64
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 64 - 88
R(r)elações I(i)nternacionais, Realismo
e Análise da Política Externa (APE):
contextualizando a invenção da APE
I(i)nternational R(r)elations, Realism and Foreign Policy
Analysis (FPA): contextualizing the invention of FPA
R(r)elaciones I(i)nternacionales, Realismo y Análisis
dePolítica Exterior (APE): contextualizando la invención de
la APE
Pedro Emanuel Mendes
1
DOI: 10.5752/P.2317-773X.2020v8.n1.p64
Recebido em: 15 de dezembro de 2018
Aceito em: 07 de agosto de 2019
R
Este artigo faz uma contextualização do nascimento da Análise da Política
Externa (APE). Apresenta uma análise historiográca da invenção da APE e
da sua relação com os anos formativos da disciplina das Relações Internacio-
nais (RI). O seu objetivo é o de iluminar a relação entre a história e a teoria da
origem da APE como campo de estudo autónomo. O artigo está organizado
em três partes. Em primeiro, identica as origens europeias e norte-americanas
do estudo da Política Externa e a sua ligação com as policy sciences. Em segun-
do, relaciona o surgimento do Realismo com o estudo tradicional da política
externa e sintetiza as principais críticas teórico-metodológica introduzidas pela
APE. Finalmente, apresenta uma análise dos principais marcos e inovações teó-
ricas das abordagens que inventaram a APE. O artigo defende dois argumentos.
Primeiro, a invenção da APE inscreve-se num contexto histórico e académico de
protesto contra a visão tradicional de pensar e investigar a política externa. Se-
gundo, é necessário assumir a interligação entre contextos históricos e contextos
cientícos na evolução teórica das RI e da APE.
Palavras-chave: Análise da Política Externa (APE). Realismo. Abordagem Feno-
menológica. Abordagem Cientíco-comparativa. Historiograa da APE.
A
This article provides a contextualization of the birth of the Foreign Policy
Analysis (FPA). It presents a historiographic analysis of the FPA invention and its
relationship with the formative years of the discipline of International Rela-
tions (IR). Its purpose is to illuminate the relationship between history and the
theory of the origin of the FPA as an autonomous eld of study. The article is
organized into three parts. First, it identies the European and US origins of
1. Investigador do IPRI-NOVA, Lisboa
e Professor Auxiliar da Universidade
Lusíada, Porto, Portugal. Doutorado
em Relações Internacionais pela
Universidade Nova de Lisboa, tem
um especial interesse pelo estudo da
interação entre ideias, factos, poder
e conhecimento. Com dezenas de
trabalhos publicados, as suas principais
àreas de investigação são a Teoria das
Relações Internacionais, a Análise da
Política Externa, a História Contempo-
rânea de Portugal e as Elites. Os seus
artigos aparecem na Análise Social, na
Relações Internacionais, na Brazilian
Journal of International Relations, na
População e Sociedade, na Estudos
Internacionais, na Austral: Journal of
Strategy & International Relations, na
Tempo e Argumento e na Dados: Revista
de Ciências Sociais. ORCID iD: https://
orcid.org/0000-0002-6321-8344
65
Pedro Emanuel Mendes R(r)elações I(i)nternacionais, Realismo e Análise da Políca Externa (APE): contextualizando a invenção da APE
the study of foreign policy and its connection with policy sciences. Second, it
relates the emergence of Realism with the traditional study of foreign policy
and synthesizes the main theoretical and methodological criticisms introduced
by the FPA. Finally, it presents an analysis of the main theoretical frameworks
and innovations of the approaches that invented FPA. The article defends two
arguments. First, the invention of the FPA is inscribed in a historical and aca-
demic context of a protest against the traditional view of thinking and studying
foreign policy. Second, it is necessary to assume the interconnection between
historical and scientic contexts in the theoretical evolution of IR and FPA.
Keywords: Foreign Policy Analysis (FPA). Realism. Phenomenological ap-
proach. Scientic-comparative approach. FPA Historiography.
R
Este artículo contextualiza el nacimiento del Análisis de Política Exterior (APE).
Presenta un análisis histórico de la invención APE y su relación con los años de
formación de la disciplina de Relaciones Internacionales (RI). Su objetivo es ilu-
minar la relación entre la historia y la teoría del origen del APE como campo de
estudio autónomo. El artículo está organizado en tres partes. En primer lugar,
identica los orígenes europeos y norteamericanos del estudio de la política
exterior y su conexión con las ciencias políticas. En segundo lugar, relaciona el
surgimiento del Realismo con el estudio tradicional de la política exterior y sin-
tetiza las principales críticas teóricas y metodológicas introducidas por la APE.
Por último, presenta un análisis de los principales hitos e innovaciones teóricas
de los enfoques que inventaron el APE. El artículo presenta dos argumentos.
En primer lugar, la invención de la APE se inscribe en un contexto histórico y
académico de protesta contra la visión tradicional de pensar e investigar la po-
lítica exterior. En segundo lugar, es necesario asumir la interconexión entre los
contextos históricos y cientícos en la evolución teórica de la RI y la APE.
Palabras clave: Análisis de la política exterior (APE). Realismo. Enfoque feno-
menológico. Enfoque cientíco-comparativo. Historiografía de APE.
Introdução
Sempre que se discute a história e a teoria das Relações Internacio-
nais (RI)
2
temos de ter presente que as RI são um projeto intelectual e
político que teve origem no desejo de compreender e explicar o compor-
tamento dos Estados, as suas políticas externas, com o intuito de evitar
a guerra e promover a paz. Apesar de ser necessário uma leitura plural e
menos mítica dos debates que inventaram as RI (SCHMIDT, 2013) - reco-
nhecendo as limitações eurocêntricas, masculinas, hegemónicas e neopo-
sitivistas dos anos formativos da disciplina - é essencial conhecer os seus
marcos históricos e cientícos
3
. Neste quadro, é importante discutir as
seguintes questões: quais as razões do nascimento das disciplinas acadé-
micas? São razões eminentemente cientícas, ou igualmente históricas e
políticas? É possível explicar as inovações e correntes teóricas das RI e da
APE sem as relacionar com os seus contextos?
Partindo desta problemática, este artigo identica as principais ra-
zões cientícas, históricas e políticas que originaram o nascimento da
subdisciplina da Alise da Política Externa (APE). Sublinhando a neces-
sidade de assumir as funções de domínio político-académico na invenção
das disciplinas e das suas teorias
4
, desenvolve uma abordagem interligada
2. Como é tradicional, usamos Relações
Internacionais (RI) em maiúsculas
para designar a disciplina científica
e relações internacionais (ri) em
minúsculas para designar os fenómenos
empíricos. Por razões de clareza do
artigo, assumimos as RI como disciplina
e a APE como subdisciplina. É possível
outra interpretação, onde as RI são uma
subdisciplina da Ciência Política e a APE
é um subcampo das RI, cf. Nota 5.
3. Isto significa que apesar de uma
leitura plural, menos dicotómica e mais
relacional, os debates aconteceram e
a sua problematização continua a ter
uma importante função na estruturação
social e paradigmática da disciplina
(QUIRK; VIGNESWARAN, 2005). O
ponto não é eliminar os debates, mas
explicitar que a narrativa dos quatro
grandes debates é simplificadora, uma
vez que existiram vários outros debates,
relações e movimentos teóricos dentro
destes debates.
4. Como o fundador da sociologia
do conhecimento sublinhou: “every
historical, ideological, sociological piece
of knowledge (...) is clearly rooted in and
carried by the desire for power and rec-
ognition of particular social groups who
want to make their interpretation of the
world the universal one” (MANNHEIM,
2011, p. 404-405).
66
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 64 - 88
entre a história e a teoria da Política Externa e identica os principais mar-
cos e inovações da invenção da APE.
O artigo tem dois objetivos principais. O primeiro é o de demons-
trar a importância de termos um conhecimento sosticado sobre a his-
toriograa da disciplina das RI. Assumir a relação entre a história e a
teoria das disciplinas é um passo intelectual decisivo em ciência e aju-
da-nos a investigar e problematizar melhor os nossos objetos de estudo.
Deste modo, o artigo dialoga com vários estudos historiogcos da dis-
ciplina e tenta contribuir para o debate sociológico sobre o nascimento e
desenvolvimento das RI e da APE
5
. O segundo objetivo é o de recordar
a importância das inovações teóricas dos pioneiros do estudo da política
externa. Não raras vezes, ideias e autores fundamentais são esquecidos,
ou apagados da memória académica, em detrimento de ideias pretensa-
mente inovadoras, que mais não fazem do que reinterpretar os clássicos.
Isto acontece por ignoncia histórica e reforça o nosso argumento sobre
a necessidade de dominarmos a evolução das disciplinas e não cairmos na
tentação de estarmos continuadamente a inventar a roda.
O artigo desenvolve-se ao longo de três partes. Na primeira, faz
um breve enquadramento das origens europeias e norte-americanas do
estudo da política externa. Aqui são abordadas as inuências do ambiente
teórico e histórico dos primeiros debates da invenção das Relações Inter-
nacionais, de onde emerge a hegemonia do Realismo e o nascimento das
policy sciences. Na segunda, apresenta as principais razões da armação do
Realismo e da sua inuência histórica na teoria e prática da política exter-
na, bem como as principais críticas metodológicas apontadas pela APE.
Na terceira, identica as principais inovações teóricas dos marcos decisi-
vos da invenção da APE, nomeadamente, a abordagem fenomenológica
de Snyder; Bruck; Sapin (1962) e de Kenneth Boulding (1956, 1959, 1969), e
a abordagem cientíco-comparativa de James Rosenau (1980).
O argumento principal que o artigo apresenta é o de que não é
possível conseguir obter uma compreensão sosticada do nascimento e
evolução da APE sem realizar uma alise interligada entre contextos
históricos e contextos académicos.
As origens do estudo da política externa e as policy sciences: as
influências europeias e norte-americanas.
Embora seja possível situar a origem de um pensamento sobre a
política externa em sistemas internacionais pré-westphalianos
6
(BUZAN;
LITTLE, 2000), e os realistas sublinhem que a sua visão sobre a política
externa se baseia em 2500 anos de História (GILPIN, 1996), as origens
da política externa, como política pública com um discurso e uma prá-
tica institucional, são europeias e estão ligadas à construção do Estado
moderno ao longo dos séc. XVII e XVIII. A construção do Estado-Nação
bem como as consequentes transformações globais do séc. XIX (BUZAN;
LAWSON, 2015) conduziram à consolidação institucional e prática da po-
lítica externa. Foi neste período que se solidicou a ideia da imporncia
superior da política externa relativamente a outras políticas públicas. Isto
é compreensível uma vez que nesta época a política externa assumiu um
5. Apesar de ultimamente se terem
desenvolvido novas, críticas e revisio-
nistas, abordagens historiográficas da
disciplina (ASHWORTH, 2014; VITALIS,
2015; SCHMIDT; GUILHOT, 2019), o
mesmo não tem acontecido com a APE.
A principal novidade resume-se a tentar
renomear este campo estudo, agora
como Política Externa (PE) (CARLS-
NAES, 2013, p. 299; SMITH; HADFIELD;
DUNNE, 2016) ou Estudos de Política
Externa (EPE) (GROOM, 2007) em vez
de APE. Para uma visão reafirmativa
da APE ver (HUDSON, 2005; 2016;
2018; THIES, 2018). Estes exercícios de
redenominação disciplinar são reflexivos
do atual momento, aparentemente,
pós-paradigmático e traduzem novas
ramificações do eterno debate entre
cientistas e artistas no estudo das RI e
APE (cf. nota 9).
6. Desde logo, A Guerra do Peloponeso
de Tucídides, que é simultaneamente
uma das origens do pensamento
realista.
67
Pedro Emanuel Mendes R(r)elações I(i)nternacionais, Realismo e Análise da Políca Externa (APE): contextualizando a invenção da APE
papel decisivo na construção das territorialidades políticas e consequente
denição constitutiva dos atores e do próprio sistema internacional. A
qualidade da política externa poderia signicar a diferença entre fazer, ou
não fazer, parte da denição constitutiva do sistema.
