12 • Conjuntura Internacional • Belo Horizonte, ISSN 1809-6182, v.19 n.3, p.12 - 21, out. 2022
A África na governança ambiental
global: a vulnerabilidade socioambiental
e a Agenda 2063
Mariana Ferreira Torres1
Victor de Matos Nascimento2
Rodrigo Corrêa Teixeira3
DOI: 10.5752/P.1809-6182.2022v19n3p12-21
Recebido em: 28 de janeiro de 2021
Aprovado em: 13 de setembro de 2022
Resumo
O objetivo deste artigo é compreender a posição africana na governança ambiental
contemporânea. Por meio de revisão de literatura e da análise da alta vulnerabilidade
socioambiental - condição de boa parte dos países, observou-se que a Agenda 2063 é uma
proposta regional promissora, mas que também carrega consigo valores do Norte Global
responsáveis pela condição periférica do continente no debate ambiental.
Palavras-chave: África. Vulnerabilidade Socioambiental. Agenda 2063.
Abstract:
e objective of this article is to understand the African position in contemporary
environmental governance. rough a literature review and analysis of high socio-
environmental vulnerability - a condition of most countries, it was observed that Agenda
2063 is a promising regional proposal, but that it also carries with it values from the Global
North responsible for the peripheral condition of the continent in the environmental debate.
Keywords: Africa. Socio-environmental vulnerability. Agenda 2063.
Resumen:
El objetivo de este artículo es comprender la posición africana en la gobernanza ambiental
contemporánea. A través de una revisión de la literatura y un análisis de la alta vulnerabilidad
socioambiental - condición de la mayoría de los países - se observó que la Agenda 2063 es
una propuesta regional prometedora, pero que también lleva consigo valores del Norte Global
responsables de la condición periférica del continente en el debate medioambiental.
Palabras clave: África. Vulnerabilidad socioambiental. Agenda 2063.
1 Doutoranda em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG).
Mestre e Bacharel em Relações Internacionais pela PUC Minas. E-mail: marianaftorres22@gmail.com. ORCID:
https://orcid.org/0009-0000-1864-3344 .
2 Doutorando em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG). Mes-
tre e Bacharel em Relações Internacionais pela PUC Minas. E-mail: victormatosnasc@gmail.com. ORCID: https://
orcid.org/0000-0002-9767-0769 .
3 Professor do Departamento de Relações Internacionais e do Programa de Pós-graduação em Geograa – Trata-
mento da Informação Espacial da PUC-MG. Doutor em Geograa pela Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG). E-mail: rteixeira@pucminas.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9107-0498 .
Artigo
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ISSN 1809-6182, v.19 n.3, p.12 - 21, out. 2022
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Introdução
A África está no centro de muitos proble-
mas ambientais globais. Parte considerável de
seus países apresenta baixos índices de desenvol-
vimento socioeconômico, altos índices de vulne-
rabilidade e graves problemas inter-relacionados
à agenda ambiental, como pobreza, inseguran-
ça alimentar e desigualdades sociais. Soma-se
a constatação de que os países africanos estão
inseridos perifericamente no debate ambiental,
algo que pode ser explicado por, ao menos, três
condições: (1) suas contribuições históricas para
a degradação ambiental e emissões de Gases de
Efeito Estufa (GEE) serem menores em relação
às de países desenvolvidos; (2) outros proble-
mas, como a pobreza, tendem a ocupar o topo
das agendas nacionais por serem prioritários; e
(3) em geral possuem menos recursos para em-
preenderem medidas de adaptação e mitigação.
Diante deste contexto e destas condições
mencionadas, o objetivo deste artigo é com-
preender a posição da África na governança am-
biental contemporânea, percorrendo os desdo-
bramentos dessa discussão passados trinta anos
da Conferência das Nações Unidas sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento - também conhe-
cida como Rio-92, Eco-92 ou Cúpula da Terra,
realizada em 1992; aprofundando em dados so-
bre a vulnerabilidade ambiental do continente;
e reetindo sobre a Agenda 2063 para o desen-
volvimento sustentável e sua abordagem que
propõe um diálogo entre o entorno regional e
o internacional. Espera-se que este artigo, que
será conduzido por uma revisão de literatura
sobre o tema e pela análise da vulnerabilidade
ambiental de países do continente, contribua
para a consolidação e o aprofundamento dos
estudos da inserção do continente africano nos
debates ambientais contemporâneos.
