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estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 3, (set. 2020), p. 152-173
Da ação à reação: o caso chinês
na consolidação do monopólio de
Elementos de Terras Raras à demanda na
Organização Mundial do Comércio
From action to reaction: the Chinese case in the
consolidation of the Rare Earth Elements monopoly and
the complaint at the World Trade Organization
De la acción a la reacción: el caso chino en la
consolidación del monopolio de elementos de tierras raras
sobre la queja de la Organización Mundial de Comercio
Mércia Cristina Gomes de Araújo
1
Alexandre Cesar Cunha Leite
2
Elia Elisa Cia Alves
3
DOI: 10.5752/P.2317-773X.2020v8.n3.p152
Recebido em: 29 de novembro de 2019
Aceito em: 04 de março de 2020
R
Qual a estratégia da China em mercados de recursos naturais em que tem
grande participação na oferta? A partir de um estudo de caso eminentemente
qualitativo, mas com ferramentais quantitativos, tais como índice de poder
de monopólio do mercado de Elementos de Terras Raras (ETR), mostramos
como a China consolidou-se como monopolista e como reagiu às acusações no
sistema internacional de comércio. Os ETR não são terras e tampouco raras,
mas caracterizam um importante insumo da cadeia produtiva comercial global,
destacando-se, majoritariamente, nos sistemas de controle de mísseis, de defesa
e de comunicação. Anal, qual o interesse da China em obter o controle sobre a
cadeia produtiva desse setor? Como o país alcançou isso e quais instrumentos de
política industrial e comercial foram empregados? Qual a reação dos outros ato-
res nesse mercado? Sugere-se que o objetivo de monopolizar a cadeia produtiva
dos recursos naturais estratégicos de ETR foi em consolidar o poder econômico
chinês. Mostramos como a China ocupou uma posição privilegiada no setor,
galgando a posição de maior exportador destes elementos e forte poder de mo-
nopólio, calculado através de índices de elasticidade-preço da demanda e como
foi seu posicionamento no litígio internacional.
Palavras Chave: China. Elementos de Terras Raras. Poder Econômico.
Monopólio.
1. Bacharelanda em Direito (UFPB),
Mestre em Relações Internacionais
(UEPB), João Pessoa/PB, Brasil.
2. Docente do Programa de Pós-Gradua-
ção em Relações Internacionais da Uni-
versidade Estadual da Paraíba (PPGRI/
UEPB) e do Programa de Pós-Graduação
em Gestão Pública e Cooperação
Internacional da Universidade Federal
da Paraíba (PGPCI/UFPB), João Pessoa/
PB, Brasil. Orcid: orcid.org/0000-0002-
0209-2717.
3. Docente do Programa de Pós-Gradua-
ção em Gestão Pública e Cooperação
Internacional da Universidade Federal
da Paraíba (PGPCI/UFPB), João Pessoa/
PB, Brasil. Orcid: orcid.org/0000-0002-
0434-7656.
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Mércia Crisna Gomes de Araújo, Alexandre Cesar Cunha Leite, Elia Elisa Cia Alves Da ação à reação: o caso chinês na consolidação do monopólio de
Elementos de Terras Raras à demanda na Organização Mundial do Comércio
A
What is Chinese strategy in natural resource markets with a large supply partici-
pation? From an eminently qualitative case study, but with quantitative tools such
as monopoly power index of the Rare Earth Elements (REE) market, we show
how China has consolidated as a monopolist and how it has responded to the ac-
cusations in the international trading system. REEs are neither rare nor land, but
they characterize an important input of the global trade supply chain, standing
out mainly in missile control, defense and communication systems. After all,
what is China’s interest in gaining control over its production chain? How did the
country achieve this and what instruments of industrial and trade policy were
employed? What is the reaction of other actors in this market? It is suggested
that the goal of monopolizing the supply chain of strategic RREs natural resour-
ces was to consolidate Chinese economic power. We show how China occupied
a privileged position in the sector, reaching the position of largest exporter of
these elements and strong monopoly power, calculated through price elasticity
indices of demand and how it was positioned in the international dispute.
