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O Ministério dos Negócios Estrangeiros
Português e a Integração Europeia
(1951-1986)
The Portuguese Foreign Affairs Office and European
Integration (1951-1986)
Recebido em: 14 de maio de 2018
Aprovado em: 4 de agosto de 2018
DOI: 10.5752/P.2317-773X.2019v7.n1.p110
Alice Cunha
1
Isabel Maria Freitas Valente
2
R
Após os tormentos da II Guerra Mundial, a Europa irá reinventar-se a si própria,
sendo que uma dessas formas se reveste nos comummente designados movimen-
tos de cooperação e de integração europeia, com os quais Portugal também se
envolveria. Tendo como enquadramento a posição do Estado português para com
a integração europeia, este artigo analisa especicamente o papel do Ministério dos
Negócios Estrangeiros (MNE) no que diz respeito à integração europeia. O recorte
temporal vai desde a Declaração Schuman, em 1951, até à adesão de Portugal à Co-
munidade Económica Europeia, em 1986. Conclui-se que, como seria expectável, o
MNE serviu as diretrizes do regime no poder, cumprindo instruções, mas também
conferindo o seu cunho, o que é particularmente visível na ação de um conjunto
de diplomatas pró-europeus. No geral, sempre se batalhou, inclusive no MNE, pela
“Europa económica” e apenas após 1976 também pela “Europa política”.
Palavras-chave: diplomacia; integração europeia; Ministério dos Negócios
Estrangeiros; Portugal
A
After the devastation of the II World War, Europe will reinvent itself, namely by
the commonly known movements of cooperation and European integration,
with which Portugal also got involved in. Bearing in mind the ocial position of
the Portuguese government towards European integration, through the time,
this article analyzes specically the role of the Portuguese Foreign Aairs Oce
regarding European integration. The time frame of this article goes from the
Schuman Declaration in 1951 until the Portuguese accession to the European
Economic Community in 1986. We conclude that, as expected, the Foreign
Oce served the regime’s position on the matter, fullling instructions, but
also adding its own vision, which was particular visible in some pro-European
diplomats. Overall, the Foreign Oce always battled to become a member of
the “economic Europe” and after 1976 also of the “political Europe”.
Keywords: diplomacy; European integration; Foreign Aairs Oce; Portugal
1. Doutora em História Contemporânea
pela Faculdade de Ciências Sociais e
Humanas da Universidade Nova de
Lisboa. Desde 2008, é investigadora
nessa Faculdade na área de História da
Integração Europeia, área na qual tem
publicado, sendo atualmente autora de
24 artigos com arbitragem científica e
de 14 capítulos de livros, coordenadora
de dez e único autor de três. Organizou
mais de três dezenas de eventos cien-
tíficos e tem participado em diversos
projetos de investigação, nacionais e
internacionais. Lisboa/Portugal ORCID:
0000-0003-3206-8475
2. Doutora em Altos Estudos Contem-
porâneos (História Contemporânea,
Estudos Internacionais Comparativos)
Faculdade de Letras da Universidade
de Coimbra. Possui um Mestrado em
Estudos Europeus pela Faculdade de
Letras da Universidade de Coimbra. É
Investigadora Integrada do Centro de
Estudos Interdisciplinares do Século XX
da Universidade de Coimbra - CEIS20,
Coordenadora Científica do Grupo de
Investigação Europeísmo, Atlantici-
dade e Mundialização do CEIS20-UC.
Coimbra/Portugal. ORCID: 0000-0003-
2403-5147
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Alice Cunha; Isabel Maria Freitas Valente O Ministério dos Negócios Estrangeiros Português e a Integração Europeia (1951-1986)
Introdução
Após os tormentos da guerra, a Europa irá reinventar-se a si pró-
pria, sendo que uma dessas formas se reveste nos comummente designa-
dos movimentos de cooperação e de integração europeia, com os quais
Portugal também se envolverá e nos quais o Ministério dos Negócios
Estrangeiros (MNE) português participará.
Salvo raras exceções (HOCKING; SPENCE, 2002; HOCKING,
1999), a literatura especializada estrangeira (de Ciência Política, Relações
Internacionais e História Contemporânea), não tem dedicado especial
atenção ao papel dos ministérios dos Negócios Estrangeiros na formu-
lação, condução e execução dos assuntos europeus. O mesmo se aplica à
literatura portuguesa, da qual apenas se conhece um artigo (CORREIA,
2006, p. 29-81), que aborda esta questão com mais detalhe. Assim, parece
pertinente analisar a intervenção do MNE no que diz respeito à integra-
ção europeia e à participação do país nesse processo, precisamente no
centenário de nascimento do Embaixador Calvet de Magalhães
3
e nos
30 anos da assinatura do Acto de Adesão. O recorte temporal proposto vai
desde a Declaração Schuman, em 1951, até à adesão de Portugal à Co-
munidade Económica Europeia (CEE), em 1986, a m de aferir o grau de
afastamento e/ou de envolvimento do MNE nesse âmbito.
Este artigo é baseado em pesquisa arquivística, tendo sido consul-
tada documentação das seguintes fontes: Arquivo Histórico-Diplomático
do Ministério dos Negócios Estrangeiros (AHD-MNE), Arquivo Particu-
lar de Calvet de Magalhães, do extinto Instituto de Estudos Estratégicos
Internacionais, Arquivos da Organização para a Cooperação e Desenvol-
vimento Económico (OCDE), Public Record Oce (National Archives),
Centro de Documentação Europeia da Universidade Católica Portuguesa
(CDE-UCP) – Espólio Ernâni Rodrigues Lopes (ERL). Recorre-se tam-
bém a entrevistas realizadas entre 2010 e 2012 com alguns dos respon-
veis políticos e diplomáticos que participaram nas negociações de adesão.
Numa primeira parte, tentar-se-á demonstrar que a aproximação
de Portugal aos movimentos de cooperação e de integração regional pós-
-guerra resultou principalmente da conjugação de vários esforços e inicia-
tivas pessoais de funcionários de topo, mais do que do resultado de uma
política consciente governamental, como é als corroborada por alguns
deles (Calvet de Magalhães, nomeadamente). Neste sentido, o apareci-
mento e crescimento de uma corrente internacionalista pró-europeia no
MNE, durante o Estado Novo (1933-1974), é talvez um dos aspectos mais
interessantes da história da diplomacia portuguesa no pós II Guerra.
De facto, os embaixadores Ruy Teixeira Guerra e José Thomaz Cal-
vet de Magalhães foram dois dos protagonistas (e não raras vezes assu-
miram o que consideraram ser o interesse do país, sem o apoio explícito
do Governo) da internacionalização de Portugal. Principalmente, são res-
ponsáveis pelo envolvimento do País no processo de construção europeia,
mesmo que inicialmente aquele se apresentasse sob a forma de cooperação.
Já depois do 25 de Abril de 1974, com a instauração progressiva
de um regime democrático no País, esse movimento de aproximação à
Europa continuou e a adesão à CEE foi tomada como uma espécie de
3. José Thomaz Cabral Calvet de Ma-
galhães (1915-2004) foi um diplomata
português, cujo nome e carreira ficaram
associados à história da integração do
país nos movimentos de cooperação e
de integração europeia do pós II Guerra
Mundial. Em 1959, chefiou a delega-
ção portuguesa durante a convenção
negocial do Tratado de Estocolmo,
que criou a Associação Europeia de
Comércio Livre e, em 1960, foi nomeado
Representante junto das Comunidades
Europeias, tendo em 1962 sido nomeado
Representante Permanente e Chefe da
Delegação portuguesa junto da Comuni-
dade Económica Europeia.
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desígnio nacional. Tendo isso em vista, mesmo antes das negociações de
adesão começarem, agurava-se indispensável saber, interna e externa-
mente, quem negoceia e a que nível (técnico ou ministerial), bem como
quem coordena as negociações, se a Presidência do Conselho de Minis-
tros, se o MNE, se o Ministério das Finanças e do Plano. Com isso, tem
início toda uma movimentação governamental no sentido da denição
da estrutura negocial portuguesa, o que será analisado numa segunda
parte deste artigo, assim como será explicado o maior ou menor grau de
intervenção do MNE nessas negociações.