A realidade histórica da solidicação dos Estado-Nação legitimou
a existência da doutrina do primado e da excecionalidade da política ex-
terna sobre as outras políticas públicas. Esta doutrina perdurou até ao
século XX e é visível nas primeiras tentativas modernas de denir a polí-
tica externa: “Foreign policy is ‘more important’ than other policy areas
because it concerns national interests, rather then special interests, and
more fundamental values” (COHEN, 1968, p. 530). Esta doutrina andou
de mãos dadas com a construção do Estado moderno e originou um las-
tro histórico que fundamentou a teoria e a prática da política externa. De
uma forma sintética, podemos dizer que a doutrina da excecionalidade da
política externa se baseia em cinco princípios: o primado do executivo, o
privilégio do soberano, a regra do monopólio, a exclusividade e especiali-
zação prossional e a regra do segredo (MERLE, 1984, p. 20-33). Esta ex-
cecionalidade e imporncia da política externa motivou estadistas, histo-
riadores e teóricos políticos a desenvolverem teorias sobre como praticar a
política externa, muitas vezes assumida de forma intermutável com a arte
da diplomacia, ou a arte de fazer a paz e a guerra (GILPIN, 1981), também
sintetizada no conceito de Statecraft (LAUREN; CRAIG; GEORGE, 2013).
Esta conceção tradicional sofreu um forte desao com o m da pri-
meira guerra mundial e a ascensão das ideias demo liberais norte-ameri-
canas, em especial com Woodrow Wilson e a sua visão liberal-interna-
cionalista (NINKOVICH, 1999). Com Wilson, a ideia tradicional de que
a política externa era uma política pública especial, formulada segundo
princípios secretos e aristocráticos, longe do escrutínio público e demo-
crático, começou a ser posta em causa
7
.
Apesar do insucesso relativo do projeto wilsoniano (WERTHEIM,
2011), o estudo da política externa foi profundamente inuenciado pelas
suas ideias liberais e democráticas (COHEN, 1968). Sobretudo nos Esta-
dos Unidos (EUA), os objetivos de estudo da política externa no pós-guer-
ra sofreram importantes desenvolvimentos devido a três ideias que in-
tegravam a visão de Wilson (CARLSNAES, 2002; HOFFMAN, 1977). A
primeira, de carácter institucional, está ligada à necessidade das institui-
ções governamentais responsáveis pela política externa se tornarem mais
ecientes no cumprimento dos seus objetivos. A segunda, de carácter
ideogico, prendeu-se com a luta pela democratização dos processos de
formulação e decisão da política externa. A partir deste momento come-
çou a existir a preocupação de legitimar democraticamente as opções de
política externa. Isto signica que passou a ser necessário encontrar justi-
cações políticas no processo de decisão em política externa e introduzir
considerações normativas dos interesses públicos nas diferentes fases da
formulação e implementação da política externa. A terceira ideia foi re-
lativa à necessidade de desenvolver uma relação triangular virtuosa en-
tre cidadãos, universidade e governo. Esta ideia favoreceu o desenvolvi-
mento de departamentos de estudos políticos especializados em relações
internacionais nas universidades que, por denição, deveriam produzir
7. Isto não significa que não seja ne-
cessário matizar criticamente as visões
idealizadas de Wilson como introdutor
de uma visão democrática e pacífica
antitética da “power politics”, nomea-
damente da hegemonia norte-americana
(ANIEVAS, 2014).
68
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 64 - 88
conhecimento que, implícita ou explicitamente, fosse politicamente rele-
vante para a governação e que reetisse os valores dos EUA (HOFFMAN,
1977). A visão liberal e democrática de Wilson foi marcante para a de-
nição política e institucional do que deveria passar a ser a diplomacia
norte-americana, nomeadamente para quais as instituições e ideias que
deveriam formar as futuras elites da política externa norte-ameri cana.
Como académico e político intelectual, Wilson assumiu que era funda-
mental investir no ensino e conhecimento académico para formar elites
para o governo americano (WILSON, 1887). Era necessário dar resposta
às crescentes exigências que a emergente liderança internacional ameri-
cana signicava. Como armou no prefácio da quinta edição da sua tese
de doutoramento:
When foreign aairs play a prominent part in the politics and policy of a nation,
its Executive must of necessity be its guide: must utter every initial judgment,
take every rst step of action, supply the information upon which it is to act,
suggest and in large measure control its conduct (WILSON, 1900, p. xi-xii).
Foi a partir daqui que se iniciou o movimento académico que irá
dar origem às policy sciences. Por exemplo. em 1919 é fundada A Ed-
mund A. Walsh School of Foreign Service, a primeira “policy school
(MENDES, 2019a). Assim, a armação das policy sciences está ligada ao
desenvolvimento da interpenetração entre o mundo político e académi-
co nos Estados Unidos da América. Foi aqui que emergiu um contexto
histórico que proporcionou possibilidades ímpares para estudar e aplicar
conhecimentos cientícos nas políticas públicas. Ao conciliar o estatuto
de primeira república democrática moderna com o de potência global,
os EUA potenciaram a necessidade de estudos sobre a política externa.
Este contexto e ambiente ideacional liberal foi importante na tentativa de
construir uma ordem internacional com base em princípios republicanos
legalistas e democráticos de inuência Kantiana. Da mesma forma que a
Guerra do Peloponeso de Tucídides inuenciou o pensamento realista, a Paz
pertua de Kant inuenciou o pensamento liberal e os seus líderes, no-
meadamente Woodrow Wilson e a sua ideia de promoção da paz através
da institucionalização de uma democratização da governação internacio-
nal (SMITH, 2017; COOPER, 2008).
Durante os seus anos de formação académica, Wilson leu os prin-
cipais lósofos alemães, nomeadamente Hegel e a sua Philosophy of Right
que faz uma análise da Paz Perpétua de Kant (LINK, 1969, p. 586). Para
além das leituras, a inuência de Kant no pensamento e ação de Wil-
son surgiu por intermédio de outros líderes liberais pacistas. Wilson
foi inuenciado pelas ideias de ativistas liberais kantianos ingleses (o
grupo Bryce), onde emergiu originalmente a ideia de formação de uma
Liga pacista (DUBIN, 1970; SYLVEST, 2005). Por outro lado, o pen-
samento de Wilson foi inuenciado por dois colegas académicos, ex-
-presidentes de Harvard, A. Lawrence Lowell e Charles W. Eliot, que
integraram uma inicial organização pacista: a League to Enforce Peace,
(STROMBERG, 1972). Isto signica que neste período existiu uma in-
terpenetração entre o desejo e a necessidade de produzir conhecimento
útil para a organização pacíca da ordem internacional, que signicou
simultaneamente a necessidade de especializar um conhecimento sobre
69
Pedro Emanuel Mendes R(r)elações I(i)nternacionais, Realismo e Análise da Políca Externa (APE): contextualizando a invenção da APE
a política internacional e a condução da política externa. Por isso, nesta
fase, o estudo das relações internacionais era equacionado como uma
policy science progressista. Ou seja, um conhecimento necessário para
estabelecer uma nova ordem internacional, com base em ideias e prin-
cípios progressistas, legalistas e pacistas.
Deste modo, as primeiras ideias sobre a possibilidade de denir
uma área de estudos internacionais e de política externa estão intima-
mente ligadas a ideias progressistas. Esta visão era interpenetrada pela
cultura pragmática e solucionista dos EUA sobre o que deveria ser uma
disciplina de relações internacionais (HOFFMAN, 1977). Isto signica
que o estudo da política externa deveria ser útil e orientado para a prática,
nomeadamente para a visão kantiana que vários líderes políticos e acadé-
micos anglo-americanos defendiam. Embora este período não seja apenas
dominado pelo debate entre liberais progressistas e realistas (SCHMIDT,
2013; SCHMIDT; GUILHOT, 2019), este é o debate que tem mais impacto,
sobretudo no contexto histórico, universitário e político dos EUA, onde,
na verdade, a disciplina foi inventada (MENDES, 2014; 2019a).
Paralelamente a esta inuência wilsoniana, institucional e ideo-
gica, existiu outra importante inuência doutrinária na teoria e prática
da política externa. Estamos a falar da tradição europeia da realpolitk, que
se consubstanciou no paradigma do Realismo fundado por Carr (1939) e
Morgenthau (1948)
8
. Foi também esta tradição realista que construiu so-
cialmente o estudo da política externa, e que perdurou mesmo após a con-
testação teórico-metodológica da APE.
Aqui reside o primeiro e constitutivo problema sobre o estudo da
política externa e a sua relação com o Realismo que importa sublinhar.
Para o Realismo, a política externa, as estratégias, ações dos seus prati-
cantes e decisores são, por um lado, um objeto de estudo, que importa
analisar e explicar e, por outro lado, constituem um conhecimento, dis-
curso e prática sobre como fazer a política externa (GUZZINI, 2017). Ao
tentar inventar a teoria das relações internacionais, Morgenthau siste-
matizou uma teoria política da política externa - uma sabedoria política
com base no estudo da história e dos cssicos – e dos assuntos interna-
cionais. Por isso, o Realismo é a teoria que, desde o início, tentou tradu-
zir e reetir a teoria e a prática da realpolitik europeia do sec. XIX numa
teoria das RI. Isto signica que o Realismo foi, simultaneamente, uma
tentativa de sistematizar uma teoria sobre as relações internacionais e
uma estratégia sobre a política externa (GUZZINI, 2017).
O Realismo de Morgenthau é, por denição, uma teoria para a
ação em política externa. Ou seja, é uma teoria-guia para a ação dos
praticantes, onde se explica e aconselha os líderes a conduzirem a po-
lítica externa. Isto foi fundamental no contexto inicial da invenção da
disciplina de RI e na armação da teoria realista como uma teoria útil.
Esta armação útil do realismo foi socialmente construída através de
um argumento empático poderoso: o realismo espelhava a realidade da
política internacional. Todas as outras visões, nomeadamente a liberal
wilsoniana não tinha aderência à realidade. O Realismo construiu so-
cialmente esta ideia que foi socializada por muitos académicos e, sobre-
tudo, praticantes da política externa (GUZZINI, 2017; MENDES, 2018).
8. Como vários estudos recentes
demonstram (Williams, 2007; Navari,
2018; Frei, 2018), de um ponto de vista
histórico podemos acrescentar outros
trabalhos clássicos que construíram
o pensamento realista em RI, com
destaque para os de: Frederick Shuman
publicado em 1933; Harold Nicholson
publicado em 1939; Reinhold Niebhur
publicado em 1940; Georg Schwar-
zenber publicado em 1941; Martin
Wight publicado em 1946; e George
Kennan publicado em 1951. Todavia, foi
o Politics Among Nations de Morgen-
thau (1948) que se tornou no cânone do
Realismo, com sete edições desde 1948
até 2005. Convêm sublinhar que todos
estes estudos continham estratégias
e teorias-guia para a política externa.
Portanto, o Realismo sempre teve uma
especial ligação com a política externa,
mas sobretudo como uma praxis, não
como um campo de estudo com instru-
mentos teórico-metodológicos próprios.
70
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 64 - 88
As causas e consequências das duas guerras mundiais foram cru-
ciais para a visão realista sobre o que não fazer em política externa. Na
visão realista, a tentativa utópica - e no nal do dia nefasta - de cons-
truir um mundo pacíco, sem ter em conta a verdade universal da lógica
competitiva da power politics deveria ser eliminada da teoria e prática da
política externa (CARR, 1939; MORGENTHAU, 1948, 1950). Foram estas
circunsncia históricas e políticas, interligadas com a ascensão dos EUA,
que motivaram os realistas, liderados por Morgenthau, a desenvolverem
uma teoria realista das relações internacionais que estabelecesse as fron-
teiras e fundamentos ontogicos e epistemogicos da disciplina das RI,
nomeadamente como uma teoria-guia para a denição da política externa
dos estados contria à visão de Wilson.
Como notou Stanley Homan (1969), Morgenthau conjugou uma
teoria losóca – uma descrição ontológica sobre o mundo baseada numa
preconceção sobre a natureza humana e as relações de poder entre as
suas unidades políticas – com concetualizações empírico-práticas, parci-
moniosas e altamente empáticas, sobretudo para as elites praticantes da
política externa, mas também para os alunos de RI, as futuras elites da
política externa dos EUA.
Esta visão produziu uma empatia teórica na generalidade dos seus
leitores e foi uma das razões do seu sucesso (MENDES, 2018; 2019b). Para
além de uma teoria que tenta explicar as relações internacionais, o Realis-
mo reetiu e solidicou uma “linguagem prática” através da qual muitos
decisores e praticantes comunicavam e pensavam a política externa, sobre-
tudo no contexto de guerra-fria. Ainda hoje, conceitos fundamentais para
os realistas como o “interesse nacional, a “balança de poder”, a “realpo-
litik, a “prudência, as “razões de Estado”, ou a “credibilidade nacional,
são conceitos profundamente embebidos e socializados no mundo político
e diplomático (GUZZINI, 2017). Isto signica, como veremos a seguir, que
o Realismo foi profundamente constitutivo da forma como os estudantes
e praticantes da política externa compreendiam e interpretavam o mundo.