A África na governança
ambiental global no contexto
pós-Rio 92
Dos 113 países que foram à Conferência
das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento
e Meio Ambiente Humano em Estocolmo no
ano de 1972, 32 eram africanos (28,3%)4. Já
em 1992, na Cúpula da Terra, dos 178 países
presentes, o número de delegações africanas foi
de 27 (15,1%)5. Além da quantidade de países
e das porcentagens, ao analisar as delegações
enviadas pelos Estados para ambas as confe-
rências, também se evidencia que a maior parte
dos países desenvolvidos era composta por de-
legações maiores, algumas com mais de vinte
membros, enquanto as delegações de países
africanos e latino-americanos eram menores,
em sua maioria com cerca de cinco membros
(UNITED NATIONS, 1972; UNITED NA-
TIONS, 1992).
Atualmente, no âmbito das Nações Uni-
das, há que se considerar dois órgãos fun-
damentais em relação ao meio ambiente e à
mudança do clima: o Programa das Nações
Unidas para o Meio Ambiente (UNEP) e a
Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a
Mudança do Clima (UNFCCC). Todos os 54
Estados membros do grupo regional africano
4 Argélia, Botswana, Burundi, Camarões, República
Centro Africana, República do Congo, Chipre, Dao-
mé (atual Benim), Egito, Etiópia, Gabão, Gana, Gui-
né, Costa do Marm, Quênia, Lesoto, Libéria, Ma-
dagascar, Malawi, Maurício, Mauritânia, Marrocos,
Níger, Nigéria, Senegal, África do Sul, Sudão, Togo,
Uganda, Tanzânia, República Democrática do Congo,
Zâmbia (UNITED NATIONS, 1972).
5 Angola, Botswana, Burkina Faso, Cabo Verde, Chipre,
Djibuti, Gabão, Gâmbia, Gana, Guiné, Guiné-Bissau,
Kiribati, Kuwait, Lesoto, Madagascar, Marrocos, Mau-
ritânia, Micronésia, Moçambique, Namíbia, Quênia,
República Centro Africana, Samoa, Senegal, Tanzânia,
Uganda e Zimbábue (UNITED NATIONS, 1992).
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das Nações Unidas estão nesses órgãos (UNEP,
2022; UNFCCC, 2022). Observa-se que, ao
menos numericamente, a participação de paí-
ses africanos hoje é maior nos principais fóruns
da governança ambiental global.
Para compreender a inserção do continente
no debate ambiental, é necessário observar que
quando os países do Norte Global convocaram a
Conferência de Estocolmo, ainda em 1968, sua
preocupação era com o crescimento demográ-
co e as intenções dos países em desenvolvimento
e pobres, então chamados de Terceiro Mundo,
de atingir os mesmos patamares dos países de-
senvolvidos, mediante a exploração de recursos
naturais. Para Estensoro (2019), os países do
Norte não queriam abrir mão dos privilégios
que conseguiram com a Ordem Internacional
do pós-Segunda Guerra, e tinham consciência
de que o Sul não poderia atingir padrões de vida
semelhantes aos seus, uma vez que replicar seu
modelo de desenvolvimento era ecologicamente
inviável (ESTENSORO, 2019).
A relação dos países do Sul, sobretudo
da África, com a questão ambiental, é muito
diferente da que possuem os países do Norte
Global. Enquanto os desenvolvidos propu-
nham um discurso ecológico que se tornou
hegemônico, enfatizando de modo crescente
que o problema ambiental é o principal e mais
urgente desao enfrentado pela humanidade,
muitas vezes acabaram por relativizar outros
problemas que eram mais urgentes em países
como os africanos, notadamente a pobreza e as
desigualdades sociais (ESTENSORO, 2019).
