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A DECLARAÇÃO CONJUNTA CHINA-
FEDERAÇÃO RUSSA: MUDANÇA GLOBAL
DO CLIMA E O BRICS
THE JOINT CHINA-RUSSIAN FEDERATION DECLARATION: GLOBAL CLI-
MATE CHANGE AND THE BRICS
LA DECLARACIÓN CONJUNTA CHINA-FEDERACIÓN DE RUSIA: EL CAM-
BIO CLIMÁTICO GLOBAL Y LOS BRICS
José Domingos Gonzales Miguez1
DOI: 10.5752/P.1809-6182.2022v19n3p38-51
Recebido em: 31 de maio de 2023
Aprovado em: 18 de março de 2024
RESUMO
O presente artigo discute como a declaração conjunta China-Federação Russa de 4 de
fevereiro de 2022 abordou o tema de mudança global do clima. Buscou-se fazer uma
descrição sucinta de como o documento foi estruturado em suas quatro partes e temas
principais analisados, os parágrafos que descrevem atuação conjunta dos dois países no
enfrentamento da mudança global do clima. Para a compreensão do papel da Federação
Russa e da China nas negociações internacionais sobre mudança do clima, descreve-se
ainda a participação em grupos negociadores no âmbito da Convenção-Quadro das Nações
Unidas sobre Mudança do Clima, a participação da Federação Russa e da China no grupo
BRICS e a importância destes sob diversos aspectos socioeconômicos no grupo.
Palavras chave: Federação Russa; China; Mudança do Clima.
ABSTRACT
is article discusses how the China-Russian Federation joint declaration of February
4, 2022 addressed the issue of global climate change. We sought to provide a succinct
description of how the document was structured in its four parts and main themes
analyzed, the paragraphs describing the joint actions of the two countries in tackling
global climate change. To understand the role of the Russian Federation and China in
international negotiations on climate change, the participation in negotiating groups
within the scope of the United Nations Framework Convention on Climate Change,
the participation of the Russian Federation and China in the BRICS group and their
importance under dierent socioeconomic aspects in the group are also described.
Keywords: Russia Federation; China; Climate Change.
1 Doutorando pelo Programa de Relações Internacionais da PUC Minas. Contato: cdm_miguez@yahoo.com.br
Artigo
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INTRODUÇÃO
O artigo objetiva realizar uma análise ex-
ploratória da declaração conjunta da Repúbli-
ca Popular da China-Federação Russa sob os
aspectos de identicação factual e comparativa
de diversos índices socioeconômicos dos paí-
ses entre si, com os índices mundiais, assim
como sobre a perspectiva sobre enfrentamento
conjunto dos impactos adversos da mudança
global do clima. As perguntas que se prepõem
responder são: Qual é relevância dos dois países
no âmbito do enfrentamento à mudança glo-
bal do clima? Quais são as intenções efetivas
de enfrentar a mudança do clima presentes na
declaração?
Conforme Cepaluni (2007), dene-se
ação coletiva internacional como uma atuação
concertada de atores estatais e/ou não-estatais
– agindo de forma institucionalizada ou não –
para a obtenção de um bem público e/ou para
evitar um mal público. Tal denição é bastante
ampla e abrange qualquer ação coletiva formal
ou informal. Este conceito também incorpora
termos como coalizão, grupo, aliança, alinha-
mento e cooperação. Neste sentido, o artigo
busca caracterizar o papel dos dois países no
BRICS e na Convenção-Quadro das Nações
Unidas sobre Mudança do Clima (doravante
Convenção, UNFCCC na sigla em inglês).
A DECLARAÇÃO CONJUNTA
CHINA-FEDERAÇÃO RUSSA:
ESTRUTURA DA DECLARAÇÃO
E AS REFERÊNCIAS A
MUDANÇA GLOBAL DO CLIMA
A Declaração Conjunta da Federação
Russa e da República Popular da China sobre
as Relações Internacionais Entrando em uma
Nova Era e o Desenvolvimento Sustentável
Global” foi emitida durante a visita à China,
em 4 de fevereiro de 2022, do Presidente da Fe-
deração Russa, Vladimir V. Putin, a convite do
Presidente da República Popular da China, Xi
Jinping. O preâmbulo da declaração (China,
2022)2 conclama todos os países a perseguir o
bem-estar para todos com o objetivo de
construir o diálogo e a conança mútua, for-
talecer a compreensão mútua, defender va-
lores humanos universais como paz, desen-
volvimento, igualdade, justiça, democracia e
liberdade, respeitar os direitos dos povos de
2 A reunião foi realizada em Pequim, China, mas o texto o-
cial em inglês foi disponibilizado na internet pela presidên-
cia da Federação Russa. As referências ao texto são traduções
para o português pelo autor.
RESUMEN
Este artículo analiza cómo la declaración conjunta China-Rusia del 4 de febrero de
2022 abordó la cuestión del cambio climático global. Se buscó brindar una descripción
sucinta de cómo se estructuró el documento en sus cuatro partes y los principales temas
analizados, describiendo los párrafos de las acciones conjuntas de los dos países para
enfrentar el cambio climático global. Para comprender el papel de la Federación de Rusia
y China en las negociaciones internacionales sobre cambio climático, también se describe
la participación en grupos de negociación en el ámbito de la Convención Marco de las
Naciones Unidas sobre el Cambio Climático, la participación de la Federación de Rusia y
China en el grupo BRICS. y su importancia bajo diferentes aspectos socioeconómicos en el
grupo.
Palabras llave: Rusia; China; Cambio Climático.
