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Resenha: Trajetória internacional do Brasil:
artigos selecionados
Murilo Chaves Vilarinho
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DOI: 10.5752/P.2317-773X.2020v8.n1.p125
Recebido em: 07 de setembro de 2019
Aceito em: 09 de dezembro de 2019
A obra Trajetória internacional do Brasil: artigos selecionados (2018),
escrita pelo diplomata brasileiro e docente do Instituto do Rio Branco
Eugênio Vargas Garcia e publicada pela Fundação Alexandre de Gusmão
(FUNAG), apresenta-se como uma compilação de importantes estudos
sobre diversos momentos históricos da política externa do Estado, que foi
possível graças aos diversos trabalhos frutos de pesquisa e investigação
do escritor o qual tem estudado as relações internacionais condicionadas,
principalmente, pelos assuntos história da política externa brasileira, go-
vernança global, paz, segurança, diplomacia.
Eugênio Vargas Garcia tem estado a servo da chancelaria nacional,
a qual possibilitou a esse signicante experiência no campo das relações in-
ternacionais, que redundou na produção de trabalhos intelectuais conheci-
dos no mundo diplomático, cientíco e acadêmico, por exemplo, Conselho
de Segurança das Nações Unidas, Entre Arica e Europa: a política externa bra-
sileira na década de 1920; Cronologia das relações internacionais do Brasil.
O livro é dividido em cinco partes as quais contemplam, em seu
conjunto, um perl cronológico da história da sociedade brasileira em
concomitância ao viés da política externa salvaguardado pelo Brasil, des-
de a chegada da Corte portuguesa em 1808, quando da invasão napoleô-
nica da metrópole lusitana.
Desse modo, nota-se, em geral, que a Parte I intitulada Brasil colô-
nia e império hospeda artigos que versam sobre o contexto diplomático
colonial, pautado pelas orientações políticas de D. João VI, bem como da
Grã-Bretanha na América oitocentista. São artigos que conformam essa
parte Breve panorama do contexto diplomático colonial: das origens a 1808; D.
João VI e a herança lusitana da política externa brasileira; ¿Imperio informal?
La política británica hacia América Latina en el siglo XIX;I have no thought of
returning to Rio”Revendo as notas do Sr. Christie sobre o Brasil.
Nota-se, no primeiro artigo, que o Brasil, no contexto diplomáti-
co colonial, mais sofreu do que interferiu em acontecimentos políticos,
econômicos e sociais, já que a metrópole portuguesa e as vicissitudes da
política externa lusitana conduziam o Brasil. Sua trajetória, nesse sentido,
era de submissão aos interesses reinóis, o que é um aspecto compreen-
sível, em alguma medida, quando se reporta ao pensamento de Cervo,
1. Doutor em Sociologia pela Universi-
dade Federal de Goiás (UFG). É profes-
sor adjunto da Faculdade de Ciências
e Tecnologia na mesma instituição,
Goiânia, Brasil. Temas de pesquisa:
Sociologia, Métodos, Ética e Direitos
Humanos. https://orcid.org/0000-0002-
6511-7926
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 125 - 128
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estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 125 - 128
em História da Política Externa Brasileira, para o qual o país só conduz sua
política com alguma liberdade, após a proclamação da Independência,
mas, mesmo assim, atrelado aos interesses estratégicos e políticos de na-
ções como Estados Unidos, Inglaterra, para não dizer da própria Casa dos
Bragaa, por exemplo.
Nos demais textos que compõe essa parte, observa-se que a polí-
tica externa portuguesa se fazia no Brasil, mas não era brasileira ainda,
portanto os interesses da metrópole e de outras potências eram o lastro
da diplomacia à época. Isso se torna claro, quando se considera o Brasil
sendo palco de -um império informal inglês, muitos mais do que parte
de um império formal lusitano, anal a Inglaterra, uma potência naquele
período, tudo governava nos idos do século XIX, na América Latina. A
Inglaterra, enm, rearmava uma política imperialista, como demonstra
os intentos de Christie no Brasil.
A Parte II designada de República Velha trata de artigos que falam
sobre o panamericanismo na política externa do século XIX até 1961, do
pensamento de Rui Barbosa, Epitáo Pessoa até o ingresso do país na
Sociedade das Nações. Nesse sentido, textos que constituem essa seção
podem ser descritos como El signicado del panamericanismo en la política
exterior de Brasil (18891961); Aspectos da vertente internacional do pensamento
político de Rui Barbosa; Epitácio Pessoa diplomata: de Versalhes ao Catete; An-
gloAmerican rivalry in Brazil: the case of the 1920s; Antirevolutionary diplomacy
in oligarchic Brazil, 19191930; A diplomacia dos armamentos em Santiago: O
Brasil e a Conferência PanAmericana de 1923; O Brasil e o ingresso da Alemanha
na Liga das Nações: a crise de março de 1926.
Em El signicado del panamericanismo en la política exterior de Brasil
(18891961), ro autor ressalta o poder da imagem e das ideologias na política
e na diplomacia. Nesse sentido, o panamericanismo é apresentado como
um grande marco para a diplomacia nacional da Proclamação da Repú-
blica até o ano de 1961. Sentimento comum, destino, resistência ao colo-
nialismo respaldam a concepção pan-americanista. Por m, o período de
1889- 1961 é apontado pelo escritor como momentos em que a concepção
monroísta tornou-se paradigma de política externa, em se tratando da
proximidade nacional com os Estados Unidos.
