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Resenha do livro: China and Africa: building
peace and cooperation on the continent
Recebido em: 30 de junho de 2018
Aprovado em: 12 de julho de 2018
DOI: 10.5752/P.2317-773X.2019v7.n1.p129
Marcos Valle Machado da Silva
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Organizado por quatro acadêmicos oriundos da China, África e
Reino Unido, China and Africa: Building Peace and Cooperation on the Con-
tinent reúne artigos de pesquisadores de outros oito países e contribui
para preencher uma lacuna acerca do engajamento da China no conti-
nente africano, dentro de uma perspectiva de questões econômicas e
de segurança.
O livro é dividido em três partes, perfazendo um total de dezoito
capítulos. A primeira parte congrega sete capítulos que apontam, em con-
junto, para os fatores causais do envolvimento da China em questões de
segurança no continente africano. Os autores – um africano e seis chine-
ses – evidenciam a principal característica desse envolvimento: o envio de
contingentes militares sempre sob a égide das Nações Unidas. A própria
capa do livro reforça, sutilmente, essa característica, apresentando um
militar chinês, com o capacete azul das forças a serviço da ONU, coloca-
do em primeiro plano, tendo como fundo um céu igualmente azul.
A segunda parte é constituída por seis capítulos, com Estudos de
Caso, analisando os interesses e o envolvimento da China no Sudão,
Mali, Libéria e Congo. A terceira e última parte do livro apresenta cinco
capítulos nos quais os autores apontam e discutem os desaos que a Chi-
na enfrenta e enfrentará como decorrência do seu crescente engajamento
nas questões de segurança de Estados africanos.
Um dos eixos analíticos do livro é a mudança da postura da China
em relação ao seu envolvimento na África. A tradicional política exter-
na da China é baseada no princípio da não intervenção nas questões do-
mésticas dos Estados com os quais Pequim busca garantir seus interesses
econômicos. Os autores apontam, de forma recorrente, para uma altera-
ção dessa política externa que passa a ter um expressivo engajamento nas
questões de segurança da África, por meio da participação das suas forças
armadas em missões da ONU naquele continente.
Ao longo dos capítulos, são enfocados os principais fatores que le-
varam a essa alteração na postura chinesa nas questões africanas: os ris-
cos negativos à imagem da China decorrentes da associação do governo
chinês com regimes ditatorias e corruptos; os riscos aos investimentos fei-
tos pela China em países com regimes instáveis; e os riscos de segurança
1. Doutor em Ciência Política
(UFF - 2016). Mestre em Relações
Internacionais (UERJ - 2010) e em
Estudos Estratégicos (UFF - 2011).
Atualmente é professor da Escola de
Guerra Naval (EGN). Rio de Janeiro/
Brasil. ORCID: http://orcid.org/0000-
0003-0367-8899
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 7, n. 1, (abr. 2019), p.129 - 131
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estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 7, n. 1, (abr. 2019), p.129 - 131
dos cidadãos chineses que trabalham em países africanos assolados por
instabilidade política, violência e, no limite, guerra civil.
O livro permite uma compreensão dos desaos vivenciados pela
China em seu engajamento no continente africano. A percepção de que
a política de não intervenção nos assuntos domésticos de outros Estados
não mais poderia ser sinônimo de não envolvimento, ou indiferença, vai
sendo sedimentada ao longo de cada capítulo. Assim, apesar de a não in-
tervenção permanecer como um dos “Cinco Princípios da Coexistência
Pacíca” que nortearam a política externa chinesa desde os anos 1950, ca
evidente que a China passa a ter uma abordagem mais ampla e exível
quanto a sua participação nas questões de segurança dos seus parceiros
africanos. Essa participação se dá por meio das missões de paz sob a égide
das Nações Unidas.
A leitura sequencial dos capítulos permite que o leitor perceba
como a China ajustou sua postura em relação à África de forma coinci-
dente com a avaliação da expansão dos seus interesses econômicos, bem
como com a sua crescente capacidade de projeção militar.
É pertinente observar que as alises feitas pelos autores, apontan-
do para a mudança em relação ao princípio da não intervenção, são con-
vergentes com o Defence White Paper divulgado pelo governo chinês em
2015, no qual não existe uma única menção aos outrora basilares “Cinco
Princípios da Coexistência Pacíca.
Fica também evidenciado que a atual postura da China em relação
à África está alinhada tanto com os interesses econômicos e comercias
chineses, quanto com as crescentes responsabilidades assumidas pela
China como potência global emergente. Tal como analisado no capítulo
sete da primeira parte do livro, o caso da participação da China nas ope-
rações de combate à pirataria no Golfo de Aden sintetiza essa nova postu-
ra. Essa missão sob a égide das Nações Unidas, iniciada em 2008 e ainda
ativa, conta com a signicativa participação de meios navais e aeronavais
da Marinha do Exército Popular de Libertação (PLAN).
As operações em terra, desenvolvidas no Sudão, Mali, Libéria e Con-
go, analisadas nos capítulos da segunda parte do livro, também evidenciam
o envolvimento da China nas questões de segurança africana, de forma
consonante com seus interesses econômicos, comerciais e com a crescente
responsabilidade como potência global. Nesse contexto, vale observar que,
desde 2013, a China é o membro permanente da ONU com o maior núme-
ro de militares engajados nas missões de paz das Nações Unidas.
A cooperação militar dos Estados africanos também é analisada em
diversos capítulos. Sudão, Tannia, Angola, Zimbábue, África do Sul e
Namíbia, por exemplo, são Estados que têm acordos militares com a Chi-
na abordados ao longo do livro.
A grande reexão proporcionada em China and Africa: Buiolding
Peace and Cooperation on the Continent se encontra na ideia da articulação
de uma política externa que concilia a defesa dos seus interesses com uma
projeção de força militar, respaldada pelo direito internacional, e aplicada
sob mandato da Organização das Nações Unidas.
Vale observar que o número de publicações acadêmicas sobre a
China cresce tão rápido quanto a própria China. No entanto, existe uma
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Marcos Valle Machado da Silva Resenha do livro: China and Africa: Building Peace and Cooperaon on the Connent
lacuna acerca do crescente envolvimento da China nas questões de segu-
rança presentes no continente africano. Essa lacuna é preenchida, ainda
que parcialmente, com os capítulos que constituem China and Africa: Buil-
ding Peace and Cooperation on the Continent.
Em síntese, a atualidade das questões abordadas, aliada a uma ar-
gumentação direta e de fácil compreensão, faz da obra em pauta uma
leitura obrigatória para aqueles interessados em ampliar o conhecimento
acerca das relações de poder e de política externa protagonizadas pela
China, decorrentes da sua crescente participação na economia e nas ques-
tões de segurança do continente africano.
Refencias:
ALDEN, Chris; ALAO, Abiodun ; BARBER, Laura; CHUN, Zhang. China and Africa: Building
Peace and Cooperation on the Continent. USA: Palgrave Macmillan, 2018, 403 p.