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determinar independentemente os cami-
nhos de desenvolvimento de seus países e a
soberania e a segurança e interesses de de-
senvolvimento dos Estados, para proteger
a arquitetura internacional conduzida pelas
Nações Unidas e a ordem mundial baseada
no direito internacional, buscar uma verda-
deira multipolaridade com as Nações Unidas
e seu Conselho de Segurança desempenhan-
do um papel central e coordenador, promover
relações internacionais mais democráticas e
garantir a paz, estabilidade e desenvolvi-
mento sustentável em todo o mundo3
A declaração deve ser lida em contraste
com eventos posteriores, tendo em mente que
ainda no mês de fevereiro de 2022, no dia 21,
o governo russo reconhece as autoproclamadas
Repúblicas Populares de Luhansk e Donetsk e
no dia 24, apenas 20 dias decorridos da decla-
ração conjunta com a China, o presidente Vla-
dimir Putin ordena a invasão do leste da Ucrâ-
nia em contradição com grande parte do texto
da declaração (em especial trechos com grifo).
(Tempo Presente, 2022; Operação Militar na
Ucrânia, 2022; RIA Novosti, 2022)
A primeira parte da declaração aborda a
democracia, declarando que é um valor huma-
no universal”, ressaltando que não há um mo-
delo que guie e se encaixe na denição de de-
mocracia para todos os países, como um meio
de participação dos cidadãos no governo de
seu país com vistas à melhoria do bem-estar da
população e à implementação do princípio do
governo popular”. Apesar de ser um valor hu-
mano universal, a declaração arma que cabe
apenas ao povo do país decidir se o seu Estado
é democrático”.
Critica a tentativa de alguns Estados de
estabelecer padrões de democracia, lembrando
que se deve respeitar a diversidade cultural e
3 Grifo e tradução para o português feitas pelo autor.
civilizacional e os direitos dos povos de diferen-
tes países à autodeterminação”. Observa, ainda
que, esse respeito decorre das próprias “caracte-
rísticas nacionais únicas, história, cultura, sis-
tema social e nível de desenvolvimento social
e econômico, a natureza universal dos direitos
humanos e deve ser vista através do prisma da
situação real em cada país e os direitos huma-
nos devem ser protegidos de acordo com a si-
tuação especíca de cada país e as necessidades
de sua população”.
A segunda parte aborda paz, desenvolvi-
mento e cooperação. Ao abordar cooperação
ressalta que aos dois lados devem continuar
intensicando cooperação prática para o de-
senvolvimento sustentável e fortalecer coope-
ração multilateral e acelerar a implementação
da Agenda das Nações Unidas para 2030 e dar
passos práticos para redução da pobreza, se-
gurança alimentar, controle de vacinas e epide-
mias, nanciamento para o desenvolvimento,
mudança do clima, desenvolvimento susten-
tável, incluindo desenvolvimento verde, indus-
trialização, economia digital e conectividade de
infraestrutura”. Este trecho é a primeira men-
ção à mudança do clima, apesar de não se tratar
de citação do tema no âmbito da Convenção,
que é o organismo no qual foram estabeleci-
das obrigações especícas para as Partes países
desenvolvidos (lista constando do Anexo I do
texto da Convenção), caso da Federação Russa,
e outras obrigações para as Partes países em de-
senvolvimento, caso da China.
A ênfase nesta parte, em relação a medi-
das de mitigação de emissões, reside em for-
talecer a cooperação em transporte sustentável,
construir ativamente contatos e compartilhar
conhecimento na construção de instalações
de transporte, incluindo transporte inteligen-
te e transporte sustentável, desenvolvimento e
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uso de rotas do Ártico”, bem como, sem citar
quais seriam outras áreas” ou sua ligação com
o transporte sustentável continua propondo
desenvolver outras áreas para apoiar a recupe-
ração global pós-epidêmica”. O parágrafo prin-
cipal da declaração sobre mudança do clima
aparece na sequência, armando:
Os lados estão tomando medidas sérias e
dando uma contribuição importante para a
luta contra a mudança climática. Comemo-
rando conjuntamente o 30º aniversário da
adoção da Convenção-Quadro das Nações
Unidas sobre Mudança do Clima, eles rea-
rmam seu compromisso com esta Conven-
ção, bem como com os objetivos, princípios
e disposições do Acordo de Paris, incluindo
o princípio das responsabilidades comuns,
mas diferenciadas. Os lados trabalham jun-
tos para garantir a implementação comple-
ta e efetiva do Acordo de Paris, continuam
comprometidos com o cumprimento das
obrigações que assumiram e esperam que
os países desenvolvidos realmente garantam
a provisão anual de US$ 100 bilhões em -
nanciamento climático para os países em de-
senvolvimento. As partes se opõem à criação
de novas barreiras no comércio internacional
sob o pretexto de combater as mudanças cli-
máticas (China, 2022).
Esta parte continua declarando possibili-
dades de cooperação em biodiversidade, luta
contra a COVID-19, desenvolvimento de vaci-
nas e fármacos e, nalmente, abordam a coope-
ração em esportes e no movimento Olímpico.
A terceira parte aborda os sérios desaos de se-
gurança internacional. São detalhadas áreas de
possíveis cooperação em segurança internacio-
nal A Rússia e a China rearmam o princípio
de uma única China e se opõem às tentativas
de forças externas de minar a segurança e a es-
tabilidade em suas regiões adjacentes comuns,
pretendem combater a interferência de forças
externas nos assuntos internos de países sobera-
nos sob qualquer pretexto” (China, 2022, s/p).