Evidentemente, a questão ambiental é ur-
gente e isto se rearma constantemente com a
publicação de novos dados cientícos, como os
relatórios de avaliação divulgados pelo Painel
Intergovernamental sobre Mudança do Cli-
ma (IPCC), e eventos climáticos extremos em
todo o planeta, como as inundações que atin-
giram a África, em 2021. Dois exemplos são:
(1) sete eventos reportados de seca extrema no
Quênia em setembro, com implicações para o
agravamento da insegurança alimentar de 2.1
milhões de pessoas; e (2) cinco eventos reporta-
dos de inundações na África do Sul em junho,
acarretando no deslocamento de cerca de 6.300
pessoas (EXTREME…, 2021).
O ponto é que a inserção do continente
africano no debate ambiental aconteceu me-
diante uma assimilação de ideias propagadas
pelo Norte, inclusive por OIs e ONGs, e só
mais recentemente começou a ganhar contor-
nos autônomos. Antes de nos aprofundarmos
em uma das principais iniciativas multilaterais
do continente, a Agenda 2063, na próxima
seção vamos contextualizar a vulnerabilidade
socioambiental da região, pensando-a também
em contraponto à dos países do Norte. Desse
modo, depois será possível reetir sobre o futu-
ro da governança ambiental africana.
A vulnerabilidade
socioambiental da África
Dados recentes do IPCC evidenciam que
as atividades antrópicas provocaram alterações
na composição da atmosfera, dos oceanos e da
superfície da terra. A mudança do clima em
curso resulta, principalmente, das atividades
antrópicas, e os impactos que decorrem desta
mudança são sentidos em todas as regiões do
mundo, impondo desaos para a humanidade
em diversos aspectos, sobretudo sobre a saúde
humana, os meios de subsistência e a produção
de alimentos (IPCC, 2021; 2022).
Embora os impactos da mudança do cli-
ma sejam sentidos em todo o mundo, sua in-
tensidade sobre as regiões é desigual, e as po-
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pulações mais vulneráveis a seus impactos são
aquelas dos países mais pobres e em desenvol-
vimento (IPCC, 1992). Este é o caso dos países
africanos, que apesar de suas contribuições para
o agravamento da mudança do clima serem re-
lativamente baixas quando comparadas às das
outras regiões, são os países mais propensos a
sofrer intensamente os danos provocados pela
mudança do clima.
Essa mudança é um desao particular
para a África, uma vez que pode implicar em
riscos para a economia dos países, para os in-
vestimentos em infraestrutura, para a saúde
pública, para a produção agrícola e de outros
meios de subsistência, assim como para os
sistemas hídricos (AFRICAN…, s/d). Desse
modo, representa uma ameaça real para a Áfri-
ca, pois pode colocar em risco todo o progresso
de desenvolvimento socioeconômico feito pe-
los países (BANQUE…, 2015). Ademais, há
que se considerar a baixa capacidade de adap-
tação política, econômica e social que os países
africanos têm demonstrado para responder aos
desaos impostos pela mudança do clima (SIL-
VEIRA; TEIXEIRA, 2015).
Considerando esses problemas e os desaos
para a adaptação a eles, tem-se que alguns países
são mais vulneráveis aos impactos da mudança
do clima do que outros, e alguns países estão
mais preparados para adotar medidas de adap-
tação e mitigação (UNIVERSITY…, 2015).
Assim, para pensar a vulnerabilidade socioam-
biental do continente africano, tomamos como
ponto de partida o índice da Iniciativa Global
de Adaptação (ND-GAIN) da Universidade de
Notre Dame, que mede duas dimensões: (1) a
vulnerabilidade e (2) a prontidão dos países.
A vulnerabilidade é denida como “a pro-
pensão ou predisposição das sociedades huma-
nas a serem negativamente impactadas pelas
ameaças climáticas” (UNIVERSITY OF NO-
TRE DAME, 2015, p.3, versão livre)6. Essa di-
mensão considera seis setores essenciais à vida:
alimentos, água, saúde, serviços ecossistêmicos,
habitats humanos e infraestrutura. Neste índi-
ce da vulnerabilidade as pontuações mais bai-
xas são as melhores e as pontuações mais altas
são as piores. Assim, quanto mais próxima de
0 for a pontuação de um país, menor é a sua
vulnerabilidade; e quanto mais próxima de 1
for a pontuação de um país, maior é a sua vul-
nerabilidade.