Keywords: China. Elements of Rare Earths. Economic Power. Monopoly.
R
¿Cuál es la estrategia de China en los mercados de recursos naturales donde
tiene una gran participación en el suministro? A partir de un estudio de caso
eminentemente cualitativo, pero con herramientas cuantitativas como el índice
de poder de monopolio de mercado de Elementos de tierras raras (ETR), mos-
tramos cómo China se ha consolidado en la posición de monopolio y cómo ha
respondido a las acusaciones en el sistema de comercio internacional Los ETR
no son raros ni terrestres, pero caracterizan un aporte importante de la cadena
de suministro del comercio mundial, destacando principalmente en los sistemas
de control de misiles, defensa y comunicación. Después de todo, ¿cuál es el in-
terés de China en obtener el control de su cadena de producción? ¿Cómo logró
el país esto y qué instrumentos de política industrial y comercial se emplearon?
¿Cuál es la reacción de otros actores en este mercado? Se sugiere que el objetivo
de monopolizar la cadena de suministro de los recursos naturales estratégicos
ETR era consolidar el poder económico chino. Mostramos cómo China ocupó
una posición privilegiada en el sector, alcanzando la posición de mayor expor-
tador de estos elementos y un fuerte poder de monopolio, calculado a través
de los índices de demanda de elasticidad de precios y cómo se posicionó en la
disputa internacional.
Palabras clave: China. Elementos raros de la Tierra. Poder Económico. Mono-
polio.
Introdução
Desde a década de 1970, o campo teórico das Relações Internacio-
nais (RI) tem cedido importante espaço à interdependência e complexi-
dade dos problemas estatais. Ainda assim, em contraste com questões
referentes aos jogos de poder entre os Estados, noções de soberania,
instituições internacionais e relações comerciais, a disputa por recursos
naturais não constitui o foco prioritário da área (FUSER, 2010). Grande
parte da literatura apresenta recursos naturais estratégicos
4
como fator
condicionante à conguração do poder bélico (KLARE, 2000; KREMER,
2012), mesmo quando diante do mesmo objeto desse trabalho (MELO;
HAMANA, 2015).
4. Um recurso natural estratégico é
aquele que “é a chave do funcionamen-
to do sistema capitalista de produção e/
ou para a manutenção da hegemonia re-
gional e mundial” (RAMOS et al., 2010,
p. 32). À medida que uma matéria-prima
passa a ser potencialmente vital para
o desenvolvimento de atividades
econômicas, a sua escassez traz à tona
um componente conflitivo da geopolítica
em função da própria assimetria de sua
dotação (SENHORAS, MOREIRA, VITTE,
2009).
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o obstante, esse trabalho busca desvencilhar-se de uma pers-
pectiva militarizada dos recursos naturais. Do ponto de vista econômi-
co, Oliveira (2010) salienta as alterações do sistema econômico mundial
desde o pós 2ª Guerra Mundial, apontando a disputa pelo controle dos
principais mercados do mundo, dentre os quais destacam-se as maté-
rias-primas. Segundo esse autor, o crescimento econômico de países em
desenvolvimento impulsionou a busca por uma maior projeção política
de coparticipação nos processos decisórios internacionais. Nesse sentido,
Ramos et al. (2018) destacam a maior articulação institucional da China,
especialmente no que tange à busca por consolidar uma agenda de gover-
nança econômica paralela à dirigida pelos países desenvolvidos.
Leite (2011) destaca o dinamismo econômico chinês na esfera do co-
mércio internacional, seja atuando como polo exportador, importador ou
como investidor estrangeiro em grande escala. Alinhando seus interesses
nos ambientes doméstico e internacional, no ano de 1978, sob orientação
de Deng Xiaoping, a China seguiu rumo a uma economia voltada para o
mercado (WALL, 1996; EGLIN, 1997). Consequentemente, a emergência
chinesa alterou as estruturas produtivas globais. Particularmente, no se-
tor pririo, ao criar dimicas que impulsionaram uma grande deman-
da de recursos naturais, a China assumiu o posto de responsável pela alta
dos preços internacionais de commodities, lugar que terminou por estabe-
lecê-la como motor da expansão industrial extrativa em nível mundial
(MORENO, 2015).