Na quarta parte, os lados defendem a or-
dem mundial, baseada na lei internacional. “O
lado russo observa a importância do conceito
de construção de uma comunidade de desti-
no comum para a humanidade” proposto pelo
lado chinês para garantir maior solidariedade
da comunidade internacional e consolidação de
esforços em resposta aos desaos comuns”. O
lado chinês observa a importância dos esforços
feitos pelo lado russo para estabelecer um siste-
ma multipolar justo de relações internacionais”.
Continua ainda armando Os lados pretendem
defender fortemente os resultados da Segunda
Guerra Mundial e a ordem mundial existente
no pós-guerra” e condenarão veementemente
as ações destinadas a negar a responsabilidade
pelas atrocidades dos agressores nazistas, inva-
sores militaristas”. Os lados rearmaram sua
intenção de fortalecer a coordenação da política
externa, buscar o verdadeiro multilateralismo,
fortalecer a cooperação em plataformas multi-
laterais, defender interesses comuns, apoiar o
equilíbrio de poder internacional e regional e
melhorar a governança global”.
Finalmente, nesta última parte do docu-
mento há novamente uma declaração de apoio
ao G204 e BRICS5 e aborda desenvolvimento
sustentável no G20.
As partes apoiam o formato do G20 como um
importante fórum para discutir questões de
cooperação econômica internacional e medi-
das de resposta anticrise, promover conjunta-
mente o espírito revigorado de solidariedade e
cooperação dentro do G20, apoiar o papel de
liderança da associação em áreas como a luta
internacional contra epidemias, recuperação
econômica mundial, desenvolvimento sus-
4 Fazem parte do G20 os oito países do G8, e 11 países emergen-
tes, além da União Europeia. G8: Alemanha, Canadá, Estados
Unidos, França, Itália, Japão, Reino Unido e Rússia. Países emer-
gentes: África do Sul, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Bra-
sil, China, Coreia do Sul, Índia, Indonésia, México e Turquia.
5 Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
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tentável inclusivo, melhoria do sistema de go-
vernança econômica global para abordar cole-
tivamente os desaos globais (China, 2022).
Os lados apoiam o aprofundamento da
parceria estratégica dentro do BRICS, promo-
vem a expansão da cooperação em três áreas
principais: política e segurança, economia e -
nanças e intercâmbios humanitários”. Em parti-
cular, a Rússia e a China pretendem incentivar
a interação nas áreas de saúde pública, econo-
mia digital, ciência, inovação e tecnologia”, bem
como o aumento da coordenação entre os paí-
ses do BRICS em plataformas internacionais”.
As partes se esforçam para fortalecer o formato
BRICS Ampliado como um mecanismo e-
caz de diálogo com associações e organizações
de integração regional de países em desenvol-
vimento e Estados com mercados emergentes”.
O PAPEL DA CHINA E
DA FEDERAÇÃO RUSSA
NAS NEGOCIAÇÕES DA
CONVENÇÃO DAS NAÇÕES
UNIDAS SOBRE MUDANÇA DO
CLIMA, O GRUPO BRICS E O
GRUPO BASIC
Aborda-se aqui a participação dos dois
países da Declaração Conjunta no âmbito
das negociações sobre mudança do clima para
mostrar que as visões de ambos países não são
convergentes na Convenção. No âmbito da
Convenção, a Federação Russa tem os com-
promissos dos países listados no Anexo I (paí-
ses desenvolvidos), em especial, compromisso
de redução de emissões antrópicas de gases de
efeito estufa (retornando aos níveis de emissão
por volta do ano 2000), bem como apresen-
tar planos de mitigação e inventários anuais. A
China, entretanto, é país em desenvolvimento
na Convenção (não listado no Anexo I, cha-
mados países não-Anexo I. A implementação
da Convenção para a China está condicionada
à disponibilidade de meios implementação pe-
los países desenvolvidos do Anexo II da Con-
venção, inventários periódicos com recursos
acordados com o GEF, entidade nanceira da
Convenção e transferência de tecnologia, en-
tre outros. Paradoxalmente, os dois lados “es-
peram que os países desenvolvidos realmente
garantam a provisão anual de US$ 100 bilhões
em nanciamento climático para os países em
desenvolvimento” – a Rússia embora país de-
senvolvido não teria obrigação de participar do
nanciamento de medidas de implementação
de combate à mudança do clima por não ser
listada no Anexo II da Convenção. Neste caso,
a Federação Russa, implícita e surpreendente-
mente não se considera país desenvolvido.
Além da participação em grupos negocia-
dores de blocos opostos (desenvolvidos e em
desenvolvimento), os dois lados diferem tam-
bém em termos de impactos da mudança do
clima, a Federação Russa poderá ter impactos
positivos com o aquecimento global na região
norte e na navegação marítima6 do Mar Ár-
tico7 (que é citado na declaração), quer pelo
6 REVISTA GALILEU 09 AGO 2021 O Ártico, por exem-
plo, deve car praticamente sem gelo no pico do verão (em
setembro) pelo menos uma vez antes de 2050, em todos
os cenários avaliados pelo IPCC. Disponível em: https://
revistagalileu.globo.com/Ciencia/Meio-Ambiente/noti-
cia/2021/08/5-pontos-do-novo-relatorio-do-ipcc-para-en-
tender-emergencia-climatica.html
7 7 ere is high condence that shipping activity during
the Arctic summer increased over the past two decades in
regions for which there is information, concurrent with re-
ductions in Arctic sea ice extent and the shift to predomi-
nantly seasonal ice cover (Pizzolato et al., 2014; Eguíluz et
al., 2016; Pizzolato et al., 2016). Long term datasets over
the pan-Arctic are incomplete, but the distance travelled
by ships in Arctic Canada nearly tripled between 1990 and
2015 (from ~365,000 to ~920,000 km) (Dawson et al.,
2018). IPCC Special Report on the Ocean and Cryosphere
in a Changing Climate Summary for Policymakers Polar re-
gions https://www.ipcc.ch/srocc/chapter/chapter-3-2/
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aumento da área agricultável com o aumento
de temperatura previsto para a região norte da
Rússia, quer pela possibilidade de navegação
marítima na vasta extensão do norte da Rússia.