O Realismo e a APE: encontros e desencontros
O principal formulador do Realismo, Hans Morgenthau, foi pro-
fundamente inuenciado pela tradição da realpolitik da diplomacia euro-
peia do séc. XIX. Morgenthau utilizou as principais máximas da realpoli-
tik europeia e transformou-as em leis gerais de uma ciência social ame-
ricana: as Relações Internacionais (GUZZINI, 1998). Contudo, importa
também contextualizar o percurso de Morgenthau. Em primeiro lugar,
devemos recordar que, como muitos dos principais cientistas sociais do
pós-guerra dos EUA, Morgenthau era um emigrante europeu vítima do
nazismo (FREI, 2001; RÖSCH, 2018)
9
. Em segundo lugar, neste período,
os EUA viviam um ambiente político e académico que proporcionou um
political studies enlightenment” (KATZNELSON, 2003). Neste ambiente
iluminista do pós-guerra dos EUA, existia um desejo e uma necessidade
de solidicação de uma ciência da política.
Todavia, a crescente importância do estudo e ensino da Ciência Po-
lítica motivou acesos debates. Em primeiro lugar, debates sobre qual o sig-
9. Nascido e educado na Alemanha
(Universidades de Berlim; Frankfurt e
Munique), fez trabalho de pós-gradua-
ção no Instituto Universitário de Altos
Estudos Internacionais em Genebra,
onde foi professor de 1933 a 1935, no
ano seguinte esteve em Madrid (1935-
36) e finalmente passou a ser professor
nos EUA, onde se naturalizou em 1943.
Aqui começou por ser professor no
Brooklyn College (1937-39) e Universi-
dade do Missouri Kansas City (1939-43),
até ser professor na Universidade de
Chicago (1943-71), onde desenvolveu os
seus trabalhos clássicos (FREI, 2001).
Novas interpretações de Morgenthau
(WILLIAMS, 2007; NAVARRI, 2018)
demonstram uma visão mais plural de
Morgenthau e confirmam o argumento
que os contextos importam na leitura e
construção das teorias. Por exemplo, em
1958, Powers (1958) critica Morgen-
thau pelo seu conservadorismo, hoje
é possível contextualizá-lo como um
dissidente e até como um “crítico” face
a vários aspetos do pensamento político
e académico dominante (RÖSCH, 2017).
71
Pedro Emanuel Mendes R(r)elações I(i)nternacionais, Realismo e Análise da Políca Externa (APE): contextualizando a invenção da APE
nicado e função da teoria em Ciência Política e sobre quais as melhores
metodologias. Em segundo lugar, debates sobre as fronteiras e identidades
disciplinares, dos quais importa destacar um olhar particularmente invejoso
dos estudos políticos (CP/RI) face à capacidade epistemológica da Economia
e à sua consequente produção teórica (ADCOCK, BEVIR; STIMSON, 2007).
Embora existam vários e sobrepostos debates, para a discussão
aqui proposta, importa sublinhar que na disputa política e cientíca que
se desenvolveu sobre como estudar as relações internacionais emergem
três minidebates inter-relacionados. O primeiro é o debate geral sobre se a
Ciência Política deveria ser tradicionalista ou positivista (DAHL, 1961; AD-
COCK, 2007; BELL, 2009). O segundo é sobre qual o lugar disciplinar para
o estudo das relações internacionais. Deveriam as Relações Internacionais
ser um subcampo da Ciência Política ou, como como defendia Morgen-
thau, uma disciplina autónoma com uma metodologia tradicional assente
na história e na teoria política? O terceiro foi relativo a saber se a política
externa deveria continuar ser estudada na ótica tradicional, ligada à His-
tória Diplomática e à visão epistemológica tradicional do realismo, ou um
campo de estudo com uma lógica epistemogica mais sosticada ligada às
visões que defendiam que todos os campos dos estudos políticos se deve-
riam transformar em ciências sociais. A chamada revolução behaviorista
defendeu que os fenómenos políticos deveriam ser objeto de metodologias
cientícas e não apenas de considerações históricas e normativas. O seu
objetivo foi substituir a losoa política pela losoa da ciência e, deste
modo, construir novos padrões paradigmáticos sobre a formação de con-
ceitos, hipóteses, teorias e métodos de explicação e vericação emrica.
10
Foi neste contexto que um grupo de académicos, intelectuais e pra-
ticantes tentou construir espaços epistémicos de poder - no sentido Bour-
diano (BOURDIEU, 1988) - e desenvolver uma teoria realista das RI que
disciplinasse o estudo da política internacional e da política externa. Ao
contrário do ambiente iluminista dominante assente no behaviorismo e
racionalismo cientíco, este grupo realista propôs um contramovimento
intelectual, irredentista, que teve por base uma distinta abordagem teóri-
ca face à natureza da política e ao seu estudo (GUILHOT, 2008). Isto é, não
uma ciência social, mas uma ciência humana, uma teoria política sobre as
relações internacionais e a ação em política externa. Morgenthau não era
adepto da transformação do estudo da política externa numa ciência so-
cial. O que defendeu, foi que os assuntos internacionais e, sobretudo a po-
lítica externa, deveriam ser analisados através de uma teoria tradicionalis-
ta, normativa, não empirista, e elitista de power politics (MORGENTHAU,
1948). Neste contexto, Morgenthau defendeu uma das primeiras visões
sobre a “libertação das RI da Ciência Política” (ROSENBERG, 2016)
11
.
Embora a obra de Morgenthau seja fundacional na sistematização
neo-cientíca dos princípios da power politics, ele não era adepto da cien-
tização do estudo da política que estava a acontecer nas universidades
norte-americanas. Inuenciado pela teoria de Carl Smith e pela história
desastrosa da aberração racionalista do nazismo (BROWN, 2007), Mor-
genthau refutou as promessas otimistas do liberalismo racionalista e pro-
gressista, de que, com base na razão e no conhecimento cientíco, era
possível construir a paz internacional
12
. Para Morgenthau, a emergência
10. Na Universidade de Chicago,
Leo Strauss e Morgenthau travaram
uma luta acadêmico-política contra a
transformação do Departamento de
Ciência Política em behavioristas que
desconsideravam a tradição filosófica da
disciplina. Sem sucesso, pois os novos
líderes acadêmicos quer na Universi-
dade de Chicago, (Harold Lasswell; V.
O. Key, Jr.; David B. Truman;, Herbert
Simon; Gabriel Almond; David Easton;
Quincy Wright; Morton A. Kaplan),
quer em Harvard (Karl Deutsch; Sidney
Verba), Yale (Robert Dahl) e em Stanford
(Elau), assumiram nesta nova visão
sobre a Ciência Política, construindo a
identidade racionalista e neopositivista
da disciplina (HAMATI-ATAYA, 2018).
11. Este é um dos eternos debates na
disciplina (MENDES, 2019b). Surgiu no
início e foi ressurgindo, de acordo com o
desenvolvimento de novas ramificações
reflexivas dos contextos políticos e
científicos. Hoje reaparece novamente
veja-se (FORUM IR, 2017; D’AOUST,
2017; JAKCSON, 2018).
12. Existem interpretações plurais sobre
o Realismo clássico e o seu papel no
primeiro debate. Por exemplo, Williams
argumenta que a invenção realista das
RI foi um movimento iluminista que
pretendia resgatar o liberalismo da sua
dimensão utópica e racional-burocrática
e propor um novo liberalismo. Aquilo
que Jon Herz chamou o Liberalismo
realista (WILLIAMS, 2013).
72
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 64 - 88
da revolução cientíca (behaviorista) que estava a acontecer nas Ciências
Sociais nos EUA era perniciosa para os estudos políticos. Para a maioria
dos realistas cssicos
13
, a ideia de uma ciência positiva (empírica) da po-
lítica era uma ilusão e prejudicava o estudo realista da política e do poder.
Para o Realismo a política não era uma atividade que pudesse ser resu-
mida a observações empíricas, nem podia ser compreendida e explicada
através de metodologias cientícas racionalistas (GUILHOT, 2008; MOR-
GENTHAU, 1944; 1946). De acordo com Morgenthau (1946), a aplicação
de metodologias cientíco-comportamentais (behavioristas) aos estudos
políticos não representava nenhum progresso no estudo da Ciência Polí-
tica, mas uma limitação da sua compreensão, pois esta tecnicização fun-
cionava como uma negação da natureza humana, da sua condição social
e da sua essência política (BEHR, 2016; GUILHOT, 2011).
As ideias epistemogicas tradicionalistas de Morgenthau foram
ultrapassadas pela dimica cientíca neopositivista que começou a do-
minar o novo campo de estudo da política externa. Esta dimica, come-
çou a direcionar o estudo da política externa para os departamentos de
Ciência Política - nomeadamente para a política americana e para a polí-
tica comparada – começando a diferenciar-se da disciplina da política in-
ternacional. Neste minidebate teórico-metodológico, o conservadorismo
epistemológico do realismo foi ultrapassado. Na verdade, o projeto anti-
-positivista e autonomista do estudo das RI liderado por Morgenthau não
conseguiu travar a crescente institucionalização de programas de Ciência
Política/RI que adoptavam os modelos epistemológicos das ciências so-
ciais. Apesar do seu Politics Among the Nations ser um best-seller e o mais
inuente manual para académicos e praticantes, a disciplina das RI não
deixou de se embeber no ambiente cientíco-behaviorista e desenvolver
novas e mais sosticadas metodologias. Neste quadro, o nascimento da
APE como campo de estudo é um exemplo paradigmático da refutação
da lógica epistemológica tradicionalista de Morgenthau
14
.
O projeto behaviorista, neopositivista e empirista, e as consequen-
tes abordagens da rational choice, acabaram por dominar as RI, tornando-
-a numa ciência social integrada na Ciência Política norte-americana. Esta
armação racionalista e neopositivista tornou-se paradigmática com Waltz
(1979) e o seu neorrealismo estrutural. Todavia, Waltz sempre manteve que
a sua teoria da política internacional, não era uma teoria de política externa,
assumindo novamente uma fronteira analítica e académica entre o estudo
da Política Internacional e o estudo da Política Externa (WALTZ, 1996).
Contudo, o projeto realista não era apenas epistemogico. Acima
de tudo, ele era um projeto de donio da relevância político-académi-
ca e prática do Realismo. Aqui, podemos dizer que o projeto não fracas-
sou e o Realismo tornou-se nos anos formativos da disciplina (1945-70)
na abordagem dominante da disciplina. Sobretudo no mundo prático,
a visão realista, de que a política internacional era uma luta constante
pelo poder, foi preponderante na forma de pensar e praticar a políti-
ca externa, quer nos EUA, quer globalmente. Esta inuência deve-se a
dois fatores básicos: a empatia parcimoniosa dos seus argumentos e a
reexividade histórica do contexto da guerra-fria. Assim, a doutrina de
contenção do comunismo sistematizada por Kennan (1945; 1947) é um
13. Existiam realistas que acreditavam
que as metodologias das Ciências
Sociais eram adequadas e deviam ser
utilizadas no estudo da power politics,
como foram os casos de Frederick Dunn,
Arnold Wolfers e Klaus Knorr (GUILHOT
2008; 2011). Isto significa, novamente,
que mais do que numa lógica puramente
dicotómica temos de compreender os
debates disciplinares das RI de forma
plural e relacional.
14. O que não significou, em alguns
casos, (cf. nota anterior), a refutação da
lógica constitutiva do realismo e da sua
visão estatal e monista da power politics.
73
Pedro Emanuel Mendes R(r)elações I(i)nternacionais, Realismo e Análise da Políca Externa (APE): contextualizando a invenção da APE
bom exemplo da inuência do realismo clássico na teoria e prática da
política externa dos EUA e na forma como as relações internacionais
eram percecionadas pelos diplomatas e líderes internacionais. Como
Morgenthau, e ao contrário de Wilson, Kennan acreditava que a condu-
ção da política externa deveria estar relativamente isolada das questões
internas e da opinião pública, pois essa politização poderia contaminar
os objetivos racionais dos líderes na denição da política externa (MOR-
GENTHAU, 1950; KENNAN, 1984).
O fato é que o Realismo se transformou na mais conhecida e in-
uente abordagem das RI
15
. Mas também este fato pode e deve se expli-
cado tendo em conta os seus contextos. Após o descrédito da abordagem
liberal-legalista do período entre guerras e, sobretudo, com o surgimento
da guerra fria, o contexto histórico do sistema internacional interliga-se
com as teorias de luta e busca de poder por Estados rivais. Isto signica
que a teoria Realista estava no lugar certo no momento exato para criar
uma empatia e necessidade teórica na disciplina das Relações Internacio-
nais. O Realismo tudo fez para aparecer como a abordagem mais realisti-
camente cientíca e, portanto, politicamente mais útil e ecaz.