Diante disso, o artigo tem por objetivo analisar os recursos natu-
rais estratégicos sob uma perspectiva da Economia Política Internacional
(EPI), buscando compreender os Elementos de Terras Raras (ETR/TR)
5
empregados como um recurso de poder econômico pelo Estado chinês.
Apesar do reducionismo das análises de EPI focarem nas relações entre
Estado e Mercado, conforme aponta Gonçalves (2005), esse é um tema
que perpassa toda a agenda dos estudos da área, seja por uma perspecti-
va mais liberal-institucional (FRIEDEN E LAKE, 2000) ou mais crítica.
Diante desse quadro, busca-se compreender o interesse da China no con-
trole sobre a cadeia produtiva dos ETR, sugerindo-se que, o controle das
reservas, depósitos e do consumo de alto valor adicionado em produção
de tecnologia high tech, confere à China maior poder de barganha, reeti-
do no seu aumento de poder econômico. A China é o país ofertante desse
recurso com maior imporncia no mercado, inuenciando variáveis cha-
ve no funcionamento do mesmo, tais como preço e volume negociado.
Sobre esse tema Wubbeke (2013) bem como Kalantzakos (2018) des-
tacam que os controles de exportação de ETR implementados pela China
não podem ser analisados isoladamente e sugere que a explicação geopolí-
tica, que vê os recursos naturais como instrumentos da política de poder,
só pode ser parcialmente atribuída às políticas chinesas de ETR. Segundo
o autor, é preciso considerar as demandas domésticas emergentes sobre a
dimensão ambiental e de desenvolvimento industrial. Do ponto de vista
metodológico, tal problemática será observada através do estudo do caso
da estratégia de inserção monopolista chinesa nesse mercado, a partir da
restrição da produção, com o ápice através da abertura de um painel na
Organização Mundial do Comércio (OMC) em 2012 (OMC, 2015).
5. Terras raras (TR) ou Elementos de
Terras Raras (ETR) compreendem uma
série de elementos químicos que se
encontram na tabela periódica entre
o Lantânio (La;57) e o Lutécio (Lu;71).
Somados a essa série estão os metais
Escândio (Sc;21) e Ítrio (Y;39). Os ETR
caracterizam-se como um importante
insumo da cadeia produtiva comercial
global, e destacam-se, majoritariamen-
te, nos sistemas de controle de mísseis,
de defesa e de comunicação (ROCIO; da
SILVA; de CARVALHO; CARDOSO, 2013,
LEITE; ARAÚJO, 2015). Além disso, os
ETR são utilizados desde a composição
de imãs, lasers, radares, lentes de
câmeras, motores elétricos de auto-
móveis até nas blindagens de reatores
nucleares e em materiais usados no
refino do petróleo.
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Mércia Crisna Gomes de Araújo, Alexandre Cesar Cunha Leite, Elia Elisa Cia Alves Da ação à reação: o caso chinês na consolidação do monopólio de
Elementos de Terras Raras à demanda na Organização Mundial do Comércio
A pertinência temática somada ao caráter atual do trabalho perpas-
sa inúmeras questões. Primeiramente, conforme já mencionado, grande
parte da produção acadêmica no Brasil sobre ETR é instrumentalizada
pela alise militar-estratégica ou geopolítica (REIS, 2017). Em segundo
lugar, há que se ressaltar que a escalada das disputas comerciais entre
os EUA e a China, desde 2017, revela uma resposta à uma estratégia que
vinha sendo construída pela potência emergente paulatinamente e con-
solidada desde o início dos anos 2000. Finalmente, ainda que não tenha
a mesma ênfase que algumas commodities minerais mais conhecidas, as
ETR têm amplo destaque nos meios relacionados às atividades minerado-
ras de pesquisa, exploração, produção, assim como de comercialização.