Segundo o IPCC, prevê-se um aumento de 10-
14% na área de terras aráveis para toda a Rússia
devido à expansão agrícola. Ainda segundo o
IPCC, atividade marítima durante o verão do
Ártico aumentou nas últimas duas décadas em
regiões para as quais há informações, concomi-
tantemente com reduções na extensão do gelo
marinho do Ártico e a mudança para uma co-
bertura de gelo predominantemente sazonal.
Para a China os impactos adversos deverão ser
mais importantes, com maior ocorrência de
eventos extremos de precipitação e de aumento
de temperatura. Segundo o IPCC8, o aumento
das cheias e das secas terá impactos adversos na
disponibilidade e nos preços dos alimentos, re-
sultando num aumento da subnutrição no Sul
e no Sudeste Asiático. Dias quentes mais fre-
quentes e ondas de calor intensas aumentarão
as mortes relacionadas com o calor. O aumento
das fortes chuvas e da temperatura aumentará o
risco de doenças diarreicas, dengue e malária na
Ásia tropical e subtropical.
A Federação Russa e a China
nas negociações no âmbito da
Convenção
No âmbito da Convenção-Quadro das
Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UN-
FCCC na sigla em inglês), a Federação Rus-
sa é uma Parte constante na lista de Partes do
Anexo I, que foi composta originalmente pelos
países da OCDE em 1990 e dos países indus-
8 IPCC Sixth Assessment Report, Chapter 10, Executive
Summary. Disponível em: https://www.ipcc.ch/report/ar6/
wg2/chapter/chapter-10/
trializados da ex-União Soviética em 1990. A
Federação Russa não é um país constante da
lista do Anexo II. O Anexo II é uma lista dentre
os países do Anexo I os quais têm obrigações
adicionais nanceiras no âmbito da Convenção
(países da OCDE em 1990).
A Federação Russa participa do Grupo
Umbrella9 e é uma Economia em Transição no
Protocolo de Quioto. Segundo o site da Inter-
net da UNFCCC (Party Groupings”), o Gru-
po Umbrella (Grupo “Guarda-Chuva”) é uma
coalizão exível de países desenvolvidos não
pertencentes à UE. Na COP 27, após a invasão
russa à Ucrânia, a Federação Russa não partici-
pou das reuniões do Grupo Umbrella10 e o mes-
mo site da Internet da UNFCCC já não inclui
a Federação Russa. As economias em transição
aparecem no Anexo B do Protocolo de Quioto,
onde são listados os países com compromissos
quanticados de redução de emissão, com a
menção Países em processo de transição para
uma economia de mercado”.
A China, no entanto, como país em de-
senvolvimento, não consta do Anexo I da
Convenção, e é considerada como país não-A-
nexo I (ou seja, país não listado no Anexo I).
A China, também, participa de dois grandes
grupos de negociação na Convenção. Primeiro,
o Grupo dos 77 e China (G77, 2022), a maior
organização intergovernamental de países em
desenvolvimento nas Nações Unidas (Miguez,
2022), que fornece os meios para que os países
9 Coalizão de negociação composta por alguns países indus-
trializados fora da União Europeia. Além do Japão, Estados
Unidos da América, Canadá, Austrália e Nova Zelândia, que
formavam o grupo original “JUSCANZ”, integravam o Gru-
po Umbrella a Federação Russa, a Ucrânia, o Cazaquistão e
a Noruega. Formada após a conferência de Kyoto, a coalizão
tem geralmente posições mais conservadoras sobre mitigação.
10 UNFCCCwebpagehttps://unfccc.int/processandmeetings/
partiesnonpartystakeholders/parties/partygroupings#:~:tex-
t=The%20Umbrella%20Group%20is%20ª,Ukraine%20
and%20the%20United%20States . Acesso em 22 dez 2023.
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do Sul Global articulem e promovam seus in-
teresses econômicos coletivos e aumentem sua
capacidade de negociação conjunta em todas
as principais questões econômicas internacio-
nais dentro das Nações Unidas, e promovam
a cooperação Sul-Sul para o desenvolvimento.
Segundo, o Grupo LMDC – Like Minded De-
veloping Countries11 (composto por 24 países
em desenvolvimento com visões semelhantes,
em tradução livre do autor), que se organizam
como negociadores de bloco em organizações
internacionais como as Nações Unidas e a Or-
ganização Mundial do Comércio, que repre-
sentam mais de 50% da população mundial
(Miguez, 2022).
Os Grupos BRICS e BASIC.
O grupo BRICS não constitui um grupo
negociador na Convenção. Conforme explica-
do, ambos países (Federação Russa e China) se
encontram em grupos opostos nas negociações
com interesses diferentes dada as diferenças
marcantes em termos socioeconômicos (ver
item 3). No entanto, o grupo tem importân-
cia política e econômica internacional, ambos
países participam e é parte importante da De-
claração entre ambos países. A ideia dos países
BRICs (Miguez, 2022) foi formulada pelo eco-
nomista-chefe da Goldman Sachs, Jim O’Neil,
em estudo de 2001, intitulado Building Better
Global Economic BRICs” que envolvia Brasil,
ssia, Índia e China em sua sigla em inglês.