Os demais trabalhos que conformam essa parte apresentam os prin-
cípios e concepções que balizam a condução diplomática nacional que pri-
ma pelo tradicionalismo político e pela salvaguarda dos interesses do povo.
A obra conta com uma terceira parte chamada de Pós-Segunda
Guerra reete em seus escritos o Brasil na ONU. Nela, o diplomata Eugê-
nio V. Garcia desenvolve as essências política e diplomática nacionais por
meio dos trabalhos De como o Brasil quase se tornou membro permanente do
Conselho de Segurança da ONU em 1945 e O Brasil na Conferência de São Fran-
cisco. Nesse artigo, é discutida a signicância do país para a sociedade in-
ternacional, o que ca mais evidente, por exemplo, quando da criação da
ONU, o Brasil foi cogitado a ter a sexta cadeira do Conselho de Segurança.
Na Parte IV, denominada Defesa e Segurança na Guerra Fria, o intelec-
tual busca aproximar o leitor do pensamento militarista que se estende
do período pós-guerra até o ano de 1989. Os artigos que compõe essa
seção podem ser identicados como O pensamento dos militares em política
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Murilo Chaves Vilarinho Resenha: Trajetória internacional do Brasil: argos selecionados
internacional (19611989), bem como Questões estratégicas e de segurança inter-
nacional: a marca do tempo e a força histórica da mudança.
Em se tratando do primeiro escrito, o autor fala sobre o pensamen-
to diplomático e principalmente militar que recaem sobre a formulação e
condução política externa brasileira. O período recortado pelo intelectual
é o respaldo que as relações internacionais do Brasil terão em relação ao
ideal nacional-desenvolvimentista. Já o artigo segundo resgata a produ-
ção acadêmica-cientíca sobre assuntos como desarmamento, segurança,
política de defesa do Brasil, dentre outros, à luz de periódicos renomados
e tradicionais nos estudos de relações internacionais, fala-se da RBPI-Re-
vista Brasileira de Política Internacional, que ao longo de sua história con-
cedeu espaço para discussões sobre a temática de segurança.
O livro ainda dispõe da Parte V nominada de A ordem internacional
no pós-Guerra Fria, em que se aborda uma nova contextura a política ex-
terna com destaque para espaços e relações políticas entre povos dantes
não evidenciados com primazia pela diplomacia nacional, como é o caso
da inserção do Leste Asiático nos cálculos estratégicos do Brasil àquela
época. Os textos que fazem parte desse arcabouço são O Brasil e o Leste
asiático: apontamentos para uma análise histórica; Regional powers, UN Se-
curity Council membership and the question of representativeness; World order,
values and the UsThem divide.
O primeiro texto citado traz um balanço da política externa nacio-
nal para Ásia, área, segundo o autor, praticamente ausente das discus-
sões acadêmicas. As temáticas especícas, em geral, carecem de pesquisas
substanciais, conforme o apontamento do diplomata. Por meio da pers-
pectiva brasileira, o artigo busca, em alguma medida, introduzir alguns
aspectos de entendimento da ascensão da Ásia na contemporaneidade.
O segundo trabalho faz uma correlação entre representatividade e
regionalismos, em se considerando o estabelecimento da estrutura Con-
selho de Segurança. O terceiro artigo fala sobre a ordem mundial oriunda
de um sistema heterogêneo, questionando se esse sistema evidentemente
proporciona a estabilidade das sociedades.
Trajetória internacional do Brasil, sem dúvida, apresenta-se como
material valioso para o campo das relações internacionais do país, haja
vista que leva ao público interessado na temática (professores, estudan-
tes, pesquisadores) textos ligados à história diplomática nacional e própria
condução política externa estabelecida pela nação, desde que o Brasil foi
elevado à Reino Unido de Portugal e Algarves em 1808.
O escrito de Eugênio Vargas Garcia dispõe de informações notá-
veis que busca contextualizar e proporcionar alguma essência à trajetória
internacional do Brasil, a qual ainda está sendo construída, conforme os
governos vão se sucedendo e imprimindo diferentes matizes de condução
política à diplomacia.
Além disso, verica-se que o conjunto de artigos presentes no livro
não se conectam como um todo, com a nalidade de sustentar alguma
homogeneidade argumentativa que justique a compilação desses em
uma obra. Ao contrário dessa perspectiva, os artigos escritos, em dife-
rentes momentos da história nacional, buscam indicar as nuances da na-
tureza do Estado brasileiro em suas relações internacionais, que tem, em
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estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 125 - 128
alguma medida, sofrido mudanças e comportado díspares identidades,
em face das diretrizes da política internacional, ao longo dos tempos.
Enm, Trajetória internacional do Brasil é livro de suma imporncia
para a intelectualidade acadêmica ou para estudiosos interessados no
assunto, porque não apenas mostra a construção da diplomacia nacional,
desde a chegada da Corte em 1808 até o mundo pós- queda da Cortina
de Ferro, ao final do século XX, mas também consegue argumentar de
modo pragmático qual a natureza e vocação diplomática do país, qual
seja, multifacética e pluridimensional.
Referência
GARCIA, Eugênio Vargas. Trajetória internacional do Brasil: artigos selecionados. Brasília:
FUNAG, 2018. a