2 • Conjuntura Internacional • Belo Horizonte, ISSN 1809-6182, v.19 n.2, p.2 - 4, jul. 2022
Introdução – Dossiê - Ações e
contradições no Império: a política
internacional do governo Joe Biden
Introduction – Dossier - Actions and contradictions in the Empire: the international
policy of the Joe Biden government
Introducción – Dossier - Acciones y contradicciones en el Imperio: la política internacio-
nal del gobierno de Joe Biden
Filipe Almeida Mendonça do Prado1
Debora Garcia Gaspar2
DOI: 10.5752/P.1809-6182.2022v19n1p2-4
1 Professor da Universidade Federal de Uberlândia (IERI/UFU) e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Relações Inter-
nacionais da UFU (PPGRI-UFU). ORCID: 0000-0001-5643-2329. Contato: mendonca@ufu.br.
2 Professora do Departamento de Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da UFRRJ. doutora pelo Programa de Pós-graduação
em Economia Política Internacional da UFRJ. Contato: debora.gaspar@gmail.com.
Resenha
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ISSN 1809-6182, v.19 n.2, p.2 - 4, jul. 2022
Este dossiê reúne contribuições que bus-
caram fornecer análises de conjuntura dos dois
primeiros anos do governo de Joe Biden, após
uma vitória sobre seu adversário e ex-presiden-
te Donald Trump, em uma eleição que expres-
sou uma profunda polarização da sociedade es-
tadunidense. Além das dinâmicas domésticas,
Biden assumiu a presidência diante de agendas
de política externa bastante desaadoras, no-
tadamente no que concerne às relações com
a Rússia e a China. Na agenda internacional
de sua plataforma eleitoral, Biden ressaltou a
importância da retomada da liderança dos Es-
tados Unidos nas organizações, acordos e par-
cerias estratégicas internacionais, revertendo as
iniciativas unilaterais que marcaram o governo
Trump. As análises aqui reunidas diferem entre
si em termos do grau de ruptura representado
pelo governo Trump na agenda internacional,
com consequentes diferenças de interpretação
acerca da reversão implementada (ou em im-
plementação) pelo governo Biden. A Guerra
na Ucrânia, inevitavelmente, surge como um
abalo no Sistema Internacional que abre uma
fenda inesperada e especíca para se analisar a
atual conjuntura e suas implicações de médio e
longo prazo.
Bárbara Mota, partindo do pressuposto de
que o governo Trump deve ser compreendido
como um ponto de inexão em um processo
histórico de construção de uma ordem liberal
internacional pelos Estados Unidos como po-
tência hegemônica, propõe uma análise sobre
em que medida o governo Biden vem sendo ca-
paz de restaurar elementos desta ordem. A au-
tora insere sua análise nas discussões mais am-
plas sobre o enfraquecimento da ordem liberal
internacional e sobre a transição hegemônica.
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Mota levanta alguns elementos de retomada
parcial de liderança multilateral na esfera econô-
mica, apesar da manutenção do protecionismo,
e no âmbito mais amplo da cooperação inter-
nacional, como nas agendas climática e de Di-
reitos Humanos. Por m, a consideração sobre
a Guerra na Ucrânia é interpretada como um
evento que pode angariar retornos positivos no
reposicionamento da liderança estadunidense
em uma ordem liberal internacional renovada.
Em um balanço sobre os dois primeiros
anos do governo Biden, Cristina Pecequilo e
Clarissa Forner, apontam as contradições entre
a política externa da classe média, diante das
transformações econômicas recentes, e a agenda
de intervencionismo global dos Estados Unidos.
Para as autoras, apesar de transparecer certo fôle-
go no primeiro ano de governo, a política exter-
na da classe média, plasmada nos planos de re-
cuperação econômica, perde tração, em grande
medida, em favor do intervencionismo global,
cujos contornos podem ser observados na Guer-
ra da Ucrânia. Este conito, ainda que em con-
texto de fragmentação internacional, mostrou a
importância da geopolítica na busca, tanto pela
manutenção de elementos da ordem liberal in-
ternacional, em convergência com a análise de
Mota, como de consensos domésticos.