A dimensão da prontidão, por sua vez, é
medida com base na capacidade de resposta
de um país às questões econômicas, sociais e
de governança. (UNIVERSITY OF NOTRE
DAME, 2015). O índice de prontidão funcio-
na de maneira contrária ao índice da vulnera-
bilidade, ou seja, para este índice as pontuações
mais altas são as melhores e as pontuações mais
baixas são as piores. Assim, quanto mais pró-
xima de 1 for a pontuação de um país, maior
é a prontidão ou capacidade de resposta desse
país aos efeitos da mudança do clima; e quanto
mais próxima de 0 for a pontuação de um país,
menor é a prontidão ou capacidade de resposta
deste país aos efeitos da mudança do clima.
Uma vez apresentado o índice do ND
GAIN, convém destacar que o seu ranking
mais recente corresponde ao ano de 2019.
Desse modo, quanto ao índice da vulnerabili-
dade climática relativo ao ano de 2019, chama
atenção o fato de que dos 20 países menos vul-
neráveis à mudança do clima, 157 eram países
europeus, dois eram da Oceania, um era da
6 Propensity or predisposition of human societies to be
negatively impacted by climate hazards.
7 Noruega, Suíça, Áustria, Finlândia, Alemanha, Sué-
cia, Espanha, Reino Unido, Luxemburgo, França,
República Tcheca, Eslovênia, Islândia, Itália e Irlanda
(UNIVERSITY OF NOTRE DAME…, s/d).
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América do Norte, um era da América do Sul
e um era do Oriente Médio8. Em contraparti-
da, dos 20 países mais vulneráveis à mudança
do clima, 169 eram países africanos (UNIVER-
SITY OF NOTRE DAME, s/d). A partir dessa
observação, percebe-se a preponderância dos
países do Norte como Estados menos vulnerá-
veis à mudança do clima, e a situação crítica
dos países da África como nações mais vulnerá-
veis à mudança do clima.
8 Os dois países da Oceania eram: Nova Zelândia e
Austrália; da América do Norte, o Canadá; da Améri-
ca do Sul, o Chile; e do Oriente Médio, Israel. (UNI-
VERSITY OF NOTRE DAME…, s/d).
9 Mauritânia, Burundi, República Centro Africana,
Serra Leoa, Ruanda, Benin, Uganda, Eritreia, Repú-
blica Democrática do Congo, Mali, Libéria, Sudão,
Chade, Guiné-Bissau, Somália e Níger (UNIVERSI-
TY OF NOTRE DAME…, s/d).
O gráco 1 evidencia a discrepância entre
os dois extremos do índice da vulnerabilidade.
Entretanto, ressalta-se que embora o ranking
seja de 2019, os dados grácos somente estão
disponíveis até 2014, e por essa razão, os grá-
cos apresentados tanto para a vulnerabilidade
quanto para a prontidão corresponderão a este
período. Dito isso, no que concerne à vulne-
rabilidade, tem-se, por um lado, os dois países
menos vulneráveis à mudança do clima, No-
ruega e Suíça, que são países europeus, e por
outro lado, os dois países mais vulneráveis à
mudança do clima, Somália e Níger, que são
países africanos.
O gráco 1 mostra os seis setores essenciais
que constituíam a vulnerabilidade dos quatro
países mencionados, em 2014. O que se perce-
Gráfico 1 - Componentes da vulnerabilidade de Níger, Noruega, Somália e Suíça (2014)
Fonte: University of Notre Dame (2015)
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be é uma enorme diferença entre os setores e os
países. Uma vez que para o índice da vulnerabi-
lidade as pontuações mais baixas são melhores
e as mais altas são piores, tem-se que Noruega
e Suíça tiveram pontuações mais próximas de 0
e mais distantes de 1, sendo 0.223 e 0.242, res-
pectivamente. Essas pontuações foram as mais
baixas entre todos os países avaliados, portan-
to, Noruega e Suíça eram os dois países menos
vulneráveis à mudança do clima. Em contrapar-
tida, Somália e Níger tiveram suas pontuações
mais próximas de 1 e mais distantes de 0, sendo
0.687 e 0.622, respectivamente. Uma vez que
essas foram as pontuações mais altas entre todos
os países avaliados, Somália e Níger eram os dois
países mais vulneráveis à mudança do clima.