Neste quadro, podemos dizer que existem quatro momentos fun-
damentais que marcam a acensão do Realismo:
- primeiro, a demonstração do irrealismo da visão Wilsoniana das
relações internacionais entre guerras por parte de Edward Carr
16
assente no contexto histórico do falhanço da SDN (CARR, 1939);
- segundo, o impacto da doutrina de contenção de George Kennan
(1945; 1947)
17
, assente no contexto histórico da expansão do impé-
rio soviético;
- terceiro, a sistematização neo-cientista sobre a indispensabilidade da
power politics de Hans Morgenthau (MORGENTHAU, 1946; 1948);
- quarto, o papel da Fundação Rockefeller e das suas conferências,
especialmente a realizada em 1954 sobre a Teoria das RI (GUI-
LHOT, 2008; 2011)
18
.
Com a sua ênfase na busca pelo poder num mundo anárquico, pe-
rigoso e imprevisível, o Realismo foi, em termos gerais, a abordagem tra-
dicionalmente adotada pelos praticantes da política externa. Esta empatia
histórico-social e prática fez com que o Realismo se tornasse a abordagem
dominante nos anos formativos da disciplina, o que inuenciou a prática
e a teoria da política externa.
O nascimento, evolução e domínio do Realismo deve ser com-
preendido à luz da sua capacidade de captar a lógica competitiva dos
processos políticos e da sua aplicabilidade e reprodução histórica na po-
lítica internacional, designadamente com o fracasso do projeto da socie-
dade das nações e a ascensão da guerra-fria. Numa metáfora, o realismo
foi o traje que assentou aos fatos. E os alfaiates - leia-se académicos e prati-
cantes das RI - começaram a produzir vestimentas que serviam à moda
da época, leia-se mundo bipolar e agressivo da guerra-fria Assim, o
Realismo produziu um discurso que foi empaticamente poderoso para
a moldura analítica da disciplina das RI e para o consequente enqua-
dramento do contexto histórico da guerra-fria (KAHLER, 1997; OREN,
2003; SCHMITH, 2013).
15. A mais conhecida e também a mais
criticada (LEGRO; MORAVCSIK, 1999;
GUZZINI, 2004).
16. Carr é outro exemplo da necessida-
de de uma leitura plural dos debates e
das teorias em RI. Carr era um historia-
dor realista, que criticou o idealismo-
-liberal progressista de entre guerras,
designando-o de “utópico”, mas não era
um realista conservador (KUBÁLKOVÁ,
1998). Aliás o Realismo como teoria-
-guia para a política externa pode ser
transversal a liberais, conservadores e
marxistas (WIVEL, 2017).
17. O que não significa que a posterior
política externa americana de contenção
ao comunismo fosse coincidente com as
suas ideias. Todavia, o impacto da sua
doutrina foi importante. Veja-se o inicial
“longo telegrama”, Telegram, George
Kennan to George Marshall February 22,
1946. Harry S. Truman Administration
File, Elsey Papers, e subsequente artigo
“anónimo” X – “The Sources of Soviet
Conduct”, de 1947. Este impacto in-
fluenciou a doutrina Truman, sistemati-
zado no famoso documento secreto NSC
68 (KENNAN, 1945, 1947).
18. Esta conferência reuniu os principais
académicos e praticantes de RI com
ligações ao Realismo e ao mundo políti-
co: Hans Morgenthau, Reinhold Niebuhr,
Walter Lippmann, Paul Nitze, Arnold
Wolfers, William T. R. Fox, Kenneth W.
Thompson e Kenneth Waltz que, como
mais jovem, foi o relator da conferên-
cia (GUILHOT, 2011). O presidente da
Fundação Rockefeller, Dean Rusk, futuro
secretário de estado (1961-1969) pre-
sidiu ao encontro. Embora não estando
presente, George Kennan enviou uma
comunicação. Aqui se discutiu como
construir teorias em RI e qual a sua
importância para o mundo político. Mais
do que as suas conclusões escritas, esta
conferência teve um impacto importante
na forma como o estudo das RI e a sua
prática - a definição da Política Externa
norte-americana - se foram estruturando
nestes anos fundacionais da disciplina
das RI.
74
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 64 - 88
A invenção da APE: a abordagem fenomenológica de SBS e Boulding e
a abordagem científico-comparativa de Rosenau.
Como vimos, a disciplina das RI como teoria cientíca e como co-
nhecimento prático aplicado à denição da política externa foi inuen-
ciada pelo Realismo. As iniciais tentativas de sistematização sobre o que
era e como se explicava a política externa dos Estados estavam embebidas
numa lógica de ação realista. Todavia, a relação da Alise da Política
Externa (APE) com o Realismo é feita de encontros, mas também de de-
sencontros. Apesar de assumir a sua origem estatal, a APE desenvolveu
todo o seu programa de investigação reagindo contra alguns dos pressu-
postos do Realismo. Em primeiro lugar, a APE contraria a ideia de que
a política externa é independente da política interna. Em segundo lugar,
a APE demonstra que o Estado não é um ator unitário e coerente que
prossegue objetivos claros de acordo com um interesse nacional objetivo.
Finalmente, a APE comprova que os Estados não denem os seus objeti-
vos e decisões apenas de uma forma racional.
Na realidade, grande parte da investigação original da APE baseou-
-se na tentativa de refutação das assunções de racionalidade, coerência,
unitarismo e clarividência objetiva do interesse nacional nas decisões de
política externa. A denição dos interesses em política externa é mais
complexa do que as abordagens tradicionais e estáticas ligadas às visões
racionalistas e associaisdo interesse nacional. Esta é uma das importantes
contribuições da APE que até os realistas já assumem como um dado ad-
quirido (KRASSNER, 1978; WIVEL, 2017).
Contudo, existiu um longo processo de evolução paradigmática
desde a fundação da disciplina até a atualidade. Muitos dos progressos da
APE prenderam-se com a necessidade da disciplina se libertar dos pres-
supostos ontogicos tradicionais sobre o que eram as relações interna-
cionais e como é que os atores se comportavam. Desde logo, da visão
simplicadora do papel dominante da estrutura na agência da política
externa. Mas também da ideia tradicional da realpolitik que assumia que
todo o comportamento em política externa era inteligível à luz do auto
evidente interesse nacional (MORGENTHAU, 1951; RYNNING; GUZZI-
NI, 2001). A APE necessitou de aprofundar as abordagens que se centra-
ram na reconstituição explicativa da agência da decisão e na multiplicida-
de de inputs institucionais e políticos que a inuenciam. Foi precisamente
isto que aconteceu com a inveão da APE nos anos cinquenta e sessenta.
Os primeiros estudos de política externa que tentaram ultrapas-
sar a abordagem tradicional do período anterior à II Guerra Mundial,
procuraram sistematizar tipologias e modelos sobre as fontes e fatores
a ter em consideração para explicar a política externa dos Estados. Estes
estudos zeram eco de um crescente reconhecimento de que as alises
existentes eram claramente insucientes para uma cabal explicação dos
fenómenos da política externa. Tentaram expor as limitações das alises
tradicionais e procuraram ultrapassar as conceções simplistas da power
politics e da realpolitik. Isto é, criticaram as assuões meta-teóricas so-
bre o primado e a independência da política externa face a política in-
terna e sobre o processo de decisão racional e eciente do Estado. Pela
75
Pedro Emanuel Mendes R(r)elações I(i)nternacionais, Realismo e Análise da Políca Externa (APE): contextualizando a invenção da APE
primeira vez, demonstraram que o Estado não é exatamente um ator
unitário e racional que atua em função de um interesse nacional objeti-
vo (MENDES, 2007; 2017a).
É neste contexto que devemos compreender os protestos
19
decisio-
nais e cientíco-comparativos de Snyder e Rosenau. Assim, os primeiros
trabalhos que contestaram os modelos tradicionais foram fortemente in-
uenciados pela revolução behaviorista e pelo início da tradição fenome-
nológica no estudo das Relações Internacionais. Esta tradição está ligada
ao grande desenvolvimento académico norte-americano da sociologia e
da psicologia social e é visível nas referências aos trabalhos de Parsons,
Shils e Alfred Schuetz feitas por Snyder, Bruck e Sapin (SBS) (SNYDER,
BRUCK, SAPIN; 1962, p. 63)
20
.
A inuência fenomenológica foi importante na construção da cultura
identitária da APE e teve na altura como expoentes máximos, para além
de SBS, os trabalhos de Harold e Margaret Sprout
21
, Ole Holsti
22
e Ken-
neth Boulding.
23
Esta cultura sociogica e psicossocial, colocou a APE
como um subeld que se posicionou de uma forma relativamente outsider
face à cultura realista, objetivante (associal) e estrutural dominante do estu-
do da política internacional.
A partir da década de cinquenta a disciplina das RI dividiu-se em
duas partes fundamentais: o estudo da política internacional e o estudo
da política externa (APE) (KULKOVÁ, 2001, p. 15). O estudo da polí-
tica internacional foi dominado pela visão estrutural do realismo e pela
consequente visão que a política externa não era uma policy science pas-
sível de racionalização cientíca. Para o realismo, a política externa e a
decisão política dos assuntos internacionais não deveria ser capturada por
especialistas tecnocráticos (policy scientists), mas estar assente na prática
diplomática e na expertise político-aristocrática dos seus agentes.
Novamente, existem encontros e desencontros, isto é, uma relação
e uma diferenciação. Para a visão realista, a teoria deveria estar próxima
e ser útil à prática do poder e da decisão, mas não ser uma policy scien-
ce tecnocrática e racionalista. Os realistas davam importância ao mundo
político e aos seus praticantes. O projeto realista das RI conseguiu estar
mais próximo do poder do que a maioria das outras ciências sociais emer-
gentes. Todavia, para o realismo, a política externa deveria ser dominada
por homens experientes e prudentemente realistas. Homens conscientes
da imprevisibilidade da fortuna e virtu (MAQUIAVEL, 1972) da política in-
ternacional, dos seus dilemas morais e da sua dimensão trágica. Na ótica
realista, estas qualidades políticas da vida internacional eram impossíveis
de ser compreendidos por tecnocratas e pela opinião pública. Isto signi-
ca que a teoria e prática da política externa deveria manter a sua tradição
elitista e conservadora (MORGENTHAU, 1958) .
A APE também dava importância ao mundo político, mas na ótica
de produzir conhecimento cientíco útil para os decisores utilizarem nas
suas opções. Ao contrário de Morgenthau, os inventores da APE acredi-
tavam que a política externa deveria ser objeto de investigação cientíca.
Era possível e desejável, através de metodologias positivistas, empiristas
e racionalistas, investigar e produzir teorias sobre os comportamentos
dos Estados. Os inventores da APE, e todos os outros cientistas sociais,
19. Aqui, adotamos a ideia de protesto
no sentido original de Dahl (1961).
20. Esta tradição é visível, por exemplo,
nos trabalhos de Karl Deutsh, Robert
Jarvis e Richard Ned Lebow, onde existe
uma forte componente psicológica e
intersubjetiva.
21. Harold e Margaret Sprout (1969,
p. 48-49) introduziram, originalmente
em 1956, a distinção entre o ambiente
psicológico dos decisores e o ambiente
operacional. O ambiente psicológico
engloba o conjunto de ideias e imagens
acerca do mundo retidas pelos deciso-
res e representa a forma como os deci-
sores interpretam a situação, enquanto
o ambiente operacional representa a
situação com os seus constrangimen-
tos, internos e externos, puramente
objetivos. No processo de decisão o que
é fundamental não são tanto os dados
objetivos da situação, mas, sobretudo, a
forma como o decisor pensa e interpreta
os dados da situação.
22. Ole Holsti (1962) desenvolveu con-
ceitos como “belief system” e “national
images” no estudo da política externa.
23. Boulding (1956; 1959; 1969) introdu-
ziu o conceito de “national images” que
explicamos adiante.
76
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 64 - 88
defendiam a ideia iluminista de que a ciência deveria contribuir para o
aperfeiçoamento da decisão política. Morgenthau liderou o movimento
contra-iluminista, epistemologicamente pré-racionalista e tradicionalis-
ta, que defendia que a política e a ciência eram dimensões alternativas e
relativamente incompatíveis. Morgenthau não era exatamente anticientí-
co, nem muitos menos anti-teórico, o que ela defendia era uma reação
contra os behavioristas e a sua crença na possibilidade de tornar a política
internacional e a política externa em ciências sociais. Este debate geral no
pós-guerra vai cristalizar-se em RI com o segundo grande debate
24
.