O desenho da pesquisa foi orientado, em parte, pelo método do
“process tracing” (ou mapeamento de processo) no sentido em que, par-
tindo de um estudo de caso especíco (o MNE e a integração europeia),
promove a alise de ações e de mecanismos especícos que contri-
buem para uma possível explicação de certas relações causais, que cul-
minam em determinadas decisões, como a da adesão à EFTA e, mais
tarde, à CEE.
Aparecimento de uma corrente pró-europeia e internacionalista
no MNE durante o Estado Novo
Numa época em que o governo português defendia que o futuro de
Portugal estava indissociavelmente ligado à sua soberania sobre os terri-
tórios ultramarinos, um restrito grupo de diplomatas (como Ruy Teixeira
Guerra e Calvet de Magalhães) pensava de forma diversa e considerava
que a ligação à Europa, esteio fundamental da cultura portuguesa, era
essencial para o futuro desenvolvimento ecomico e social nacional.
Na ótica de Calvet de Magalhães, “a obra da nossa aproximação das
instituições europeias nos seus primeiros passos resultou principalmente
da conjugação de vários esforços e iniciativas pessoais, mais do que resul-
tado de uma política consciente governamental, e a essa obra me achei
pessoalmente ligado nalguns momentos cruciais dessa aproximação. ()
[a nível ocial] não só não existia na época qualquer entusiasmo por par-
te do Governo Português pela ideia de uma união europeia, como a
existia uma marcada hostilidade e até descrença acerca da viabilidade de
quaisquer iniciativas nesse sentido” (MAGALHÃES, 1981, p. 44-45).
De facto, numa ação discreta, mas persistente, Teixeira Guerra e
Calvet de Magalhães exercem, o primeiro, a partir de 1948, e o segundo
de 1956, notável inuência no sentido de aproximar Portugal aos grandes
organismos económicos europeus que surgiram no pós-guerra.
Entre eles, há que salientar o envolvimento, desde sempre, nas ne-
gociações de aproximação ao processo europeu, inicialmente de coope-
ração (na OECE e Plano Marshall) e mais tarde de construção da própria
união europeia (EFTA, CEE). Outro exemplo esclarecedor a ser consi-
derado é o facto de Calvet de Magalhães ter exercido, em simultâneo, as
funções de chefe e representante da OECE na Comissão Técnica de Coo-
peração Económica Europeia (CTCEE) e desta na OECE/OCDE.
É neste contexto que a força anímica destes diplomatas se revela
através de um contributo inestimável para a denição e adoção de uma
das estratégias de política externa de Portugal mais frutuosas – a da inter-
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Alice Cunha; Isabel Maria Freitas Valente O Ministério dos Negócios Estrangeiros Português e a Integração Europeia (1951-1986)
nacionalização da economia portuguesa através da plena participação nas
instituições internacionais e europeias do pós-guerra.
Para esclarecer este ponto deve ter-se em conta o facto que, em
1956, Calvet de Magalhães foi colocado em Paris onde conseguiu que lhe
fossem abertas as portas de algumas das mais importantes instituições
europeias de cooperação, onde desenvolveu, como veremos, uma inten-
sa atividade diplomática e onde exercitou o seu conceito de diplomacia
económica. Relativamente a esta questão, Jo Rosas arma que foi com:
“Calvet de Magalhães que o Ministério dos Negócios Estrangeiros começou a
interessar-se pela parte económica dos acordos internacionais. Já antes de ser
Secretário-Geral do MNE, logo no início da sua carreia, Calvet teve uma ação
muito importante na intervenção do MNE nos acordos económicos. Conseguiu
reunir uma equipa de diplomatas com formação económica e com isso criou o
alfobre daquilo que veio a ser a diplomacia económica do MNE que passou a
tomar a seu cargo a parte económica dos acordos internacionais. Até então, os
Embaixadores não se interessavam pela parte económica. Esta era designada, nos
corredores do Palácio das Necessidades [sede do MNE], como cascalho. Aliás,
na minha opinião, esta foi uma das duas razões que tornou a ação de Calvet
de Magalhães, enquanto diplomata, excecional. A segunda foi a aproximação e
abertura à Europa que ele proporcionou a Portugal. Nessa área a sua capacidade
negocial oresceu”
4
. (ROSAS, 2010)
O êxito que Calvet de Magalhães teve na execução dos seus objeti-
vos, conseguindo a tão almejada (e quase inexequível) participação portu-
guesa nos movimentos de cooperação que então fervilhavam na Europa é
notório. A sua nomeação, em abril de 1959, para o cargo de representante
de Portugal na Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, e para a chea
da delegação portuguesa na maior parte das negociações que, durante o
ano de 1959, deram origem à EFTA, são disso exemplo.
À luz do que foi dito, pode agora explicitar-se como a história da
aproximação/integração portuguesa a estes organismos internacionais
foi marcada pela política de reserva de Salazar, por compromissos reais
e pela ação persistente, de grande acuidade e eciência dos diplomatas
Teixeira Guerra e Calvet de Magalhães que inauguram uma corrente in-
ternacionalista e pró-europeia no MNE. Na verdade, este facto constitui,
talvez, um dos dados mais interessantes da História Diplomática portu-
guesa do pós-guerra.
É nesta linha que se pode referir que num primeiro momento, ape-
sar de Portugal participar ativamente nas diversas ações destinadas à ela-
boração e concretização do Plano Marshall, o governo português rejeita
a possibilidade de aceitar auxílio nanceiro americano através do Plano
Marshall. No entanto, a decisão de não aceitar o auxílio nanceiro ameri-
cano não implicou qualquer alteração na qualidade que Portugal detinha
enquanto país participante. Portugal continuou a participar nas reuniões
e atividades dos países europeus e foi membro fundador da OECE
5
.
É porta-voz dessa posição portuguesa
6
o Ministro dos Negócios
Estrangeiros, Caeiro da Matta. Nela, Portugal mostra bem que as con-
vicções políticas e ideológicas do regime prevaleciam sobre as novas rea-
lidades internacionais. Deste modo, o governo pretendia manter o país
autónomo, do ponto de vista económico, mas a verdade é que Portugal
dependia, em grande medida, dos fornecimentos do exterior. Seria esta
grande dependência externa que colocaria limites à autonomia e a auto-
4. Entrevista a João Rosas, Rio de
Janeiro, 20 de junho de 2010.
5. AHD-MNE, 2.º P., A.40, M.238.
6. AHD-MNE, 2ºP., A.39, M.53.
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cracia tão ansiadas por Salazar.
Assim, foi num contexto de potenciais vantagens de cooperação
económica que Salazar aceitou os benefícios do Plano Marshall (24 de
novembro de 1948) e que Portugal integrasse a OCDE e posteriormente a
EFTA. O País começa a beneciar desses fundos a partir do segundo exer-
cício do Plano (1949-1950). Portugal recebe ainda ajuda direta do fundo
durante o terceiro exercício do Plano Marshall (1950-1951).
Pode dizer-se que é noria a correlação entre o agravamento da si-
tuação económica e nanceira de Portugal e a decisão de alterar a posição
inicialmente defendida de dispensar o auxílio nanceiro Marshall.
É óbvio que, perante esta conjuntura, o governo português empe-
nhar-se-ia para que o país fosse contemplado na distribuição dos créditos
americanos. Para tal recorreria aos bons ofícios dos seus representantes
diplomáticos, devendo neste contexto, e nesta primeira fase, sublinhar-se
a importância da ação e dos esforços que Teixeira Guerra envidou junto
do governo norte-americano e da administração do Plano Marshall para
conseguir o máximo de auxílio nanceiro para Portugal.
Por outro lado, a aventura europeia de Portugal contará, neste mes-
mo período cronogico em que se enquadra esta análise, com um ter-
ceiro ator para quem ganhava sentido e particular interesse a política de
liberalização e internacionalização, leia-se europeização do País. Trata-se
de Corrêa d’ Oliveira,
7
então funcionário do Ministério da Economia e
nosso representante no Comité do Comércio, principal órgão da OECE.
Corrêa d’ Oliveira granjeou a admiração e simpatia de Salazar. A conan-
ça que o governo depositava nele, muito em particular em matérias de co-
mércio externo, conjugadas com as relações de conança que Corrêa de
Oliveira desenvolveu com importantes guras da vida política europeia
contribuíram muito para “permitir que os funcionários que se ocupavam
desse sector pudessem dispor do apoio político necessário para o sucesso
das suas diligências” (Magalhães, 1981, p. 41) durante um período em que,
como sabemos, a vertente atlântica e fundamentalmente o ultramar ga-
nham peso na condução da política externa portuguesa.