Tornou-se uma categoria de análise nos meios
econômico-nanceiros, empresariais, acadêmi-
cos e de comunicação.
11 Os membros do LMDC são Argélia, Bangladesh, Bolívia,
China, Cuba, Equador, Egito, El Salvador, Índia, Indoné-
sia, Iran, Iraque, Jordânia, Kuwait, Malásia, Mali, Nica-
rágua, Paquistão, Arábia Saudita, Sri Lanka, Sudão, Síria,
Venezuela e Vietnam.
A partir de 2006, o BRICs (Miguez, 2022)
passa a ser um mecanismo de consulta inter-
nacional entre os países do bloco. Isso porque
Brasil, Rússia, Índia e China decidiram12 dar
um caráter diplomático a sigla, o que propiciou
a realização de ações econômicas coletivas por
parte desses países, bem como uma maior co-
municação entre eles. A partir do ano de 2011,
a África do Sul foi incorporada ao BRICs, que
passou então a se chamar BRICS (Miguez,
2022), com o “S” maiúsculo no nal (o “S”
em inglês de South Africa). Em 2015, foi cria-
do pelos países do BRICS, o Novo Banco de
Desenvolvimento (NDB na sigla em inglês),
um banco multilateral de desenvolvimento,
que visa mobilizar recursos para infraestrutu-
ras e projetos de desenvolvimento sustentável
nos BRICS e noutros mercados emergentes e
países em desenvolvimento. No nal de agosto
de 2023, na XV cúpula dos BRICS, em Joanes-
burgo, África do Sul, foi proposta a expansão
do grupo BRICS (o chamado BRICS+).
Segundo Kanter e Jetschgo-Mocillo (Kan-
ter; Jetschgo-Morcillo, 2023) a expansão do
grupo deveu-se principalmente a duas razões:
em primeiro lugar, devido à expansão da aliança
por seis países e, em segundo lugar, devido às
discussões sobre o enfraquecimento ou mesmo
a substituição do dólar americano como moe-
da de reserva mundial”. Ainda segundo essas
autoras, com a inclusão de Iran, dos Emirados
Árabes Unidos, da Arábia Saudita, da Argenti-
na13, do Egito e da Etiópia a partir de janeiro de
2024, o grupo BRICS representa agora cerca
12 Na 61º Assembleia Geral das Nações Unidas.
13 Em 29 de dezembro de 2023, o Governo da Argentina
informou que enviou carta aos países integrantes do Brics
para manifestar que “não considera oportuno” participar
do grupo. O documento foi assinado pelo presidente Javier
Milei, que assumiu a Casa Rosada em 10 de dezembro de
2023. (CARTA BRASIL, 2023)
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de 36% do rendimento nacional bruto global
(mais do que o G7, por volta de os 31%) e 46%
da população mundial (G7, cerca de 10%).
Os países BRICS+ representam ainda mais de
40% da produção mundial de petróleo e mais
de 36% da produção mundial de gás.
Conforme Narlikar (2003, apud Cepalu-
ni, 2007),
[…] embora as pequenas e médias potências
sejam capazes de fazer pouco quando unidas,
não podem fazer quase nada separadas. As-
sim, é natural que países fracos formem coali-
zões para aumentarem seus poderes de barga-
nha, atuando preferencialmente em regimes
internacionais (Cepaluni, 2005; 2006), pois
existe uma tendência de que mesmo as ações
das grandes potências sejam reguladas pelas
normas dessas instituições (Keohane, 1983;
2000; Lafer, 1998; Tussie, 1993).
Como citado anteriormente, Federação
Russa e China são participantes de grupos
negociadores na Convenção com interesses
divergentes e, à exceção da Federação Russa,
os demais países do BRICS são países em de-
senvolvimento e Partes do grupo G77 e Chi-
na, com características socioeconômicas seme-
lhantes e interesses comuns. O BASIC é um
grupo que reúne os países em desenvolvimento
do BRICS, mas não constitui um grupo nego-
ciador na Convenção, mas apenas um grupo
de consultas para trocas de informações sobre
as visões dos países. Deve-se notar que a sigla,
possivelmente, denota o fato de os países como
emergentes, ainda estarem em um estágio bás-
ico de desenvolvimento. A discussão do Acordo
de Paris, que acaba na prática com o princípio
das responsabilidades comuns, mas diferencia-
das pode transformar, no futuro, a absorção do
BASIC pelo BRICS, transformando este em
um grupo negociador.
A IMPORTÂNCIA DE
CHINA E FEDERAÇÃO
RUSSA: INDICADORES
SOCIOECONÔMICOS E
PARTICIPAÇÃO DOS DOIS
PAÍSES EM RELAÇÃO AOS
BRICS
O Quadro 1 apresenta o PIB (PPP) de
cada país, segundo o Banco Mundial (Banco
Mundial, 2022), com valores de 2022 (e em
todos quadros, a comparação com os Estados
Unidos da América, maior economia mundial
para apresentar a importância relativa do gru-
po). (Miguez, 2022) Vale ressaltar que a Fe-
deração Russa e a China representam cerca de
21,7% do PIB mundial, superando o PIB dos
EUA, sendo que a China representa mais de
85% do PIB conjunto dos dois países.