Com a sua ênfase nos processos de decisão e nos fatores internos,
a APE foi crítica das visões estruturalistas e neo-objetivistas dominantes
do Realismo e do estudo das relações internacionais, que, aqui, eram si-
nónimo do estudo da política internacional. Esta crítica foi coincidente
com o impacto do behaviorismo nas ciências sociais e com a ambição
de armação cientíca das RI. Ao contrio da visão realista que tentou
inventar a teoria das RI, os fundadores da APE acreditavam na possibili-
dade de aplicar metodologias cientícas ao estudo da política. Apesar das
suas ambições neopositivistas, que devem ser enquadradas na revolução
behaviorista dos estudos políticos em geral e na necessidade de armação
da APE como campo de estudo, a abordagem fenomenológica da APE de-
senvolveu uma componente agencial, reexiva e intersubjetiva que a re-
laciona com uma abordagem construtivista avant la lettre (HOUGHTON,
2007; KULKOVÁ, 2001; WENDT, 1987; 1999). Podemos dizer que esta
abordagem descarta a visão tradicional, prático-realista, que se funda-
mentou na tentativa de Morghentau reetir a sua teoria realista nas Ra-
zões Motivos e Interesses de armação hegemónica da política externa
norte-americana durante a guerra-fria.
A visão Morgenthauniana da política externa baseava-se na tradi-
ção intuitiva e artística da política e estava impregnada de máximas da
vida política prática e da tradicional raison dètat que Maquiavel teorizou.
Deste modo, a visão realista da política externa está dominada por uma
visão insular da política, no sentido estrito de power persuing (MORGEN-
THAU, 1948). Na ótica Morgenthauniana, os estados decidem e formu-
lam a política externa de acordo com os princípios políticos de maximiza-
ção objetiva do interesse nacional. Aqui, o discurso analítico do realismo
é que a implementação do interesse nacional é executada por estadistas
e diplomatas que se guiam pelas designadas razões de Estado (RE). Estas
RE, são sinónimo de defesa e maximização, pretensamente objetiva, da
segurança, riqueza, poder e prestígio do Estado.
A abordagem fenomenológica da APE não nega que os estados
procurem maximizar o seu poder e otimizar o seu interesse nacional.
O que demonstra é que a denição dos interesses nacionais não é exata-
mente objetiva, sendo sobretudo um processo subjetivo e contextual. Os
interesses nacionais são denidos subjetivamente pelas ideias dos atores e
pelos seus contextos históricos e políticos (MENDES, 2017b; 2018; 2020).
As decisões de política externa são o resultado interligado das ideias e
percepções dos decisores, das pressões dos contextos políticos, internos e
externos, bem como da inuência dos processos organizacionais e insti-
tucionais presentes no jogo burocrático da sua formulação.
24. Outra dimensão, por vezes ignorada,
neste debate é a formação de base
dos académicos mais tradicionalistas e
dos mais behavioristas. Os primeiros,
como Morgenthau, têm uma formação
inicial, em regra, com base no Direito,
História ou Filosofia. Os segundos têm,
em regra, formação em Ciência Política,
Sociologia, Economia, Psicologia ou
outras ciências sociais.
77
Pedro Emanuel Mendes R(r)elações I(i)nternacionais, Realismo e Análise da Políca Externa (APE): contextualizando a invenção da APE
Imagem 1 - Visão subjetiva, contextual e processual da abordagem fenomenológica
da APE
Fonte: elaboração própria
A abordagem fenomenológica assenta em duas premissas funda-
mentais. Primeiro, o estudo das relões internacionais e da política ex-
terna deve ser desenvolvido tendo em conta os vários níveis de análise.
Existem várias fontes da política externa ligadas a diferentes níveis de
alise: indivíduos, burocracias, sociedades, sistema internacional. Se-
gundo, é fundamental abrir a black box e espreitar lá para dentro para per-
ceber como é que realmente se formulam as decisões de política externa
dos Estados. Isto é, para além dos fatores sistémicos e estruturais, o que é
decisivo é estudar a agência dos decisores. Isto signica que a APE se cen-
tra na explicação dos atores em contexto e em particular na identicação
das suas ideias e perceções.
Vários trabalhos pioneiros
25
foram peças de um puzzle que irá cons-
truir o primeiro grande marco da APE: Decision-making as an Approach to
the Study of International Politics. Inicialmente publicada em 1954 e com
uma edição nal posterior (SNYDER; BRUCK; SAPIN, 1962) esta é a
obra que inventa a APE. Richard Snyder, Henry W. Bruck e Burton Sapin
(SBS), introduziram contributos teóricos inovadores que precipitaram
uma reorientação no estudo da política externa. Estes contributos podem
ser sintetizados através de quatro pressupostos fundamentais.
Primeiro: a política externa consiste em decisões tomadas por de-
cisores políticos identicáveis e é esta atividade comportamental que
requer explicação. Segundo: a imporncia da perceção dos decisores
26
re-
lativamente à denição da situação. Terceiro: a ênfase dada às origens do-
mésticas e socierias da política externa. Quarto: o próprio processo de
formulação da decisão pode ser uma fonte importante e independente de
decisões (MENDES, 2017).
Estes pressupostos representaram uma inovadora perspetiva de
estudo da política externa. A partir daqui o enfoque da investigação é
colocado nas fontes internas da política externa e no próprio processo de
decisão. Isto representou um grande avanço relativamente às alises tra-
dicionais que, basicamente, defendiam que a política externa era uma res-
25. Como é possível constatar em Hof-
fman (1960) e Rosenau (1969a ; 1980b)
existiram trabalhos importantes que
influenciaram a visão fenomenológica
de SBS, como os de: Frederick Dunn de
1948; Gabriel Almond e Robert Dahl de
1950; Natham Leites de 1951; Richard
Snyder de 1952; Herbert Kelmam de
1955; Kenneth Boulding e de Harold
e Margaret Sprout de 1956; Bernard
Cohen e Karl Deutsh de 1957; e Joseph
Frankel de 1959.
26. Ao ressaltar que as decisões
tomadas são determinadas pela visão
que os decisores têm da situação, SBS
abriram caminho à abordagem “Cog-
nitiva” ou “Psicológica”. As tentativas
de explicação psicológica da percepção
dos decisores políticos tornou-se uma
das mais ricas áreas de análise em Re-
lações Internacionais. Conceitos como
“image”, “belief system”, ou “mis-
perception” partem desta perspectiva
(WALKER, 2003).
78
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 64 - 88
posta aos estímulos internacionais. Nas alises tradicionais assumia-se
a existência de uma barreira analítica entre a política interna e a política
externa. Tradicionalmente, estas políticas eram estudadas de forma inde-
pendente. Até aqui, existia uma visão teórico-metodogica que assumia
que: “foreign policy begins where domestic policy ends” (KISSINGER,
1969, p. 261).
Ao contrário, com SBS os fatores externos deixam de ser os fatores
primordiais e quase absolutos na explicação do comportamento externo
do Estado. Embora os fatores internacionais não sejam descartados, eles
passam a fazer parte de um conjunto de fatores contextuais que condi-
cionam determinada situação, que é denida de acordo com a perceção
dos decisores (MENDES, 2007). Esta abordagem fenomenológica incor-
pora conceitos da sociologia e da psicologia e distancia-se da conceção
tradicional do Estado como ator monolítico perseguindo um interesse
nacional objetivo e unitário. Como sublinha Valerie Hudson (2002, 2014)
o trabalho de SBS continha uma visão revolucionária relativamente à vi-
são dominante das RI pós 1945. Esta visão combinava o realismo com o
cientismo (HUDSON, 2002, p. 1-2) e foi contrariada pelas inovações teóri-
cas e metodológicas de SBS, nomeadamente a relação entre instituições e
processos e as consequentes “variáveis psicológicas” e “variáveis socio-
gicas” da decisão (SNYDER, BRUCK, SAPIN, 1962, p. 7).
Imagem 2 - Contextos, debates e diálogos na invenção da APE
Fonte: elaboração própria
Para além de SBS e dos Sprouts (1969), existe um importante marco
da abordagem fenomenogica que teve uma inuência decisiva na APE.
Estamos a falar do trabalho pioneiro de Kenneth Boulding, nomeada-
mente na sua preocupação em estabelecer uma relação entre as Imagens
Nacionais e os Sistemas Internacionais (BOULDING, 1959; 1969). Aqui é
sublinhado que as decisões tomadas pelos atores políticos não respondem
aos factos “objetivos” da situação, mas, essencialmente, à imagem que
estes têm da situação. O que inuencia o comportamento dos decisores
79
Pedro Emanuel Mendes R(r)elações I(i)nternacionais, Realismo e Análise da Políca Externa (APE): contextualizando a invenção da APE
não é exatamente o mundo real, mas sobretudo o que estes imaginam
ser o mundo. Ou seja, é a imagem que os decisores têm do mundo –
normativamente adequada ou inadequada, politicamente progressista ou
conservadora – que determina o seu comportamento. Isto signica que
decisores com imagens diferentes irão comportar-se de forma diferente
face à mesma situação.
As imagens reetem “the total cognitive, aective, and evaluative
structure of the behaviour unit, or its internal view of itself and its uni-
verse” (BOULDING, 1969, p. 423). Partindo desta conceção, é possível
identicar dois géneros de imagens. Em primeiro lugar, temos as ima-
gens que uma nação
27
tem dela própria. Em segundo lugar, a imagem
que uma sociedade nacional tem do mundo ou, se quisermos, a imagem
interpretativa do ambiente internacional que a rodeia.
A questão fundamental que Boulding colocou foi a de tentar per-
ceber qual o impacto que as “imagens nacionais” produzem no relacio-
namento entre os Estados e na construção das relações internacionais.
Todo o Estado-nação é um conjunto complexo de imagens que se for-
mam e sedimentam ao longo de processos históricos. Neste sentido, toda
a imagem nacional é essencialmente uma imagem histórica. Todavia,
para além do resultado do processo histórico de socialização identitária
das imagens dos cidadãos que compõem a nação, o conjunto de ideias
históricas que formam a imagem nacional é sobretudo uma construção
político-identitária das suas elites decisoras, que a reetem e interpretam
de forma própria e intersubjetiva (MENDES, 2018; 2020). Deste modo,
como o comportamento dos decisores é o elemento-chave para analisar-
mos a política externa e o seu impacto nas relações internacionais, torna-
-se essencial estudar a forma como as imagens nascem e se transformam,
sobretudo ao nível das elites, pois são estas que detêm o poder de decidir
e formular as políticas públicas (BOULDING, 1969, p. 425-426)
28
.
Assim, os decisores podem ter imagens mais sosticadas ou menos
sosticadas dos sistemas nacional e internacional. O grau de sosticação
das imagens é comparável ao processo de crescimento e autodetermina-
ção de um individuo. Isto é, à sua autoconsciência relativamente à assun-
ção que a sua existência é apenas uma das partes de um conjunto maior.
Neste sentido, os decisores com imagens não sosticadas veem o mundo
apenas pelo ponto de vista do observador, numa lógica monista. Os de-
cisores com uma imagem sosticada tendem a ver o mundo de muitos e
variados pontos de vista, numa lógica pluralista. Um decisor com uma
imagem sosticada vê o mundo como um sistema complexo e tem cons-
ciência que a sua existência e visão é apenas uma no conjunto das várias
partes desse sistema (BOULDING,1969, p. 429-430).
29
Outro marco fundamental para a invenção da APE foram os contri-
butos de James Rosenau. Depois do estudo de SBS, os trabalhos de Rose-
nau foram o segundo grande passo para se obter explicações gerais sobre
política externa
30
. Rosenau propôs a necessidade de uma maior consciên-
cia cientíca no estudo da política externa e sublinhou a imporncia de se
tentar construir preposições “If-then” (ROSENAU, 1980, p. 34-76). Argu-
mentou que só denindo as principais fontes do comportamento interna-
cional dos Estados seria possível encontrar padrões gerais de explicação.
27. Boulding utiliza a palavra nação
como correspondendo a um Estado-na-
ção e, portanto, é assim que também
deve ser entendida aqui.
28. Boulding distingue dois grupos que
estabelecem imagens representativas
da nação. Em primeiro lugar temos “os
poderosos”, as elites decisoras. Em
segundo lugar, “as massas”, ou seja, o
conjunto geral da população (BOUL-
DING, 1969, p. 423).
