49 • Conjuntura Internacional • Belo Horizonte, ISSN 1809-6182, v.16 n.3, p.42 - 54, dez. 2019
Frei Betto a contestou citando a carta de
Marx a Bolte onde ele critica a proposição de
Bakunin de impor “o ateísmo como dogma
obrigatório para os membros da Internacional”
(MARX, 1871). O religioso sustentou que o
conflito com a religião deveria ser interpretado de
um ponto de vista histórico-político e não como
uma questão de princípio. Sua tentativa, porém,
foi rejeitada: “Cremos no marxismo e somos ma-
terialistas; portanto, ateus”, sintetizou Chao Jin-
ru (apud BETTO, 2015, p. 315). A laicidade do
materialismo do marxismo não estava contida no
seu leque de possibilidades hermenêuticas.
Em Hankou, no dia 16 de outubro de
1988, encontraram-se com Wang Chu Jie,
presidente do Birô de Assuntos Religiosos de
toda a província de Hubei, que sustentou a tese
da confessionalidade da dialética: “Nós, como
militantes do Partido Comunista, somos ateus,
devido ao materialismo dialético” (apud BET-
TO, 2015, p. 330). E ainda: “A única coisa que
diferencia um militante do Partido e um cristão
é a fé. Temos fés diferentes. Cremos no mate-
rialismo ateu e, vocês, em Jesus Cristo” (apud
BETTO, 2015, p. 330).
Em Xangai, os brasileiros encontraram-se
com o vice-presidente do Birô de Assuntos Re-
ligiosos, Senhor Albert. “Funcionários do Birô
de Assuntos Religiosos nos disseram que a reli-
gião vai desaparecer. Vocês dizem que ela deve
contribuir para o progresso do país. Deve-se
trabalhar para o desaparecimento da religião?”,
perguntou-lhe Frei Betto (BETTO, 2015,
p.338). “Nós, materialistas dialéticos, afirma-
mos que há leis objetivas na natureza e na his-
tória. Tudo nasce, cresce, declina e desaparece”,
respondeu-lhe o vice-presidente do Birô chinês
de Xangai (apud BETTO, 2015, p. 338).
Betto (2015, p.338) continuou questio-
nando-lhe: “E o marxismo, enquanto fenôme-
no objetivo, também desaparecerá?”. Senhor
Albert respondeu que sim, pois “todos os fenô-
menos objetivos estão sujeitos ao ciclo de nasci-
mento e morte, inclusive o Partido Comunista
e o país” (apud BETTO, 2015, p.338).
Betto (2015, p.338) pisou no pedal da
provocação com uma última pergunta: “A lei
da objetividade também é um fenômeno ob-
jetivo. Ela também desaparecerá?”. Acuado, o
vice-presidente do Birô de Assuntos Religiosos
pediu calma: “Sejamos pacientes e aguardemos
o tempo...” (apud BETTO, 2015, p.338).
A China, portanto, acolheu Betto, mas
não sua crítica da confessionalização do mar-
xismo e socialismo. Na América Latina, porém,
estava sendo diferente.
Em janeiro de 1989, nos festejos do 30°
aniversário da Revolução Cubana, Betto abriu
uma mesa-redonda na Escola Superior do Par-
tido, em Havana, analisando as relações entre
cristianismo e marxismo, Igreja e Estado nos
países socialistas. Na plateia, dezenas de diri-
gentes políticos cubanos e latino-americanos.
Rigoberto Padilla (apud BETTO, 2015,
p. 347), secretário-geral do Partido Comunista
de Honduras, interveio:
Meu primeiro impacto com os cristãos veio
da leitura do documento episcopal de Me-
dellín e do testemunho de sacerdotes que de-
ram a vida pelo povo. Antes, ficava-se discu-
tindo se haveria ou não glória eterna, quando
se deveria discutir é se há ou não injustiça ter-
rena e como combatê-la. Considero um ab-
surdo que, no passado, meu partido exigisse
que seus militantes renunciassem à fé, provo-
cando profundos traumas psicológicos. Hoje,
em Honduras, estão unidos os comunistas, os
católicos e os luteranos. A entrevista de Fidel
Castro sobre a religião foi amplamente difun-
dida em meu país. A meu ver, não há contra-
dição entre religião e revolução.
Nesse mesmo evento, Alvaro Monteiro
(apud BETTO, 2015, p. 347), secretário-geral