16 • Conjuntura Internacional • Belo Horizonte, ISSN 1809-6182, v.19 n.2, p.16 - 24, jul. 2022
Continuidades entre as políticas externas
de Biden e Trump para Palestina/Israel
Continuities between Biden and Trumps foreign policies for Palestine/Israel
Continuidades entre las políticas exteriores de Biden y Trump para Palestina/Israel
Bruno Huberman1
Reginaldo Nasser2
DOI: 10.5752/P.1809-6182.2022v19n1p16-24
RESUMO
Biden tem reduzido a importância de Palestina/Israel aos EUA. O governo manteve as
políticas favoráveis aos israelenses promovidas por Trump que alteraram a geopolítica do
Oriente Médio sob a pressão do lobby e do governo israelenses. As medidas aos palestinos
têm contribuído para pacicar as suas reivindicações de libertação nacional.
Palavras-chave: Governo Biden; Palestina/Israel; Oriente Médio.
ABSTRACT
Biden has reduced the importance of Palestine/Israel to the US. e administration
maintained the pro-Israeli policies promoted by Trump that altered the geopolitics of the
Middle East under pressure from the Israeli lobby and government. e measures to the
Palestinians have contributed to pacify their demands for national liberation.
Keywords: Biden administration; Palestine/Israel; Middle East.
RESUMEN
Biden ha reducido la importancia de Palestina/Israel para Estados Unidos. La
administración mantuvo las políticas pro-israelíes promovidas por Trump que alteraron la
geopolítica de Medio Oriente bajo la presión del lobby y el gobierno israelí. Las medidas a
los palestinos han contribuido a pacicar sus demandas de liberación nacional.
Palabras clave: Administración Biden; Palestina/Israel; Oriente Medio.
1 Prof do curso de Relações Internacionais da PUC (SP). Doutor em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-
-Graduação San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp e Puc-SP). Vice-Coordenador do GECI (Grupo de Estudos sobre
Conitos Internacionais) e pesquisador do INEU (Instituto de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os EUA).
bhuberman@pucsp.br
2 Prof Livre-docente na área de Relações Internacionais da PUC (SP) e do Programa de Pós-Graduação San Tiago
Dantas (Unesp, Unicamp e Puc-SP). Coordenador do GECI (Grupo de Estudos sobre Conitos Internacionais) e
pesquisador do INEU (Instituto de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os EUA). regnasser@pucsp.br
Artigo
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INTRODUÇÃO
Durante o governo Donald Trump
(2016-2020), as relações entre Israel e EUA
possivelmente passaram pela maior transfor-
mação desde que a “amizade especial” entre
os países foi selada pelo estadunidense Lyn-
don Johnson e o israelense Levi Eshkol após a
vitória de Israel na Guerra dos Seis Dias, em
1967, contra Egito, Síria e Jordânia. Contu-
do, até 2016, os EUA sempre buscaram fazer
um contrapeso em relação aos palestinos e às
suas reivindicações de libertação nacional. Os
EUA têm sido críticos da ocupação israelen-
se dos territórios palestinos da Cisjordânia e
Gaza, que viola a lei internacional, e defen-
sores ativos de uma solução de dois Estados.
Trump foi o primeiro líder a acabar com qual-
quer forma de mediação com os palestinos e
assumir uma posição radicalmente favorável
aos israelenses.
O que o presidente Joe Biden (2021- )
tem feito em seu governo é manter o status
quo estabelecido pelo seu antecessor sem
qualquer tipo de contrapeso relevante em re-
lação aos palestinos. As ações estadunidenses
têm se caracterizado por simbolismos que são
incapazes de alterar a balança de poder na di-
reção do respeito dos direitos humanos dos
palestinos. Isto é, na relação EUA-Palestina/
Israel, entendemos que há mais continuida-
des do que descontinuidades na mudança de
governo, apesar de Biden ter se apresentado
como o anti-Trump durante a campanha elei-
toral. O m do governo Benjamin Netanyahu
(2009-2021) em Israel, substituído por uma
coalizão liderada pelo direitista Naftali Ben-
nett (2021-2022), tampouco signicou qual-
quer mudança relevante. O retorno de Netan-
yahu em 2022, na liderança de uma coalizão
com partidos de extrema-direita, consolidou
o projeto ultranacionalista de colonização dos
territórios palestinos.