29. Este ponto é decisivo para perceber-
mos, por exemplo, as diferenças entre
a política externa de Bush, Obama e
Trump.
30. Trabalhos pioneiros como “Pré-the-
ories and Theories of Foreign Policy”
de 1966; “Moral Fervor, Systematic
Analysis, and Scientific Consciousness
in Foreign Policy Reserach” e “Com-
parative Foreign Policy: One–time Fad,
Realized Fantasy, and Normal Field” de
1968, que culminam no imprescindível
The Scientific Study of Foreign Policy
(ROSENAU, 1980).
80
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 64 - 88
Sistematizou as principais variáveis em política externa e relacionou-as
com uma tipologia dos Estados em função de: tamanho; nível de respon-
sabilização democrática (political accountability); e nível de desenvolvi-
mento. Rosenau agrupou estas variáveis em cinco fontes principais da
política externa: variáveis idiossincráticas (posteriormente denominadas
individuais); variáveis de papel/função (role); variáveis governamentais;
variáveis socierias, e variáveis sistémicas (ROSENAU, 1966).
Para além desta pré-teoria, Rosenau produziu importantes contri-
butos teóricos e metodogicos que podemos resumir em três ideias-cha-
ve. Em primeiro lugar, Rosenau foi pioneiro na construção de modelos de
alise sobre a importância das fontes internas da política externa (ROSE-
NAU, 1967) e sobre a interligação entre o ambiente interno e o ambiente
externo (ROSENAU, 1969b). Rosenau foi o impulsionador da ideia de que
era impossível estudar e compreender a política externa dos estados sem
uma análise interligada entre o interno e o externo. A partir daqui a inter-
ligação entre as fontes internas e externas passou a ser um dado adquirido
e universal. Atualmente é indiscutível a interpenetração entre a política
interna e a política externa. O que é variável é o seu grau de interpene-
tração, pois diferentes tipos de sociedade, produzem diferentes formas de
inputs domésticos na sua política externa.
Rosenau salientou ainda que as atividades da política externa não
podem resumir-se apenas aos outpts diretos, ou seja, às ações tomadas
pelos governantes. Assim, uma das vantagens da linkage theory é o reco-
nhecimento da necessidade de analisarmos não só os fenómenos de direct
linkage, mas também todo o conjunto de atividades de indirect linkage
31
.
Rosenau demonstrou que não podemos abordar um acontecimento de
política externa sem procedermos a uma conceção interligada de vários
ambientes, problemas e áreas.
Em segundo lugar, Rosenau desenvolveu a ideia-chave relativa à
necessidade de analisarmos a política externa como um comportamen-
to adaptativo (ROSENAU, 1970, 1981). A política externa representa um
permanente esforço de adaptação dos Estados relativamente aos desaos
que lhes são colocados. Esta ideia tornou-se um truísmo na APE, e muitos
académicos passaram a investigar a capacidade ou incapacidade de adap-
tação das políticas externa dos Estados (MENDES, 2012).
Por último, Rosenau defendeu o imperativo de desenvolver aná-
lises comparadas da política externa. Na sua ótica, só através da com-
paração seria possível alcançar generalizações e construir teorias sobre
a política externa (ROSENAU, 1974). Rosenau liderou o desao de iden-
ticar inferências universais sobre o comportamento dos Estados. Para
tal, desenvolveu um programa de investigação que se centrou no estudo
comparado de variáveis quantitativas e de dados agregados da política
externa dos estados. Esta perspetiva, designada por Comparative Foreign
Policy (CFP), embora incluísse várias abordagens e estratégias tinha uma
visão eminentemente positivista. Esta visão, justicava-se pelo contex-
to da época, marcado pela necessidade de autodeterminação académico-
-cientíca do estudo da política externa
32
.
A CFP desenvolveu projetos de investigação ambiciosos que foram
nanciados pela vontade histórica e política de apreender a lógica com-
31. As atividades de indirect linkage
abrangem todo o conjunto de comporta-
mentos levados a cabo por personalida-
des ou grupos privados com o objetivo
de preservar ou alterar um ou mais
aspetos do ambiente externo de deter-
minado Estado. Neste sentido, Rosenau
chama a atenção para a distinção entre
os inputs diretos e os inputs indiretos
(Rosenau,1980c).
32. Em reação ao Realismo clássico e às
suas metodologias tradicionais, a CFP
partilhava as seguintes caraterísticas:
uma epistemologia behaviorista; uma
procura indutiva de generalizações
gerais expressas em leis que conduzis-
sem a uma grande teoria explicativa
da política externa; e metodologias
quantitativas que analisavam dados
agregados.
81
Pedro Emanuel Mendes R(r)elações I(i)nternacionais, Realismo e Análise da Políca Externa (APE): contextualizando a invenção da APE
portamental dos Estados. Novamente, importa sublinhar que o contexto
de guerra-fria motivou os EUA para a necessidade de obter conhecimento
útil para a teoria e prática da sua política externa. O ensino e investigação
sobre a CFP teve um forte impulso neste período. Estima-se que o go-
verno dos EUA, principalmente através da Defense Advanced Research
Projects Agency (DARPA) e da National Science Foundation (NSF), dis-
ponibilizaram mais de 5 milhões dólares de nanciamento para projetos
de “events data”
33
entre 1968-1981 (HUDSON, 2014, p. 23).
A ambição desta geração cientíco-comparativa foi exageradamen-
te neopositivista e no nal da década de oitenta todos, a começar por Ro-
senau, reconheceram as limitações do projeto de fazerem desta aborda-
gem a ciência normal do estudo da política externa (ROSENAU, 1987)
34
.
O principal problema foi o tradicional pecado do positivismo: ter dema-
siada fé nos fatos objetivos e não considerar a reexividade e historicidade
da produção cientíca, especialmente nas RI, como aqui é argumentado.
Apesar das suas limitações positivistas, foi esta geração liderada por
Rosenau que proporcionou um período de grande inovação e introduziu
um conjunto de avaos teóricos e metodogicos que teve poucos para-
lelos na história da disciplina das RI (HUDSON, 2014, p. 22). Tal como
com SBS, a importância das inovações teórico-metodogicas de Rosenau
não se pode medir exatamente pelos resultados das suas metodologias
neopositivistas e quantitativas. O que é relevante, e perdura até hoje, é a
sua busca por “moving up the ladder of abstraction” (ROSENAU, 2000, p.
2) na análise da política externa. Isto é, a sua liderança na armação de
que o estudo da política externa não podia continuar a ser dominado por
trabalhos descritivos, ateóricos, que não contribuíam para a acumulação
de conhecimentos que proporcionassem uma teoria da política externa.
Foi esta sua busca teórico-cientíca que em última alise originou a so-
lidicação cientíca-disciplinar da APE.
Ainda hoje Rosenau é considerado como um dos vinte académicos
mais relevantes das RI (MALINIAK et al., 2012, p. 49). Após o m da
guerra-fria, Rosenau dedicou-se ao estudo das mudanças impostas pela
Globalização, sendo um dos pioneiros nas RI a tentar explicar o fenóme-
no (ROSENAU, 1990; 1992; 1997;1999; 2000). Nos seus últimos tempos,
confessava que se tinha afastado das visões mainstream das RI (ROSE-
NAU, 2002). Isto, novamente, comprova o nosso argumento. Existe um
contínuo processo de interligação entre os contextos históricos e a pro-
dução teórica em ciências sociais. Os principais teóricos são aqueles que,
precisamente, captam e inuenciam reciprocamente a evolução do zeit-
geist histórico e cientíco.
Na década de sessenta Rosenau foi o expoente da inovação teórica
na APE. Rosenau defendeu que, mais do que as abordagens descritivas
de história diplomática ou de estudos de área, era necessário construir
uma abordagem teórica especíca para explicar os padrões gerais do
comportamento dos Estados. Foi esta sua crença no papel da teoria - no-
meadamente da ideia de que a política externa tinha de ser estudada de
forma diferente da visão tradicional da política internacional - que criou
os primeiros degraus rmes da escada teórica que permitiu solidicar a
invenção da APE.
33. O designado “event data movement”
realizou vários projetos importantes, de
onde se destacam o Programmed Inter-
national Computer Environment (PRIN-
CE), o Interstate Behaviour Analysis
(IBA), e o Comparative Research on the
Events of Nations CREON (HERMANN;
PEACOCK, 1987).
34. A importância de se analisar as
políticas externas dos Estados numa
perspectiva comparada é também hoje
um dado adquirido (BEASLEY, et al.,
2013).
82
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 64 - 88
A partir daqui a APE desenvolveu-se interligando o estudo da polí-
tica nacional com o da política internacional, mas assumindo sempre que
a sua origem é interna e a sua agência transnacional. Esta visão cientíca
permitiu identicar as principais variáveis do comportamento dos Esta-
dos; introduzir conceitos inovadores, como o “undertaking” (ROSENAU,
1980a, p. 60), “issue-area” (ROSENAU, 1980d, p. 461) ou “aggregation
(ROSENAU, 1980e, p. 544); e integrar de forma pioneira o estudo de uni-
dades micro e macro, abrindo, novamente avant la letre, o caminho para
se discutir a problemática entre a Agência e a Estrutura nas RI (WENDT,
1987; CARLSNAES, 1992). Isto signica que as inovações teóricas da abor-
dagem fenomenogica de SBS, juntamente com os trabalhos pioneiros
dos Sprout, Boulding e de Rosenau são, ainda hoje, fundamentais para
uma compreensão sosticada da APE.
Conclusão
Como argumentamos, e o caso apresentado comprova, existe uma
relação entre os contextos históricos e o surgimento e evolução das disci-
plinas cientícas. É indispensável compreendermos esta relação diatica
para obtermos uma visão sosticada dos seus desenvolvimentos e corren-
tes teóricas. Diferentemente das ciências naturais, as ciências sociais não
são apenas progressivas, mas sobretudo reexivas dos ambientes sociais,
académicos e políticos do seu tempo. As disciplinas e os seus campos de
estudo são inventados a partir de impactos contextuais externos (his-
rico-políticos) e internos (académico-cientícos). As Relações Internacio-
nais (RI) e a sua subdisciplina central, a Alise da Política Externa (APE),
não são exceções, bem pelo contrário. Como observamos, as RI e a APE
nasceram como resultado de um interessante e complexo cruzamento
entre acontecimentos históricos; interesses políticos, institucionais e cor-
porativos; e oportunidades de liderança académica.
Como procuramos demonstrar, as razões do nascimento da APE
foram cientícas, históricas e políticas. Ao contrio de algumas leitu-
ras ahistóricas, é importante termos consciência do tempo e do modo
como a APE foi socialmente construída. Este exercício intelectual pos-
sibilita uma melhor compreensão sobre o lugar da APE no quadro geral
da Ciência Política e ajuda a contar melhores histórias sobre a política
externa dos Estados.
Neste quadro, é necessário assumir os contextos. Assim, relativa-
mente ao nosso caso podemos sublinhar os seguintes pontos. Primeiro,
a APE surgiu no contexto académico do protesto behaviorista contra a
visão tradicional do estudo da política externa e, no caso do Realismo,
contra a sua visão irredentista das RI. Ou seja, contra a resistência dos
Realistas clássicos em se integrarem no movimento de renovação e ar-
mação cientíco-metodológica da Ciência Política norte-americana.
Segundo, este contexto académico não pode ser desligado do con-
texto histórico da guerra-fria e da necessidade de produção de conheci-
mento útil para a política externa do ator hegemónico norte-americano.
o é por acaso que as RI e a APE são inventados nos EUA. Da mesma for-
ma que o Império Romano inventou e sistematizou um lugar disciplinar
83
Pedro Emanuel Mendes R(r)elações I(i)nternacionais, Realismo e Análise da Políca Externa (APE): contextualizando a invenção da APE
e político para o Direito, também os EUA inventaram e sistematizaram
um lugar disciplinar e político para a ciência social que estudava as rela-
ções internacionais e a política externa dos estados. A hegemonia his-
rica-política interliga-se com a hegemonia cientíca, especialmente nas
ciências sociais políticas.
Terceiro, importa sublinhar que várias fundações norte-america-
nas, com destaque para a Rockfeller e a Ford, nanciaram importantes
programas de investigação em relações internacionais e especialmente
em política externa. Também a National Science Foundation e as grandes
universidades americanas foram decisivas para a armação do estudo da
política externa e para a invenção de um novo campo de estudo inserido
na lógica de uma ciência social, com objetivos teóricos e de demostração
de relações de causalidade.
