55 • Conjuntura Internacional • Belo Horizonte, ISSN 1809-6182, v.19 n.2, p.55 - 63, jul. 2022
Gênero e Política Migratória nos Estados
Unidos: Aproximações e Consensos
Político-Partidários
Gender and Migration Policy in the United States: Approaches And Political Parties Consensus
Género y Política Migratoria en Estados Unidos: Enfoques y Consensos Políticos-Partidarios
Recebido em: 02 de julho de 2022
Aprovado em: 05 de outubro de 2023
Débora Figueiredo Mendonça Prado1
Isabella Fernandes Moreira Fontaniello2
DOI: 10.5752/P.1809-6182.2022v19n1p55-63
Resumo
Este artigo tem por objetivo analisar a política migratória aplicada às mulheres nos
Estados Unidos entre os anos de 2009 e 2022. Argumentamos que, apesar da mudança no
perl migratório no país, não há uma agenda clara e denida de proteção às mulheres nos
governos analisados.
Palavras-chaves: Política migratória; Gênero; Estados Unidos.
Abstract
is article aims to analyze the immigration policy applied to women in the United States
between 2009 and 2022. We argue that despite the changing immigration landscape
in the country, there is no clear and dened agenda for womens protection in the
governments under scrutiny.
Keywords: Migration Policy; Gender; United States.
Resumen
Este artículo tiene como objetivo analizar la política migratoria aplicada a las mujeres en
los Estados Unidos entre 2009 y 2022. Sostenemos que a pesar del cambio en el panorama
migratorio del país, no existe una agenda clara y denida para la protección de las mujeres
en los gobiernos bajo escrutinio.
Palabras Clave: Política Migratoria; Género; Estados Unidos.
1 É professora no curso de graduação e pós-graduação em Relações Internacionais do Instituto de Economia e Relações
Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia (IERI/UFU). Doutora em Ciência Política pela Universidade
Estadual de Campinas (UNICAMP). Pós-doutorado em Ciência Política (INCT-INEU/UNICAMP). Pesquisadora
do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT/INEU) e membra do
Núcleo de Pesquisa em Gênero, Raça e Diferença na Política Internacional (NUGRAD UFU). E-mail: deborapra-
do@ufu.br.
2 Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência Política (PPGCP) da Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP), com nanciamento da CAPES. Mestra pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais
(PPGRI) da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). E-mail: ifontaniellof@gmail.com.
Artigo
55 • Conjuntura Internacional • Belo Horizonte,
ISSN 1809-6182, v.19 n.2, p.55 - 63, jul. 2022
56 • Conjuntura Internacional • Belo Horizonte, ISSN 1809-6182, v.19 n.2, p.55 - 63, jul. 2022
Introdução
Desde as últimas cinco décadas temos ob-
servado um crescimento no uxo migratório
internacional. Este uxo migratório acompa-
nha também uma tendência de aumento no nú-
mero de mulheres migrantes internacionais que
subiu de 46,8% do total de migrantes interna-
cionais em 1960 para 49,4% em 2000 (IOM,
2021)3. Nos Estados Unidos, país que tem sido
o principal destino de migrantes internacionais
desde 1970, as mulheres correspondem a mais
da metade do total de migrantes no país, repre-
sentando 51,8% da população e 14% da popu-
lação total de mulheres (IOM, 2021; American
Immigration Council, 2020). Este crescimento
vem acompanhado das disparidades entre este
grupo se comparadas às realidades das mulheres
e homens nascidos no país. Levantamento do
Migration Policy Institute aponta que mulheres
migrantes recebem menor remuneração4 e pos-
suem mais restrições a serviços educacionais, de
saúde e segurança no país5.
Ao reconhecer que a mudança no perl de
migrantes leva também à necessidade de que os
governos passem a considerar os desaos im-
postos à esta população, o objetivo deste arti-
3 O ano de 2020, contudo, alterou esta tendência com
uma redução no número de mulheres migrantes com
um crescimento no gap entre homens e mulheres em
decorrência dos impactos da pandemia causada pela
COVID-19, quando o percentual de mulheres mi-
grantes caiu para 47.4% (IOM, 2021).
4 A renda anual média das mulheres migrantes é de
$27.600 comparados com $32,300 das mulheres
nascidas no país, $38,000 dos homens nascidos no
exterior e $45,000 para os homens nascidos no país
(American Immigration Council, 2020).