Entre as razões para a continuidade do
status quo, destacamos: i – pela primeira vez,
no pós-Guerra Fria, ocorre a perda relativa
de importância do Oriente Médio na política
externa dos EUA, em que se prioriza o Leste
Asiático, particularmente a China, e o Leste
Europeu, onde ocorre a Guerra Rússia-Ucrâ-
nia; ii – as alterações na geopolítica do Oriente
Médio promovidas por Trump, que aproxima-
ram Israel de alguns países árabes, e isolaram
ainda mais os palestinos; e iii – a força do lob-
by israelense nos EUA, que contém o impacto
de forças progressistas favoráveis aos palestinos
que ajudaram a eleger Biden.
Neste artigo iremos analisar cada uma
dessas razões com o objetivo de compreender
a transição promovida pelo governo Biden nas
relações dos EUA com Palestina/Israel. En-
tendemos que a gestão do democrata revela a
semelhança com os republicanos quando o as-
sunto é a Questão Palestina e contribui para
derrubar o véu progressista que caracterizou
as gestões democratas de Bill Clinton (1993-
2000) e Barack Obama (2009-2016), respon-
sáveis por alimentar ilusões de que os EUA
poderiam ser verdadeiramente comprometidos
com a independência da Palestina.
Quando vice-presidente de Obama, Bi-
den armou que “[s]e não houvesse um Israel,
teríamos que inventar um para garantir que
nossos interesses fossem preservados. [...] O
apoio da América para a segurança de Israel é
inabalável» (Daily News, 2013). Um declarado
apoiador de Israel, Biden visitou o país mais de
dez vezes em suas cinco décadas como político
(Sommer, 2022).
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A POLÍTICA EXTERNA DE
BIDEN PARA PALESTINA/
ISRAEL
A administração Biden tem se caracteri-
zado pela grande atenção às questões de polí-
tica doméstica, como o combate à pandemia
de Covid-19 e investimentos em infraestrutu-
ra para aquecer a economia. No plano exter-
no, a agenda ambiental tem ganhado desta-
que, enquanto as preocupações de segurança
se transferiram para China e Rússia — os
embates com os russos mudaram de teatro de
operações: da Síria para a Ucrânia. No Grande
Oriente Médio (Amineh, 2007), Biden tem
mantido a estratégia de Trump de diminuir a
presença militar dos EUA. A ação mais notá-
vel foi a apressada retirada das tropas do Afe-
ganistão em 30 de agosto de 2021, mas que na
verdade já estava estabelecida desde o governo
anterior. A desocupação estadunidense depois
de vinte anos ocorreu diante do avanço das
forças do Taleban, que tomou Cabul e insta-
lou um novo governo sob o apoio de Irã, Chi-
na e Rússia. Biden mantém ainda unidades
militares de treinamento no Iraque para com-
bater o Isis (Estado Islâmico do Iraque e da
Síria).3 Na Síria, um número similar de tro-
pas também atua contra o Isis, apoia as forças
aliadas curdas, defende campos de petróleo e
contribui para a defesa da fronteira com Israel
(Rudaw, 2022).4 Uma série de ataques aéreos
por EUA e Israel também são constantemente
realizados na região.
3 Os EUA já haviam desocupado o Iraque em 2011
depois da invasão de 2003 e retornaram em 2015.
4 Após aumentar o envolvimento estadunidense na Sí-
ria no início de seu mandato, Trump ordenou uma
retirada parcial das tropas no nal de 2018, o que per-
mitiu o avanço de forças russas, síria, iranianas e turcas
sobre áreas antes controladas pelos EUA e seus aliados.
O boicote econômico imposto pelos EUA
e aliados à Rússia têm provocado importantes
desdobramentos na economia política interna-
cional. A queda na circulação de mercadorias
russas nos circuitos ocidentais, particularmente
do petróleo, é uma das razões pelas quais a in-
ação global cresceu em 2022, obrigando o Fed
(Banco Central dos EUA) a aumentar os juros
e esfriar a economia estadunidense (Reuters,
2022). A primeira medida de Biden foi sus-
pender as sanções à Venezuela e permitir que
empresas europeias voltassem a comercializar
petróleo com o país para compensar a ausên-
cia do óleo russo (Estanislau, 2022). Contudo,
para inuenciar no preço do barril de petróleo,
os EUA precisam de uma ação mais robusta na
política energética, o que passa pelas suas re-
lações com o Oriente Médio, especialmente a
Arábia Saudita.
