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estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 7, n. 2, (ago. 2019), p.118 - 122
Resenha: Brasil e América Latina: os
sentidos da integração
Roberto Goulart Menezes
1
Karina L.P. Mariano
2
DOI: 10.5752/P.2317-773X.2019v7.n2.p118
Recebido em: 25 de fevereiro de 2019
Aprovado em: 13 de março de 2019
O livro Brazil and Latin America: Between the Separation and Integra-
tion Paths (2017), de José Briceño-Ruiz e Andrés Rivarola Puntigliano traz
uma crítica importante à abordagem mainstream acerca da relação entre
Brasil e os demais países da América Latina. Utilizando a perspectiva da
longa duração, os autores fazem o resgate da literatura sobre essa contur-
bada relação e analisam momentos chaves da história política e cultural
que nos ajudam a compreender a lenta construção da aproximação do Bra-
sil República (1889) com os países que conformam a chamada América La-
tina (uma criação da virada do século XIX para o XX) e que atravessa todo
o século XX. Para Briceño e Rivarola a própria ideia de América Latina não
deve ser entendida como algo dado, segundo a corrente predominante, que
arma ser o conceito de América Latina uma designação criada na França.
Mais que uma ideia, América Latina é uma constrão política com contri-
buições originais da própria região que seguem sendo ignoradas.
Entre os autores que seguem defendendo que o Brasil não é parte
integrante da América Latina está o historiador Leslie Bethell
3
, organi-
zador da coleção História das Américas e referência para o estudo da re-
gião. Na literatura trabalhada por Briceño e Rivarola essa “trajetória da
separação” não se apresenta de maneira linear e constante. A ênfase que
se dá ao pensar o Brasil separado dos destinos da América Latina pode
ser entendida também como uma narrativa do papel que o Brasil teria ao
priorizar suas relações com os chamados países do Norte (para usar uma
linguagem dos pós-Segunda Guerra). Para aqueles que defendem que a
separação se sobrepôs aos poucos momentos de integração do Brasil com
a América Latina, mesmo no governo Lula da Silva (2003-2010), a integra-
ção econômica e política teria cado restrita a parte sul-americana.
A literatura que trabalha a identidade internacional do Brasil cres-
ceu desde os anos 1990. Nela encontramos trabalhos que abordam o País
como ocidental, americano e desde meados do século XX como latino-
-americano e mais recentemente sul-americano. Os autores tratam com
acuidade essas mudanças na percepção do Brasil frente à região. A narrati-
va que parecia prevalecer no período entre a Proclamação da República e
meados do século XX acerca da superioridade brasileira frente aos seus vi-
zinhos (elaborada ainda no Império (1822-1889), não tem mais lugar hoje.
1. Professor Associado do Instituto de
Relações Internacionais da Universi-
dade de Brasília e Professor visitante
no Arrighi Center for Global Studies da
Johns Hopkins University. Pesquisador
da Rede de Pesquisa em Politica Externa
e Regionalismo (REPRI) e do Intituto
Nacional de Estudos sobre os Estados
Unidos (INEU). ORCID https://orcid.
org/0000-0002-3220-7765
2. Professora livre-docente da Univer-
sidade Estadual Paulista (UNESP) e
professora do Programa de Pós-Gra-
duação San Tiago Dantas (UNESP-U-
NICAMP-PUC-SP). Pesquisadora da
Rede de Pesquisa em Politica Externa
e Regionalismo (REPRI) e do Intituto
Nacional de Estudos sobre os Estados
Unidos (INEU). ORCID https://orcid.
org/0000-0002-4559-918X
3. Para uma síntese do argumento de
Bethell ver: O Brasil e a ideia de “Améri-
ca Latina” em perspectiva histórica. Est.
Hist., Rio de Janeiro, vol. 22, n. 44, p.
289-321, jul.- dez. 2009.