5 Entre a população economicamente ativa nos Estados
Unidos, as mulheres migrantes apresentam a maior
taxa de pobreza, com 8%, em comparação com 4%
entre os homens nascidos no país. Além disso, elas
também têm uma taxa mais elevada de não conclu-
são do ensino médio em comparação com as mulheres
nascidas no país (Batalova, 2020).
go é analisar as políticas adotadas pelo governo
norte-americano a partir de uma perspectiva de
gênero. Neste sentido, a pesquisa parte de dois
questionamentos centrais: Quais medidas vêm
sendo implementadas no país que levam em
consideração políticas especícas para as mu-
lheres (cisgênero e transgênero6) migrantes? Há
diferenças signicativas nas ações adotadas pelo
governo quando considerado o perl político-
-partidário?
Para isto, realizou-se uma análise docu-
mental das ordens executivas e proclamações
adotadas no período de 2009 a 20227 durante
os governos de Barack Obama, Donald Trump
e Joe Biden. O objetivo deste recorte cronoló-
gico foi identicar se a mudança no perl polí-
tico-partidário afetaria de forma signicativa a
agenda e a condução do governo sobre as polí-
ticas para as mulheres imigrantes8.
O artigo está dividido em três partes cen-
trais. Na primeira, discutimos as contribuições
dos estudos teóricos sobre a migração a partir
6 Durante a pesquisa empírica foram pesquisados docu-
mentos ociais dos governos selecionados tanto com
foco nas mulheres cis quanto mulheres trans. Acom-
panhando a análise de Marinho e Silva de Almeida
(2019, p. 116): “Quando falamos em pessoas trans
estamos nos referindo àquelas que vivenciam uma
identidade ou expressão de gênero divergente das ex-
pectativas sociais atribuídas a elas em razão de seu nas-
cimento: transgêneros, travestis e transexuais”. A cis-
generidade está relacionada à identicação de alguém
com as expectativas sociais culturalmente atribuídas
ao seu gênero com base na genitália de nascimento.
É importante enfatizar que embora a pesquisa tenha
como análise a inuência do gênero para avaliar as
medidas adotadas para mulheres cis e trans migran-
tes, o trabalho reconhece que uma análise genderiza-
da abarca também homens/meninos e a comunidade
LGBTQIA+.
7 O levantamento dos documentos aplicados durante
o governo Biden levou em consideração o período de
janeiro de 2021 a maio de 2022.
8 As principais base de dados utilizadas estão dispo-
níveis no Federal Register; e Daily Journal of e
United States Government; e White House e National
Conference of State Legislatures.
57 • Conjuntura Internacional • Belo Horizonte, ISSN 1809-6182, v.19 n.2, p.55 - 63, jul. 2022
de uma perspectiva de gênero. Em um segundo
momento, o trabalho analisa os aspectos espe-
cícos sobre a política migratória nos Estados
Unidos a partir da perspectiva de gênero. Na
terceira seção, a pesquisa apresenta os resultados
do levantamento sobre quais foram as ações e
medidas aplicadas durante os governos de Oba-
ma, Trump e Biden para as mulheres migrantes.
A migração desde uma
perspectiva de gênero
O estudo sobre as condições migratórias
das mulheres passa pela necessária consideração
da perspectiva interseccional uma vez que as
dimensões de hierarquização social tais como
a nacionalidade, classe social, origem étnica,
idade e orientação sexual vão determinar o lu-
gar ocupado por elas nos países de destino. Há
um claro predomínio de condições de traba-
lho mais precárias, com baixa remuneração e
sem suporte legal adequado para grande parte
das mulheres migrantes (Bastia; Skeldon, 2020
apud. Granada, 2021) o que intensica o grau
de vulnerabilidade física e social desta popula-
ção (IOM, 2021).
O processo de “feminização da migração
é uma tendência das dinâmicas contemporâ-
neas ao enfatizar que as mulheres enfrentam
desaos especícos relacionados ao gênero.
Embora se reconheça que este processo eviden-
cia a capacidade de agência das mulheres nos
projetos migratórios familiares ou autônomos,
inclusive desempenhando um papel funda-
mental na economia de seus países de origem,
é preciso destacar os desaos ao evidenciarmos
as situações de vulnerabilidade e desigualdade
enfrentados no acesso às oportunidades econô-
micas; aos serviços sociais e de segurança e no
acesso à informação, registro e cidadania (Gra-
nada et al., 2021). Ao considerar as geograas
de poder genericadas (Mahler; Pessar, 2001)
nas interações entre migração e gênero, Sassen
(2000); Gregorio Gil (2007) e Braga Martes
e Fleisher (2003) abordam como as mulheres
frequentemente migram para outros países em
busca de oportunidades de trabalho em ocupa-
ções precárias e instáveis sobretudo nos setores
domésticos, de cuidado e na indústria do sexo.