A Circular sobre a Integração Europeia para as Missões Diplomáticas do
Conselho de Ministros
8
, de 6 de março de 1953, é disso exemplo.
No entanto, “nos assuntos europeus a Inglaterra continuará a ser
a referência fundamental. De tal modo que Portugal seguirá de perto as
posições britânicas nesta matéria até à entrada na EFTA como membro
fundador” (Teixeira e Pinto, 2007, p. 17).
Assim, quando em 1956 os britânicos propuseram na OECE a cria-
ção de uma Zona de Livre Câmbio europeia e informaram Portugal, de
forma unilateral, que apenas os países industrializados da organização
participariam desta zona e que o país, devido ao seu atraso
9
, não pode-
ria fazer parte deste projeto, o governo português reage com “desusada
energia à atitude britânica que, diga-se de passagem, foi um tanto prepo-
tente e sobretudo inábil” (MAGALHÃES, 1991, p. 138).
Ora, é neste contexto histórico, político e ecomico que Cal-
vet de Magalhães, enquanto chefe da delegação portuguesa junto da
OECE,
10
travará ‘uma dura batalha’ contra a atitude britânica que pre-
tendia excluir Portugal de uma Zona de Comércio Livre
11
onde esta-
7. José Gonçalo Corrêa de Oliveira
(1921-1976) foi Secretário de Estado do
orçamento e do comércio (de 21 de julho
de 1955 a 4 de maio de 1961). Ministro
da Presidência (de 22 de junho de 1961
a 19 de março de 1965). Ministro da
Economia de Salazar e Marcello Cae-
tano (de 19 de março de 1965 a 27 de
março de 1969). Foi um dos principais
peritos em comércio português de
1944 a 1955. Esteve ligado a todas
as principais negociações da OECE e
foi responsável pela coordenação das
negociações que levaram à constituição
da EFTA.
8. AHD, PEA-M 309.
9. AHD-OECE, 2º Piso ARM7M.294.
10. Como escreve Nicolau Andresen
Leitão em Estado Novo, Democracia
e Europa. 1947-1986, “José Calvet de
Magalhães foi, a seguir à guerra, o
diplomata mais importante nas negocia-
ções europeias” (Leitão, 2007).
11. AHD-MNE, 2.º P., A.6, M.439.
115
Alice Cunha; Isabel Maria Freitas Valente O Ministério dos Negócios Estrangeiros Português e a Integração Europeia (1951-1986)
riam incluídos os países que constituíam os nossos principais mercados
de exportão.
Na sequência da proposta britânica foi criado um grupo de traba-
lho n.º 17 (em junho de 1956) para estudar a viabilidade da iniciativa, sen-
do o País representado por Calvet de Magalhães. As posições tomadas
12
pelo delegado português durante a reunião e consubstanciadas no seu
primeiro relatório
13
constituíram o guião de atuação do governo portu-
guês durante as negociações para a criação da Zona de Comércio Livre.
A argumentação é pertinente: Portugal pretende a sua entrada na zona de
comércio livre ao abrigo de um regime especial pois considerava-se um
país em vias de desenvolvimento.
É conveniente lembrar, a propósito, a criação (já depois do relatório
do grupo 17 estar concluído, mas não difundido) de uma “comissão en-
carregada do estudo dos problemas relativos à criação e funcionamento
da zona de comércio externo, de 5 de dezembro de 1956, que teve como
Presidente Corrêa de Oliveira, então Subsecretário de Estado do Orça-
mento, e como vogais o Embaixador Teixeira Guerra, Director-Geral dos
Negócios Económicos, Tovar de Lemos, Presidente da Comissão Técnica
de Cooperação Económica Externa, Fernando Alves Machado, Presiden-
te da Comissão de Coordenação Económica, Carlos Câmara Pestana, Di-
rector-Geral das Alfândegas e Isabel Magalhães Collaço () elaboraram
um relatório que cou ultimado em 28 de janeiro seguinte. Este trabalho
serviu de base à atuação portuguesa nas negociações iniciadas no seio da
OECE” (MAGALHÃES, 1991, p. 138-139).
Torna-se necessário, sem dúvida, referir que a alise desenvolvida
no relatório de Calvet de Magalhães, fornece os principais argumentos
da posição portuguesa e, muito concretamente, do discurso da delegada
portuguesa no grupo de trabalho n.17, Isabel Magalhães Collaço, a 26 de
novembro de 1956
14
.
Em 17 de outubro de 1957 foi criada a Comissão Intergovernamen-
tal ou Comissão Maulding para dar execução às conclusões dos grupos de
trabalho. Portugal faz-se representar por Corrêa de Oliveira e perante a
posição rme e bem fundamentada de Portugal a comissão viu-se forçada
a criar um grupo de trabalho para estudar o caso português.
Os membros desta comissão e alguns técnicos acompanhados por
Calvet de Magalhães e pelo grupo de trabalho português, visitaram Por-
tugal
15
, nalizando o seu relatório, que cou conhecido por ‘Relatório
Melander”, a 22 de outubro de 1958. Nesse relatório aceitavam-se todas
as pretensões portuguesas, no entanto, não chegou a ser discutido na Co-
missão Maulding porque os seus trabalhos foram adiados sine die, a partir
de 14 de novembro, em consequência do veto de De Gaulle à continuação
das negociações.
Ora, este relatório viria a ter uma importância vital nas negocia-
ções que se seguiram ao fracasso da Comissão Maulding e que estariam
na base da criação da EFTA e da integração portuguesa, enquanto mem-
bro fundador desta pequena Zona de Comércio Livre.
Neste quadro não deixa de ser importante sublinhar as palavras de
Luís Figueira a este propósito: “Quando as negociações da Zona Mau-
dling se goraram e surgiu a iniciativa britânica de, perante a existência
12. Relembre-se que, uma vez mais, Lis-
boa não deu nenhuma indicação precisa
de como proceder nesse fórum. Atitude
que era, aliás, muito frequente.
13. AHD-MNE, OECE, 2ºP, 61, M.295, P.3.
14. AHD-MNE, 2.º P.A. 56, M.296.
15. AHD-MNE, 2.ºP., A. 7, M.550.
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já efetiva da CEE, criar uma pequena zona de comércio livre dos restan-
tes seis países desenvolvidos (), da qual era intenção excluir-nos dado o
nosso atraso económico, viemos anal participar nas reuniões mais ou
menos secretas ou informais que então tiveram lugar (de cuja realiza-
ção nem sequer, als, nos fora dado conhecimento) em resultado da ação
conjugada dos Embaixadores Calvet de Magalhães, então nosso Repre-
sentante Permanente na OECE, e Ruy Teixeira Guerra, director geral dos
Negócios Económicos do MNE. () Foi-nos possível, mercê de uma ação
diplomática atenta e eciente, baseada apenas no prestígio pessoal que
os nossos dois tradicionais representantes haviam sabido granjear, não
car de fora num processo que se antevia importante. É que foi destas
reuniões que veio, sem demora, a resultar o processo de negociação que
conduziu à criação da EFTA” (FIGUEIRA, 2003, p. 46).
Na sequência do veto do governo gaullista anunciado pelo Minis-
tro da Informação francês, Jacques Soustelle, a 14 de novembro de 1958,
é agendada uma reunião, em Genebra, para discutir e analisar as conse-
quências da suspensão das negociações. Uma vez que o relatório Melan-
der não chegou a ser debatido pelo Comité Maudling, Portugal não foi
convidado para esta reunião.
Calvet de Magalhães ao ter conhecimento desta situação alerta, de
imediato, Corrêa dOliveira, então Secretário de Estado do Comércio,
para a importância vital de Portugal estar presente, em Genebra, pois
corria-se o risco de carmos excluídos dos dois grandes grupos económi-
cos da Europa. O que teria graves consequências para as nossas expor-
tações e para a economia portuguesa, em geral. Concordando com os
argumentos do nosso Embaixador, Corrêa d’Oliveira estimula todas as
diligências feitas por Calvet de Magalhães no sentido de contactar direta-
mente os responsáveis suíços.