Seguindo na conexão entre política ex-
terna do governo Biden e o lugar da Rússia
na geopolítica mundial, Gustavo de Menezes
e Reginaldo Nasser descortinam o posiciona-
mento deste governo na extensão de garantias
concedidas à Ucrânia, no conito vigente.
Para os autores, a continuidade do convite ao
ingresso da Ucrânia na OTAN, bem como o
auxílio militar fornecido pelos Estados Unidos
ao país, após 2014, foram centrais para o acir-
ramento das tensões e da escalada da estratégia
russa. O governo Biden não demonstrou indí-
cios de alteração nestas duas frentes, apesar de
não se comprometer com garantias de seguran-
ça, pleiteadas por Kiev. Dadas as posições dos
Estados Unidos, Rússia e Ucrânia no conito,
os autores entendem que o conito ucraniano
tende a se prolongar.
Também tomando a Guerra na Ucrânia
como ponto de vista de análise de conjuntura,
no âmbito da política externa estadunidense
para a América Latina, Pedro Cícero e Lucas
Leon analisam a exibilização do embargo
imposto à Venezuela. Se dentro de uma tem-
poralidade mais larga, os autores associam a
política de embargos à Venezuela ao aumento
da inuência chinesa na região, a recentíssima
exibilização é entendida como decorrente das
alterações na geopolítica do petróleo, decorren-
tes do conito na Ucrânia.
Olhando para a questão Israel/Palestina,
ainda que antes da deagração da Guerra Is-
rael/Hamas, Bruno Huberman e Reginaldo
Nasser identicam mais continuidades do que
rupturas na política externa estadunidense para
a região. Essa avaliação é sustentada por fato-
res como a perda relativa de importância do
Oriente Médio na agenda de política externa
dos Estados Unidos, que se desloca para o Leste
Europeu e para a Ásia; a reorganização geopo-
lítica da região, com aproximação entre Israel
e alguns países árabes; e a forte inuência do
lobby israelense em Washington, que mina os
esforços de grupo progressistas, apoiadores da
candidatura de Biden, ligados à causa palestina.
Igualmente com foco no Oriente Médio
e, como outras contribuições do dossiê, levando
em conta os desaos geopolíticos da China e da
Rússia para a política externa estadunidense, José
Vieira Lima, assim como Huberman e Nasser,
observa uma modulação na posição do governo
Biden, mas não ruptura com relação ao governo
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Trump. Biden teria se afastado de um apoio de
cunho ideológico a Israel e retomado a retórica
da solução dos dois Estados, porém sem empre-
gar meios concretos na defesa de um Estado Pa-
lestino. Como fatores explicativos, o autor tam-
bém destaca as mudanças geopolíticas mundiais
e o forte lobby israelense nos Estados Unidos.
Ainda, no que tange às relações com o Irã, Viei-
ra Lima observa um retorno às estratégias da era
Obama, marcada por tentativas de negociação
de um acordo nuclear, mescladas com elementos
mais claramente de contenção, como o fomento
à aliança entre Israel e as monarquias árabes.
Por m, Débora Prado e Isabella Fonta-
niello analisam, a partir de uma perspectiva de
gênero, a política migratória estadunidense,
direcionada às mulheres. O período estudado
compreende-se entre 2009 e 2022, abrangen-
do as duas administrações Obama, o governo
de Trump e o início do governo Biden. As
autoras concluem que a agenda de promoção
de direitos das mulheres migrantes tem cado
aquém do necessário em todos os governos,
com piora expressiva no governo Trump e sua
política refratária à imigração. Apesar das ex-
pectativas, o atual governo democrata pouco
avançou em termos concretos nesta seara. Des-
sa forma, no que diz respeito a esta agenda,
não são identicadas rupturas ou reversões de
curso estruturais.