Para isso, o artigo está dividido em quatro partes, incluindo essa
seção introdutória. Na seção 2, busca-se situar o debate do ponto de vista
teórico e descrever como o país conseguiu se projetar no setor de ETR
como grande monopolista, posição identicada a partir do cálculo de sa-
liência das relações comerciais. Na seção 3, discute-se o caso de disputa na
OMC, ilustrando como esse espaço foi instrumentalizado pelo país para
consolidar sua estratégia. Finalmente, a seção 4 traz considerações nais.
O mercado de Terras Raras e a ascensão chinesa nos anos 2000
Os ETR foram descobertos em território chinês no nal da década
de 1920, no distrito de Bayan Obo, cidade mineira localizada no oeste da
Mongólia Interior. Até esta data (ou esta descoberta), sua produção era
majoritariamente estadunidense. O interesse chinês em inuir sobre os
ETR era inexistente até meados da década de 1960. Esse cenário foi al-
terado no governo de Deng Xiaoping, particularmente a partir de 1986.
Desde então, a China optou por uma estratégia de longo prazo, envol-
vendo desde o domínio da extração até a produção e rotas de distribuição
(CARDOSO; PAZETTI; SANTOS, 2014).
Nos anos 1980, a China promoveu uma redução de preço para pro-
mover a desmobilização da extração dos insumos no resto do globo. Des-
tarte, países como os EUA e o Japão optaram por não produzir e passa-
ram a importar a matéria-prima da república asiática.
A estratégia chinesa pode ser analisada em três momentos distintos
(LEITE; ARAÚJO, 2015):
(i) Aumento da demanda: ao formar grandes e atrativos estoques
após a queda nos preços dos minerais no nal da década de 1990;
entre os anos 2000 e 2009. Nesse ponto, “a China tornou-se um
mercado atrativo para importação de marias de terras-raras”
6
(ROCIO; da SILVA; de CARVALHO; CARDOSO, 2013);
(ii) Restrição da oferta: após estabelecer planos de redução de quota
de exportação em 2010, entre 2011 e 2013, a China aumentou
a sua quota de produção de 89,20 toneladas métricas em 2010
para cerca de 93,80 toneladas métricas em 2011, um aumento
de cerca de 5%. Além disso, o Estado chinês impôs tarifas de
exportação de 25% sobre determinados produtos, enquanto que
os outros estariam sujeitos a uma tarifa de 15% (LIMA, 2011.
LEITE; ARAÚJO, 2015);
6. Com início em meados de 2003, a
produção no país estruturou-se em
dois grupos, o primeiro compreendendo
as províncias de Mongólia Interior,
de Gansu e de Sichuam, e com uma
produção centrada em minérios
detentores de bastnasita. O segundo
grupo compreendendo as províncias de
Guangdong, Human, Jiangxi e Jiangsu,
com uma produção voltada para argilas
enriquecidas com elementos pesados de
TR (LEITE; ARAÚJO, 2015).
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(iii) Explosão do aumento dos preços dos insumos que, segundo
Serra (2011), multiplicaram-se por 10.
Kay (2009) salienta que o poder econômico tem respaldo no po-
der de monopólio ou no monopsônio, ou seja, na existência de um único
vendedor de um bem ou serviço particular ou na existência de um único
comprador para esse bem. De acordo com Strange (1994), “é impossível
ter poder político sem o poder de compra, para comandar a produção e
mobilizar o capital. E é impossível ter poder econômico sem a sanção da
autoridade política, sem a segurança jurídica e física. Isso só pode ser for-
necido pela autoridade política” (STRANGE, 1994, p. 25).
Essa denição de poder econômico é particularmente importante.
Isso porque, atentando-se para a denição de poder voltada para o con-
trole sobre recursos naturais, existe uma crescente valoração histórica
de sua geopolítica. Na medida em que a abundância de recursos em um
território contrasta com a escassez em outro, dá-se início a uma natureza
iminentemente conitiva. Desse modo, no campo econômico, o poder de
monopólio e o poder de produção distinguem os atores do sistema com
mais ou menos poder frente aos demais.