Assim, Calvet de Magalhães em ação concertada com o Director-
-Geral dos Negócios, Teixeira Guerra, pressiona o Ministro Suíço, Hans
Shaner, para que Portugal participe na reunião de 1 de dezembro de
1958. Perante esta pressão, a presença portuguesa é aceite e cabe a Cal-
vet de Magalhães e a Teixeira Guerra comparecerem na reunião, em
Genebra
16
.
Neste contexto, o Embaixador Siqueira Freire, questiona se “te-
ríamos sido admitidos na EFTA se não tivéssemos estado presentes na
OECE? Teríamos podido alcançar os termos em que assimos o Acordo
de 1972 com a CEE se não estivéssemos na EFTA? Teríamos podido pe-
dir já a adesão como membros de pleno direito às Comunidades se não
tivéssemos adquirido a imagem e a longa experiência da integração euro-
peia adquiridas na EFTA e na vivência do Acordo Portugal-CEE de 1972?”
(FREIRE, 1981, p. 21).
Na verdade, a importância do conhecimento adquirido nos dois
anos de negociações para a ZCL bem como a participação de Portugal
no Plano Marshall e, por via disso, nas organizações e nos organismos
económicos que se foram sucedendo, como por exemplo, a OECE, UEP,
OCDE, foram determinantes na modernização da economia portuguesa
e na aproximação do país à Europa e fundamentais para o êxito da entra-
da de Portugal na EFTA.
16. AHD-MNE, 2.º P., A. 7, M49.
117
Alice Cunha; Isabel Maria Freitas Valente O Ministério dos Negócios Estrangeiros Português e a Integração Europeia (1951-1986)
Deve acentuar-se, porém, que as negociações não foram fáceis para
Portugal e sem o Relatório Melander, como escreveu Calvet de Maga-
lhães, o País “teria fracas hipóteses de se tornar membro da EFTA” (MA-
GALHÃES,1988, p. 46).
Calvet de Magalhães cheou a delegação portuguesa em todas as
reuniões, a nível de funcionários, que se realizaram em Estocolmo e Salt-
sjöbaden, entre 17 de março e 1 de outubro de 1959. Sendo substituído
pelo Embaixador Teixeira Guerra na última reunião desta natureza que
teve lugar em novembro desse ano, por ter sido chamado a Paris no âm-
bito da transformação da OECE na atual OCDE.
As posições e pretensões portuguesas concretizam-se na última
ronda negocial de 1959, em Estocolmo. Nela, Portugal alcança a vitória
em todas as frentes. Segundo Corrêa dOliveira, “fazemos parte de um
grupo de países que lidera a política europeia com direitos iguais, mas
sem obrigações iguais”
17
.
Na verdade, na Convenção de Estocolmo, assinada a 4 de janeiro
de 1960, Portugal integra, como membro de pleno direito, o conjunto de
países fundadores da EFTA, mas com um estatuto especial – Anexo G,
decalcado do relatório Melander. O referido Anexo G elencava todos os
benefícios que Portugal usufruiria bem como estabelecia que cavam ex-
cluídos da EFTA os territórios ultramarinos. Deste modo, Portugal conti-
nua a poder participar na construção económica em curso na Europa Oci-
dental sem colocar em perigo a sua relação privilegiada com as colónias.
Ora, este argumento é utilizado com êxito pela comissão intermi-
nisterial, presidida pelo Secretário de Estado para o Comércio Externo
Corrêa dOliveira e coadjuvada pelos diplomatas Teixeira Guerra e Calvet
de Magalhães para conseguir a anuência ou a compreensão do Chefe de
Governo de Portugal. Assim, o compromisso alcançado salvaguardava
os princípios defendidos pelo regime de Oliveira Salazar e reduzia o e
isolamento internacional de Portugal.
Decididamente, a ideia de que a pertença à EFTA seria a solução
ideal para Portugal, pois permitiria um compromisso entre a via da Euro-
pa e a da África, deixando a salvo o Ultramar, veio a revelar-se o ponto de
viragem fundamental do eixo da política externa portuguesa. Compreen-
de-se, assim, que em 18 de maio de 1962, o governo português solicitaria
a abertura de negociações com a CEE.
Apesar de todas as dúvidas e hesitações, o facto é que Portugal ini-
ciara a sua caminhada em direção à Europa Comunitária.
Em breve, essa aproximação tornar-se-ia inevitável numa Europa
dividida em dois grupos separados. Criaram-se na Europa dois vastos es-
paços de comércio livre de produtos industriais, a CEE e a EFTA. Estes
dois espaços obtiveram enorme sucesso comercial e económico demons-
trando, desse modo que, as teorias liberais e a liberdade deveriam preva-
lecer sobre a losoa que preconizava o isolamento e o protecionismo.
Em 9 de agosto de 1961, a Grã-Bretanha solicita a abertura de nego-
ciações para adesão às Comunidades
18
. Decisão esta que é seguida pela
Dinamarca e em abril do mesmo ano pela Noruega. Muitos outros mem-
bros da EFTA, os designados por ‘neutros’, solicitaram também abertura
de negociações embora não visassem nessa altura a adesão às Comunida-
17. ANTT, AOS/CO/EC-17-A, Pt 4, p.136.
18. AHD-MNE, EOI 207.
118
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des.
É o caso de Portugal que não poderia correr o risco de isolamento.
Faz, então, a sua opção de fundo consciente das enormes diculdades de
natureza política, mas também de natureza económica. Por isso, man-
teve sempre uma posição de exibilidade quanto à fórmula de ligação
jurídica a propor à CEE.
Assim, em carta endereçada ao Presidente da CEE (18 de maio de
1962), e entregue pelo Embaixador Calvet de Magalhães, Portugal solicita
a abertura de negociações com vista a “établir les termes de la collabora-
tion entre les deux parties sous la forme considérée la plus adéquate”
19
.
No âmbito desta temática, é legítimo referir que o diplomata Calvet
de Magalhães, após ter participado ativamente na ampliação e remodela-
ção da OECE em OCDE, assume aí o lugar do nosso Representante Per-
manente. Cerca de um ano depois, em 13 de abril de 1962, já com o título
honoríco de Embaixador, é nomeado primeiro Embaixador de Portugal
acreditado junto da CEE e da Agência Internacional de Energia Atómica
20
.
Neste quadro não deixa de ser indispensável realçar a importância
desta nomeação. Tratava-se de um diplomata bem aceite e conceituado
nos círculos europeus, um europeísta convicto que percebeu, desde muito
cedo, que o sucesso do projeto europeu radicava na matriz civilizacional
europeia, na coesão dos povos da Europa e na almejada paz mundial. Mais,
que Portugal, velho país europeu, não podia ser alheio a esse movimento.
O discurso proferido por Calvet de Magalhães aquando da entrega de cre-
denciais ao então Presidente da CEE, Walter Hallstein, é disso elucidativo
Assim, o Presidente do Conselho da CEE, por carta datada de 19
de dezembro de 1962, agenda a audição do caso português para 11 de
fevereiro de 1963.
Lembre-se uma vez mais que continuavam as difíceis negociações
entre a Grã-Bretanha e as Comunidades com vista à adesão deste país à
CEE. As tentativas da Grã-Bretanha foram, porém, vetadas por De Gaul-
le. O afastamento de De Gaulle da presidência francesa, em abril de 1969,
permitiu o renovar do pedido da Grã-Bretanha, tendo sido assinados os
acordos de adesão em janeiro de 1972.
Neste contexto, o Governo português, agora cheado por Marcello
Caetano, solicita ao Presidente da Comissão da CEE, através de Memo-
rando datado de 28 de maio de 1970, o início de negociações com a CEE
no sentido de se encontrar uma forma de ligação adequada a ambas as
partes.
Sublinhe-se que para a preparação de tais negociações, criou-se,
por despacho conjunto do Presidente do Conselho, Marcello Caetano, do
Ministro das Finanças e da Economia, João Dias Rosas e Ministro dos
Negócios Estrangeiros, Ruy Patrício, datado de 23 de março de 1970, uma
Comissão de Estudos sobre a Integração Económica Europeia. A esta Co-
missão foi atribuída a incumbência de proceder “ao estudo da situação
presente e das possibilidades futuras no que respeita aos processos de
participação do país nos movimentos que têm por objetivo a integração
económica da Europa”
21
.