Quadro 1: Produto Interno Bruto (US$ PPP)
PIB (Milhões US$) % PIB global
Mundo 164.532.712
Estados Unidos 25.439.700 15,46%
China 30.337.137 18,44%
Índia 11.904.797 7,24%
Rússia 5.326.854 3,24%
Brasil 1.444.733 2,33%
África do Sul 953.536 0,58%
BRICS 52.360.856 31,82%
Fonte: Banco Mundial, dados de 2022
O Quadro 2 apresenta a população de cada
país, com os dados ociais de cada país para
2020, exceto para Brasil e China cujos dados
são os ociais de 2021. É importante destacar
que a Federação Russa e a China representam
cerca de 20% da população mundial e cerca de
48% da população dos BRICS. Destaca-se no
quadro a baixa população russa.
46 • Conjuntura Internacional • Belo Horizonte, ISSN 1809-6182, v.19 n.3, p.38 - 51, out. 2022
Quadro 2: População (hab.)
População
habitantes
Mundo 7.950.946.800
% da população
global
Estados Unidos 333.287.557 4,19%
China 1.412.175.000 17,76%
Índia 1.417.173.170 17,82%
Rússia 144.236.930 1,85%
Brasil 215.313.500 2,71%
África do Sul 59.893.890 0,75%
BRICS
3.248.792.790
40,86%
Fonte: Banco Mundial 2022
Segundo a publicação de Oleg Egorov
(Russia Beyond, 2018) A densidade popula-
cional na região asiática da Rússia é de apenas
duas pessoas por quilômetro quadrado”, ex-
plica o presidente da União Geográca Inter-
nacional da Rússia, Vladímir Kôlossov. Ainda
segundo Egorov, a razão é que as regiões são
muito frias para se viver e, desde 1991, a po-
pulação estava em declínio, o crescimento pa-
rou e a população diminuiu 0,9% em 2017.
Segundo o demógrafo, Serguêi Zakharov, a
população do país continuará a diminuir”. O
motivo principal para a queda foi a Segunda
Guerra Mundial. Entre 1941 e 1945, a União
Soviética perdeu entre 25 e 30 milhões de pes-
soas. A COVID-19 causou mais de 800.000
mortes segundo a Reuters (Reuters, 2022).
O Quadro 3 destaca a alta renda per ca-
pita dos dois países, as duas maiores entre os
países do grupo BRICS, porém ainda baixa
quando comparada com os Estados Unidos da
América. Apesar da alta renda per capita da Fe-
deração Russa, é ainda menor que a renda per
capita norte-americana.
Quadro 3: PIB (PPP)/hab.
PIB(PPP)/capita
US$ (2017)/hab
Mundo 17.527
Estados Unidos 64.623 368,71%
China 18.188 103,77%
Índia 7.112 40,58%
Rússia 27.450 156,62%
Brasil 15.093 86,11%
África do Sul 13.479 76,90%
BRICS
16.117
91,96%
Fonte: Banco Mundial 2022
O Quadro 4 apresenta a estimativa da pobreza
extrema em cada país em 2021, segundo o Banco
Mundial, apresentando a quantidade de pessoas vi-
vendo com menos de US$2.15 por dia, baseada em
dados do Banco Mundial (Banco Mundial, 2022),
sendo que o valor de 9,00% é apresentado para a ex-
trema pobreza do mundo (Banco Mundial, 2022).
Ressalta-se que em conjunto China e Federação Rus-
sa têm menos de 0,02% da extrema pobreza (devido
à redução na China e ausência de extrema pobreza
na Federação Russa). Esses indicadores mostram a
desigualdade entre os países BRICS com um quadro
extremo entre a Federação da Rússia, país desenvol-
vido sem pobreza extrema e a Índia, com índice de
pobreza extrema elevado e África do Sul com per-
centuais acima dos da Índia (Miguez, 2022).
Quadro 4: Pobreza Extrema
Extrema Pobreza
Habitantes
Mundo 7.155.782 % pop ext. pob.
Estados Unidos 6.666 0,20%
China 14.122 0,10%
Índia 1.686.436 11,90%
Rússia 0 0,00%
Brasil 124.882 5,80%
África do Sul .122.782 20,50%
BRICS 1.948.222 27,23%
Fonte: Banco Mundial, dados de 2020.Poverty headcount ra-
tio at $2.15 a day (2017 PPP) (% of population)
47 • Conjuntura Internacional • Belo Horizonte, ISSN 1809-6182, v.19 n.3, p.38 - 51, out. 2022
A diferença em termos de extrema pobreza
deixa claro, que os temas de interesse comum le-
vam a que a Federação Russa, como país desen-
volvido, sem população abaixo da linha de po-
breza e com alta renda per capita e, emissões per
capita elevadas por sua responsabilidade histó-
rica desde a Revolução industrial (Brasil, 1997)
não tenha os mesmos interesses, visões e objeti-
vos que a China no âmbito da Convenção. O
fato de a Federação da Rússia ser país desenvol-
vido, portanto incluído no Anexo I da Conven-
ção, não permite que o BRICS seja um grupo na
Convenção, onde há uma clara divisão norte-sul,
sendo que os países desenvolvidos são os maiores
emissores históricos e atuais e maiores responsá-
veis pelos efeitos atuais da mudança global do
clima devido a acumulação de gases de efeito es-
tufa na atmosfera, enquanto que as emissões per
capita dos países em desenvolvimento são baixas
e deverão crescer com o desenvolvimento desses
países de acordo com a Convenção.