A ocupação dos espaços no mercado de traba-
lho é também estruturada pelo recorte racial
(Sassen, 2003) e vai determinar, para além das
oportunidades econômicas, a aplicação das po-
líticas migratórias, os limites aplicados no aces-
so aos serviços sociais e em programas de asilo
e cidadania (Granada et al., 2021).
Bastia (2014) observa que os estudos ante-
riormente negligenciaram questões de gênero,
com um maior reconhecimento apenas a par-
tir dos anos 1980. A expansão do conceito de
interseccionalidade levou a considerar variáveis
como raça, classe e etnia como fundamentais
para entender o debate sobre migração. Assim,
a mudança no perl migratório demanda uma
compreensão mais completa das dinâmicas e
desaos enfrentados por essa população. O gê-
nero, juntamente com outras categorias, como
raça, etnia e classe, desempenha um papel cen-
tral nas decisões e impactos no processo migra-
tório, como destacado por Crenshaw (1989), já
que a discriminação assume diferentes formas
ao considerar diversas identidades sociais.
Reflexões sobre o caso norte-
americano
As desigualdades e discriminações enfren-
tadas pelas mulheres migrantes têm uma longa
história, inuenciada por leis que proibiam sua
entrada no país. Durante a década de 1960,
58 • Conjuntura Internacional • Belo Horizonte, ISSN 1809-6182, v.19 n.2, p.55 - 63, jul. 2022
quando se observa um aumento no número
das migrantes, o governo federal implementou
mudanças legislativas que reduziram a assistên-
cia a esta população, especialmente aquelas sem
documentos. Esse tratamento desigual ampli-
cou ainda mais o acesso no mercado de traba-
lho, levando-as a se tornarem mais propensas a
aceitar empregos de baixa remuneração e pou-
co valorizados quando chegavam ao país (Ni-
chols; Tyyskä, 2015, p. 251).
Entre 1996 e 11 de setembro de 20019,
estendendo-se até 2006, foi possível identicar
uma série de legislações restritivas à imigração
implementadas pelo governo federal, as quais
tiveram consequências diretas entre as mulhe-
res e minorias sexuais imigrantes, tornando
mais difícil o acesso a políticas sociais. O medo
da deportação limitou a procura pelos serviços
públicos, levando a um aumento da violência
doméstica (Gomes; Ross-Sheri, 2011). Du-
rante esse período, os pedidos de asilo também
foram interrompidos, fazendo com que mais
mulheres cassem sujeitas à diversas violências
(Jachimowicz; Meyers, 2002). A dimensão de
gênero passou a ser considerada nas solicitações
de asilo nos Estados Unidos somente a partir
de 1995. Nesse período, o Immigration and
Naturalization Service (INS) emitiu o “Asylum
Gender Guidelines”, que buscava descrever o
processo de avaliação dos pedidos com base na
perseguição de gênero (Nayak, 2015).
Dados levantados pelo American Immi-
gration Council e o Migration Policy Institute,
apontam que a experiência das mulheres imi-
grantes em comparação com a dos homens
imigrantes e das mulheres nativas são diferen-
tes. Isso gera implicações especícas e deman-
9 A quantidade de legislações restritivas cresceu princi-
palmente após o 11 de setembro de 2001, devido ao
temor em relação aos ataques terroristas.
das distintas em diversas áreas, como estruturas
de trabalho, papéis de gênero, família, acesso à
educação, segurança e saúde. Além disso, den-
tro desse grupo de mulheres, existe uma he-
terogeneidade, com a presença de refugiadas,
mulheres indocumentadas e transsexuais, em
que algumas dessas demandas podem ser mais
urgentes do que outras.
Com base nesse histórico, analisamos
como o governo federal orientou suas ações
para esse grupo no período entre de 2009 a
2022. A partir disso, o próximo tópico analisa
as políticas migratórias adotadas por Obama,
Trump e Biden para as mulheres.
