85 • Conjuntura Internacional • Belo Horizonte,
ISSN 1809-6182, v.17 n.2, p.85 - 87, dez. 2020
Resenha
Resenha: livro “Pós-extrativismo e
decrescimento: saídas do labirinto
capitalista”
Vítor de Souza Costa1
DOI: 10.5752/P.1809-6182.2020v17n3p85
Recebido em: 27 de abril de 2020
Aceito em: 22 de junho de 2020
O livro Pós-extrativismo e decrescimento
bientais do desenvolvimentismo e neodesen-
lança mão de um tom ensaístico para sintetizar
volvimentismo industrialistas, bem como res-
debates sobre as condições materiais de repro-
gata a noção do interregno gramsciano: o velho
dução da vida sob o capitalismo. De autoria
está morrendo e o novo ainda não nasceu.
do economista equatoriano, Alberto Acosta,
No segundo capítulo são expostos os limi-
e do cientista político alemão, Ulrich Brand,
tes que nos convocam a pensar sobre alterna-
o livro é dividido em seis capítulos que bus-
tivas anti-capitalistas: a manutenção da Amé-
cam vincular bases teóricas, experiências de
rica Latina em sua condição na cadeia global
implementação de políticas públicas e projetos
de produção enquanto primário-exportadora,
anti-sistêmicos. Assim, os autores entendem
refletindo também sobre o papel dos governos
que o pós-extrativismo e o decrescimento são
progressistas nesta dinâmica; as condições de re-
dois conceitos que contam com importantes
produção da vida no Norte Global que aumen-
contribuições para o debate que envolve
tam a concentração de riquezas e as desigual-
superar as relações de exploração e espoliação,
dades; as incapacidades de ações institucionais
seja entre grupos sociais, seja da humanidade
mobilizadas até hoje sobre a questão ecológica
em relação à natureza.
(a exemplo da COP21) que não logram êxi-
No primeiro capítulo do livro é aponta-
to em reorganizar as hierarquias de poder para
da a emergência de discussões sobre os debates
conter a mudança climática. Este paradigma é
de superação do modo capitalista de produção,
o velho que está morrendo e a crise sistêmica
assumindo que as condições materiais geradas
atual é o principal sintoma de falência.
pela reprodução do capitalismo global são as
O terceiro capítulo versa sobre a proposta,
condições produtoras das contradições que o
de decrescimento. Entendida como algo elabo-
livro se dedica a refletir. Este capítulo sinteti-
rado mais para dentro dos espaços acadêmicos,
za questões-chave, como a saturação da matriz
esta ideia pode ser entendida por uma breve de-
produtiva extrativista, os limites sociais e am-
dução lógica: se na atual divisão internacional
1 Doutorando em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e Mestre em Rela-
ções Internacionais pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Pesquisador do Grupo de Pesquisa sobre Globalização da Política
(GLOPOLI-UFBA). Contato: costasouzavitor@gmail.com. Salvador, Bahia, Brasil. ORCID: 0000-0002-9925-8911.
86 • Conjuntura Internacional • Belo Horizonte, ISSN 1809-6182, v.17 n.3, p.85 - 87, dez. 2020
do trabalho, o centro do capitalismo tem um
associadas aos modelos de desenvolvimento
padrão de vida baseado em condições de bem-
adotados ao longo da história que consolidou o
-estar que é resultado da exploração histórica dos
capitalismo enquanto sistema-mundo. Isso nos
países periféricos; para que seja possível romper
leva a refletir a necessidade de produção de mo-
com o modo de produção capitalista e sua base
delos de desenvolvimento baseado na história
produtiva de exploração incessante da Natureza,
política de cada povo, de forma a romper com
é necessário repensar o processo de crescimento
a imposição imperial e colonial de organização
constante que as economias capitalistas alme-
das nossas sociedades. Esses dois capítulos lan-
jam. Neste sentido, é preciso haver um decres-
çam importantes reflexões que amadurecem
cimento econômico dos países do norte global,
nossos pontos de partida para acreditarmos que
o que significaria a redistribuição da mais-valia
algo novo possa nascer.
que corre nos ciclos de circulação de capital. En-
No sexto e último capítulo se colocam
tretanto, tal formulação ainda se apresenta como
questões abertas que convida o leitor a agir
reatividade aos sintomas do interregno.