A comissão foi presidida pelo Embaixador Teixeira Guerra e pelos
seguintes vogais: Calvet de Magalhães, que foi o Vice-Presidente, Alberto
Nascimento Regueira, Álvaro Ramos Pereira, Carlos Lourenço, Ernesto
19. Archives Commission CCE, BAC
3/1978 n. 853/3 1957/1971.
20. Consulte-se: Archives Commission
CCE, BAC 3/1978 n. 102/1 1959-
1970; Archives Commission CCE, BAC
118/1986 N. 2033; Archives Commission
CCE, CEAB 5 n.º 1420/1 1958/1964.
21. Diário do Governo, nº 69, II Série, de
23 de março de 1970.
119
Alice Cunha; Isabel Maria Freitas Valente O Ministério dos Negócios Estrangeiros Português e a Integração Europeia (1951-1986)
Fervença da Silva, Eugénio de Castro Caldas, Ilídio Barbosa, João Cravi-
nho, Joaquim Mexia, José da Silva Lopes que também exerceu as funções
de Vice-Presidente assistido por Raquel de Bethencourt Ferreira,
Luís Fi-
gueira, Rui dos Santos Martins e por João Vieira de Castro, que exerceu
funções de Secretario da Comissão.
A supracitada comissão elabora, no decurso de 1970, um extenso e
fundamentado relatório. Na verdade, tratava-se de um documento técni-
co do maior interesse como estudo rigoroso sobre as negociações com a
CEE, que viriam a ser encetadas em novembro seguinte. Nele se analisam
e discutem os mais diversos problemas que se colocariam a Portugal du-
rante a sua aproximação ao Mercado Comum. Foi considerado um relató-
rio ‘revolucionário’ para a época pois reconhecia, de forma muito explícita
e, ao contrio da doutrina do Estado Novo, que a CEE e as suas institui-
ções representam “o caminho mais apropriado para atingir uma razoável
organização do espaço europeu [fora da órbitra soviética] possivelmente
como primeira etapa duma mais demorada evolução para atingir o mais
ambicioso objectivo da formação dos Estados Unidos da Europa”
22
. Mais:
considerava que as Comunidades tinham sido fruto da ação de um “grupo
de europeus de larga visão, orientados pelo primeiro Comissário do Plano
francês, Jean Monnet, que começou uma corajosa campanha tendente à
criação de instituições dotadas de órgãos centrais habilitados a formar e
a fazer executar programas para inteligente e ordenado aproveitamen-
to dos recursos existentes na inteira área dos territórios associados”
23
. O
relatório considerava, também, que a Comunidade seria o mais ativo e
vigoroso elemento do conjunto europeu, em contraponto à EFTA
24
.
Ora, esse Relatório serviria de trave – mestra a todas as negociações
que se desenrolariam, em Bruxelas, com vista a estabelecer um acordo
entre Portugal e a CEE. Nele, de forma muito clara, arma-se que no
âmbito das relações económicas de Portugal com a Europa, com a saída
do Reino Unido da EFTA e com o consequente enfraquecimento ou de-
saparecimento da mesma, impunha-se a Lisboa equacionar uma forma
ecaz de aproximação à CEE.
Assim, a opção mais provável seria o acordo comercial, mas seria
fundamental que Portugal pugnasse por um acordo de associação. Re-
leva-se, uma vez mais, a preservação da hipótese de uma futura adesão.
Pelo que a moderação e a exibilidade nas negociações, muito em parti-
cular no que respeitava à questão colonial, deveria ser a atitude a adotar
pelo Governo portugs.
O enquadramento de todas as diligências exploratórias entre Portu-
gal e a CEE, iniciadas em 24 de novembro de 1970, bem como as negocia-
ções propriamente ditas que começaram em 1971 e que se prolongaram
pelo primeiro semestre de 1972, tendo culminado com a assinatura do
Acordo Comercial entre Portugal e a CEE, tiveram o referido Relatório
como substrato negocial.
Parece-nos interessante acentuar que apesar de todo este proces-
so ter sido protagonizado publicamente pelo Ministro dos Negócios Es-
trangeiros, Rui Patrício, cuja carreira até então fora feita como Secretário
de Estado do Fomento Ultramarino, todo o trabalho preparatório, todos
os contactos exploratórios, toda a argumentação teórica e discursiva, ou
22. AHD-MNE/EOI/686.
23. Cf. Relatório da Comissão de
Estudos sobre a Integração Económica
Europeia, setembro de 1970. AHD-MNE/
EOI/686, p. 3.
24. Cf. Relatório da Comissão de
Estudos sobre a Integração Económica
Europeia, setembro de 1970. AHD-MNE/
EOI/686, p. 4.
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seja, todo o trabalho substancial coube a Calvet de Magalhães
25
. No en-
tanto, já a maior parte das negociações esteve a cargo do Ministro das
Finanças e Economia, João Augusto Dias Rosas, e da sua equipa.
Registe-se ainda que o pensamento e o discurso de Dias Rosas dei-
xam transparecer, ainda que de forma difusa, uma perspetiva de Europa
que não apenas económica. Foi durante a sua gestão da pasta das Finan-
ças e Economia que se iniciou e concluiu o último ato formal de aproxi-
mação à CEE durante o Estado Novo.
Este é, com efeito, um texto fundamental, mesmo pelos reexos
e consequências que teve na política externa portuguesa, em que o di-
plomata Calvet de Magalhães refere e proclama o ideal de uma adesão
plena de Portugal à CEE. Nele, refere de forma explícita que as condições
económicas e a própria natureza do regime não permitiam, então, que
Portugal solicitasse a adesão, mas que o governo português aceitaria um
acordo de associação que implicasse uma futura adesão
26
.
É oportuno ainda, referir que essa posição seria ocialmente reco-
nhecida pelo Secretário de Estado do Comércio, Alexandre Vaz Pinto.
Consideramos as suas palavras: a associação “é encarada pela CEE ()
como uma mera fase transitória de preparação para uma posterior adesão,
retardada por razões de atraso económico ou de objecções políticas”
27
.
Expostas e aceites, assim, as pretensões portuguesas, aqui mera-
mente enunciadas, xou-se o dia 17 de dezembro de 1971 para início das
negociações, com vista ao estabelecimento de um acordo comercial, o
qual veio a ser concluído em Bruxelas, a 22 de julho de 1972 e entrou em
vigor a 1 de janeiro de 1973. Para tal, foi criado, a 4 de janeiro de 1971, um
Grupo de Trabalho Especial para o Estudo dos Problemas Relativos às
negociações entre Portugal e a CEE do qual Calvet de Magalhães, então
Director-Geral dos Negócios Económicos, foi designado Vice-Presidente
e Teixeira Guerra, Presidente.
As negociações com a CEE foram dirigidas a nível político pelo
Ministro dos Negócios Estrangeiros, Ruy Patrício. Como já referimos a
equipa negocial foi cheado pelo Embaixador Teixeira Guerra e a coor-
denação dos trabalhos, a nível técnico, esteve a cargo de Silva Lopes e a
componente industrial foi da responsabilidade de João Cravinho.
Em suma, a aproximação portuguesa às instituições europeias no
período de Salazar e de Marcello Caetano constituiu, com efeito, um pro-
cesso longo em que as etapas se foram sucedendo e abrindo caminho para
uma integração numa Europa que se queria evitar, mas que viria a ser a
trave-mestra da política externa portuguesa do pós 25 de Abril de 1974.
O MNE nas negociações de adesão à CEE
No que diz respeito ao MNE, contudo, “o advento da democracia
não teve, no imediato, consequências positivas” (CORREIA, 2006, p. 36),
com a condução de diplomacias paralelas por vários sectores da vida po-
lítica, militar e religiosa nacional aquando do período de transição e nem
mesmo logo imediatamente após a entrada em vigor da Constituição de
1976. No entanto, após a tomada de posse do I Governo Constitucional,
a 23 de julho de 1976, este estipulou a adesão à CEE como algo a prosse-
25. Entrevista a João Rosas, Rio de
Janeiro, 20 de junho de 2010.
26. Déclaration d’ouverture du Ministre
des Affaires Etrangères du Portugal, M.
Rui Patrício, au Conseil des Commu-
nautés Européennes, Bruxelles, le 24
novembre, 1970, pp. 9-13. Archives
Commission CCE, BAC 3/1978 n. 853/3
1957/1971, pp. 9-10.