A atuação dos governos de
Barack Obama, Donald Trump
e Joe Biden (2009-2022) na
agenda de migração e gênero
Nos Estados Unidos os partidos Repu-
blicanos e Democratas dominam o processo
político com agendas diferentes. No sistema
imigratório, os republicanos atribuem maior
importância a deportação dos imigrantes ile-
gais e a proteção das fronteiras, considerando
a temática como uma agenda de segurança, en-
quanto os democratas enfatizam a importân-
cia de um estatuto legal daqueles que entraram
ilegalmente no país (Oliphant; Cerda, 2022).
O trabalho propõe analisar três governos, a m
de compreender se os presidentes dos diferen-
tes espectros políticos mantêm as suas máximas
partidárias, a partir de um recorte de gênero.
A chegada de Obama à presidência dos Esta-
dos Unidos trouxe a expectativa de que haveria
mudanças signicativas no tratamento dado à
população migrante com a realização de refor-
mas mais abrangentes nas leis de imigração.
Contudo, seus dois mandatos foram mar-
59 • Conjuntura Internacional • Belo Horizonte, ISSN 1809-6182, v.19 n.2, p.55 - 63, jul. 2022
cados por contradições em relação à agenda mi-
gratória. Durante seu governo, Obama autori-
zou políticas de remoção formal de migrantes,
excedendo os números dos governos de George
W. Bush e Bill Clinton10. Na tentativa de re-
verter essa imagem, o presidente adotou duas
ações centrais: o programa de recepção de mi-
grantes, o Deferred Action for Childhood Arrivals
(DACA)11, e buscou questionar no judiciário
as políticas anti-imigração implementadas pe-
los governos estaduais (Chishti; Pierce; Bolter,
2017). Apesar das promessas de campanha, o
governo não implementou as mudanças espe-
radas pelos eleitores. Além disso, embora tenha
recebido amplo apoio das mulheres devido às
suas políticas relacionadas à segurança social e
direitos reprodutivos, seu governo não adotou
medidas signicativas especicamente voltadas
para as mulheres migrantes (Dutt, 2012).
10 A administração Clinton (1993-2000) registrou
869.646 remoções, enquanto o governo de Bush
(2001-2008) totalizou 2.010.539, e a gestão de Oba-
ma (2009-2017) resultou em 3.094.208 remoções de
imigrantes (Chishti; Pierce; Bolter, 2017).
11 O programa permite que imigrantes que entraram
no país de forma irregular quando crianças permane-
çam nos Estados Unidos por um período de 2 anos
(Chishti; Pierce; Bolter, 2017).
Ao longo desse período, o governo Oba-
ma emitiu um número limitado de Ordens
Executivas e Proclamações direcionadas espe-
cicamente à temática de gênero e migração,
como apresentado no quadro 1.
A Ordem Executiva 13623 (2012, tradu-
ção nossa) tinha como objetivo implementar
estratégias em todas as agências governamen-
tais para combater a violência baseada em gê-
nero, reconhecendo que “prejudica não apenas
a segurança, a dignidade e os direitos humanos
de milhões de pessoas que a sofrem, mas tam-
bém a saúde pública, a estabilidade econômica
e a segurança das nações”. Esta decisão execu-
tiva é decorrente da aprovação, em 2012, no
Congresso da U.S. Strategy to Prevent and Res-
pond to Gender-Based Violence Globally, que co-
bra ações do governo federal para implementar
ações e medidas voltadas ao enfrentamento da
violência baseada em gênero tendo como foco
populações que enfrentam formas sobrepostas
de discriminação incluindo povos indígenas;
populações racial e etnicamente historicamen-
te marginalizadas; populações de minorias
religiosas; pessoas LGBTQIA+; pessoas com
deciência; idosos e viúvas; crianças e jovens;
Quadro 1– Proclamações e Ordens Executivas em matéria de gênero e migração durante o
governo Barack Obama
Data Ordem Executiva Título 
10/08/2012 Executive Order 13623 Preventing and Responding to Violence Against Women and Girls Glo-
bally
03/04/2014 Executive Order 13664 Blocking Property of Certain Persons With Respect to South Sudan
12/05/2014 Executive Order 13667 Blocking Property of Certain Persons Contributing to the Conict in the
Central African Republic
22/11/2015 Executive Order 13712 Blocking Property of Certain Persons Contributing to the Situation in
Burundi
01/05/2017 Proclamation 9561 National Slavery and Human Tracking Prevention Month, 2017.