Na campanha de 2020, Biden armou que
a Arábia Saudita deveria ser tratada como um
Estado “pária” e que seria duro com o país dian-
te do assassinato do jornalista Jamal Khashoggi
na embaixada saudita na Turquia, em 2018
(Baker; Hubbard, 2022). No início do manda-
to, Biden se afastou dos sauditas e não recebeu
o príncipe herdeiro, Mohammed bin Salman.
O presidente estadunidense buscou reconstruir
a relação com os sauditas em sua primeira via-
gem ao Oriente Médio em julho de 2022, com
paradas na Arábia Saudita, Israel e os Territórios
Palestinos Ocupados (TPO). Contudo, Biden
não conseguiu um compromisso dos sauditas e
viu a Organização dos Países Exportadores de
Petróleo (Opep) diminuir a produção global de
petróleo, jogando os preços dos combustíveis
para cima (Aljazeera, 2022b). Apesar dos EUA
terem desenvolvido novas fontes energéticas, os
preços de petróleo e gás continuam a pressionar
a inação global e a estabilidade socioeconômi-
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ca de suas alianças europeias na guerra contra
a Rússia. É nesse contexto em que se situa as
relações dos EUA com Palestina/Israel.
Biden prometeu restabelecer as relações
com Palestina/Israel dentro de uma suposta
normalidade anterior a Trump. Contudo, os
primeiros anos da sua administração se carac-
terizaram por ações meramente simbólicas em
relação aos palestinos. Os EUA retomaram a
contribuição, encerrada por Trump, à UNRWA
(Agência das Nações Unidas de Assistência aos
Refugiados da Palestina) no valor de US$ 150
milhões — metade do que destinava até 2018
—, essencial ao auxílio dos refugiados pales-
tinos no combate à pandemia de COVID-19
(Jansen, 2021). No entanto, silenciaram sobre
as restrições impostas pelos israelenses à vaci-
nação nos TPO, o que prejudicou o combate
à pandemia (Agostinelli, 2021). Além disso,
os democratas restabeleceram as relações com
a OLP (Organização pela Libertação da Pales-
tina) cortada pelo ex-presidente republicano,
reservaram US$ 75 milhões para projetos hu-
manitários em 2021, e deram início, em 2022,
ao Middle East Partnership for Peace Act, pro-
jeto de 2020 que destina à USAID US$ 250
milhões durante cinco anos para iniciativas
de coexistência entre israelenses e palestinos
(USAID, 2022). Contudo, Biden não reabriu
a representação da OLP em Washington e tam-
pouco o Consulado dos EUA em Jerusalém
para tratar com a AP (Autoridade Palestina),
ambos fechados por Trump, por causa da pres-
são exercida por Bennett.
Com exceção da permissão de reunião fa-
miliar entre palestinos da Cisjordânia e da Fai-
xa de Gaza e da expansão da rede de telefonia
móvel nos TPO, que somente em 2021 pas-
sou a contar com rede 4g após anos bloqueada
pelos israelenses, os demais pedidos palestinos
têm sido negados: medidas mais efetivas para
impedir a presença militar israelense em áreas A
da Cisjordânia, onde está presente a autorida-
de civil e militar da AP; a paralisação da cons-
trução de assentamentos israelenses; a soltura
de prisioneiros políticos palestinos; e acesso da
AP a Allenby Bridge, que conecta Cisjordânia
a Jordânia, única via de saída dos palestinos ao
exterior. O presidente da AP, Mahmoud Abbas,
teve que esperar quatro meses para conseguir
um telefonema com Biden após a sua posse
(Khoury, 2022).