Em última alise, a invenção da APE aconteceu devido a vá-
rias circunstâncias históricas que podemos resumir a quatro. Primeiro,
a globalização dos conitos internacionais nas primeiras décadas do
séc. XX. O início das duas guerras civis europeias, que se tornaram
mundiais, obrigaram a uma reexão prática e teórica sobre o compor-
tamento dos Estados, nomeadamente sobre a possibilidade de cons-
trução de uma nova ordem internacional, liderada pelos EUA. Segun-
do, a emigração intelectual europeia para os EUA, consequência do
nazismo, fez com que os EUA recebessem um legado cientíco ímpar
neste período. Terceiro, o ambiente iluminista dos estudos políticos do
pós-guerra nos EUA. Para além do fator humano, nomeadamente da
emigração europeia, os Estados Unidos reuniram condições políticas e
institucionais propiciadoras de grandes investimentos em investigação
e ensino universitário em Ciências Sociais. Isto possibilitou a solidi-
cação da Ciência Política e o orescimento de ricos debates teóricos e
metodológicos que motivaram o surgimento de oportunidades de lide-
rança académica como as de Morgenthau, Snyder e Rosenau. Quarto,
o início da guerra fria. Este conito - político, ideológico e estratégi-
co - originou uma política internacional de blocos, tendencialmente
bipolar, entre os EUA e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
(URSS), o que estimulou ainda mais os EUA a desenvolver o estudo da
política externa e da política internacional.
Estes importantes acontecimentos nas relações internacionais (his-
tória) tiveram um impacto decisivo nas Relações Internacionais (ciência/
teoria). Deste modo, a invenção da APE não se pode desligar do início da
hegemonia política norte-americana e da necessidade de os EUA produ-
zirem conhecimento útil para formularem a sua política externa, espe-
cialmente no contexto de guerra-fria e consequente disputa global relati-
vamente ao seu projeto de liderança de uma ordem internacional liberal.
Em síntese, como foi possível constatar, é fundamental perceber
que a evolução das RI - as suas abordagens ontogicas, epistemogicas
e metodológicas - comportam uma forte componente histórico-contin-
gencial. Um dos pontos essenciais para compreendermos as abordagens
e campos de estudo das RI prende-se com a necessidade de assumirmos a
reexividade dos contextos históricos na evolução teórica das disciplinas
da Ciência Política.
84
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 64 - 88
Referências
ADCOCK, Robert; BEVIR, Mark; STIMSON, Shannon C. (ed.) Modern Political Science: An-
glo-American Exchanges Since 1880. Princeton: Princeton University Press, 2007.
ADCOCK, Robert. Interpreting Behavioralism. In: ADCOCK, R.; STIMSON, M. Bevir; S. C.
(ed.). Modern Political Science: Anglo-American Exchanges Since 1880. Princeton: Princeton
University Press, 2007, p. 181-208.
ANIEVAS, Alexander. International relations between war and revolution: Wilsonian diploma-
cy and the making of the Treaty of Versailles. International Politics, n. 51, p. 619-647, 2014.
ASHWORTH, Lucian M. A History of International Thought: From the origins of the modern
state to academic international relations. New York: Routledge, 2014.
BEASLEY, Ryan; KAARBO, J.; LANTIS, J.; SNARR, Michael T. (ed.) Foreign Policy in Compar-
ative Perspective: domestic and international inuences on state behavior. 2 ed. Washington:
CQ Press, 2013.
BEHR, Hartmut. Scientic Man vs. Power Politics: A Pamphlet and Its Author between Two
Academic Cultures. Ethics & International Aairs, v. 30 n. 1, p. 33-38, mar. 2016.
BELL, Duncan. (ed.) Political Thought and International Relations. Oxford: Oxford Univer-
sity Press, 2009.
BOULDING, Kenneth. The Image. Ann Arbor: University of Michigan Press, 1956.
BOULDING, Kenneth. National Images and International Systems. Journal of Conict Reso-
lution, v. 3, n. 2, p. 120-31, 1959.
BOULDING, Kenneth. National Images and International Systems. In: ROSENAU, James. (ed.)
International Politics and Foreign Policy: a reader in research and theory. New York: Free
Press, 1969, p .422-431.
BOURDIEU, Pierre. Homo Academicus. Cambridge: Polity Press. 1988.
BROWN, Chris. ‘The Twilight of International Morality?’ Hans J. Morgenthau and Carl Schmitt
on the End of the Jus Publicum Europaeum. In: WILLIAMS, Michael C. Realism Reconsidered:
The Legacy of Hans Morgenthau in International Relations. Oxford: Oxford University Press,
2007, p. 4261.
BUZAN, Barry; LITTLE, Richard. International systems in world history: remaking the
study of international relations. Oxford: Oxford University Press, 2000.
BUZAN, Barry; LAWSON, George. The Global Transformation: History, Modernity and the
Making of International Relations. Cambridge: Cambridge University Press, 2015.
CARLSNAES, Walter. The Agency-Structure Problem in Foreign Policy Analysis. Internation-
al Studies Quarterly, v. 36, n. 3, p. 245-270, 1992.
CARLSNAES, Walter. Foreign Policy. In: CARLSNAES, W.; Risse, T.; SIMMONS, B. A. eds.
Handbook of International Relations. London: Sage, p. 331-350, 2002.
CARLSNAES, Walter Foreign Policy. In: CARLSNAES, W.; Risse, T.; SIMMONS, B. A. eds.,
Handbook of International Relations. 2. Ed. London: Sage, p. 298-325, 2013.
CARR, Edward. The Twenty Years Crisis 1919 to 1939: An Introduction to the Study of Inter-
national Relations. London: Palgrave. (1939), 2001.
COHEN, Bernard. Foreign Policy. In: SILLS, David (ed.) International Encyclopedia of the
Social Sciences. New York: Macmillan/Free Press, 1968.
COOPER, John Milton, (ed.). Reconsidering Woodrow Wilson: progressivism, international-
ism, war, and peace. Washington: Woodrow Wilson Center Press, Baltimore: Johns Hopkins
University Press, 2008.
D’AOUST, Anne-Marie. IR as a Social Science/IR as an American Social Science. In: DENEMARK,
Robert A. (ed.), The Oxford Research Encyclopedia of International Studies, Oxford, 2017.
DAHL, Robert. The behavavioural approach in political science: Epitaph for a monument to a
successful protest. American Political Science Review, v. 55, n. 4, p. 763-772, 1961.
DUBIN, Martin David. Toward the Concept of Collective Security: The Bryce Group’s ‘Propos-
als for the Avoidance of War,’ 1914–1917. International Organization, v. 24, n. 2 p. 288-318, 1970.
FORUM IR. Forum on IR in the Prison of Political Science. International Relations, v. 31, n. 1,
p. 71–75, 2017.
FREI, Christoph. Hans J Morgenthau: An Intellectual Biography. Baton Rouge, LA: Louisiana
State University Press, 2001.
85
Pedro Emanuel Mendes R(r)elações I(i)nternacionais, Realismo e Análise da Políca Externa (APE): contextualizando a invenção da APE
FREI, Christoph. Politics Among Nations: A Book for America. In: Navari C. (ed). Hans J. Mor-
genthau and the American Experience. NY: Palgrave Macmillan, 2018.
GILPIN, Robert G. No one loves a political realist. Security Studies, v. 5, n. 3, p. 3–26, 1996.
GILPIN, Robert G. War and change in world politics. Cambridge: Cambridge University
Press, 1981.
GROOM, A.J.R. Foreign Policy Analysis: From Little Acorn to Giant Oak? International Stud-
ies, v. 44, n. 3, p. 195-215, 2007.
GUILHOT, Nicolas. The Realist Gambit: Postwar American Political Science and the Birth of IR
Theory. International Political Sociology, , v. 2, n. 4, p. 281-304, 2008.
GUILHOT, Nicolas. (ed.) The Invention of International Relations Theory: Realism, the
Rockefeller Foundation, and the 1954 Conference on Theory. New York: Columbia University
Press, 2011.
GUZZINI, Stefano. Realism in International Relations and International Political Economy:
the continuing story of Death Foretold. London: Routledge,1998.
GUZZINI, Stefano. The Enduring Dilemmas of Realism in International Relations. European
Journal of International Relations, v. 10, n. 4, p. 533-568, 2004.
GUZZINI, Stefano. Realist Theories and Practice. DIIS WORKING PAPER 2017: 8. Copenha-
gen: Danish Institute for International Studies, 2017.
HAMATI-ATAYA, Inanna. Behavioralism. In: DENEMARK, Robert A. (ed.), The Oxford Re-
search Encyclopedia of International Studies. Oxford, 2018.
HERMANN, Charles F.; PEACOCK, Gregory. The Evolution and Future of Theoretical Re-
search in the Comparative Study of Foreign Policy. In: HERMAN, Charles; KEGLEY, Charles
W.; ROSENAU, James N. (ed.). New Directions in the Study of Foreign Policy. London: Allen
& Unwin, 1987.
HOFFMAN, Stanley (ed.). Contemporary Theory in International Relations. Englewood
Clis, New Jersey: Prentice-Hall. 1960.
HOFFMAN, Stanley. Theory and International Relations. In: ROSENAU, James N. (ed.). Inter-
national Politics and Foreign Policy: a reader in research and theory. New York: Free Press,
p. 30-40, 1969.
HOFFMAN, Stanley. An American Social Science: International Relations. Daedalus, v. 106, n.
3, p. 41-60, 1977.
HOLSTI, Ole. The Belief System and National Images: A Case Study. Journal of Conict Res-
olution, v. 6, p. 244-52, 1962.
HOUGHTON, David P. Reinvigorating the Study of Foreign Policy Decision-Making: Toward a
Constructivist Approach. Foreign Policy Analysis, v. 3, n. 1, p. 24-45, 2007.
HUDSON, Valerie. Foreign Policy Decision-Making: A Touchstone for International Relations
Theory in the Twenty-rst Century. In: SNYDER, Richard C.; BRUCK, H. W.; SAPIN, Burton.
Foreign Policy Decision-Making (Revisited). New York: Palgrave-Macmillan, p. 1-20, 2002.
HUDSON, Valerie. Foreign Policy Analysis: Actor-Specic Theory and the Ground of Interna-
tional Relations. Foreign Policy Analysis, v.1, n.1, p.1-30, 2005.
HUDSON, Valerie. Foreign policy analysis: classic and contemporary theory. 2 ed. Lanham:
Rowman & Littleeld Publishers, 2014.
HUDSON, Valerie. Foreign Policy Analysis: Origins (195493) and Contestations. In: DENEMARK,
Robert A. (ed.), The Oxford Research Encyclopedia of International Studies. Oxford, 2018.
JACKSON, Patrick Thaddeus. ‘Does It Matter If It’s A Discipline?’ Bawled the Child. In: GOFAS,
Andreas; HAMATI-ATAYA, Inanna; ONUF, Nicholas (ed). Handbook of the History: Philoso-
phy and Sociology of International Relations. NY: Sage, 2018, p. 326-339.
KAHLER, Miles. Inventing International Relations: International Relations Theory After 1945.
In: DOYLE, Michael W.; IKENBERRY, G. John (ed.) New Thinking in International Relations
Theory. Boulder: Westview Press, 1997, p. 20-53.
KATZNELSON, Ira. Desolation and Enlightenment: Political Knowledge After Total War,
Totalitarianism, and the Holocaust. New York: Columbia University Press, 2003.
KENNAN, George F. The long telegram. National Security Archive, Washington, D.C.:
George Washington University, 1945.
KENNAN, George F. The sources of Soviet conduct. Foreign Aairs, v. 25, n. 4, p. 566582, 1947.
86
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 64 - 88
KENNAN, George F. American diplomacy. Chicago: University of Chicago Press. 1984.
KISSINGER, Henry. Domestic Structure and Foreign Policy. In: ROSEUNAU, James (ed.) Inter-
national Politics and Foreign Policy: a reader in research and theory. New York: Free Press,
1969, p. 261-275.
KRASSNER, Stephen. Defending National Interest. Princeton: Princeton University Press, 1978.
KUBÁLKOVÁ, Vendulka. The Twenty Years Catharsis: E.H. Carr and IR. In: KULKOVÁ,
Vendulka; ONUF, Nicholas; KOWERT, Paul (ed), International Relations in a constructed
World. New York: M.E. Sharpe, p. 25-57, 1998.
KUBÁLKOVÁ, Vendulka. Foreign Policy, International Politics, and Constructivism. In:
Kubálková, Vendulka. (ed.) Foreign Policy in a Constructed World. New York: M.E. Sharpe,
2001, p. 15-37.