Fonte: Elaborado pelas autoras a partir de dados coletados no Federal Register.
60 • Conjuntura Internacional • Belo Horizonte, ISSN 1809-6182, v.19 n.2, p.55 - 63, jul. 2022
trabalhadores de baixa renda e do setor infor-
mal; migrantes, refugiados e pessoas deslocadas
internamente; e pessoas em estados frágeis e
afetados por conitos (US Department of Sta-
te, 2022; Federal Register, 2022).
A Proclamação 9561 (2016) e as Ordens
Executivas 13664 (2014) e 13667 (2014), abor-
daram questões relacionadas a gênero e migração,
prometendo proteger as pessoas do tráco hu-
mano, especialmente as mulheres e a população
LGBTQIA+ (Federal Register, 2022). Apensar
disto, não incluíram medidas concretas para ofe-
recer abrigo ou implementar ações de assistência.
Os documentos emitidos neste período fo-
ram genéricos e não ofereciam orientações para a
implementação de políticas que avançassem na
agenda, como o acesso amplo à saúde, seguran-
ça, educação e a melhores condições de trabalho.
Além disso, as deportações realizadas durante seu
governo contribuíram inclusive para a adoção de
políticas de detenção de mulheres, crianças e re-
querentes de asilo durante o governo Trump.
Em 2017, Donald Trump assumiu a presi-
dência dos Estados Unidos com a icônica cam-
panha “Make America Great Again”. Ao herdar
a infraestrutura de deportação estabelecida por
seus predecessores, Bush e Obama, ele rapida-
mente intensicou essas operações, implemen-
tando uma agenda anti-imigração rigorosa.
Durante seu mandato, o governo Trump
adotou políticas de imigração mais restritivas,
incluindo a autorização de deportações automá-
ticas. Algumas das principais ações durante esse
período incluíram deportações em larga escala e
enérgicas, uma redução signicativa na aprova-
ção de pedidos de refúgio, restrições à entrada
de cidadãos de países como Irã, Líbia, Somália,
Síria, Iêmen, Venezuela e Coreia do Norte, o m
do programa DACA (Ação Diferida para Che-
gadas de Infância), um aumento substancial das
operações de scalização na fronteira entre os Es-
tados Unidos e o México, além do apoio à con-
troversa política de separação de famílias. Essas
restrições foram ainda mais acentuadas durante
a pandemia da COVID-19, quando o governo
intensicou as deportações, recusou um grande
número de pedidos de asilo e impôs restrições
adicionais à entrada de imigrantes (Kaba, 2020).
Adotando uma postura alinhada à agenda
antigênero que permeou seu governo, o ex-presi-
dente republicano revogou diversas medidas des-
tinadas a combater a desigualdade de gênero, tan-
to em âmbito doméstico quanto internacional.
Ele deu início ao desmonte dos direitos reprodu-
tivos ao assinar Ordens Executivas que proibiam
o nanciamento federal de agências e organiza-
ções envolvidas na prestação de serviços de plane-
jamento familiar e saúde reprodutiva. Nesse con-
texto, restringiu o acesso de pessoas transexuais a
locais como abrigos e forças armadas, ao mesmo
tempo em que dicultou o processo de emissão
de vistos para essa população (Solanas, 2018).
Quadro 2– Proclamações e Ordens Executivas em matéria de gênero e
migração durante o governo Donald Trump
Data Ordem Executiva Título 
27/01/2017 Ordem Executiva 13769 Protecting the Nation From Foreign Terrorist Entry Into the United States
06/03/2017 Ordem Executiva 13780 Protecting the Nation From Foreign Terrorist Entry Into the United States
13/09/2019 Proclamação 9928 National Gang Violence Prevention Week, 2019
Fonte: Elaborado pelas autoras a partir de dados coletados no Federal Register.
61 • Conjuntura Internacional • Belo Horizonte, ISSN 1809-6182, v.19 n.2, p.55 - 63, jul. 2022
Além de não avançar em políticas para as
mulheres migrantes, Trump adotou uma sé-
rie de medidas que restringiram seus direitos.
Os documentos relacionados às mulheres mi-
grantes mencionam os riscos que os imigran-
tes supostamente representam para as famílias
dos Estados Unidos, promovendo comporta-
mentos xenofóbicos. As Ordens Executivas e
Proclamações implementadas pelo presiden-
te, apresentada no quadro 2, reetiam essa
postura, ao considerar os imigrantes como
uma ameaça à segurança.