Biden manteve o reconhecimento por
Trump da soberania israelense sobre a Jeru-
salém Oriental e as Colinas de Golã em con-
trariedade à lei internacional (Falk, 2021), e a
adoção dos EUA da denição de antissemitis-
mo da International Holocaust Remembrance
Alliance na qual críticas a Israel são entendi-
das como formas de racismo anti-judeu (Arria,
2021). Sob críticas de setores progressistas do
Partido Democrata, principalmente de par-
lamentares do DSA (Democratic Socialists of
America), Biden culpou exclusivamente o Ha-
mas pelos bombardeamentos israelenses a Faixa
de Gaza em maio de 2021 e defendeu o direi-
to de Israel se defender de forma assimétrica
por meio de ataques aéreos (Weiss, 2021a); no
mesmo mês, anunciou a venda de US$ 735 mi-
lhões em armas para Israel (Zengerle, 2021);
doou US$ 1 bilhão para o Iron Dome, o sis-
tema de defesa aéreo israelense, além dos US$
38 bi anuais já destinados a Israel em ajuda mi-
litar (Weiss, 2021c); não contestou a decisão
do governo israelense de enquadrar seis ONGs
palestinas de direitos humanos envolvidas na
luta anti-apartheid como organizações terroris-
tas, o que tem dicultado o seu nanciamento
internacional (Arria, 2022); e não pressionou
por uma investigação independente do assassi-
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nato da jornalista palestina-estadunidense Shi-
reen Abu Akleh por um sniper israelense em
maio de 2022 (Harb, 2022), isto é, não buscou
punição pelo assassinato de uma cidadã dos
EUA. Além disso, o presidente dos EUA tem
encontrado resistência israelense para retomar
as negociações de um acordo nuclear com o I
abandonado por Trump. “Nós nos tornamos
amigos próximos”, disse Biden durante a visita
de Bennett aos EUA em 2021 (Weiss, 2021b).
Segundo ociais da AP, os EUA pediram
aos palestinos que aguardassem um fortaleci-
mento do governo Bennett — que nunca veio
— para retomar as negociações. O Conselho
Nacional Palestino inclusive autorizou Abbas
a pôr m à cooperação de segurança com os
israelenses e ao reconhecimento de Israel para
pressionar por um avanço nas conversas, mas
nada foi feito (Khoury, 2022). Em junho de
2022, a coalizão de Bennett ruiu para não sus-
pender a lei que estende a legislação civil is-
raelense aos colonos judeus nos TPO sem que
nenhum passo fosse dado na direção da con-
ciliação com os palestinos. Embora derrotado
eleitoralmente, o projeto de Trump e Netan-
yahu tem se mostrado vitorioso ao estabelecer
um novo parâmetro para um acordo político
fundado sobre o reconhecimento da expansão
das fronteiras coloniais israelenses ao custo de
vidas e terras palestinas, isolando ainda mais os
palestinos internacionalmente.
Nesse sentido, julgamos que os Acordos
de Abraão (2020), que normalizou as relações
de Israel com EAU (Emirados Árabes Unidos),
Bahrein, Sudão e Marrocos, são fundamentais
para entender essa nova conjuntura. A nor-
malização das relações de Israel com países da
região, Egito, em 1979, e Jordânia, em 1994,
ocorreram com contrapartidas aos palestinos,
diferentemente dos acordos feitos por Trump
e Netanyahu em 2020. Embora as elites árabes
tenham reivindicado que a aproximação com
Israel signicaria um passo para a paz e de reco-
nhecimento de um Estado palestino, o que tem
se observado é o estreitamento das relações eco-
nômicas e militares com Israel em detrimento
dos palestinos. Por exemplo, as relações Israel e
Emirados Árabes Unidos (EAU) têm orescido
nos últimos dois anos: empresas high-tech is-
raelenses passaram a investir no país e milhares
de turistas israelenses têm visitado Dubai (AFP,
2021); a realização de exercícios militares em
Israel contou com a participação de jatos emi-
radenses (Aljazeera, 2021); e em 2022, EAU
e Israel selaram um acordo de livre comércio
(Aljazeera, 2022a). Em março de 2022, di-
plomatas do Egito, Marrocos, Bahrain, UAE,
EUA e Israel se reuniram na Cúpula do Negev,
em Israel, para discutir a possibilidade de uma
aliança militar que poderia ainda contar com
Jordânia, Arábia Saudita e Iraque. Apelidada de
“Otan do Oriente Médio”, a aliança regional
serviria para confrontar o “Irã e as suas milí-
cias associadas”, armou o então ministro das
Relações Exteriores, Yair Lapid (Smartencyclo-
pedia, 2022). Apesar de ainda estar na agenda a
normalização das relações entre Israel e Arábia
Saudita, não há qualquer tipo de tensionamen-
to entre eles.