LAUREN, Paul.; CRAIG, Gordon A.; GEORGE, Alexander L. Force and Statecraft: Diplomatic
Challenges of Our Time. New York: Oxford University Press. 5 ed. 2013.
LEGRO, Jerey; MORAVCSIK, Andrew. Is Anybody Still a Realist? International Security, v.
24, n. 2, p. 5-55, 1999.
LINK Arthur S. (ed.). The Papers of Woodrow Wilson, v. 6. Princeton: Princeton University
Press, 1969.
MALINIAK, Daniel et al. Trip Around The World: Teaching, Research, and Policy Views of
International Relations Faculty in 20 Countries, Williamsburg, VA: The College of William and
Mary, 2012.
MANNHEIM, Karl. The Problem of a Sociology of Knowledge. In: WOLFF, Kurt H. (ed.), From
Karl Mannheim. New Brunswick: Transaction Publishers, 2011, p. 187-243.
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Lisboa: Publicações Europa-Arica, 1972.
MENDES, Pedro Emanuel. A raiz e o fruto na análise da política externa dos Estados: uma pers-
pectiva eclética. Relações Internacionais, n. 16, p. 129-144, 2007.
MENDES, Pedro Emanuel. Portugal e a Europa: Factores de Afastamento e Aproximação da
Política Externa Portuguesa (1970-1978), Porto, CEPESE, 2012.
MENDES, Pedro Emanuel. As Relações Internacionais como ciência social: dialética entre his-
tória e teoria. In: SOUSA, Fernando de; MENDES, Pedro (ed.), Dicionário das Relações Inter-
nacionais, Porto, Afrontamento, pp. xvi-xxxvi, 2014.
MENDES, Pedro Emanuel. Como compreender e estudar a decisão em política externa: rein-
terpretando os clássicos. Brazilian Journal of International Relations, v. 6, n. 1, p. 8-36, 2017a.
MENDES, Pedro Emanuel. O poder e as ideias na política externa da Indonésia democrática: ser
ou não ser um ator global? Relações Internacionais, n. 55, p. 71-98, 2017b.
MENDES, Pedro Emanuel. Identidade, ideias e normas na constrão dos interesses em política
externa: o caso português. Análise Social, 227, LIII (2), p. 458-487, 2018.
MENDES, Pedro Emanuel. O nascimento das Relações Internacionais como ciência social: uma
alise comparada do mundo Anglo-americano e da Europa continental. Austral: Revista Bra-
sileira de Estratégia e Relações Internacionais, v. 8, n. 16, , p. 19-50, 2019a.
MENDES, Pedro Emanuel. As teorias principais das Relações Internacionais: uma avaliação do
progresso da disciplina. Relações Internacionais, n. 61, p. 95-122, 2019b.
MENDES, Pedro Emanuel. Percepções e imagens na política externa do Estado Novo: a impor-
ncia do triângulo identitário. Dados: Revista de Ciências Sociais, v. 63 n. 3, 2020.
MERLE, Marcel. La Politique Étranre. Paris: PUF, 1984.
MORGENTHAU, Hans J., The Limitations of Science and the Problem of Social Planning, Eth-
ics, v. 54, n. 3, p. 174-185, 1944.
MORGENTHAU, Hans. Scientic Man versus Power Politics. Chicago: University of Chicago
Press, 1946.
MORGENTHAU, Hans. Politics Among Nations: The Struggle for Power and Peace. New
York: Alfred Knopf, 1948.
MORGENTHAU, Hans J. The Mainsprings of American Foreign Policy: The National Interest
vs. Moral Abstractions, American Political Science Review, v. 44, n. 4, p. 853-54, 1950.
MORGENTHAU, Hans J. In Defense of the National Interest: A Critical Examination of
American Foreign Policy. New York: Knopf, 1951.
87
Pedro Emanuel Mendes R(r)elações I(i)nternacionais, Realismo e Análise da Políca Externa (APE): contextualizando a invenção da APE
MORGENTHAU, Hans J. Dilemmas of Politics. Chicago: The University of Chicago Press, 1958.
NAVARI, Cornelia (ed.). Hans J. Morgenthau and the American Experience. New York: Pal-
grave Macmillan, 2018.
NINKOVICH, Frank A. The Wilsonian Century: U.S. Foreign Policy Since 1900. Chicago:
University of Chicago Press, 1999.
OREN, Ido. Our Enemies and US: America’s Rivalries and the Making of Political Science.
Ithaca, NY: Cornell University Press, 2003.
POWERS, Richard Howard. Review of: Dilemmas of Politics. By Hans J. Morgenthau. Chicago: The
University of Chicago Press, 1958. The University of Chicago Law Review, V. 26, p. 178-185, 1958.
QUIRK, Joel; VIGNESWARAN, Darshan. The construction of an edice: The story of a rst
great debate. Review of International Studies, v. 31, n. 1, p. 89-107, 2005.
RÖSCH, Felix. Morgenthau in Europe: Searching for the Political. In: NAVARI, Cornelia (ed.).
Hans J. Morgenthau and the American Experience. New York: Palgrave Macmillan, p. 1-25, 2018.
RÖSCH, Felix. Unlearning modernity: A realist method for critical international relations?
Journal of International Political Theory, v. 13, n. 1, p. 8199, 2017.
ROSENAU, James. P-theories and Theories of Foreign Policy. In: FARREL, Robert Barry (ed.)
Approaches to Comparative and International Politics. Evanston: N. U. Press, p. 27-92, 1966.
ROSENAU, James. Domestic Sources of Foreign Policy. New York: Free Press, 1967.
ROSENAU, James (ed.). International Politics and Foreign Policy: a reader in research and
theory. New York: Free Press, 1969a.
ROSENAU, James. Linkage Politics. New York: Free Press, 1969b.
ROSENAU, James. Foreign Policy as Adaptative Behavior: Some Preliminary Notes for a Theo-
retical Model. Comparative Politics, local, v.2, p.365-389, 1970.
ROSENAU, James. (ed.) Comparing Foreign Policies: Theories, Findings and Methods. New
York: SAGE Publications, 1974.
ROSENAU, James. The Scientic Study of Foreign Policy. Revised and Enlarged Edition. Lon-
don: Frances Pinter/NPC, 1980.
ROSENAU, James. Moral Fervor, Systematic Analysis, and Scientic Consciousness in Foreign
Policy Research. In: ROSENAU, James. The Scientic Study of Foreign Policy. Revised and
Enlarged Edition. London: Frances Pinter/NPC, 1980a, p. 34-76.
ROSENAU, James. Comparative Foreign Policy: One–time Fad, Realized Fantasy, and Normal
Field. In: J. Rosenau. The Scientic Study of Foreign Policy. Revised and Enlarged Edition.
London: Frances Pinter/NPC, p.104-114, 1980b.
ROSENAU, James. Toward the Study of National-international Linkages. In: ROSENAU, James.
The Scientic Study of Foreign Policy. Revised and Enlarged Edition. London: Frances Pinter/
NPC, p. 370-401, 1980c.
ROSENAU, James. Foreign Policy as an Issue Area. In: J. Rosenau. The Scientic Study of For-
eign Policy: Revised and Enlarged Edition. London: Frances Pinter/NPC, p.461-500, 1980d.
ROSENAU, James. Muddling, Meddling, and Modeling: Alternative Approaches to the Study
of World Politics. In: ROSENAU, James. The Scientic Study of Foreign Policy. Revised and
Enlarged Edition. London: Frances Pinter/NPC, p.535-554, 1980e.
ROSENAU, James. The Study of Political Adaptation. New York: Nichols Publishing, 1981.
ROSENAU, James. Introduction: New Directions and Recurrent Questions in the Comparative
Study of Foreign Policy. In: HERMAN, Charles; KEGLEY, W.; ROSENAU, James (ed.), New
Directions in the Study of Foreign Policy, p. 1-12, 1987.
ROSENAU, James. Turbulence in World Politics: A Theory of Change and Continuity. Prince-
ton: Princeton University Press, 1990.
ROSENAU, James; CZEMPIEl, E.-O. (eds.), Governance Without Government: Order and
Change in World Politics. Cambridge: Cambridge University Press, 1992.
ROSENAU, James. Along the Domestic-Foreign Frontier: Exploring Governance in a Turbu-
lent World. Cambridge: Cambridge University Press, 1997.
ROSENAU, James. Toward an Ontology for Global Governance”, in Hewson, M.; T. J. Sinclair.
(ed.) Approaches to Global Governance Theory. New York: SUNY Press, p.287-302, 1999.
ROSENAU, James; Durfee, Mary. Thinking Theory Thoroughly. 2. ed. Boulder: Westview
Press, 2000.
88
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 64 - 88
ROSENAU, James. The globalization of globalization. In: HARVEY, Frank P.; BRECHER, Mi-
chael. (ed.) Critical Perspectives in International Studies. Ann Arbor: University of Michigan
Press, p. 271-282, 2002.
ROSENBERG, Justin. International Relations in the Prison of Political Science, International
Relations, v. 30, n. 2, p. 127–153, 2016.
RYNNING, Sten; GUZZINI, Stefano. Realism and foreign policy analysis. COPRI Working
Paper 42/2001. Copenhagen: Copenhagen Peace Research Institute. 2001.
SCHMIDT, Brian. On the History and Historiography of International Relations. In: CARL-
SNAES, Walter; RISSE, Thomas; SIMMONS, Beth A. Handbook of International Relations.
London: SAGE, 2013.
SCHMIDT, Brian C., GUILHOT, Nicolas. (ed.) Historiographical Investigations in Interna-
tional Relations. London: Palgrave Macmillan, 2019.
SMITH, Steve; HADFIELD, Amélia; DUNNE, Tim. (ed.) Foreign Policy: Theories, Actors, Cas-
es. Oxford: Oxford University Press, 2016.
SMITH, Tony. Why Wilson Matters: The Origin of American Liberal Internationalism and Its
Crisis Today. Princeton: Princeton University Press, 2017.
SNYDER, Richard Carlton; BRUCK, Henry W.; SAPIN, Burton (ed.). Foreign Policy Deci-
sion-making: An Approach to the Study of International Politics. New York: Free Press, 1962.
SPROUT, Harold e Margaret. Environmental factors in The Study of International Politics. In:
ROSENAU, James N. (ed.). International Politics and Foreign Policy: a reader in research and
theor y. New York: Free Press, 1969, p. 48-49.
STROMBERG, Roland N. Uncertainties and Obscurities About the League of Nations. Journal
of the History of Ideas, v. 33, n. 1, p. 139-154, 1972.
SYLVEST, Caspar. Continuity and Change in British Liberal Internationalism, c. 1900–1930.
Review of International Studies, v. 31, n. 2, p. 263-283, 2005.
THIES, Cameron (ed.) The Oxford Encyclopedia of Foreign Policy Analysis. Oxford: Oxford
University Press, 2018.
VITALIS, Robert. White World Order, Black Power Politics. The Birth of American Interna-
tional Relations, Ithaca: Cornell University Press. 2015.
WALKER, Stephen. Operational Code Analysis as a Scientic research program. In: ELMAN,
Colin; ELMAN, Miriam (ed.) Progress in International Relations Theory: Appraising the
Field. Cambridge: MIT Press, p. 245-276, 2003.
WALTZ, Kenneth. Theory of International Politics. New York: McGraw-Hill, 1979
WALTZ, Kenneth. International Politics Is Not Foreign Policy. Security Studies, v. 6, n.1, p.
52-55, 1996.
WENDT, Alexander. The Agent-Structure problem in IR Theory. International Organization,
v. 41, n. 3, p. 335-370, 1987.
WENDT, Alexander. Social Theory of International Politics. Cambridge: Cambridge Univer-
sity Press, 1999.
WERTHEIM, Stephen. The league that wasn’t: American designs for a legalist-sanctionist
league of nations and the intellectual origins of international organization, 1914–1920. Diplo-
matic History, v. 35, n. 5, p. 797–836, 2011.
WILLIAMS, Michael C (ed.). Realism Reconsidered: The Legacy of Hans J. Morgenthau in
International Relations. New York: Oxford University Press, 2007.
WILLIAMS, Michael C. In the beginning: The International Relations enlightenment and the
ends of International Relations theory. European Journal of International Relations, v. 19, n.
3, p. 647-665, 2013.
WILSON, Woodrow. The Study of Administration. Political Science Quarterly, v. 2, n. 2, p.
197-222, 1887.
WILSON, Woodrow. Congressional Government: A Study in American Politics. Boston/NY:
Houghton, Miin Company, 1900.
WIVEL, Anders. Realism in Foreign Policy Analysis. Oxford Research Encyclopedia of Poli-
tics. Oxford: Oxford University Press, 2017.