O Quadro 5 apresenta as emissões an-
trópicas de gases de efeito estufa sem uso da
terra, mudança do uso da terra e orestas14,
com a respectiva data do último inventário
disponível na Convenção. A consideração de
absorção de CO2 depende de fatores nacionais
do tipo de oresta e da consideração se a re-
moção pela oresta é um sumidouro antrópi-
co ou natural15 e optou-se aqui por apresentar
14 A Convenção apresenta duas versões dos inventários com e sem
emissões de uso da terra, mudança do uso da terra e orestas
(LULUCF na sigla em inglês). As emissões de CO2 (com e sem
LULUCF) são de natureza diferente. No caso das emissões de-
correntes do uso da terra, mudança do uso da terra e orestas,
a mitigação dessas emissões não pode ser considerada como
permanente. No caso das emissões sem considerar as emissões
do uso da terra, mudança do uso da terra e oresta, emissões
decorrentes da queima de combustível fóssil em grande parte,
aumenta o carbono disponível no sistema atmosfera-biosfera e,
portanto, a concentração de CO2 na atmosfera. A mitigação des-
sas emissões evita novas retiradas de energias fósseis do subsolo.
15 Essa consideração pode ser diferente para diferentes países
por causa de uma ambiguidade presente no texto da Con-
venção (“antrhopogenic emissions by sources and removals
by sinks”) com algumas Partes considerando que a Conven-
os valores sem uso da terra, mudança do uso
da terra e oresta, conforme explicado por
Miguez (Miguez, 2022). Apesar de não serem
diretamente comparáveis, permitem compa-
rar a ordem de grandeza e diferenças entre os
países do BRICS. O quadro apresenta dife-
rentes anos de referência pois os países desen-
volvidos na Convenção (UNFCCC, na sigla
em inglês) têm o compromisso de apresentar
inventários de emissões anualmente, ao passo
que os países em desenvolvimento dependem
de nanciamento acordado com o Global En-
vironment Facility (GEF – mecanismo nan-
ceiro da Convenção).
Quadro 5: Emissões de Gases de Efeito
Estufa
Emissões de GEE
sem LULUCF
Países kt CO2e Ano
Estados Unidos 5.981.354 2020
China 12.300.200 2014
Índia 2.839.425 2016
Rússia 2.122.793 2020
Brasil 1.014.702 2016
África do Sul 512.660 2017
BRICS 18.789.781
Fonte: UNFCCC.
Deve-se ressaltar que as emissões conjun-
tas da Federação Russa e da China representam
cerca de 77% das emissões do grupo BRICS
(sem uso da terra, mudança do uso da terra e
orestas e apesar de diferentes datas, conforme
explicado por Miguez),16 (Miguez ,2022). O
Quadro 6 abaixo deixa clara a diferença entre
ção lida com emissões e remoções antrópicas e outras com
emissões antrópicas mas remoções antrópicas ou naturais.
16 As diretrizes do IPCC foram baseadas no trabalho feito
pela OCDE em 1992 e são difíceis de serem aplicadas por
países em desenvolvimento por serem metodologias que
demandam conhecimento detalhado dos setores e inten-
sivas em usos de dados, nem sempre disponíveis em países
em desenvolvimento, além da falta de recursos humanos e
capacidade técnica. Os últimos inventários disponíveis na
Convenção do Clima são do ano de 2020 para os países
do Anexo I e variáveis para os países em desenvolvimento.
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as emissões per capita dos países desenvolvidos
e em desenvolvimento. Esse quadro mostra,
também, um dos motivos para a criação do
grupo BASIC, a diferença de responsabilidade
atual dos países desenvolvidos em causar o efei-
to estufa.
Quadro 6: Emissões per capita
Emissões per capita de GEE
Países tCO2e/hab Ano GEE, pop.
Estados Unidos 18,0 2020, 2020
China 8,7 2014, 2021
Índia 2,1 2016, 2020
Rússia 14,5 2020, 2020
Brasil 4,8 2016, 2021
África do Sul 8,6 2017, 2020
BRICS 5,8
Fontes: UNFCCC e Banco Mundial, elaboração própria
O Banco Mundial estima, para 2020,
uma emissão per capita 4,3 kt CO2 (somen-
te CO2 sem especicar que setores). Apesar
da diferença metodológica, é aparente que a
China e a Federação Russa estão bem acima da
dia mundial de emissões por habitante. O
Global Carbon Project 17apresenta as emissões
acumuladas em percentual para os diferentes
países desde 1850, sendo que a Federação da
Rússia representa 6,8% das emissões acumula-
das, ao passo que China representa 13,9%. As
emissões dos países desenvolvidos por terem
sido iniciadas desde a revolução industrial e,
considerando tempo de permanência do CO2
na atmosfera, contribuíram em maior propor-
ção para causar o problema, enquanto que as
emissões dos países em desenvolvimento por
serem recentes, em grande parte posterior a
1950, contribuíram menos para o aquecimen-
to global (BRASIL, 1997).
17 O Global Carb on Project é uma organização que busca
quanticar as emissões globais de gases de efeito estufa e
suas causas.
A MUDANÇA GLOBAL DO
CLIMA NA DECLARAÇÃO
CONJUNTA CHINA-
FEDERAÇÃO RUSSA
A declaração conjunta aborda o tema de
mudança global do clima especicamente ape-
nas em dois parágrafos na sua Parte II (CHINA,
2022, s/p, tradução dos autores), que trata de
paz, desenvolvimento e cooperação, e na Parte
IV, que trata de sistema internacional e o papel
das Nações Unidas. Em primeiro lugar, ao men-
cionar os 30 anos da Convenção, a declaração
aborda o Acordo de Paris e seus princípios, que
incluem de maneira geral todos os princípios
da Convenção e, em particular, o princípio das
responsabilidades comuns, porém diferencidas.
