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estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 7, n. 1, (abr. 2019), p.87 - 109
KER, 2009, p. 135; FRYNAS, WOOD & SOARES DE OLIVEIRA, 2003, p.
46; MADEIRA & REIS, 2018, p. 183).
De entre as cinco antigas colónias portuguesas que obtiveram in-
dependência em meados da década de 1970, três sofreram guerras civis,
regimes opressivos e momentos de grande instabilidade política (Ango-
la, Guiné-Bissau e Moçambique). Cabo Verde e São Tomé e Príncipe -
zeram, no início da década de 1990, as respetivas transições políticas de
um sistema de partido único para uma democracia multipartidária e,
desde então, “têm continuamente produzido governos democraticamen-
te eleitos” (VEENENDAAL e CORBETT, 2014, p. 538), apesar do fraco
desempenho económico (BAKER, 2006, p. 504; SEIBERT, 2006, p. 135;
CAHEN, 1991, p. 141).
Cabo Verde ao optar por uma política de não-alinhamento, pro-
curou estabelecer e cultivar relações de cooperação com países como
Angola, Alemanha, Brasil, Coreia do Sul, Cuba, EUA, França, Portugal,
Senegal, República Popular da China e Rússia na base da conança,
proximidade e respeito pelas diferenças em torno dos regimes políticos
e económicos, tradições culturais e sistemas religiosos. A cooperação
assentou essencialmente nos domínios da saúde, educação e desporto,
infraestruturas e fomento empresarial, recursos humanos, nanceiros,
transportes e comunicações, energia, agricultura, pesca, pecuária e tu-
rismo. O arquipélago mantém relações bilaterais com todos os países
lusófonos e é membro de várias organizações internacionais. Partici-
pa em diversos encontros sobre questões políticas, económicas e am-
bientais
9
. Assim sendo, torna-se necessário, em forma de pergunta e de
maneira clara, responder ao seguinte problema de pesquisa: perante as
condições edafoclimáticas do arquipélago, como sejam: reduzida super-
fície, solos pouco evoluídos, escassez de água, secas cíclicas e a inuên-
cia dos ventos quentes e secos que sopram do deserto do Sahara, quais
deverão ser os principais desaos de Cabo Verde em matéria de política
externa no sentido de colmatar a insularidade, dependência e exposição
a choques extremos? Para o estudo desta problemática, mostra-se im-
prescindível a adoção de um estudo qualitativo de base interdisciplinar
que permita cruzar múltiplas técnicas de recolha de dados em diferen-
tes momentos e lugares.
O presente artigo procura compreender o caminho percorrido
por Cabo Verde para melhor se analisar os resultados até hoje obtidos,
a partir do processo de formulação e implementação das decisões to-
madas no âmbito da política externa. Apesar de Cabo Verde ser una-
nimemente considerado pelos organismos internacionais um exemplo
de democracia, transparência e de boa governação em África (AFRICAN
DEVELOPMENT BANK, 2012, p. 16; EUROPEAN UNION, 2016, p. 3;
INTERNATIONAL MONETARY FUND, 2016, p. 10; WORLD BANK,
2011) e de ter alcançado em 2007 o estatuto de País de Rendimento Mé-
dio
10
, o certo é que importantes desaos ao nível da política externa se
impõem, particularmente num contexto mundial conturbado, marcado
por incertezas a nível interno, sendo, portanto, relevante que se com-
preenda os principais elementos que interferem no processo de tomada
de decisão dos Estados.
9. Cabo Verde é membro do Comité
Permanente Inter-Estados de Luta Contra
a Seca no Sahel (CILSS). Foi criada em
12 de setembro de 1973, na sequência
das secas que atingiram a região do
Sahel na década de 1970. Atualmente,
fazem parte treze Estados-Membros,
entre os quais oito costeiros (Benin,
Costa do Marfim, Gâmbia, Guiné-Cona-
cri, Guiné-Bissau, Mauritânia, Senegal e
Togo), quatro sem litoral (Burquina Faso,
Mali, Níger e Chade), e um insular (Cabo
Verde). No entanto, também sobre esta
questão, o arquipélago presidiu em 2017,
por um período de um ano, o Grupo dos
Pequenos Estados Insulares Africanos e
Madagáscar (em inglês SIDSAM) com
vista a adotar uma posição comum nas
organizações internacionais, regionais e
sub-regionais, especialmente em relação
à União Africana (UA), à Agenda 2063 e
à Agenda Global 2030 na promoção do
desenvolvimento sustentável.
10. Esta “subida” foi decidida em de-
zembro de 2004 pelas Nações Unidas e
tal deveu-se, em grande parte, ao facto
de Cabo Verde preencher pelo menos
dois dos três critérios seguintes: ter
subido o seu Índice de Desenvolvimento
Humano (IDH) e o Rendimento Per
Capita (RPC), apesar de alguns avanços,
continua ainda a faltar pontos-base no
Índice de Vulnerabilidade Econômica
(IVE) (PAIS, 2012, p. 65). A resolução da
Assembleia Geral 59/209 determinou
que a passagem para o grupo de PDM
só seria efetiva, após um período de
três anos, para permitir uma saída por
etapas suscetível de criar condições
para que a “promoção” não constitu-
ísse um obstáculo ao desenvolvimento
do arquipélago. Neste sentido, as
autoridades cabo-verdianas com o
apoio do Sistema das Nações Unidas,
criaram o Grupo de Apoio à Transição
(GAT) em que estiveram presentes os
principais parceiros internacionais para
a implementação e aperfeiçoamento de
uma estratégia progressiva de passa-
gem para o Grupo dos PDM. Ver a este
respeito: Arquipélago passa hoje a ser
País de Desenvolvimento Médio. Dispo-
nível em http://expresso.sapo.pt/africa/
arquipe lago-passa-hoje-a-ser-pais-de-
desenvolvimento-medio=f205442#gs.
HN2aAgs. Acesso em 09 jul. 2018.