Entretanto, segundo Nye (2012), a escassez de recursos em um de-
terminado Estado não é indício de baixo poder econômico. Esse autor sa-
lienta que, sem uma parcela signicativa de recursos naturais, no século
XX o Japão alcançou o patamar de segunda maior economia do mundo.
Por outro lado, países favorecidos de petróleo permaneceram fracos por
não conseguirem transformar seu recurso em poder nacional ou riqueza.
Destaca-se que concepção de poder como a capacidade de um ator usar
seus recursos materiais convertendo-os e levando outros atores a fazerem
o que eles não fariam em outra situação tem sido amplamente operacio-
nalizada na política internacional.
A competição em torno do acesso às fontes de recursos valiosos
acompanha a trajetória da humanidade desde a pré-história (KLARE,
2000; YERGIN, 2014). A esse respeito, Gilpin (1981) aponta que o efeito da
lei dos retornos decrescentes, responsável pelo funcionamento ecomi-
co em qualquer sociedade e em qualquer período de tempo, impulsiona a
disputa entre os atores pela posse de recursos valiosos. Observa-se, assim,
que os recursos essenciais e difíceis de substituir, tornam-se sujeitos a cer-
to grau de risco de seu fornecimento. Logo, entende-se que a geopolítica
dos recursos naturais estratégicos está diretamente ligada a cinco fatores
principais: “1. ao valor das commodities no mercado internacional, 2. às
taxas de crescimento dos países que compõem o Sistema Internacional, 3.
à escassez da mercadoria, 4. à sua utilidade e 5. à inelasticidade do bem
(MACHADO, 2012, p. 18).
Collier e Hoeer (2004) “argumentam que a alta volatilidade dos
preços internacionais de commodities faz com que os países importadores
sejam confrontados com choques de preços internos” (LEITE; ARAÚJO,
2015), que impactam a economia doméstica dos Estados e requerem es-
tratégias de gerenciamento adequadas, nem sempre aplicadas. A esse res-
peito, Peters (2004) argumenta que a perspectiva da emergência de coni-
tos relacionados com a escassez de recursos naturais somente despertou
a atenção dos teóricos em 1973, a partir do primeiro choque do petróleo.
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Elementos de Terras Raras à demanda na Organização Mundial do Comércio
Nota-se, portanto, que o controle de um recurso valioso pode se
traduzir em poder. Segundo Strange (1994), o poder estrutural é com-
posto por quatro subestruturas independentes e complementares. Nesse
caso, salienta-se a importância da estrutura de produção para construção
e/ou projeção de um poder econômico sólido. Essa estrutura de produ-
ção refere-se ao índice dos arranjos do Estado que determina os termos
do que deve ser produzido, por quem e para quem. Logo, denir o que,
como e para quem se produz é fundamental para o Estado que almeja
deter poder na economia mundial.
Conforme o gco 1, as reservas de ETR encontram-se dispostas
em diferentes regiões do globo, como nos Estados Unidos (EUA), na Eu-
ropa, no Canadá, na Austlia e, principalmente, em solo chinês, com
39% das reservas globais.
Gráfico 1 - Disponibilidade de Reservas de Elementos de Terras Raras (Em milhões de
toneladas)
Fonte: Elaboração própria com base em USGS (2019). Atualizado de (LEITE; ARAÚJO,
2015).
Apesar de importante, um país pode possuir uma vasta reserva e
optar por não explorá-la, mas importar ETR, considerando altos custos
de produção, transporte e impacto ao meio-ambiente (JHA, 2014). Até a
década de 1980, EUA, Brasil, Índia, Austrália e África do Sul concentra-
vam a atividade de mineração e respondiam por mais de 60% da produ-
ção mundial de ETR. Dentre estes, apenas os EUA possuíam uma cadeia
de suprimentos integrada, ou seja, produziam além dos minérios, óxidos,
imãs e outros produtos com a presença dos elementos. Os demais eram
responsáveis apenas pela exportação dos minérios e seus concentrados de
baixo valor adicionado para a Europa Ocidental e o Japão (MEDEIROS E
TREBAT, 2017). Em 2018, a China respondia pela produção em toneladas
de 120.000, seguida da Austlia com 20.000, EUA com 15.000 e Brasil
com apenas 1.000, conforme pode ser visto no gco 2:
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Gráfico 2 - Produção de ETR em 2018 – Dados em toneladas
Fonte: Elaboração própria com base em USGS (2019).
