses, mas também no seu olhar estratégico para
o Sul Global com o intuito de estabelecer um
equilíbrio entre “centro” e “periferia” no quadro
de relações do Vaticano (CARLETTI, 2015, p.
218). Essa é um sinal de que a religião está ativa
na vida pública e política, seja em nível local, na-
cional e/ou global (GRAHAM, 2013). A prefe-
rência do pontífice é por um mundo multipolar
onde as diferenças ao invés de dividir podem
acrescentar”, rumo a um mundo menos desigual
(CARLETTI, 2015, p. 233). Tendo isso em vis-
ta, a seção subsequente se dedica à reflexão sobre
o papel do Papa Francisco na construção de uma
ponte que aproxime a RPC e o Vaticano.
Papa Francisco e seu projeto
global: construindo pontes
O líder da Igreja Católica, o Papa, é consi-
derado um importante ator por vários motivos,
um deles relacionado ao fato desse indivíduo
representar tanto o condutor da Instituição
Católica, quanto o chefe do “Poder Executivo
do Estado do Vaticano” (TURZI, 2013, p. 30).
Graças a sua liderança e a sua posição como ator
religioso nas relações internacionais, o Papa
pode exercer o chamado soft power
4
(HAYNES,
4 Soft power, para Joseph Nye Jr. (1990, p. 166), consiste em
um poder que um ator exerce, fazendo com que outros atores
concordem com determinada ação ou política. Segundo Car-
letti (2015, p. 221), a Igreja Católica age com o soft power por
meio de várias igrejas que se encontram pelo mundo.
2016), condição possível de ser executada por
diálogos, por exemplo, com outros atores in-
ternacionais. As mensagens, decisões e ações do
Papa representam três elementos que podem
gerar impactos significativos em matérias que
envolvam a Igreja Católica no cenário interna-
cional. Portanto, entende-se que o soft power
exercido pelo pontífice sucede por meio desses
três elementos, já que ele é considerado líder
religioso influente nas relações internacionais.
Desde sua chegada ao pontificado, Papa
Francisco busca gradativamente aproximar o
Vaticano com outras regiões do mundo que não
sejam parte apenas do Ocidente. Ao conferir
maior importância à periferia (TURZI, 2013,
p. 21), o pontífice promove discussões sobre as
desigualdades sociais e, ainda, facilita a aproxi-
mação do Vaticano com países não-ocidentais.
A conduta do Papa Francisco na mu-
dança de foco do mundo ocidental e europeu
para a “periferia do mundo” pode ser associa-
da ao fato de ser o primeiro Papa não euro-
peu (CARLETTI, 2015). É possível observar
que o comportamento e as experiências do
Papa Francisco, durante a sua trajetória de vida
até chegar ao pontificado, traduzem algumas
características particulares de sua pessoa como
indivíduo e como clérigo: faz parte da comu-
nidade jesuíta e sempre possuiu contato diário
com o povo (TURZI, 2013). Esses fatores in-
fluenciam a forma como o pontífice busca con-
duzir as decisões do Vaticano. Conforme Car-
letti (2015, p. 233), “as experiências de vida do
Papa Francisco como um cidadão da periferia
do mundo colaboram com sua visão da perife-
ria para o centro, e não o contrário como foi
feito com os outros papas”.
A antiga política do Vaticano, de manter
relacionamentos mais estreitos com o Ocidente
e com o “centro do mundo”, é alterada à me-
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dida que o deslocamento ideológico do Papa
Francisco se volta “mais às periferias do planeta
que aos centros tradicionais de poder” (CAR-
LETTI, 2015, p. 233). Isso pôde ser notado
na cúria romana
5
, quando ao invés de priorizar
cardeais de origem europeia, Papa Francisco
escolheu cardeais de outros continentes, como
África, Ásia, América Central e América do Sul
(CARLETTI, 2015, p. 231).