enquanto intelectual orgânico de sua própria
No quarto capítulo é discutida a ideia do
realidade. Ao buscar alternativas os autores ta-
pós-extrativismo. O conceito representa um
teiam algumas possibilidades de transformação
grande guarda-chuva de ideias e proposições
da realidade existente:
frutos do cotidiano latino-americano. O extra-
a) a solidariedade internacional entre mo-
tivismo é um padrão de matriz produtiva que
vimentos sociais organizados de todo o planeta
atravessa a história da América Latina, e que se-
é fundamental para construir alternativas polí-
gundo os autores, quando associado ao concei-
ticas que influenciem governos a executar uma
to marxista de acumulação primitiva de capital,
transição econômica, política e ecológica, ba-
são capazes de explicar a origem do capitalismo
seadas nas necessidades de garantia da vida e do
moderno, bem como as suas características de
bem-estar fora de uma matriz antropocêntrica;
saque e espoliação, profundamente marcadas
b) o bem-viver ou sumak kawsay é uma
por características coloniais e neocoloniais. A
fonte epistemológica e material de construção
construção da importância de avançarmos ao
de sociedades que sejam capazes de viver em
pós-extrativismo, por sua vez, é resultado da
harmonia com a natureza - onde a relação de
organização política de movimentos sociais em
consumo do que a terra produz está baseada na
toda a região, que ao serem vítimas diretas e in-
subsistência, na harmonia entre os seres vivos e
diretas da indústria de primeiro setor, apontam
no respeito aos ciclos biológicos;
a necessidade de explorar alternativas de matriz
c) para sermos capazes de construir essas
produtiva, para se construir o bem-viver.
alternativas, devemos pensar o papel do Esta-
No quinto capítulo são abordadas das
do na manutenção dos problemas levantados
pontencialidades que os conceitos são capazes
e nos limites que se encontram para que seja
de criar a partir da necessidade de discutir as
possível a superação do Estado. Para isto, os
realidades dos centros e das periferias do capi-
autores propõem que executemos processos
talismo de forma associada, o que acaba sendo
de remodelação das democracias, respeitando
o argumento central do livro. Por isso, os auto-
as particularidades de cada território, mas sem
res apontam como as condições de vida estão
abandonar a radicalidade necessária;
87 • Conjuntura Internacional • Belo Horizonte, ISSN 1809-6182, v.17 n.3, p.85 - 87, dez. 2020
d) por fim, para modelar o que se busca,
para dar suporte aos argumentos, as discussões
os autores colocam que não há receita ou cami-
também se associam ao marxismo como teoria
nho para o que vamos construir, e que devemos
essencialmente associada às lutas por emancipa-
observar as nossas próprias experiências para al-
ção humana e anti-coloniais - também dialo-
cançarmos os objetivos que resultem das refle-
gando com vertentes nascentes do marxismo,
xões, fazendo florescer uma sociedade onde o
como as proposições ecossocialistas. Da mesma
consenso político seja a norma que constrói os
forma, o texto amplia as capacidades das teorias
resultados esperados.
e metodologias decoloniais, apontando como as
Deste modo, o livro se coloca como ferra-
dinâmicas de reprodução social dos povos ori-
menta útil para um ponto de partida que supere
ginários podem contribuir decisivamente para a
os falsos debates sobre o desenvolvimento que
transição ecológica e econômica do nosso mun-
insistem em recair numa dinâmica predatória,
do. Mesmo com esse amplo diálogo, os autores
seja das condições humanas, seja das condições
não deixam dúvidas sobre a necessidade da con-
da natureza. Dando centralidade à ecologia
testação anticapitalista para o êxito na constru-
política como eixo de reflexão, é viabilizado o
ção do novo mundo que precisamos construir.
contato com as discussões mais recentes que
apontam a saturação do antropoceno, como re-
Referência
sultado das condições da natureza em se manter
ACOSTA, Alberto; BRAND, Ulrich. Pós-extrativismo e de-
como fornecedora incessante de recursos. A par-
crescimento: saídas do labirinto capitalista. São Paulo: Elefan-
tir das referências político-teóricas mobilizadas
te, 2018. ISBN 978-85-93115-19-6.