Com uma aproximação dos aliados dos
EUA no Oriente Médio a partir da expansão
de projetos econômicos de inspiração neoli-
beral e uma estratégia de confrontação ao Irã,
tem se avançado os objetivos políticos e eco-
nômicos do início dos anos 1990, quando al-
mejava-se construir uma área de livre comér-
cio em todo o Grande Oriente Médio a partir
dos Acordos de Oslo (1993-95). O comércio
entre Israel e as nações árabes que rmaram
os Acordos de Abrãao excederam US$ 2,8
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bilhões de dólares em 2022, particularmente
no setor militar e de cibersegurança (MEMO,
2023). E, nesse momento, sem qualquer tipo
de resolução da Questão Palestina, como sem-
pre desejaram os israelenses. Enquanto isso,
os palestinos cam presos aos mecanismos de
statebuilding erguidos em Oslo e mantidos
por doações internacionais, particularmente
dos EUA (Haddad, 2016).
Contudo, a normalização das relações en-
tre Irã e Arábia Saudita, em acordo mediado
pela China em fevereiro de 2023, mina as pre-
tensões geopolíticas israelenses. Já as revoltas
sociais entre os israelenses judeus por causa da
tentativa de Netanyahu reformar o Judiciário
para ampliar os seus poderes mancha a repu-
tação de Israel como supostamente a “única
democracia do Oriente Médio”. Os ataques
violentos por colonos ultranacionalistas contra
palestinos, como no pogrom promovido no vi-
larejo de Huwara em fevereiro de 2023, apro-
funda a crise de legitimidade do Estado e do
governo israelenses.
A QUESTÃO PALESTINA/
ISRAEL NA POLÍTICA INTERNA
DOS EUA
Biden foi eleito com um amplo apoio de
integrantes dos movimentos palestino, negro,
indígena e do DSA envolvidos na campanha por
BDS (Boicote, Desinvestimentos e Sanções) a
Israel, e que almejavam uma transformação
nas relações dos EUA com o Oriente Médio.
Os principais fatores internos para a frustração
dos setores progressistas da base democrata são
o lobby israelense e o eleitorado judeu. Mear-
sheimer e Waltz (2008) reivindicam que a razão
fundamental para o apoio incondicional dos
EUA a Israel seria o lobby israelense formado
por grupos judeus, israelenses, evangélicos e
neoconservadores que exercem inuência nos
corredores de Washington e na mídia estaduni-
dense. Embora certamente este lobby tenha um
papel fundamental para a forma como a aliança
é construída, não é a única variável: as ques-
tões geopolíticas do Oriente Médio e a política
energética dos EUA também possuem grande
relevância, como notamos acima.
Muitos relacionam o lobby israelense com
grupos conservadores vinculados ao Partido
Republicano, em particular o Aipac (American
Israel Public Aairs Committee), que nos anos
Obama e Trump assumiu uma posição mais
ostensivamente favorável aos republicanos por
causa das políticas divergentes destes presiden-
tes ao programa nuclear iraniano. Contudo, o
lobby é heterogêneo e historicamente tem uma
ação bipartidária. Os judeus são, ao lado dos
afro-estadunidenses, o grupo mais simpático
aos democratas do país. Aproximadamente
75% da comunidade judaica se considera de-
mocrata. A aliança entre EUA e Israel foi histo-
ricamente defendida pelos democratas a partir
da defesa de valores liberais, democráticos e o
respeito às minorias. A aproximação dos repu-
blicanos com Israel ocorreu a partir da ascen-
são dos neoconservadores nos anos 1980, e do
fortalecimento de grupos evangélicos (Beinin,
2021).
No governo Biden, o Aipac perdeu espaço
para o movimento sionista liberal JStreet como
o principal lobby israelense nos corredores da
Casa Branca (Plitnick, 2022). O JStreet susten-
ta a manutenção da “amizade especial” entre as
nações, mas que passe a ser condicional, como
almejam setores mais à esquerda do Partido
Democrata. A organização defende que ao me-
nos uma parcela da ajuda militar seja destinada
para a construção da paz com os palestinos.