27. AHD-MNE, EOI M. 684.
121
Alice Cunha; Isabel Maria Freitas Valente O Ministério dos Negócios Estrangeiros Português e a Integração Europeia (1951-1986)
guir
28
, iniciando-se na vigência desse Governo toda uma série de movi-
mentações nesse sentido, como a preparação de viagens pelas capitais dos
Estados-membros (tour europeu), com vista à recolha de apoios para as
pretensões portuguesas e a posterior apresentação do pedido de adesão.
Nesta fase de preparativos para solicitar a adesão tudo passou pelo MNE
e pelo ministro José Medeiros Ferreira que, num contexto de incerteza e de
indenições dos Estados-membros e da opinião dos técnicos nacionais, tomou
o comando da nau da adesão, traçou “toda a estratégia diplomática da qual
resultou a apresentação e a aceitação do pedido português”, não se vislum-
brando, nessa altura que fosse feito de modo diferente, na medida em que a di-
plomacia portuguesa era quem “podia ter uma apreciação realista, para além
dos aspetos tecnocráticos, da posição de Portugal na Europa e das posições de
cada país comunitário relativamente a Portugal
29
. Todavia, após a entrega
do pedido de adesão à CEE, pelo embaixador António de Siqueira Freire, a 28
de março de 1977, as negociações seriam conduzidas longe do MNE.
As implicações da adesão para os serviços apenas poderiam ser
justamente avaliadas com o decurso das negociações e com a efetivação
da adesão. Contudo, o fator logístico era importante numa operação tão
especíca, única e multiforme, pelo que deveriam ser criados os meios
mínimos indispensáveis. Havia que ter em consideração nessa equação o
fraco nível de desenvolvimento do país, assim como a fragilidade das suas
estruturas administrativas, existindo a necessidade de congregar recur-
sos humanos, com meios nanceiros e instalações materiais adequadas,
assim como de formar adequadamente técnicos. A adesão era, assim, con-
siderada como “uma operação cuja envergadura ultrapassa de longe tudo
aquilo que estamos habituados a improvisar e que requere o exercício
permanente, activo e promocional da autoridade”
30
.
Embora a teoria da integração regional tenha negligenciado a po-
lítica de alargamento da União Europeia como um tópico de interesse
generalizado e permanente, conduzindo inclusive a uma escassez teórica
sobre o assunto, com o alargamento de 2004 o processo de alargamento
tornou-se num ponto de convergência dos interesses de investigação, in-
clusive na história da integração europeia, área na qual se insere o pre-
sente artigo que, por sua vez, se debruça sobre as escolhas racionais dos
atores, dentro de um contexto político determinado, onde se pretende
capitalizar os benefícios e minorar as perdas.
Em 1979, já as negociações de adesão haviam formalmente come-
çado, o então Chefe da Missão de Portugal junto das Comunidades Eu-
ropeias, António de Siqueira Freire, diplomata de carreira, era de opinião
que, independentemente do esquema de organização das negociações a
adotar do lado nacional, “haverá sempre que assegurar ao Ministério dos
Negócios Estrangeiros uma função especíca, visto ser esse Ministério
que tem a seu cargo a coordenação da política externa em geral com a
política europeia e vice-versa”
31
, sendo que esse entendimento vingou
na parte da atribuição de “uma função especíca”, que sempre iria tendo
no decorrer das negociações, mas não na parte da condução das mesmas.
Nesse sentido, durante os quase sete anos nos quais decorreriam as
negociações (17 de outubro de 1978 a 12 de junho de 1985) foi criada toda
uma estrutura de condução e de apoio às mesmas. A estrutura negocial
28. Programa do I Governo Constitu-
cional. Disponível em: http://www.
portugal.gov.pt/media/464012/GC01.
pdf. Acesso em: 12 ago. 2018.
29. CDE-UCP, Espólio ERL, Pasta
IV, “Integração europeia e política
externa”, Ministério dos Negócios
Estrangeiros – Direcção-Geral dos
Negócios Económicos, não datado, nem
assinado [a assinatura sugere que seja
do ministro João Freitas da Cruz, que
ocupou o cargo nos IV e V governos
constitucionais], p. 9.
30. CDE-UCP, Espólio ERL, Pasta X., “As
implicações do processo de adesão às
Comunidades Europeias para a orgânica
dos serviços – Nota para Sua Excelência
o Presidente da República”, assinado
por António de Siqueira Freire, Chefe da
Missão de Portugal junto das Comuni-
dades Europeias, datado de 19 de março
de 1979, p. 3.
31. CDE-UCP, Espólio ERL, Pasta X., As
implicações…, cit., p. 6.
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era bastante simples: no topo da hierarquia negocial estavam o Conselho
de Ministros e um ministério responsável, que delegavam na Comissão
para a Integração Europeia (CIE) a preparação das negociações, sendo que,
na sua base, a prestar-lhe o apoio técnico necessário, estava o Secretariado
para a Integração Europeia (SIE), e em cada ministério existia um “Gabine-
te de Integração Europeia”, criados pelo ministro Manuel Jacinto Nunes.
Para se evitar a descoordenação das negociações, era necessário
apresentar um único interlocutor por parte de Portugal. Nesse contexto,
havia sido instituída, após o Conselho ter aceitado iniciar negociações, na
dependência da Presidência do Conselho de Ministros, a CIE, antecessora
da atual Direcção-Geral dos Assuntos Europeus, e que foi a interlocutora
e coordenadora entre os diferentes ministérios, sendo da sua competência
global “preparar e dirigir as negociações com vista à adesão de Portugal
às Comunidades Europeias”
32
. No mesmo decreto no qual é constituída a
CIE surge também o Secretariado para a Integração Europeia, outro dos
elementos que pertencia à estrutura das negociações, e cuja nalidade é
a de “apoiar a Comissão nas suas funções, nos planos técnico e adminis-
trativo”, sendo das suas competências iniciais realizar estudos indispensá-
veis à preparação das negociações, colaborar com os serviços envolvidos
nos trabalhos de preparação das negociações, e acompanhar a execução
dos acordos celebrados com a CEE, de modo a garantir o seu ecaz fun-
cionamento e o melhor aproveitamento das potencialidades respetivas
33
.
Dada a sua natureza essencialmente técnica e logística, tanto a CIE
como o SIE, foram sempre relativamente autónomos e independentes do
poder político, o que permitiu que os seus elementos não mudassem mui-
to no decurso das negociações ao contrio do que sucedeu a nível gover-
namental, com a sucessão de governos e respetivos responsáveis políticos
pelas negociações. Assim, se a parte técnica foi mais estável, embora não
isenta de vicissitudes, a condução política das negociações, com implica-
ções para a estrutura que suportava, conheceu várias nuances, onde nunca
o MNE esteve em destaque (Tabela 1.).
Tabela 1- Responsáveis políticos pelas negociações
Governo Responsável político pelas negociações Tutela da CIE
IV
Vice-Primeiro-Ministro para os
Assuntos Económicos e Integração
Europeia, Manuel Jacinto Nunes
Manuel Jacinto Nunes
V
Ministro da Coordenação Económica
e do Plano, Carlos Corrêa Gago
Carlos Corrêa Gago
VI
Vice-Primeiro-Ministro,
Diogo Freitas do Amaral
Secretário de Estado para a
Integração Europeia, Rui de
Almeida Mendes
VII
Ministério da Integração Europeia,
Álvaro Barreto
SEIE, Joaquim Ferreira do Amaral
VIII
Ministro de Estado e das Finanças
e do Plano, João Salgueiro
SEIE, José da Cruz Vilaça
IX
Ministro das Finanças e do Plano,
Ernâni Lopes
MFP, Ernâni Lopes
Fonte: Cunha, 2012, p. 94.
32. Decreto-lei n.º 306/77 de 3 de
agosto. In Diário da Assembleia da
República, n.º 178, I Série, de 3 de
agosto de 1977.
33. Decreto-lei n.º 185/79 de 20 de
junho. In Diário da Assembleia da
República, n.º 140, I Série, de 20 de
junho de 1979.