Deve-se notar que, segundo a proposta brasi-
leira18, submetida no âmbito do Mandato de
Berlim que conduziu a adoção do Protocolo de
Quioto, primeiro documento que estima a res-
ponsabilidade histórica dos países em causar o
aumento de temperatura da superfície da Terra,
baseado em um modelo simplicado de dupla
integral das emissões, submetido pelo Brasil em
28 de maio de 1997 para o Mandato de Berlin
na Convenção, a Federação Russa é um dos qua-
tro países com maiores responsabilidades históri-
cas19 pelas emissões de combustíveis fósseis, con-
siderando seu desenvolvimento industrial desde
a Revolução Industrial e grande uso de carvão
mineral como fonte energética e, atualmente,
grande produtor de petróleo e gás natural.
18 “Proposed Elements of a Protocol to the United Nations
Framework Convention on Climate Change, Presented by
Brazil in Response to the Berlin Mandate”. Disponível em
https://unfccc.int/resource/docs/1997/agbm/misc01a03.pdf
19 Os dados usados na proposta brasileira foram os constantes
na base de dados do CDIAC de 1950 até 1990 (apenas
disponíveis em 1997 para os setores de energia e cimento),
adaptados para reproduzir os países existentes em 1997.
Atualmente, a base com dados até 2020 está disponível em
https://energy.appstate.edu/cdiac-appstate/data-products.
49 • Conjuntura Internacional • Belo Horizonte, ISSN 1809-6182, v.19 n.3, p.38 - 51, out. 2022
O segundo ponto, referido na parte IV
que trata do papel das Nações Unidas, é a
referência que os dois lados esperam que os
países desenvolvidos realmente garantam o
fornecimento anual de US$ 100 bilhões em
nanciamento climático aos estados em desen-
volvimento”, como se a Federação Russa não
fosse um país desenvolvido. A referência é im-
plícita ao Anexo II da Convenção, que lista os
países do Anexo I (países desenvolvidos) que
têm obrigações adicionais nanceiras na Con-
venção e do qual a Federação Russa não consta,
e portanto, há uma referência ambígua de que
a Federação Russa é um país emergente (ou em
desenvolvimento) como a China. Ainda na se-
gunda parte, China e Rússia apoiam o aumen-
to da coordenação entre os países do BRICS
em plataformas internacionais” (China, 2022,
s/p, tradução do autor).
CONCLUSÕES
Este artigo apresentou de modo sucinto a
declaração conjunta da China-Federação Russa
de 4 de fevereiro de 2022, a importância dos
dois países em termos de econômicos e sociais
no mundo e a atuação de ambos na Convenção
sobre Mudança do Clima, contribuições no
Acordo de Paris e a escassa referência da mu-
dança global do clima no texto da declaração.
Destaca-se a pequena referência ao tema de
mudança do clima na declaração, com peque-
nas inserções em apenas três parágrafos e sem
menção à redução de combustíveis fósseis, à
mitigação de emissões de gases de efeito estufa
pelos dois países e sem menção à adaptação. Há
uma referência apenas ao transporte marítimo
pelo Ártico que, paradoxalmente, é um impac-
to positivo da mudança global do clima para a
Federação da Rússia.
Analisou-se ainda a participação dos dois
países no âmbito das negociações da Conven-
ção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança
do Clima, no qual os dois países não negociam
em conjunto, um vez que os compromissos sob
a Convenção são diferentes, sendo a Federação
Russa listada no Anexo I da Convenção e a Chi-
na, como país em desenvolvimento, e por esse
motivo, novamente paradoxalmente, os países
esperam o fornecimento anual de US$ 100
bilhões dos países desenvolvidos”, como se a
Federação da Rússia não fosse país desenvolvi-
do. Finalmente, a referência ao BRICS não cita
mudança do clima ou a Convenção, apenas
plataformas internacionais”. Portanto, a partir
da coleta e análise de dados, assim como dos
indicadores realizada nesse artigo foram iden-
ticadas evidências relevantes que apresentem
que exista uma clara relevância dos dois países
em termos de emissões históricas e em 2020,
que justicam ambos países são essenciais para
enfrentamento à mudança global do clima. En-
tretanto, a análise factual da declaração conjun-
ta não revelou uma intenção efetiva das duas
potências em enfrentar a mudança do clima na
declaração de maneira explícita.
Devido a importância identicada, ava-
lia-se que a abordagem alcançada nesse artigo
justicaria o avanço da realização de artigos
subsequentes para que o tema e as respectivas
descrições realizadas possam, ser colocadas a luz
de diferentes abordagens analíticas. Em especial
sugere-se artigos futuros realizem a análise do
tema, em especial sob quatro grandes perspec-
tivas: a) sob a perspectiva da teoria de regimes
(estudando de modo sistemático a relação de
ambos os países com o regime de mudança glo-
bal de clima); b) segundo a abordagem geopo-
tica clássica, atualizada para lidar com a ques-
tão ambiental (analisando como os impactos da
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mudança global do clima alterariam o cálculo
estratégico); c) a luz da teoria crítica de viés
ambientalista (analisando a declaração sob um
viés ético-normativo e como ambas potências
poderiam caracterizar as potenciais projeções de
poder regional e globalmente sobre o tema); d)
perspectiva da role theory em análise de política
externa (de modo a relacionar as diferentes posi-
ções à luz de expectativas identitárias nacionais).
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