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Ao longo dos cinco capítulos, os autores demonstram como essa
tensão entre os dois posicionamentos inuiu na construção da relação
entre o Brasil e os demais países da América Latina, destacando princi-
palmente como o path of integration foi um elemento presente – e mui-
tas vezes inuente – nesse comportamento, o que portanto exige que se
aprofunde a compreensão sobre ele, para se conhecer melhor essa relação
historicamente e, principalmente, poder pensar o atual momento em que
esta posição favorável a uma maior aproximação com a região ainda é
preponderante. Para isso, os autores apresentam as seguintes questões:
o Brasil é parte da região? Nesse caso, qual é a “região”, América do Sul,
América Latina ou América (com o último termo referente ao Hemisfé-
rio Ocidental)? O Brasil, nesse caso, permanecerá separado? Faz parte do
Oeste”, ou o país deve buscar autonomia ao se aproximar a outros países
emergentes, como Rússia, Índia, China e África do Sul (BRICS)?
A primeira dessas questões diz respeito ao fato de o Brasil histori-
camente ter sido tratado como um país desconectado de sua região, o que
signica dizer que na grande maioria das vezes as análises sobre sua rela-
ção com seus vizinhos destacam o seu isolamento ou não pertencimento
à América Latina. Esta concepção é o que os autores chamam em seu
livro Brazil and Latin America: Between the Separation and Integration Pa-
ths, de separation path. Esta vertente de análise destaca a diculdade de ar-
ticulação entre os países latino-americanos devido a esse distanciamento
do Brasil, que por sua imporncia geográca e econômica, deveria exer-
cer uma liderança regional, mas que historicamente atuou muito mais de
forma independente e desarticulada do restante da América Latina.
O grande mérito desse livro é justamente questionar este isolamen-
to, não o negando porque as evidências históricas demonstram que de
fato houve esse distanciamento do Brasil, porém demonstrando que essa
não foi uma alternativa única de ação e que ao longo do tempo houve
diversas tentativas de reverter essa situação. A hipótese do livro é que há
uma tensão entre duas posões no Brasil em relação aos demais países da
América Latina, tendo de um lado o separation path – que historicamente
até o nal do século XX mostrou-se a vertente vitoriosa – e do outro, o
integration path, que apesar de ganhar força somente nas últimas décadas,
sempre esteve presente. Assim, os autores questionam a ideia desse se-
paratismo como eixo de atuação internacional do Brasil frente a região.
Para isso, Briceño e Rivarola assumem uma narrativa cronológica,
que recupera historicamente as relações entre a América Latina e o Bra-
sil, mas inovando na alise que desenvolvem a partir do que podería-
mos chamar da perspectiva dos “vencidos”. Os autores chamam a atenção
para os comportamentos e posições de importantes lideranças políticas,
intelectuais e econômicas brasileiras que defenderam ou trabalharam
para que a situação de isolamento fosse revertida, visando promover um
espaço de integração do Brasil com os demais países latinos americanos.
A reconstrução dessa relação inicia-se com a recapitulação do p-
prio histórico das relações entre Portugal e Espanha, antes mesmo da
conquista das Américas, ressaltando que mesmo entre esses dois países
estava presente essa tensão entre as duas posões (integration e separation),
desde o processo de unicação e construção de ambos os Estados, que
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chegaram a estar unicados em 1580 (com a União Ibérica) quando o rei
Felipe II passou a governar não só a Espanha, mas também os reinos de
Portugal, Nápoles e Silia, com suas colônias em além mar, o que repre-
sentou o primeiro império realmente mundial (pois a metrópole possa
territórios em todos os continentes). Qual a imporncia desse fato? Essa
unicação temporária facilitou a expansão territorial da então colônia
portuguesa na América do Sul, ultrapassando as fronteiras estabelecidas
pelo Tratado de Tordesilhas.