123
Alice Cunha; Isabel Maria Freitas Valente O Ministério dos Negócios Estrangeiros Português e a Integração Europeia (1951-1986)
No IV GC, era competência do Vice-Primeiro-Ministro para os As-
suntos Económicos e Integração Europeia, Manuel Jacinto Nunes, os as-
suntos relacionados com a integração europeia, cargo que será extinto no
governo seguinte
34
, passando a coordenar esta área o Ministro da Coor-
denação Económica e do Plano, Carlos Corrêa Gago. Esse Governo altera,
assim, o pendor da direção política das negociações para a área económi-
ca, sendo que introduz, paradoxalmente, através da aprovação do Decre-
to-Lei n.º 185/79, de 20 de Junho, que substitui o supracitado Decreto-Lei
n.º 306/77, a criação do Conselho de Ministros para a Integração Europeia,
órgão ao qual passou a competir a denição das directrizes para as ne-
gociações com as Comunidades Europeias, bem como a responsabilidade
por assegurar a harmonização dos diversos interesses em jogo com os ob-
jectivos visados com a integração europeia” (Correia, 2006, p. 41), estando
subjacente à sua criação a urgência de se acentuar a credibilidade externa
do empenhamento do Governo Português na negociação, sendo que este
deveria “ser um Conselho especial, restritivo, e não – como se disse – uma
nova versão do Conselho de Ministros, com nome diferente”
35
.
Com o primeiro governo da Aliança Democrática, será conferi-
do não só um novo impulso e uma nova determinação nas negociações,
o que se vericará também a nível dos arranjos na estrutura negocial,
nomeadamente com a criação da gura de Secretário de Estado para a
Integração Europeia (SEIE). Diogo Freitas do Amaral, na qualidade de
Vice-primeiro ministro, passa a estar responsável pela integração euro-
peia
36
, se bem que acumulava esse cargo com o de Ministro dos Negócios
Estrangeiros, o que lhe permitia uma visão integrada das negociações, as-
sim como maior visibilidade das questões de integração europeia no pró-
prio MNE. Por essa altura, de resto, no sentido em que quer a integração
europeia lato sensu e a adesão stricto sensu se enquadravam na denição
global dos objetivos de política externa, o MNE já havia também adap-
tado a sua estrutura interna, com a criação da Repartição da Integração
Europeia
37
em 1978 e nele se preconizava igualmente a necessidade da
diplomacia portuguesa dispor de instrumentos capazes de responder às
novas solicitações que tem de enfrentar, assim como a premência em se
organizar “em termos humanos e institucionais, os seus meios de acção
no âmbito do processo de integração
38
.
Como não tinha existido até então um Secretário de Estado encar-
regado das negociações, sendo essa responsabilidade em geral do ministro
das Finanças e do Plano, o verdadeiro negociador tinha sido o presidente
da CIE
39
. A grande novidade, embora sem efeitos práticos, surgiria no
governo seguinte com a criação não de uma secretaria de Estado, mas de
um ministério dedicado, em exclusivo, às questões europeias, facto que
teve, porém, pouco relevo e não vingou, não se repetindo essa modalida-
de desde então. Foi escolhido para esse novo ministério, o da Integração
Europeia, Álvaro Barreto. Conta-nos o próprio que essa não foi uma deci-
são de conferir maior imporncia às negociações, mas sim pelo facto do
Primeiro-ministro, Francisco Pinto Balsemão, o querer como ministro e
não como secretário de Estado
40
. Já o próprio Francisco Pinto Balsemão
considera, todavia, que a adesão era “uma prioridade de tal maneira que
teria que ser um ‘full time job’”
41
, daí a necessidade de ter um ministro.
34. Lei Orgânica do Governo Consti-
tucional IV, 30 de dezembro de 1978,
publicado no Diário da República
nº. 299/78 Série I 5º Suplemento,
Art. 3.º - 1; Lei Orgânica do Governo
Constitucional V, 19 de setembro de
1979, publicada no Diário da República
nº. 217/79 Série I, art. 19.º.
35. CDE-UCP, Espólio ERL, Pasta III.,
“Informação n.º 32/79” sobre o novo
Conselho de Ministros para a Integração
Europeia, não datada [será posterior ao
envio do decreto-lei para o Conselho de
Ministros, mas anterior à publicação do
mesmo], nem assinado, pp. 1-2.
Esta análise vem no seguimento da
pretensão do Ministro da Justiça,
do dos Transportes e Comunicações,
assim como das Regiões Autónomas,
quererem ser incluídos nesse Conselho
de ministros, juntando-se ao Primei-
ro-ministro, vice-primeiro ministro,
Ministro das Finanças e do Plano, MNE,
Agricultura e Pescas, Indústria e Tecno-
logia, Comércio e Turismo, Trabalho, e
dos Assuntos Sociais, o que preconizava
que o aumento do número de membros
diminuiria, inevitavelmente, a sua
operacionalidade e eficácia.
36. Lei Orgânica do Governo Constitu-
cional VI, 7 de fevereiro de 1980, Diário
da República nº. 32/80 Série I-2, art.
3.º - 1.
37. CDE-UCP, Espólio ERL, Pasta IV.
“Repartição da Integração Europeia”,
Ministério dos Negócios Estrangeiros –
Direcção-Geral dos Negócios Económi-
cos, não datado, nem assinado.
38. CDE-UCP, Espólio ERL, Pasta IV,
Integração europeia…, cit., p. 14.
39. Vítor Constâncio, José da Silva
Lopes, Vítor Constâncio de novo, Pedro
Pires Miranda.
40. Entrevista a Álvaro Barreto, Lisboa,
12 de janeiro de 2012.
41. Entrevista a Francisco Pinto Balse-
mão, Lisboa, 21 de julho de 2011.
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Ao Ministério da Integração Europeia (MIE), instituído ocialmen-
te através do decreto-lei 28/81 de 12 de fevereiro, competia “orientar e
coordenar, sem prejuízo da competência do Ministro dos Negócios Es-
trangeiros e das competências próprias dos restantes Ministros, os tra-
balhos visando a adesão próxima de Portugal à Comunidade Económica
Europeia, que se considera uma das prioridades essenciais da acção go-
vernativa”
42
. No entanto, houve alguns desentendimentos iniciais entre
membros do governo. André Gonçalves Pereira, então ministro dos Ne-
gócios Estrangeiros, reagiu de forma adversa a esta distribuição de com-
petências, pois entendia que deveria ser ele e o MNE a representarem
o país nas reuniões do Conselho, mantendo-se o esquema do governo
anterior
43
. Esta posição, contudo, nem vingou nesse governo nem nos se-
guintes, que agregaram a integração europeia às Finanças, apenas regres-
sando aos Negócios Estrangeiros, onde se tem mantido, após a adesão.
Ainda as negociações estavam praticamente a começar e já tinham
ocorrido todas estas alterações, que continuariam a suceder-se. Nesse
aspeto, as negociações de adesão provocariam “uma alteração progres-
siva mas substancial nos quadros institucionais clássicos da denição e
execução da política externa portuguesa” ao concentrar no Conselho
de Ministros essa competência, subalternizando o MNE, e também ao
criar estruturas administrativas autónomas no que diz respeito à po-
lítica de integração europeia (SOUSA, 1981, p. 147). No entanto, com
exceção da curta e efémera existência do MIE, com o motivo que lhe
está na origem, não houve vontade política em criar um ministério au-
tónomo, que conduzisse as negociações, alternando as mesmas entre
os Negócios Estrangeiros e sobretudo as Finanças, de acordo com as
prioridades selecionadas: “quando a ênfase era diplomática, a solução
gica era conceder ao MNE o papel principal; quando a urgência das
adaptações internas era considerada mais importante, o Ministério das
Finanças assumia esse papel” (Vilaça, 2000, p. 81); se bem que, ao lon-
go dos sete anos de negociações propriamente ditas, a adesão foi sendo
vista “quase exclusivamente como um projecto político – e aí sobretudo
como um projecto da diplomacia ou da política externa” (QUADROS,
1985, p. 121), embora tal não se tivesse demonstrado efetivamente a ní-
vel da condução das negociações pelo MNE.
No governo seguinte, há um retrocesso esperado, com a extinção
do MIE, pelo que a integração europeia volta a estar enquadrada numa
secretaria de Estado, dependente não do MNE, como no passado, mas do
Ministro de Estado e das Finanças e do Plano, com o argumento de “in-
corporar na estrutura económica interna, a curto e médio prazos, todas
as transformações da economia portuguesa que é necessário empreender
para tornar bem sucedida a adesão de Portugal à CEE”
44
, sendo a opção
que fazia mais sentido para o então Primeiro-ministro, dado que “sendo
problemas económicos faria mais sentido ser o Ministério das Finanças
a dirigir as negociações em ligação com o MNE”
45
. Caberia assim a João
Salgueiro, ministro, e a José da Cruz Vilaça, Secretário de Estado, a con-
dução das negociações durante este período.