Apesar de sua condenação à violência
contra as mulheres e à opressão com base na
raça, gênero ou orientação sexual entre cida-
dãos norte-americanos, expressa na Ordem
Executiva 13769, o governo Trump não es-
tendeu o mesmo tratamento às mulheres mi-
grantes. Isso resultou não apenas na exclusão
da questão de gênero na pauta migratória,
mas também sinalizou retrocessos signica-
tivos nas políticas governamentais, contri-
buindo para o aumento da vulnerabilidade e
da desigualdade entre as mulheres migrantes,
fatores que foram exacerbados pelos impactos
da pandemia da COVID-19.
Um dos casos mais emblemáticos foi a
determinação do ex-procurador-geral Je
Sessions de negar asilo a uma vítima de vio-
lência doméstica nos Estados Unidos. De
acordo com Sessions, as reivindicações de es-
trangeiros relacionadas à violência doméstica
ou violência de gangues perpetrada por ato-
res não governamentais não seriam elegíveis
para asilo (Sacchetti, 2018), evidenciando a
agenda conservadora do governo Trump em
relação às mulheres migrantes.
Por outro lado, a vitória de Biden nas
eleições de 2020 gerou grandes expectativas
em relação à agenda migratória. Durante sua
campanha, Biden prometeu reverter os danos
causados por Trump e restaurar os valores dos
Estados Unidos como uma nação de imigran-
tes. Suas principais promessas de campanha
nesta área incluíam auxiliar os imigrantes
indocumentados a obterem cidadania, au-
mentar o limite de admissões de refugiados
e encerrar a política conhecida como “Per-
maneça no México”, que permitia a expulsão
de solicitantes de asilo para que aguardassem
no México a autorização de asilo (e White
House, 2021).
Em seu plano de governo, o presidente
também enfatizou a importância de conside-
rar as necessidades especícas das mulheres
nas políticas imigratórias. A questão de gê-
nero também esteve presente em sua campa-
nha eleitoral, especialmente após a inclusão
de Kamala Harris em sua chapa. Algumas das
pautas que compuseram seu programa in-
cluíam melhorar a segurança econômica das
mulheres, ampliar o acesso aos cuidados de
saúde e combater a violência baseada em gê-
nero (e White House, 2021).
No primeiro ano de seu mandato, o
Presidente Biden procurou incorporar as dis-
cussões sobre gênero e migração em suas Pro-
clamações e Ordens Executivas, como exem-
plicado no Quadro 3:
62 • Conjuntura Internacional • Belo Horizonte, ISSN 1809-6182, v.19 n.2, p.55 - 63, jul. 2022
Quadro 3 – Proclamações e Ordens Executivas em matéria de gênero
e migração durante o governo Joe Biden
Data Documento Título
20/01/2021 Ordem Executiva 13988 Preventing and Combating Discrimination on the Basis of Gender
Identity or Sexual Orientation
04/02/2021 Ordem Executiva 14013 Rebuilding and Enhancing Programs To Resettle Refugees and Plan-
ning for the Impact of Climate Change on Migration
30/12/2021 Proclamação 10331 National Human Tracking Prevention Month, 2022
14/03/2022 Proclamação 10348 National Equal Pay Day, 2022
Fonte: Elaborado pelas autoras a partir de dados coletados no Federal Register.
Na Ordem Executiva 13988 (2021), o pre-
sidente abordou a prevenção e combate à dis-
criminação de gênero e estendeu essa política às
migrantes. Posteriormente, a Ordem Executiva
14013 (2021) expressou o compromisso de me-
lhorar e reconstruir os programas de refugiados,
com ênfase no acesso para indivíduos mais vulne-
ráveis à perseguição devido a seu gênero e orien-
tação sexual assistência (Federal Register, 2022).
Além das Ordens Executivas, o presidente
emitiu várias proclamações relacionadas a gênero
e imigração. Por exemplo, a Proclamação 10331
(2021) reforçou o compromisso de combate ao
tráco humano, destacando grupos desproporcio-
nalmente afetados, como minorias raciais e étnicas,
mulheres e pessoas LGBTQIA+. A Proclamação
10348 (2022) chamou a atenção para as dispari-
dades salariais de gênero, mencionando especica-
mente mulheres latinas e asiáticas assistência (Fe-
deral Register, 2022). Além disso, em 2021, Biden
revogou a política de Trump que negava o direito
ao asilo para vítimas de violência doméstica.
