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Resenha: Imperialismo, Estado e Relações
Internacionais
Marcelo Pereira Fernandes
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DOI: 10.5752/P.2317-773X.2019v7.n3.p121
Recebido em: 16 de setembro de 2018
Aprovado em: 25 de setembro de 2018
Após o colapso do socialismo real no Leste europeu e o m da
União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) no começo dos anos
1990, quando se difundiu as maravilhas da “globalização”, a questão do
imperialismo parecia relegada a uma excentricidade do século XIX. Mes-
mo autores dentro do campo marxista passaram a imaginar um mundo
sem fronteiras em que os Estados teriam papel irrisório. Nesse suposto
cenário, o próprio conceito de imperialismo tornara-se obsoleto. Esse não
é o caso do professor Luiz Felipe Osório que assina o livro Imperialismo,
Estado e Relações Internacionais no qual mantém o imperialismo como re-
exão política indispensável em um momento em que se acirram as con-
tradições do capitalismo.
Levando em conta a necessidade imperiosa do debate do marxismo
nas Relações Internacionais, o autor lembra que “o marxismo revela-se a
ciência apta a decifrar os enigmas esfíngicos das relações internacionais.
O marxismo é a ciência internacionalista por essência, aquela capaz de
captar a plenitude do capitalismo, modo de produção que só se completa
no âmbito internacional. (p.23). Isso não é por acaso. Marx não usou o
termo imperialismo, porém está evidente que em seus estudos sobre o
modo de produção capitalista a tendência irrefreável à expansão é algo
inerente ao sistema.
O livro é composto de três capítulos, além da introdução e consi-
derações conclusivas. O objetivo é abarcar três debates que o autor julga
contemplar a discussão do imperialismo e as relações internacionais des-
de o seu surgimento até os dias atuais.
No primeiro capítulo, Osório faz uma revisão dos estudos pionei-
ros sobre o imperialismo formulados entre os anos 1905-1925 (Hobson,
Hilferding, Bukharin, Luxemburgo e Lenin). Seguindo a ordem cronoló-
gica, faz-se uma breve análise sobre cada um dos autores. Os estudos des-
se período seriam majoritariamente de natureza economicista. Ou seja, a
base material seria a força determinante das relações sociais e políticas. E,
no geral, as abordagens estariam muito próximas. O que afastaria esses
autores seriam as divergências sobre as caracterizações e conclusões po-
líticas derivadas do desenvolvimento do capitalismo. Nesse cenário, evi-
dencia-se o debate entre Lenin e Kautsky, pois, além do mesmo contexto
histórico, a essência das ideias seria a mesma, isto é, a visão economicista.
1. Doutor em Economia, professor
Associado I e vice coordenador do curso
de Ciências Econômicas da UFRRJ. Rio
de Janeiro, Brasil. ORCID: 0000-0003-
4550-8564.
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 7, n. 3, (dez. 2019), p.121 - 124
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estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 7, n. 3, (dez. 2019), p.121 - 124
No capítulo 2 intitulado “O Debate Fordista, Osório irá analisar
o novo ciclo do capitalismo inaugurado após a II Guerra até a crise dos
anos 1970, ou seja, o período de menor instabilidade que o capitalismo
vivenciou. É o momento em que o rápido crescimento econômico e a
composição política em torno da social-democracia jogou papel impor-
tante na contenção das ideias socialistas oriundas da Revolução Russa.
Era parte da estratégia dos Estados Unidos (EUA) o apoio às elites nacio-
nais da Europa Ocidental a m de evitar processos revolucionários na
região.
Passando para o contexto teórico do período fordista, Osório desta-
ca autores que passaram a defender a ideia de superação do imperialismo.
Entre eles estariam John Strachey e Barrat Brown. Outros autores que
entenderam que o mais correto seria repensar o imperialismo sob a nova
realidade concreta que se instalou. Harry Magdo, por exemplo, distin-
guiria o velho e o novo imperialismo. No novo imperialismo Magdo
destacaria o papel dos EUA na qualidade de organizadores do sistema,
numa forma de superimperialismo dado o alcance do seu poderio bélico
e tecnológico. Numa visão contrária, Michael Kidron e Ernest Mandel
compreenderiam que os Estados não seriam capazes de comandar o ce-
rio internacional. Mandel identicaria já em 1970 no livro Europe versus
America? Contradictions of Imperialism o declínio relativo dos EUA e a ins-
tabilidade gerada por esse processo.
Ainda no debate fordista, a associação entre centro e periferia ga-
nharia destaque. Questões como dependência, subconsumismo, estagna-
cionismo, subdesenvolvimento apontavam para a relação de exploração
da periferia pelo centro, e se entrelaçariam nas teorias do capital monopo-
lista, da dependência, do sistema-mundo e das trocas desiguais.
No capítulo 3, Osório analisa o que ele nomeia de “O debate pós-
-fordista” iniciado em meados dos 1970, passando por sua consolidação na
última década do século XX até os dias atuais. Os estudos que abarcariam
esse período incluem as teorias do Estado da vertente do marxismo oci-
dental e as teorias que cariam conhecidas como novo marxismo. Nesse
sentido, apareceriam ao lado das noções economicistas existentes do im-
perialismo, as noções politicistas.
Esse seria um período marcado pela restauração liberal conserva-
dora liderada pelos EUA, construindo um novo sistema nanceiro in-
ternacional alicerçado no padrão monetário dólar-exível. Isso conferiu
vantagem exorbitante sobre os seus competidores na esfera nanceira.
No campo militar, em que os EUA também operam com vantagem con-
siderável, os conitos passariam a ser usados como forma de consolidar
seu poder diante das potências concorrentes.