O último dos governos responsável pelas negociações, o do Blo-
co Central, cheado por Mário Soares, mantém a coordenação das
42. Lei Orgânica do VII Governo Consti-
tucional, 12 de fevereiro de 1981, Diário
da República, nº 36/81 Série I.
43. Entrevista a Álvaro Barreto, Lisboa,
12 de janeiro de 2012.
44. Orgânica do VIII Governo Constitu-
cional, 14 de outubro de 1981, Diário da
República, n.º 236/81 Série I, art. 6.º.
45. Entrevista a Francisco Pinto Balse-
mão, Lisboa, 21 de julho de 2011.
125
Alice Cunha; Isabel Maria Freitas Valente O Ministério dos Negócios Estrangeiros Português e a Integração Europeia (1951-1986)
negociações no Ministério das Finanças e do Plano, superentendidas
pelo ministro Erni Lopes, mas extingue a Secretaria de Estado da
Integração Europeia
46
. Sobre a questão da rivalidade dos ministérios
quanto à chea das negociações, o próprio Jaime Gama, ministro dos
Negócios Estrangeiros desse governo, esclarece que, na realidade “a
máquina das negociações era do MNE, que tinha toda a actividade
circum-negocial de pressionar e convencer os governos dos Estados-
-membros a avançar com as negociações, enquanto o Ministério das Fi-
nanças detinha a coordenação técnica”
47
, não existindo assim qualquer
fricção de competências.
Por sua vez, Erni Lopes salienta que “a organização do Governo,
no que respeita à competência política para a condução das negociações,
conheceu, praticamente, todas as modalidades possíveis (desde logo, atri-
buída ao primeiro-ministro, ou ao ministro dos Negócios Estrangeiros
com um secretário de Estado próprio; seguidamente, a um ministro es-
pecíco, da integração europeia; por m, ao ministro das Finanças e do
Plano)” (LOPES, 2010, p. 28), o que, ao contrário de expectativas adversas
que se pudessem ter, “não teve nenhum grande reexo em matéria de
atrasos”
48
nas negociações.
Preparadas as posições negociais no país através da CIE, ganha-
va destaque e reconhecimento a Missão de Portugal junto das Comu-
nidades Europeias, que servia de interligação entre o governo por-
tuguês e as instituições da CEE (Comissão, Conselho), e também as
embaixadas nos Estados-membros, sendo que a primeira estava em
contacto permanente com as segundas, das quais recebia e para as
quais enviava informações acerca da evolução das negociações e sobre
a perspetiva da adesão nas suas várias vertentes, evidenciando-se nes-
te âmbito mais a participação do MNE nas negociações. Deste modo,
embora não tivesse cabido ao MNE a tutela das negociações, este ia
sendo informado regularmente do andamento das mesmas e exercia
sobretudo a sua influência perante a Missão, que estava na sua depen-
dência e dele recebia instruções, o que lhe permitia salvaguardar a sua
participação a um nível não técnico mas político, de acordo, de resto,
com a sua própria natureza.
Paralelamente, o MNE também providenciava a organização de
visitas de Estado, de encontros de trabalho e de vários contactos diplomá-
ticos bilaterais, de modo a prosseguir o objetivo da adesão fora do âmbito
estritamente comunitário, expandindo-o para a esfera do relacionamento
individual com cada Estado-membro.
Em todo o processo negocial destacaram-se, assim, dois ministé-
rios, o dos Negócios Estrangeiros e o das Finanças e do Plano que, em-
bora com diferentes atribuições e mesmo com a subalternização do pri-
meiro em relação ao segundo na condução política das negociações, par-
tilharam uma mesma responsabilidade: a da adesão do país à CEE. Neste
processo, não contaram com muito apoio dos seus colegas ministros, na
medida em que estes “não estavam muito sensibilizados para esta ques-
tão, permanecendo bastante indiferentes”
49
. De resto, também o próprio
MNE “não negociava com muito entusiasmo, pois os velhos embaixado-
res não viam com bons olhos a integração europeia”
50
.
46. Lei Orgânica do Governo Constitu-
cional IX de 25 de julho de 1983, Decre-
to-Lei n.º 344-A/83, Diário da República,
n.º 169/83 Série I, 1º Suplemento.
47. Entrevista a Jaime Gama, Lisboa, 26
de maio de 2011.
48. Entrevista a Diogo Freitas do Ama-
ral, Lisboa, 21 de junho de 2011.
49. Entrevista a José Luís da Cruz
Vilaça, Lisboa, 3 de agosto de 2011;
Entrevista a José Medeiros Ferreira,
Lisboa, 26 de novembro de 2011.
50. Entrevista a Diogo Freitas do Ama-
ral, Lisboa, 21 de junho de 2011.
126
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 7, n. 1, (abr. 2019), p.110 - 128
Conclusão
Depois do exposto, as evidências sugerem que a aproximação de
Portugal aos movimentos europeus entre 1945 e 1974 foi motivada, em
grande parte, por razões e motivações de carácter económico, ou seja, o
governo português e a sua política rejeitaram sempre a Europa política e
todo e qualquer modelo de integração ou de supranacionalidade. Na ver-
dade, a participação de Portugal nos movimentos de cooperação e inte-
gração no pós II Guerra Mundial resultou de condicionantes económicas
e comerciais mais do que resultado de um pensamento político ocial
sobre a questão da construção europeia.
Saliente-se que a história da aproximação portuguesa a esses orga-
nismos resultou também, em grande medida, do papel de certos diplo-
matas e funcionários, com enraizadas convicções europeias, que durante
o Estado Novo desempenharam funções em lugares-chave e puderam,
desse modo, inuenciar o rumo dos acontecimentos bem como contri-
buir para o aparecimento no MNE de uma corrente internacionalista,
anti isolacionista e pró-europeia.
Ora, estes funcionários do Estado português e da administração
pública desejavam que a opção europeia fosse feita por Portugal, mas tal
só viria a ocorrer com a Revolução de 25 de Abril de 1974 que derruba o
último governo do Estado Novo dando-se a vitória da democracia e do
pluralismo partidário. A consolidação da democracia e a adesão de Portu-
gal à CEE passaram a ser os novos desígnios de Portugal.
Em termos práticos, enquanto a preparação do pedido de adesão se
desenrolou no MNE, sob a alçada do ministro, a “pasta” das negociações
não vai ser constante ao longo do tempo, existindo várias fórmulas distin-
tas de coordenar as negociações, tendo a responsabilidade pelas mesmas
passado pelo MNE, Ministério das Finanças e do Plano, Ministério da
Integração Europeia, com o apoio da omnipresente CIE. Deste modo,
enquanto na fase da preparação e da entrega do pedido de adesão, o MNE
teve uma intervenção de destaque, nomeadamente no contacto com as
instituições europeias e com os Estados-membros individualmente, o
início das negociações irá determinar uma subalternização da sua posi-
ção, desde logo devido à sua particular apetência para uma vertente mais
política, enquanto as negociações careciam de especialistas, de técnicos
superiores, de diversas áreas, sendo remetida a sua coordenação para o
Conselho de Ministros para a Integração Europeia.
De facto, nesta constelação, o papel desempenhado pelo MNE vai
ser caracterizado no desenrolar das negociações por uma limitação dos
seus poderes, sendo que a sua área de intervenção se manteve prepon-
derante nos contactos diplomáticos a nível bilateral e com a Missão de
Portugal junto das Comunidades Europeias. Após a assinatura do Acto
de Adesão, a 12 de junho de 1985, iniciou-se um outro movimento, este
de adaptação das estruturas negociais nacionais aos desaos da adesão,
sendo disso exemplo a extinção da CIE e do SIE, assim como projetos de
criação da REPER, da Comissão Interministerial de Coordenação para os
Assuntos das Comunidades Europeias, da Direcção-Geral das Comunida-
des Europeias, no geral sobre a reorganização do MNE
51
.
51. CDE-UCP, Espólio ERL, Pasta XIII.
127
Alice Cunha; Isabel Maria Freitas Valente O Ministério dos Negócios Estrangeiros Português e a Integração Europeia (1951-1986)
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