No entanto, apesar dessas ações, o governo
Biden não avançou substancialmente nas políti-
cas migratórias, enfrentando críticas por questões
como a demora na concessão de asilo humanitá-
rio, as condições precárias nos centros de imigra-
ção, o alto número de deportações de migrantes e
a manutenção do Título 42, que proíbe a entrada
de imigrantes com base em argumentos de saúde
pública devido à pandemia de COVID-19. Essas
políticas têm gerado críticas, inclusive dentro do
próprio Partido Democrata (Brown, 2021).
Considerações Finais
A compreensão da realidade das mulheres
migrantes passa necessariamente pelo reconhe-
cimento de que outras dimensões tais como
como raça, etnia, classe social, nível educacio-
nal e outras categorias importam. Apesar de re-
presentarem uma parcela signicativa da popu-
lação residente nos Estados Unidos e exercerem
uma agência expressiva no mercado de traba-
lha, a formulação de políticas para essa popula-
ção continua sendo sistematicamente negligen-
ciada e invisibilizada pelo governo federal.
A marginalização e a exclusão de medidas
e políticas voltadas para combater a discrimina-
ção, desigualdade e violência contra as mulheres
migrantes continuam sendo uma prática sistemá-
tica nos governos analisados. Durante o governo
Trump, houve uma mudança signicativa na
agenda de gênero, resultando no desmantelamen-
to sistemático das políticas de proteção aos direi-
tos das mulheres no país, o que afetou de forma
signicativa a condição das mulheres migrantes.
Com a chegada de Biden à presidência,
surgiram expectativas de que as questões relacio-
nadas aos direitos das mulheres, em geral, e das
63 • Conjuntura Internacional • Belo Horizonte, ISSN 1809-6182, v.19 n.2, p.55 - 63, jul. 2022
mulheres migrantes, em particular, ganhariam
maior destaque em seu governo. No entanto, os
avanços têm sido limitados. Seguindo a tendên-
cia de seus antecessores, o discurso progressista
frequentemente não se traduz em ações concre-
tas, como evidenciado pela falta de uma política
migratória central que leve em consideração a
perspectiva de gênero e suas intersecções.
Referências
AMERICAN IMMIGRATION COUNCIL. Immigrant
Women and Girls in the United States, 2020. Disponível em:
https://www.americanimmigrationcouncil.org/research/immi-
grant-women-and-girls-united-states. Acesso em: 1 jul. 2022.
BASTIA, T. Intersectionality, migration, and development.
Progress in Development Studies, 14(3), 237-248, 2014.
BASTIA, T.; SKELDON, R. (Orgs.). Routledge Handbook
of Migration and Development, 1ed., Routledge, 2020 apud
GRANADA, I. et al. (2021).
BATALOVA. J. Immigrant Women and Girls in the United
States. Migration Policy Institute, Washington, 2020.
BRAGA MARTES, A. C.; FLEISCHER, S. (Orgs.). Frontei-
ras cruzadas: etnicidade, gênero e redes sociais. São Paulo, Paz
e Terra, 2003.
BROWN, H. Biden cant hide in the center on immigration,
MSNBC, 2021. Disponível em: https://www.msnbc.com/opi-
nion/biden-needs-please-democrats-not-republicans-immigra-
tionn1280971. Acesso em: 1. jul. 2022.
CHISHTI, M; PIERCE, S.; BOLTER, J. e Obama Record
on Deportations: “Deporter in Chief or Not?”. Migration
Policy Institute, 2017. Disponível em: https://www.migra-
tionpolicy.org/article/obama-record-deportations-deporter-
-chief-or-not. Acesso em: 13 jun. 2022.
CRENSHAW, K. Demarginalizing the Intersection of Race
and Sex: A Black
Feminist Critique of Antidiscrimination Doctrine, Feminist
eory, and Antiracist Politics.
University of Chicago Legal Forum, p. 538–554, 1989.
DUTT, M. Obama, It’s Time to Protect Immigrant Women,
Womens eNews, 2012. Disponível em: https://womensene-
ws.org/2012/07/obama-its-time-protect-immigrant-women/.
Acesso em: 1 jul. 2022.