O gráco 1 também evidencia outros dois
pontos importantes, sendo eles: (1) em relação
ao meio ambiente; e (2) em relação à dimen-
são social. Primeiro, os setores em que os países
africanos apresentaram maior vulnerabilidade
(água, alimentos, saúde, habitats humanos e ser-
viços ecossistêmicos) estão diretamente relacio-
nados ao meio ambiente. Em contrapartida para
os dois países europeus somente a Suíça apre-
sentou uma maior vulnerabilidade em um setor
diretamente relacionado ao meio ambiente, que
foi o setor água. Em segundo lugar, o mesmo
pode ser observado para a dimensão social, ou
seja, os países africanos apresentaram maiores
vulnerabilidades nos setores da saúde, da infraes-
trutura e dos habitats humanos, embora signi-
cativamente menores do que a vulnerabilidade
dos setores relacionados ao meio ambiente. Os
países europeus, por sua vez, apresentaram vul-
nerabilidades muito menores em comparação
aos africanos, sendo que o setor de menor vul-
nerabilidade e maior destaque para estes países
é o da saúde, pois tanto Noruega quanto Suíça,
tiveram uma pontuação quase nula neste setor.
Quanto ao índice da prontidão e também
para o ano de 2019, chama atenção o fato de que
dos 20 países menos preparados para lidar com
os efeitos adversos da mudança do clima, 1410
eram africanos. Em contrapartida, dos 20 paí-
ses mais bem preparados, 1311 eram europeus,
3 eram asiáticos, 2 eram da Oceania e outros
2 eram da América do Norte12 (UNIVERSITY
OF NOTRE DAME…, s/d). A partir dessa ob-
servação, percebe-se uma conguração similar à
do índice da vulnerabilidade no que diz respeito
à preponderância dos países do Norte Global
sobre os países africanos. Todavia, cabe desta-
car que aqui também há a relevância de outros
continentes como Ásia, Oceania e América do
Norte no que diz respeito ao enfrentamento aos
desaos da mudança do clima. O ponto mais
importante é que, assim como para o índice da
vulnerabilidade, para o índice da prontidão, dos
20 países mais bem classicados, nenhum deles
era africano. Feita essa observação, percebe-se a
preponderância dos países do Norte como mais
bem preparados para enfrentar e se adaptar aos
desaos impostos pela mudança do clima, e a
situação crítica dos países da África como na-
ções menos preparadas e adaptadas para enfren-
tar os efeitos da mudança do clima.
O gráco 2 evidencia a discrepância en-
tre os dois extremos do índice da prontidão, de
10 Sudão, Burundi, Guiné-Bissau, Madagascar, Ca-
marões, Angola, República Democrática do Congo,
Guiné-Equatorial, Nigéria, República do Congo,
Zimbábue, Eritreia, Chade e República Centro Afri-
cana (UNIVERSITY OF NOTRE DAME…, s/d).
11 Mônaco, Noruega, Dinamarca, Finlândia, Suécia,
Islândia, Suíça, Áustria, Alemanha, Reino Unido,
Países Baixos, França e Luxemburgo (UNIVERSITY
OF NOTRE DAME…, s/d).
12 Os três países asiáticos eram Singapura, República da
Coreia e Japão; os dois países da Oceania eram Nova
Zelândia e Austrália; e os dois países da América do
Norte eram Estados Unidos e Canadá (UNIVERSI-
TY OF NOTRE DAME…, s/d).
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acordo com o ranking de 2019. Por um lado,
tem-se os dois países mais prontos, sendo um
europeu, Mônaco, e um asiático, Singapura,
e por outro lado, tem-se os dois países menos
prontos, sendo esses o Chade e a República
Centro Africana, ambos países africanos.
