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estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 7, n. 2, (ago. 2019), p.85 - 100
te a polissemia conceitual e as novas técnicas empregadas, o fato é que
as guerras historicamente mobilizaram violência empregada por atores
estatais e não-estatais, combinando técnicas, capacidades e recursos para
atingir os seus objetivos.
Deve-se reconhecer que não se trata propriamente de uma novida-
de, pois o século XX também foi repleto de guerras não-convencionais
(entre Estados), irregulares e assimétricas, e com intensas operações sub-
terrâneas, sobretudo depois da criação das agências de inteligência das
grandes potências, como destacamos. A globalização não provocou o m
dos Estados, ao contrário, mas potencializou os mecanismos de inteligên-
cia e guerra, assim como a assimetria entre os países, com as tecnologias
desenvolvidas pela Terceira Revolução Industrial (Técnico-Cientíca) e
agora a Indústria 4.0. Por um lado, basta ver a ampliação da capacida-
de de espionagem lograda pela NSA a partir das denúncias de Edward
Snowden.
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Segundo ele, o esquema de espionagem de e-mails, cartões
de crédito e ligações telefônicas operam em conjunto com empresas de
telecomunicações utilizando-se do programa PRISM (de monitoramento
em tempo real da Internet).
A novidade talvez resida no fato de que os novos meios tecnoló-
gicos para fazer a guerra ampliam as assimetrias, como ilustram bem o
caso dos drones. A escalada de bombardeios com aviões não tripulados no
Afeganistão, Paquistão, Iraque, Síria, Líbia, Iêmen e Somália tem causa-
do milhares de mortes, em sua esmagadora maioria de civis.
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Evidente-
mente, trata-se de guerras encobertas de proporções globais capazes de
amplicar de forma inédita a capacidade dos Estados Unidos, enquanto
fragiliza dramaticamente o direito e as organizações internacionais.
Nesse sentido, como destaca Losurdo (2010), depois do 11 de Setem-
bro de 2001, a ameaça difusa do terrorismo e do fundamentalismo legitimou
uma escalada intervencionista em nível global (Guerra ao Terror), mesmo
sem a autorização do Conselho de Segurança da ONU para a invasão do Ira-
que (2003), por exemplo, cujo resultado é o enfraquecimento das soberanias
e das organizações multilaterais. Ao mesmo tempo em que perseguia Bin
Laden, Washington ampliava sua presença física em diversas regiões (bases
militares); realizava ataques com drones e intensicava ações da inteligência;
promovia prisões, campanha de kill/capture e contratos com mercenários;
apoiava grupos extremistas na Síria e na Líbia; e nanciava entidades públicas
e privadas (National Endowment for Democracy, USAID, Freedom House, Open
Society e outras) para promoverem o regime change (BANDEIRA, 2013). O po-
der estadunidense reside justamente na capacidade de mobilizar de maneira
articulada o hard e o soft power, entrelaçando a atuação de agências de espio-
nagem, agências de ajuda e cooperação, think thank, agências de comunicação
e empresas privadas. Não é trivial decifrar como Washington mobiliza seus
múltiplos instrumentos para lograr seus objetivos políticos e estratégicos.
De todo modo, parece claro que estamos diante de uma segunda
onda de golpes de estado, como destaca Losurdo (2016). Isto é, tem-se am-
pliado os meios de isolamento e criminalização de governos e países, bem
como a mobilização de campanhas multimidiáticas voltadas a criar fatos
políticos para legitimar guerras humanitárias (ou de responsabilidade de
proteger) – como ilustrou o caso Líbio
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. Por um lado, as novidades táticas
3. Ver série de reportagens no The Guar-
dian disponível em: <http://www.the-
guardian.com/world/interactive/2013/
nov/01/snowden-nsa-files-surveillance-
-revelations-decoded#section/1>
4. Há diversas fontes, como The Bureau
of Investigative Journalism (https://
www.thebureauinvestigates.com/
projects/drone-war) ou os Drone Papers
do The Intercept (https://theintercept.
com/drone-papers/
5. Ver estudo em que aprofundamos
este argumento em (PAUTASSO; AZERE-
DO, 2011).