Neste caso, esse momento de prevalência da lógica da integração
permitiu não só maior interação entre as colônias na América do Sul,
mas o processo de interiorização das capitanias pertencentes a Portugal,
numa demonstração espanhola de buscar agradar o governo português
sob o seu comando. Em 1640, o trono português foi retomado pela Casa
de Bragança e a aliança com a Espanha interrompida. Portugal retomou
sua autonomia e reformulou suas alianças internacionais, reposicionan-
do-se mais uma vez como um opositor ao reino da Espanha, o que se re-
etiu na América Latina no processo de consolidação das novas fronteiras
de ambas colônias e se materializou em diversas lutas por controle dos
territórios ocupados entre os dois reinos, reforçando a lógica separatista.
Embora a lógica separatista tenha prevalecido até os processos de
independência dos países da região, os autores destacam que em vários
momentos houve uma retração desse posicionamento mais isolacionis-
ta, o que propiciou aproximações e cooperações entre as colônias da
América dos Sul, como o Tratado de Madri de 1750, ou mesmo o mo-
vimento Carlotista, promovido durante a presença da corte portugue-
sa no Brasil (1808-1822) pela então esposa do rei Dom João VI, Carlota
Joaquina que tentou construir um reino sul-americano, reivindicando a
posse das colônias da Espanha que nesse momento se encontrava sob a
dominão napoleônica.
A história mostra que essa tentativa de unicação da região fracas-
sou, em boa medida, porque nas colônias espanholas a fragilidade decor-
rente da invasão da metrópole pelo exército de Napoleão, estimulou os
processos de independência que no caso sul-americano foram também
marcados pela fragmentação das ex-colônias, diferentemente do que
ocorrera no Hemisfério Norte onde a descolonização britânica permitiu
a construção de um novo Estado a partir da articulação entre as colônias
dentro de uma lógica federativa, dando origem aos Estados Unidos da
América (EUA).
A descolonização da América Latina e as lutas pela independência
foram palco novamente dessa tensão entre maior aproximação e isola-
mento do Brasil em relação à região. De um lado temos as ex-colônias
espanholas lutando para consolidar seu novo status de nações indepen-
dentes e republicanas, enquanto o Brasil permanecia como um império e
fortemente vinculado a Portugal. Além disso, a coroa portuguesa instala-
da no Brasil via com preocupação e atenção esse processo de independên-
cia na região, buscando precaver-se de possíveis inuências desta sobre
o território brasileiro, especialmente porque os movimentos de maior
aproximação haviam gerado ao longo do tempo proximidades entre al-
gumas regiões, especialmente na Bacia do Prata.
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Briceño e Rivarola mostram que para não perder o domínio so-
bre sua colônia, devido à inuência dos movimentos republicanos pela
independência, o governo português articulou um processo de indepen-
dência sem rupturas, que em boa medida foi marcado por uma lógica de
maior isolamento em relação à região. Essa desconança esteve presente
também no posicionamento de Simón Bolívar que como grande herói da
independência da América Hisnica via no Brasil uma ameaça, por sua
conexão com as metrópoles ibéricas. De ambos os lados, preponderou a
visão isolacionista, alimentada pelas desconanças e desinformação.
Als a desinformação parece ser a grande motivação do livro, pois
a argumentação dos autores recorrentemente chama a atenção para o
fato de que as interpretações sobre as relações entre Brasil e América La-
tina estão permeadas de lacunas e visões que desconsideraram aspectos
importantes. Neste sentido, destacam a visão prevalecente ao nal do sé-
culo XIX e que predominou na maior parte do século XX segundo a qual
o Brasil estaria isolado da região e seria totalmente distinto dos demais
países aí localizados.
Essa visão atribuída à doutrina estabelecida pelo Barão de Rio
Branco (Ministro das Relações Exteriores do Brasil entre 1902-1912), para
a formulação da política externa brasileira no período republicano é ques-
tionada, não porque não tenha prevalecido essa percepção de separação
do Brasil em relação à região, mas porque não foi uma posição hegemôni-
ca e incontestada, como muitas vezes se coloca. Em primeiro lugar, citam
o fato da participação brasileira na Guerra do Paraguai que teria sido um
movimento de aproximação a seus vizinhos, movimento este que passa a
ser reforçado após a Proclamação da República brasileira.