Gráfico 2 - Componentes da prontidão de Chade, Mônaco, República Centro Africana e
Singapura (2014)
Fonte: University of Notre Dame (2015)
Aqui, novamente destaca-se que, embora
o ranking da prontidão seja de 2019, os dados
grácos somente estão disponíveis até 2014.
Logo, os grácos apresentados acima tanto para
a vulnerabilidade quanto para a prontidão cor-
respondem a este período. Dito isso, o gráco
2 evidencia, mais uma vez, a discrepância en-
tre as capacidades de respostas entre os países.
Contudo, aqui observa-se a preponderância de
um país asiático, Singapura, em comparação aos
dois países africanos. Além disso, chama atenção
a ausência dos dados para o Mônaco, o que é
surpreendente, tendo em vista o status do país.
De todo modo, uma vez que para o índice
da prontidão as pontuações mais altas são as me-
lhores e as pontuações mais baixas são as piores, o
gráco 2 evidencia que Singapura teve a pontua-
ção mais próxima de 1, sendo 0.981, enquanto
Chade e Níger tiveram as pontuações mais próxi-
mas de 0, sendo 0.172 e 0.221, respectivamente.
Portanto, Singapura se congurava como um país
mais pronto para enfrentar os desaos da mudan-
ça do clima, enquanto Chade e Níger se congu-
ravam como os dois países menos prontos.
Com estes dados tentamos evidenciar a
vulnerabilidade socioambiental do continente
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africano. É fato que uma série de elementos
históricos são relevantes para essa discussão.
Contudo, não podemos deixar de destacar o
crescente papel de ameaça que a mudança do
clima representa para todos os países da Áfri-
ca. Ainda, há de se considerar que a elabora-
ção de políticas para lidar com a mudança do
clima e seus impactos se torna cada dia mais
complexa (IPCC, 2022). Desse modo, embora
esforços cooperativos regionais e multilaterais
tenham sido feitos, estes não têm se mostrado
sucientes para lidar com este problema am-
biental global (FRANCHINI et al., 2017). A
partir disso, discutiremos o papel importante
desempenhado pela União Africana no avanço
do desenvolvimento econômico e sustentável
dos países do continente africano.
Agenda 2063: entre o regional
e o internacional
Considerando o panorama apresentado
sobre a vulnerabilidade africana e a inserção do
continente na governança ambiental, é possí-
vel pensar na Agenda 2063 enquanto uma das
maiores expressões da autonomia da África nes-
sa discussão. A Agenda foi lançada pela União
Africana em abril de 2015, mesmo ano em que
as Nações Unidas lançaram a Agenda 2030 com
os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentá-
vel (ODS) (UNITED NATIONS, 2015). No
entanto, a União Africana e seus países sabiam
que seria utópico atingir as metas propostas pe-
las Nações Unidas, uma vez que as realidades e
os recursos dos países são muito díspares.
Assim, a Agenda 2063 busca reetir as
realidades locais do continente e, tal como a
União Africana, promover sua unidade. “A
Agenda 2063, enraizada no Pan-Africanismo e
na Renascença Africana, constitui um quadro
robusto para a resolução das injustiças passadas
e a concretização do Século 21 como o Sécu-
lo da África” (UNIÃO AFRICANA, 2015, p.
01). O Pan-Africanismo, corrente de pensa-
mento proposta pelo ativista e sociólogo W. E.
B. Dubois, visava unir os povos do continente
africano para lhes dar voz internacionalmente.
Já a Renascença Africana, inicialmente pro-
posta pelo historiador e antropólogo senegalês
Cheikh Anta Diop, buscava promover uma
renovação cientíca, econômica e cultural do
continente para lidar com seus desaos (OLI-
VEIRA; OTÁVIO, 2021).
Ao serem incorporadas na formulação
da Agenda 2063, essas ideias representaram a
vontade dos países africanos de se adaptarem
aos preceitos da globalização neoliberal e tam-
bém de repensarem sua inserção internacional
em temas como desenvolvimento e meio am-
biente. Oliveira e Otávio (2021) classicam
essa abordagem africana como híbrida, uma
vez que considera elementos da Ordem Liberal
Internacional, mas também aqueles que são es-
pecícos da realidade do continente.