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A força do lobby israelense decorre da re-
presentação desproporcional dos judeus sionis-
tas no nanciamento de campanhas eleitorais.
Um estudo de 2015 demonstrou que os judeus
doaram 50% de todo o dinheiro do Partido De-
mocrata e 25% do Partido Republicano. Shel-
don Adelson, o maior doador republicano em
2012 e 2016, é proprietário do maior jornal de
circulação de Israel e apoiador de Netanyahu.
A família Clinton tem entre os seus principais
nanciadores um empresário judeu cujo obje-
tivo é acabar com a campanha BDS (Beinin,
2021). O Aipac tem atuado no nanciamen-
to a candidatos democratas e republicanos que
sejam concorrentes de políticos defensores dos
direitos dos palestinos. Consequentemente, se
um candidato tem uma posição favorável a Is-
rael, seja liberal ou conservador, tem maiores
chances de conseguir nanciamento com uma
das organizações do lobby.
Dessa forma, o lobby israelense distorce
na esfera representativa as opiniões observadas
nas bases democratas e na comunidade judaica.
Enquanto nenhum dos 25 parlamentares judeus
têm uma posição crítica a Israel, 20% da comuni-
dade judaica defende uma solução que acabe com
o caráter judaico de Israel e 9% são contra o di-
reito de Israel existir, um número que cresce para
25% entre aqueles abaixo dos 40 anos. A pesqui-
sa mostra uma crescente alienação dos judeus es-
tadunidenses em relação a Israel, com 37% não
se sentindo emocionalmente conectados ao país
(Jewish Electorate Institute, 2021). Já aproxima-
damente 64% dos democratas têm visões mais fa-
voráveis aos palestinos, enquanto 78% dos repu-
blicanos são mais favoráveis aos israelenses. Cerca
de 61% dos jovens estadunidenses favorecem os
palestinos sobre os israelenses (Pew, 2022). Con-
tudo, a administração Biden não representa as
posições do seu eleitorado democrata.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O governo Biden para Palestina/Israel não
é, propriamente, uma antítese ao de Trump. O
democrata mantém as alterações fundamentais
na correlação de forças entre Israel e os pales-
tinos feitas pelo republicano, e retoma, com
um status inferior, uma moderação com os
palestinos. De acordo com os parâmetros de
análise de política externa elaborados por Her-
mann (1990), a política externa de Biden para
Palestina/Israel pode ser entendida como uma
mudança de programa na qual mantêm-se os
objetivos, mas são utilizados outros meios.
A retomada da ajuda humanitária fez o
establishment palestino consentir às mudan-
ças substanciais promovidas por Trump e que
sofriam maior resistência no governo do ex-
-presidente republicano. O enfraquecimento
da moderação externa liderada pelos EUA pro-
move insatisfação e revolta entre os palestinos,
empurrando-os na direção do abandono do ca-
minho institucional defendido pelo consenso
internacional. Setores crescentes da sociedade
palestina têm reivindicado que o repúdio aos
mecanismos de Oslo e o retorno a uma opção
mais radical seria a única possibilidade real para
a libertação nacional.
Essa mudança na posição dos EUA decor-
re da orientação política de Biden e da síntese
entre as posições contraditórias dos grupos mais
favoráveis a Israel e daqueles que sustentam a
ilusão da neutralidade entre israelenses e pales-
tinos na sociedade estadunidense. Em menor
medida, as mudanças geopolíticas recentes no
Oriente Médio também desempenham um pa-
pel relevante. A alteração dos meios promovida
por Biden é fundamental para restabelecer o
papel dos EUA na manutenção da estabilidade
da ocupação dos territórios palestinos que im-
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pede a sua autodeterminação através de doações
que connam o Movimento Nacional Palesti-
no à estratégia de statebuilding neoliberal como
caminho para a libertação (Haddad, 2016).
Isto é, a administração do democrata
é fundamental para manter o poder do esta-
blishment palestino que se benecia política e
economicamente com a manutenção do sta-
tus quo. O real objetivo da ajuda humanitária
estadunidense não é a produção da paz, mas
contribuir para a pacicação da sociedade pa-
lestina diante do avanço das ambições coloniais
israelenses. Contudo, a radicalização das ações
coloniais pela nova coalização de extrema-di-
reita israelense pode minar os esforços dos
EUA de pacicar o conito.
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