A reflexão sobre as características do Papa
Francisco, e sobre sua extensão global mais di-
recionada à periferia do planeta e ao Oriente,
condiciona a discussão do seu importante papel
na resolução de algumas divergências da Igreja,
como a que se refere à divisão da Igreja na Chi-
na. De acordo com Turzi (2013, p. 24), a maior
fronteira ainda hoje da Igreja Católica é com a
China. Apesar disso, acredita-se que o pontífice
é capaz de influenciar o cenário de ruptura en-
tre o Vaticano e a RPC. Para tanto, Vukićević
(2015, p. 73) acredita que “a diplomacia papal
precisa ser complexa e equilibrada para atingir
seus objetivos”, buscando melhorar também a
imagem da Igreja Católica em todo o mundo.
Segundo Turzi (2013, p. 23), Papa Fran-
cisco busca fazer jus ao próprio sentido da pa-
lavra ‘pontífice’, criando pontes entre pastores e
fiéis, entre credos e entre países. Argumenta-se,
aqui, que esse é o principal objetivo do líder ca-
tólico em relação à RPC: criar uma ponte entre
o Vaticano e o país, bem como entre a Igreja
que se encontra dividida na China. As variá-
veis que influenciaram a ruptura de relações do
Vaticano com a China são históricas, como foi
possível entender na seção anterior. No que diz
respeito a essas relações, a nomeação de bispos
5 A cúria romana diz respeito ao corpo da Igreja que ajuda o
papa na administração da instituição. Nesse contexto, o pon-
tífice decide sobre a nomeação e a substituição dos indivíduos
que poderão fazer parte desse corpo (VATICAN, on-line).
constantemente representou um ponto delica-
do, especialmente por causa da divisão da Igre-
ja Católica no país declaradamente comunista,
e, portanto, pelo não reconhecimento da Igreja
Patriótica pelo Vaticano.
As nomeações de bispos são de significati-
va importância para a Igreja Católica, uma vez
que está ligada à política da instituição de man-
ter hierarquias e doutrinas (FAGGIOLI, 2018).
Após a Segunda Guerra Mundial, “as nomea-
ções dos bispos foram consideradas uma ques-
tão importante para as relações diplomáticas
entre o Vaticano e os países sob o domínio co-
munista” (FAGGIOLI, 2018, s/p). Na China,
por exemplo, os bispos escolhidos pelo gover-
no não eram reconhecidos pela Igreja. Por esse
motivo, Vukićević (2015, p. 76) entende que a
questão da ordenação dos bispos na China ain-
da segue como um dos tópicos mais sensíveis
no diálogo entre o Vaticano e esse país. Esse é
um tema que está no centro do hodierno de-
bate sobre as relações sino-vaticanas, tendo em
vista que as negociações acerca das nomeações
de bispos, que não eram certificadas pela Igreja,
vêm progredindo. Para Pequim, o reconheci-
mento dos bispos pelo Vaticano que foram es-
colhidos pelo governo representaria um passo
significativo para o reatamento de laços entre a
China e o Vaticano (LEUNG; WANG, p. 9).
A temática que envolve o Vaticano e a
RPC chama a atenção daqueles que conhecem
a história do relacionamento desses dois ato-
res, caracterizado por dissensos. Argumenta-se
que o basilar projeto global do Papa Francisco
de construir pontes é significativo para o fim
das tensões entre o país e a entidade. Faggioli
(2018) afirma que
Aqueles que acreditam neste possível avanço
entre o Vaticano e a China hoje sabem que
já há uma longa história do cristianismo na
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China, com a qual a Igreja Católica global
precisa estar mais diretamente em contato.
Esta é uma parte integrante da visão do Papa
Francisco para uma Igreja Católica verdadei-
ramente global, a serviço de toda a humanida-
de e da paz mundial (FAGGIOLI, 2018, s/p).
O olhar do Papa Francisco voltado ao Sul
Global transforma a diplomacia do Vaticano e
possibilita o deslocamento de um cenário de
ruptura com a China para um cenário de re-
conciliação. O diálogo, que vinha acontecendo
de forma lenta e gradual, avança com o Acordo
Provisório Santa Sé-China, assinado em setem-
bro de 2018 (SICSI, 2018). Após a assinatura
desse acordo, Papa Francisco afirmou ser ne-
cessária a boa vontade de ambas as partes para
que o referido acordo tenha êxito (SUMMARY
OF BULLETIN, 2018). O pontífice ressaltou
que o Acordo Provisório pode contribuir na
escritura de um “novo capítulo da Igreja Cató-
lica na China”, pois, pela primeira vez durante
a trajetória do diálogo sino-vaticano, pôde se
estabelecer uma cooperação (SUMMARY OF
BULLETIN, 2018, s/p).