Segundo Osório, os EUA disporiam dos meios de violência neces-
rios para garantir o padrão de desenvolvimento capitalista atual, repre-
sentando os interesses da burguesia mesmo nos Estados subordinados. As
organizações internacionais teriam função relevante ao impor a vontade
dos Estados dominantes pela via do direito. Assim, os novos rumos do
sistema internacional imporiam aos autores marxistas a necessidade de
resgatar o debate do imperialismo. Pelo menos três vertentes viriam à luz
nesse debate: o politicismo, o politicismo parcial e a plena crítica.
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No politicismo estariam de um lado Hard e Negri, defendendo a
existência de um império acima dos Estados e politicamente dominado
pelos capitais, e de outro lado autores como Panich e Gindin e a histo-
riadora Ellen Wood assumindo a centralidade do Estado, e o poder dos
EUA como império informal, baseado na noção de hegemonia desenvol-
vida por Gramsci. Na vertente denida como politicismo parcial insere-se
elementos do politicismo com questões econômicas, numa forma inter-
mediária entre o economicismo e o politicismo. Entre os autores que es-
tariam nessa vertente, encontraríamos Nicos Poulantzas, David Harvey,
Alex Callinicos. Por último a vertente que Osório identica como plena
crítica ou materialista do imperialismo, e que do meu ponto de vista é a
principal contribuição do livro. A plena crítica estaria inserida no movi-
mento do novo marxismo relacionado à teoria do Estado em que não se
admite a separação entre política e economia. Apresenta-se distinta do
economicismo, do politicismo, como também do politicismo parcial.
A plena crítica nasceria a partir de uma releitura de “O Capital
empreendida nos anos 1960, destacando as categorias da economia polí-
tica, da forma do capital e das relações de produção capitalistas a m de
entender as estruturas políticas do capitalismo. A questão de fundo desse
debate seria a pergunta do jurista soviético Pachukanis sobre o porquê a
dominação de classe se apresentaria com um aparato estatal público coer-
citivo, e não como um aparelho privado da classe dominante.
As categorias como mais-valor, taxa de lucro, valor, sario etc., de-
senvolvidas em “O Capital, além do debate econômico seriam funda-
mentais para entender a estrutura de classes no capitalismo e as formas
e concepções desta estrutura. Não se tratariam de conceitos estritamente
econômicos ou políticos, mas sim conceitos que permitiriam compreen-
der os conteúdos políticos e econômicos das relações sociais.
Ainda na plena crítica o leitor poderá ter acesso a autores menos
conhecidos do público brasileiro, como Christel Neusus, Klaus Busch e
Claudia von Braunmuhl. Segundo Osório, esses são autores que ao bus-
car analisar o mercado mundial na obra de Marx, compreenderiam que
esse seria a forma universal da existência do capitalismo, e o Estado o
condutor da competição intercapitalista no mercado mundial.
Um último ponto. Acompanhando a vertente da plena crítica, Osó-
rio arma que um dos problemas sobre os teóricos pioneiros do imperia-
lismo seria o economicismo. Realmente existe uma polêmica que remon-
ta os fundadores do marxismo sobre um suposto economicismo na teoria
marxista. Sobre isso é conhecida a armação de Engels (1890, s/p) de que,
de acordo com a concepção materialista da história, o elemento determinante
nal na história é a produção e reprodução da vida real. Mais do que isso, nem eu
e nem Marx jamais armamos. Assim, se alguém distorce isto armando que o
fator econômico é o único determinante, ele transforma esta proposição em algo
abstrato, sem sentido e em uma frase vazia.
Entretanto, não restam dúvidas que pelo menos parte da tradição
marxista não se livrou totalmente do economicismo. Entre eles, Kaus-
tsky desenvolveu uma concepção mecânica já longamente debatida. No
entanto, essa noção indubitavelmente não foi compartilhada por Lenin.
De fato, os dois autores estão distantes na alise sobre o imperialismo e
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é preciso muita criatividade para aproximá-los. Curiosamente foi Lenin
que no m do século XIX desenvolveu o conceito de economicismo na
sua luta contra os grupos dentro do movimento social democrata russo
que separavam as lutas políticas das lutas econômicas.
Do meu ponto de vista não é possível reduzir a noção de Lenin so-
bre o imperialismo em termos meramente econômicos ou políticos. Ao
contrário, em seu pensamento, os laços econômicos e políticos sobre o
funcionamento do imperialismo estão irremediavelmente intricados. Em
Lenin está evidente que o capitalismo não pode funcionar sem o Estado.
Como não existe um governo global, o capital não pode expandir além de
suas fronteiras sem o Estado-nação. A internacionalização do capitalismo
se dá via Estado e, sempre que necessário, pela via das armas: é a guerra,
ou a sua preparação, que dá vida ao imperialismo, criando a opressão
nacional, fato destacado por Lenin. O resultado da expansão do capital é
a geração de mais instabilidade econômica e política, não raro acompa-
nhada de disputas militares.
De todo modo, a análise trazida por Osório, em particular da Plena
Crítica, possui o mérito de levantar a discussão do imperialismo em bases
mais concretas, chamando à atenção tanto para as falhas do economicis-
mo como para aqueles que relegam a economia a um papel secundário.
Vale a leitura.
Refencia
ENGELS, Friedrich. Carta para Joseph Bloch. 21-22 de Setembro. Marxist. 1890. Disponível em:
https://www.marxists.org/portugues/marx/1890/09/22.htm. Acesso em: 12 set. 2018.
OSÓRIO, Luis Felipe. Imperialismo, Estado e Relações Internacionais. São Paulo: Editora
Ideias & Letras, 2018.