A Agenda 2063 possui sete aspirações: (1)
prosperidade, desenvolvimento sustentável e
crescimento inclusivo; (2) integração baseada no
Renascimento Africano e no Pan-Africanismo;
(3) boa governança, democracia, justiça, respeito
ao estado de direito e aos direitos humanos; (4)
segurança e pacismo; (5) reforço da identidade
cultural; (6) foco no potencial da juventude, das
crianças e das mulheres; e (7) a África enquanto
um ator internacional inuente e forte (UNIÃO
AFRICANA, 2015). Como se observa, a Agenda
propõe uma abordagem voltada para o continen-
te, mas está também ancorada em valores que fo-
ram se dissipando após a Segunda Guerra Mun-
dial e que também estão presentes na Agenda
2030, como a democracia e os direitos humanos.
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Ainda que as propostas da Agenda 2063
sejam inspiradoras, os desaos relacionados à
vulnerabilidade socioambiental do continente,
como a pobreza e a insegurança alimentar, con-
tinuam enormes, e tal como prevê o IPCC, há
sinais de que irão se agravar no futuro próximo.
Para Estensoro (2019), milhões de habitantes
do Sul Global, principalmente aqueles de paí-
ses africanos, já enfrentam a catástrofe ecológi-
ca que tanto se quer evitar. O Norte foi muito
bem-sucedido em colonizar o imaginário do
Sul, inclusive de tomadores de decisão e seto-
res ambientalistas, que apenas absorveram a
ideia de que a crise ambiental é o maior desao
enfrentado pela humanidade, mas não a rein-
terpretam considerando suas realidades locais.
Para Oliveira e Otávio (2021), caso esta estra-
tégia híbrida da Agenda 2063 funcione, isso
levaria os países africanos a maiores níveis de
desenvolvimento e integração, que por sua vez
poderia corroborar para os tornarem grandes
atores internacionais, não só nos debates am-
bientais, mas também em outros temas impor-
tantes para o continente, como a luta contra o
racismo e a xenofobia.
Considerações Finais
O objetivo deste artigo era compreender
a posição do continente africano na governan-
ça ambiental contemporânea. Passados cin-
quenta anos da Conferência de Estocolmo, e
trinta anos da Rio-92, observa-se que durante
muitos anos faltou à África uma maior partici-
pação em conferências ambientais, bem como
uma abordagem autônoma pensada e orientada
pelo próprio continente. Ao analisar a vulnera-
bilidade ambiental de alguns países africanos,
percebe-se que a região gura entre uma das
mais propensas a sofrerem intensamente com
a exposição aos a problemas ambientais. Ade-
mais, também se percebe que os países da re-
gião possuem baixas capacidades de resposta e
adaptação aos desaos, sobretudo sociais, im-
postos pela mudança do clima.
Em relação à Agenda 2063, nota-se que
se trata de uma proposta híbrida, uma vez que
traz consigo valores regionais, mas também re-
ete outros valores que são ocidentais e liberais,
além de tentar instrumentalizar o desenvolvi-
mento sustentável para potencializar a inserção
do continente no cenário internacional. Fato
é que o contraste entre os países mais desen-
volvidos e os países africanos se mostra muito
evidente nessa discussão, uma vez que as vul-
nerabilidades e capacidades de resposta são, em
geral, muito díspares, e embora os países africa-
nos estejam atualmente mais presentes na go-
vernança ambiental global do que estiveram há
50 e 30 anos atrás, ainda estão sujeitos à muitos
valores e abordagens que vêm do Norte Global.
O que se observa, portanto, é a necessidade de
o continente africano atuar cada vez mais de
modo conjunto - e a União Africana se apre-
senta enquanto o espaço para esse debate - para
que consiga avançar nas propostas da Agenda
2063 e mitigar suas vulnerabilidades socioam-
bientais, almejando um futuro mais justo, sus-
tentável e próspero a toda à sua população.
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