FEDERAL REGISTER. Executive Oce of the President,
2022. Disponível em: https://www.federalregister.gov/docu-
ments/search?conditions%5Bagencies%5D%5B%5D=execu-
tive-office-of-the-president&conditions%5Bterm%5D=im-
migrants+women. Acesso em: 1 jul. 2022.
GIL, C. G. ‘Working Honestly as a Housemaid’: Between the
Domesticity and the Hypersexualization. Estudos Feministas,
15(3), 699, 2007.
GRANADA, I. et al. La migración desde una perspectiva de
género: Ideas operativas para su integración en proyectos de
desarrollo, Banco Interamericano de Desarrollo, 2021.
GOMES, M; ROSS-SHERIFF, F. e Impact of Unintended
Consequences of the 1996 U.S. Immigration Reform Act on Wo-
men. Journal of Women and Social Work, 26(2) 117-124, 2011.
IOM. World Migration Report 2022. McAulie, M.; Trian-
dafyllidou, A. (Org). Geneva: International Organization for
Migration, 2021. Disponível em: https://worldmigration-
report.iom.int/wmr-2022-interactive/. Acesso em: 28. jun.
2022.
JACHIMOWICZ, M; MEYERS, D. W. Executive summary.
In: STRUM, P.; TARANTOLO, D. (Ogs.), Women immi-
grants in the United States. Washington, DC: Woodrow Wil-
son International Center for Scholars, 2002.
KABA, A. J. United States Immigration Policies in the Trump
Era. Sociology Mind, v. 9, n. 4, 316–349, 28 ago. 2019.
MAHLER, S. J.; PESSAR, P. Gendered Geographies of Po-
wer: Analyzing Gender across Transnational Spaces, Identities:
Global Studies in Culture and Power, 7(4): 441–459, 2001.
MARINHO, S.; SILVA DE ALMEIDA, G. Trabalho contem-
porâneo e pessoas trans: considerações sobre a inferiorização
social dos corpos trans como necessidade estrutural do capita-
lismo. Sociedade e Cultura, Goiânia, v. 22, n. 1, 2019.
NAYAK, M. Who is Worthy of protection? Gender-Based
Asylum and US immigration Politics. Oxford University Press,
2015.
NICHOLS, L.; TYYSKÄ, V. Immigrant women in Canada
and the United States. in: BAUDER, H. SHIELDS, J (Orgs)
Immigrant Experiences in North America: Understanding
Settlement and Integration, Ed: Toronto Canadian Scholars
Press, 248-272, 2015.
OLIPHANT, J. B.; CERDA, A. Republicans and Democrats
have dierent top priorities for U.S. immigration policy. Pew
Research Center, 2022. Disponível em: https://www.pewre-
search.org/short-reads/2022/09/08/republicans-and-demo-
crats-have-dierent-top-priorities-for-u-s-immigration-poli-
cy/. Acesso em: 1. jul. 2022.
SACCHETTI, M. Sessions: Victims of domestic abuse and
gang violence generally wont qualify for asylum. Washing-
ton Post, 2018. Diponivel em: https://www.washingtonpost.
com/local/immigration/sessions-signals-that-victims-of-do-
mestic-abuse-and-gang-violence-generally-will-not-qualify-
for-asylum/2018/06/11/45e54602-6d9e-11e8-bd50-b80389-
a4e569_story.html. Acesso em: 28. Jun. 2022.
SASSEN, S. Womens Burden: Counter-geographies of Globa-
lization and the Feminization of Survival. Journal of Interna-
tional Aairs, 53(2), 503–524, 2000.
SASSEN, S. Contrageograas de la Globalización: Género e
Cidadania nos Circuitos Fronteiriços. Madrid: Tracantes de
Sueños,1-160, 2003.
SOLANAS, M. Gender equality in Trumps America. Real
Instituto Elcano, 2021. Disponível em: https://media.
realinstitutoelcano.org/wp-content/uploads/2021/11/ari-
32-2018-solanas-igualdad-genero-america-trump.pdf. Acesso
em: 27 jun. 2022.
THE WHITE HOUSE. e Biden-⁠Harris Administration
Immediate Priorities, 2021. Disponível em: https://www.
whitehouse.gov/priorities/. Acesso em: 1. jul. 2022.
US DEPARTMENT OF STATE. United States strategy to
prevent and respond to gender-based violence globally,
2022. Disponível em: https://www.state.gov/reports/united-
-states-strategy-to-prevent-and-respond-to-gender-based-vio-
lence-globally-2022/. Acesso em: 1. jul. 2022.