Considerações Finais
A religião exerce influência global e pode
definir o relacionamento entre atores interna-
cionais, como é o caso do diálogo entre China
e Vaticano (GRAHAM, 2013). A ruptura dos
laços sino-vaticanos possui caráter político e
religioso, e foi com a fundação da APCC que
as “divergências entre uma parte da Igreja Ca-
tólica chinesa e o Vaticano” foram oficializadas
(CARLETTI, 2008, p. 90). Para Tse-Hei Lee
(2007, p. 291), a trajetória da divisão da Igre-
ja Católica nesse país sempre foi um período
doloroso para os chineses que possuem sua “
expressa de duas maneiras diferentes”. Segundo
o autor, a esperança de futuras reconciliações
também sempre esteve presente. A unidade
da Igreja na China parece se aproximar cada
vez mais com a presença do Papa Francisco no
diálogo entre a RPC e o Vaticano. O pontífi-
ce, que opta pelo deslocamento ideológico do
centro para as “periferias do mundo político e
eclesial” (CARLETTI, 2015, p. 236), atua po-
liticamente seguindo a sua religiosidade. Por-
tanto, a visão secular sobre a separação entre
política e religião perde espaço, aqui, para a
perspectiva pós-secular, que considera a impor-
tância da religião na vida pública e nas relações
internacionais (GRAHAM, 2013).
Na mensagem conduzida aos católicos
chineses e à Igreja Universal em setembro de
2018, após a assinatura do Acordo Provisório
Santa Sé-China, Papa Francisco afirmou estar
convencido de que a reaproximação “só pode
ser autêntica e frutífera se ocorrer através da
prática do diálogo para construir um futuro
comum de harmonia sublime” (SUMMARY
OF BULLETIN, 2018, s/p). O pontífice acon-
selhou os católicos chineses a serem bons ci-
dadãos, amarem sua pátria e servirem seu país
com honestidade, demonstrando o seu respeito
ao povo chinês, à sua história e cultura. Segun-
do o Papa, os objetivos da Igreja com esse acor-
do são ‘espirituais e pastorais’, buscando contri-
buir para a unidade da Igreja na China, que foi
dividida no passado (SUMMARY OF BULLE-
TIN, 2018). Para atingir esses objetivos, o pon-
tífice entende ser necessário tratar de assuntos
concernentes a nomeação de bispos, uma das
principais questões que impedia a reaproxima-
ção entre a China e o Vaticano. Por isso, um
acordo entre o Papa e Pequim sobre esse tópico
parecia ser difícil de acontecer (TURZI, 2013,
p. 25), mas o Acordo Provisório Santa Sé-Chi-
na demonstra que a reconciliação é possível.
Papa Francisco, que é autoridade máxima da
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Igreja e possui a palavra final sobre o assunto
no Vaticano já demonstrou estar aberto para
um diálogo (LEUNG; WANG, 2016).
A imagem carismática do Papa Francisco
coloca-o em “uma boa posição para as negocia-
ções na diplomacia inter-civilizacional que conti-
nua a ser uma parte importante dos assuntos da
Santa Sé” (VUKIĆEVIĆ, 2015, p. 76). O atual
líder da Igreja Católica busca mudar a política do
Vaticano de manter relações apenas com o Oci-
dente para uma política de reaproximação com
o Oriente, e “já fez muito para reparar a ima-
gem da Santa Sé aos olhos do mundo e torná-la
mais ativa e presente nas relações internacionais
(VUKIĆEVIĆ, 2015, p. 78). O projeto global
do Papa com seu olhar voltado ao Sul do mundo
tem como principal objetivo equilibrar ‘centro’ e
periferia’ nas questões que concernem ao Vatica-
no (CARLETTI, 2015, p. 231). O pontífice re-
conhece a importância da diplomacia e do diálo-
go como meios de transformação para a união da
Igreja. Por sua vez, o olhar do líder católico para o
Sul Global se manifesta como uma das ferramen-
tas necessárias para a unidade da Igreja na China
e para a reaproximação entre o país e o Vaticano.
Referências
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