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Marcelo M. Valença O uso de simulações e cultura popular para o ensino de Relações Internacionais
evidenciar fenômenos que ajudam a constituir normas, valores e ideias
sobre a política internacional, informando, naturalizando e facilitando
seu impacto social. A lógica subjacente ao seu uso é de que os elementos
de cultura popular são mecanismos de traduzir e simplicar a realida-
de, facilitando que sua audiência enxergue eventos complexos a partir
de situações análogas, operacionalizando ideias ou conceitos.
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Elementos
de cultura popular tendem a ser naturais aos alunos, o que transfere ao
conteúdo das RI uma sensação semelhante.
Por conta disso, a literatura aponta que esse material, quando apli-
cado em sala para o estudo de temas tradicionais, tem o potencial de en-
gajar os alunos em discussões complexas. Isto ocorreria porque a cultura
popular oferece a eles bases de conhecimento familiares que ajudariam a
superar constrangimentos ou limitações e trazer suas experiências para o
processo de constituição do conhecimento. O resultado seria uma melhor
compreensão de debates e conceitos chaves para o campo, seguindo a
indicação proposta por Neumann de que “[t]hings should be made as sim-
ple as possible - not simpler” (JACKSON, 2010, p. 12). Nesse sentido, e ao
tornar mais simples e dar sentido à explicação de conceitos, esses textos
alternativos permitem ao estudante visualizar seu funcionamento, prin-
cipais elementos e características, oferecendo condições facilitadoras para
perceber sua operacionalização e suas implicações teóricas e políticas.
Além dessas possibilidades explicativas, o uso de referências à cul-
tura popular permite que exercícios que explorem o contrafactual pos-
sam ser realizados. Contrafactuais são hipóteses ou assertivas que contra-
dizem fatos que ocorreram, permitindo estudar possibilidades e resulta-
dos que não ocorreram na prática, levando à inserção de novas variáveis
e hipóteses a partir da suposição do “e se” (LEBOW, 2000; TETLOCK;
BELKIN 1996). Em outras palavras, contrafactuais permitiriam a alunos
e professor estudar como eventos de grande complexidade poderiam ter
impactado a política se outros resultados fossem percebidos.
Nessa lógica, textos alternativos oferecem o suporte necessário para
a realização de simulações como ferramentas de ensino, sejam elas basea-
das em eventos reais ou ctícios. Eles funcionariam de forma comple-
mentar, proporcionando a justicativa do contexto e possibilidades que
se deseja explorar, fornecendo o meio para que ideias complexas sejam
tornada simples e o conhecimento, constituído. Deve-se, todavia, tomar o
cuidado de explicitar as conexões entre o tema e/ou evento simulado com
o conteúdo do curso, disciplina ou habilidades que se deseja promover.
Tanto para professores quanto alunos pode parecer cativante simu-
lar elementos de cultura popular que sejam famosos ou que causem gran-
de comoção, especialmente quando falamos de questões históricas. Mas,
como destaquei anteriormente, seu uso e aplicação devem evidenciar van-
tagens sobre outros meios de ensino. Como, então, estruturar simulações
a partir de textos alternativos que fazem referência à cultura popular?
A resposta está na sua adequação e conveniência aos objetivos e
ao conteúdo analítico que se pretende explicar.
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Os elementos de cultura
popular trazidos à sala de aula como forma de ilustrar ou operacionali-
zar uma ideia ou conceito devem ter conexão com a estrutura da aula e
os objetivos buscados, além de produzir signicados para os alunos. As
5. Cabe aqui uma nota de esclareci-
mento. O uso de elementos da cultura
popular nas RI extrapola o campo do
ensino. Exemplo são as contribuições
de natureza pós-positivista que usam a
estética e a arte como representação
de discursos dominantes. Não me refiro
a elas aqui neste trabalho. Sobre o
tema, ver, por exemplo, Michael Shapiro
(2004), Michael Shapiro e James Der
Derian (DER DERIAN; SHAPIRO, 1989),
Stephanie Fishel e Lauren Wilcox
(2017), Barbara Baudot (2010) e Roland
Bleiker (2009).
6. Exemplo é a chamada para trabalhos
para a conferência anual da Interna-
tional Studies Association de 2015. Os
organizadores propuseram as diretrizes
para o uso dos elementos de cultura
popular - a série de livros “Game of
Thrones”. Nela, os organizadores
apresentam os limites esperados para
as contribuições, deixando claro que
a análise deve ser feita a partir de
elementos empíricos da circulação de
ideias da fantasia em processos reais
de formulação de políticas externas.
Com isso, o elemento cultura popular
ganha parâmetros definidos para sua
aplicação, não buscando reproduzir
conceitos ou abordagens teóricas, mas
servindo de insumo para a reflexão
acerca de políticas públicas. A chamada
está disponível em <http://duckofminer-
va.com/2014/05/friday-nerd-blogging-
-call-for-isa-paper-proposals-on-game-
-of-thrones.html>. Acesso em: 10 mar.
2019.