Até o início da década de 1990, o principal processo de agregação
de valor em óxidos e metais puros era feito em países desenvolvidos, e
com baixa perspectiva de competição internacional (Cornell, 1993). Esse
cenário foi alterado pela China, a partir de seus avanços na capacidade
de processamento e reno dos ETR. Nessa época, a exploração de ETR
tornou-se um setor ocialmente protegido e estratégico na China, com
a proibição total do investimento estrangeiro na mineração dos elemen-
tos no país. Sendo assim, empresas estrangeiras só poderiam investir na
separação, fundição e processamento dos ETR através de joint ventures
com empresas chinesas aprovadas pela Comissão Nacional de Desenvol-
vimento e Reforma (NDRC - sigla em inglês) e pelo Ministério do Co-
mércio (MOFCOM – sigla em inglês) (JEPSON, 2012). Em 2010, a China
já era praticamente monopolista na oferta de ETR, com aproximadamen-
te 90% da produção mundial (LAPIDO-LOUREIRO, 2013; USGS, 2013;
SANTOS, 2014).
Conforme Rocio et al. (2013), a inserção da China no mercado in-
ternacional resultou de uma estratégia de longo prazo sistematizada após
uma queda nos preços dos minerais no nal da década de 1990. Desde
então, a China aumentou sua produção em 450%, saindo de 16.000 tone-
ladas métricas para 73.000 toneladas métricas. Nos anos seguintes, a pro-
dução chinesa ampliou-se gradualmente, chegando a 2010 com 120.000
toneladas métricas (TSE, 2011), embora o consumo chinês tenha perma-
necido relativamente estável no período (TSE, 2011; MASSARI E RUBER-
TI, 2012). Consequentemente, olhando pelo lado da oferta do mercado,
além de se tornar o maior produtor, a China adquiriu o papel de maior
exportador mundial de ETR, conforme o gráco 3.
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Mércia Crisna Gomes de Araújo, Alexandre Cesar Cunha Leite, Elia Elisa Cia Alves Da ação à reação: o caso chinês na consolidação do monopólio de
Elementos de Terras Raras à demanda na Organização Mundial do Comércio
Gráfico 3 - Principais países exportadores em 2017
Fonte: Elaboração própria com base em Observatory of Economic Complexity (2017).
Com a concorrência entre as empresas e os governos locais que
dependiam dos produtores para fornecer emprego e gerar receita para a
economia local, a produção real da China excedeu o objetivo de produ-
ção do governo (CHINA STATE COUNCIL, 2006). Já nos anos 2000, os
produtores chineses e o governo discutiram formas de controlar a produ-
ção e as exportações dos ETR, sob o discurso de conservar os recursos e
proteger o meio ambiente. Nesse sentido, o governo intensicou a regu-
lamentação e decretou o encerramento do funcionamento de minas ile-
gais dispostas em determinadas províncias, de modo que a produção de
ETR permaneceu estável entre 2007 e 2011 (TSE, 2011). Em 2006, a China
passou a instituir uma taxa de licenças para a exportação dos insumos, o
que aumentou em 13% seus preços e reduziu a competitividade dos de-
mais estados (MORRISON; TANG, 2012), conforme a Tabela 1. Em 2009,
a China já possuía grandes estoques (ROCIO et al., 2013).