No início da Primeira República (1889-1930) percebe-se uma apro-
ximação do Brasil em relação aos seus vizinhos e uma preocupação em
restabelecer um maior vínculo com a região, o que transparece no debate
intelectual se o Brasil pertenceria ou não à ideia de América Latina, numa
discussão acalorada sobre a identidade brasileira e seu pertencimento a
uma identidade mais ampla regional. Enquanto isso, a ação do governo
brasileiro embora tenha realizado um alinhamento em relação aos Esta-
dos Unidos, manteve uma lógica de aproximação com seus vizinhos, o
que se concretizou no Tratado ABC (1915), que representa um acordo de
não-agressão entre Argentina, Brasil e Chile.
Desta forma, o livro argumenta que apesar do alinhamento em rela-
ção aos EUA e um certo isolamento aparente, o governo brasileiro buscou
estabelecer um padrão não-conitivo de relacionamento com seus vizi-
nhos, deixando uma porta aberta para a possibilidade de cooperação, se
este fosse o interesse do Brasil, além de evitar uma aliança entre países da
região contra o governo brasileiro. Esse posicionamento de aproximação
brasileira à região foi reforçado durante o primeiro governo de Getúlio Var-
gas (1930-1945), devido às mudanças ocorridas no contexto internacional,
especialmente devido à Segunda Guerra Mundial, em que política externa
brasileira procurou estabelecer uma lógica mais autônoma no sistema in-
ternacional, a partir de uma maior autonomia da própria América do Sul.
A construção da integração na América Latina está marcada por
diferentes fases e momentos daí o emprego do conceito de trajetória da
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integração de Hélio Jaguaribe (1923-2018). Segundo os autores, o apoio à
integração está presente na região desde a emancipação, ou seja, na pri-
meira metade do século XIX quando a maior parte das nações conquis-
taram a independência. Jaguaribe também foi um dos formuladores, ao
lado do argentino Juan CarlosPuig, do conceito de autonomia nas rela-
ções internacionais.
Com o m das ditaduras na América Latina e os processos de paz,
desde os anos 1980 a América Latina iniciou um novo período em suas re-
lações internacionais e no qual os processos de integração ocupam um lu-
gar importante. A criação do Mercosul (1991), o revigoramento de outros
acordos como a Comunidade Andina, a resistência demonstrada por boa
parte da região à investida dos Estados Unidos via Área de Livre Comér-
cio das Américas (ALCA), entre outras, demonstram como a trajetória da
integração foi realçada pelos governos da América Latina desde então.
A integração regional tem sido buscada como meio para superar,
de maneira coletiva, problemas históricos e estruturais das sociedades la-
tino-americanas. Ela não está livre de impasses e obstáculos, certamente.
Porém a quantidade de acordos regionais, com diferentes aspirações e ob-
jetivos mostram que a América Latina segue em busca de um outro mo-
mento de sua história no qual a separação e o alienamento de seus países
não se imponham como um determinismo. O livro de Briceño e Rivarola
nos apresenta que essa rica e densa história da busca pela integração não
é recente e que ela pode representar também uma forma de concebermos
a América Latina com toda sua pluralidade, inovações institucionais e
sem espaço para hegemonias seja de dentro ou de fora. O século XXI
vai chegando ao m de sua segunda década com muitos exemplos que
a América Latina, com o Brasil incluído, pode traçar outros rumos nos
quais a convergência se faça mais presente nessa construção da integra-
ção que é também uma outra forma de conceber a paz, a prosperidade e
a democracia em nossa região.
Referência
BRICEÑO-RUIZ, José; PUNTIGLIANO, Ands R. Brazil and Latin America: Between the
Separation and Integration Paths. Lexington Books. 2017.