Tabela 1 - Produção, consumo e cotas de produção e exportação de terras raras na
China, 2001- 2011 (dados em toneladas)
Ano 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Cotas de
Produção
Produção
MIIT 119.500 110.700 89.200 NI
MLR 55.000 NI NI NI NI NI 86.620 87.020 90.180 87.620 89.200 NI
(est.) 73.000 81.000 88.000 92.000 98.000 119.000 133.000 12.000 125.000 129.000 120.000 NI
Consumo (est.) 19.000 20.000 22.000 30.000 34.000 52.000 63.000 73.000 67.700 73.000 77.000 NI
Cotas de
Exportação
Produtores
Domésticos e
Comerciantes*
47.000 45.000 NI 40.000 45.000 48.010 45.000 43.574 34.156 31.310 22512** 14.446***
Joint-ventu-
res estrangei-
ras*
NI NI NI NI NI 17.570 16.070 16.069 15.834 16.845 7746**** NI
* Cotas de exportação em peso bruto de elementos Terras-raras a partir de 2005.
Englobam produtores e comerciantes nacionais e estrangeiros;
** Total da cota de exportação para 22 produtores domésticos e comerciantes;
*** A cota de exportação para 2011 é para a primeira parcela de 31 produtores
domésticos e comerciantes estrangeiros e Joint- ventures estrangeiras;
**** Total de cotas de exportação para produtores; NI: Não informado.
Fonte: Elaboração própria com base em Tse (2011).
160
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Desde 2000, as cotas de produção passaram a ser adotadas. No pe-
ríodo indicado, as cotas maiores referem-se ao biênio 2008-2009. No se-
gundo semestre de 2009, o Ministério Chinês da Indústria e Tecnologia
da Informação (MIIT)
7
informou a exportação de cinco tipos de ETR seria
restringida, até 2014, embora tal ação não havia sido aprovada pelo Con-
selho de Estado Chinês (LEKOVITZ, MUSTAFAGA, 2010; REPORTLIN-
KER, 2016). Como resultado, exportação de ETR caiu de 50.150 tonela-
das, em 2009, para 30.250 toneladas em 2010 (ANDREWS-SPEED, 2012).
Uma nota divulgada em 2011 pelo Wall Street Journal, de Xangai
salientava que:
A China está acumulando reservas estratégicas de metais de terras raras, uma ini-
ciativa que pode dar ao governo chinês um maior poder de inuenciar os preços
e ofertas mundiais de um setor que ele já domina [...]. A China não é a única a
procurar estocar terras raras. Mas o país parece estar à frente dos outros países
[...] (WSJ, 2011).
O Gráco 4 traz a evolução dos países na produção mundial até o
ano de 2013.
Gráfico 4 - Produção de compostos de TR (em toneladas de teor óxido)
Fonte: GEOLOGY.COM (2015).
Humphries (2013) salienta que, como resposta a esse movimento,
entre 2010 e 2011 houve um aumento no preço dos óxidos e metais de TR
decorrente da restrição das exportações chinesas e da falta de capacidade
de outros Estados de produzirem internamente o que antes importavam.
Resultante desse cenário, e afetada pelo controle governamental sobre a
exploração, a produção de ETR diminuiu nos anos seguintes, chegando
em 83.400 toneladas em 2013, com uma queda de aproximadamente 16%
7. Tendo início ainda na década de
1990, o desenvolvimento de planos
de produção para os ETR, que incluem
desde as cotas de produção globais
até as cotas para províncias individuais
era de responsabilidade do Minis-
tério da Terra e Recursos da China
(MLR, sigla em inglês). Até então, era
função dos governos provinciais gerir e
atribuir cotas de produção a empresas
mineradoras individuais. Todavia, uma
quantidade excessiva da produção foi
feita por mineiros que trabalharam sem
licenças, utilizando tecnologia obsoleta
e causando dados ambientais signifi-
cativos (TSE, 2011). Em virtude disso,
em 2008, a responsabilidade sobre os
ETR foi transferida para o Ministério da
Indústria, Informação e Tecnologia do
Estado (MIIT, sigla em inglês) que pas-
sou a emitir uma cota de produção para
o país maior do que a que era então
definida pelo MLR. A alteração na cota
de produção ocasionou uma confusão
entre os produtores dos ETR no final de
2010, isso porque ambos os Ministérios
passaram a estabelecer a mesma cota
de produção de terras raras.
161
Mércia Crisna Gomes de Araújo, Alexandre Cesar Cunha Leite, Elia Elisa Cia Alves Da ação à reação: o caso chinês na consolidação do monopólio de
Elementos de Terras Raras à demanda na Organização Mundial do Comércio
em relação a 2012. Em relatório do Ministério da Economia, Comércio e
Indústria (METI) do Japão nota-se que os preços de alguns ETR aumenta-
ram drasticamente no país após a redução da cota de exportações chine-
sa. O preço do disprósio subiu de US$ 250/kg em abril de 2010 para US $
2.840/kg em julho de 2011, enquanto o preço do neodímio aumentou de
US $ 42/kg em abril de 2010 para US $ 334/kg em julho 2011
8
.
O gráco 5 ilustra as tendências da série histórica de preços, indi-
cando, porém, que após esses picos, os preços caíram no primeiro semes-
tre de 2012 e continuaram a cair no segundo semestre de 2013.
Gráfico 5 - Preços selecionados de óxido de terras raras entre 2009 e 2013. Dados em
U$/Kg
Fonte: Lynas Corporation (2013).
Diante do cenário sobre a trajetória da oferta mundial de ETR, a
alise realizada indica o panorama da demanda de ETR. A gráco 6
elenca os principais países importadores.
Gráfico 6 - Importação bruta de compostos de terras raras da China por país – dados
de 2017
Fonte: Elaboração própria com base em Observatory of Economic Complexity (2017).
Nesse contexto, nota-se que o Japão e os EUA importavam, juntos,
aproximadamente 70% dos compostos de TR chineses
9
. Segundo Gam-
8. A informação sobre o preço rela-
cionado ao ano de 2011 foi retirado
do Relatório CRS R42510 - Regime de
Indústria e Exportação de TR da China:
Economia e Implicações comerciais
para os Estados Unidos, por Wayne M.
Morrison e Rachel Y. Tang. Os preços
referentes ao ano de 2012 e 2013
foram obtidos da Lynas Corp. Relatório
Trimestral, junho de 2013.
9. Conforme Schmid (2019), destaca-se
que desde então, o Japão tem tentado
ativamente garantir seu suprimento
fora da China, a fim de reduzir sua
dependência. Com base em uma
análise da evolução do mercado e das
atividades do Japão nos últimos anos, o
autor sugere algumas lições aprendidas
são aplicadas aos EUA, que atualmente
enfrentam incertezas semelhantes.
162
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 3, (set. 2020), p. 152-173
bogi (2015), os principais destinos dos ETR importados da China pelos
EUA estão direcionados para a produção doméstica estadunidense de ca-
talisadores (60%); aplicações e ligas metargicas (10%); ímãs permanen-
tes (10%); polimento de vidro (10%); e outros (10%). Nesse sentido, é possí-
vel compreender a lógica da estratégia chinesa em investir na capacidade
de processamento, renação e fabricação de produtos nais para atender
a demanda crescente do comércio internacional (HUMPHRIES, 2013).
Após consolidada a estratégia de exportar matéria prima, a China pas-
sou a outra fase na tentativa de agregar valor à sua pauta de exportação
(MELO, 2017). Todos os projetos que envolviam a mineração e fundição
dos ETR, independentemente do tamanho, passaram a exigir a aprova-
ção da Comissão de Desenvolvimento e Planejamento do Estado (SDPC,
sigla em inglês). Como arma Leite et al. (2017) a política externa chinesa
no que concerne à posse e gestão dos ETR apresentou um viés mais prag-
mático. O abastecimento do mercado foi subordinado aos interesses do
desenvolvimento industrial doméstico e a uma posição mais assertiva no
mercado internacional.
De acordo com Coppel (2011), a situação norte-americana consistia
em uma dependência das aquisições de metais derivados de ETR para o
fornecimento de insumos essenciais para sua industria bélica. Com efei-
to, observa-se a situação norte-america agravar-se com sua maior vulne-
rabilidade resultante da dependência da oferta destes insumos, principal-
mente, após o anúncio de restrição às exportações feito pela China. Vale
mencionar, entretanto, que o reexo da ação chinesa não atingia unica-
mente o setor de defesa dos EUA. Assim como no setor industrial chinês,
estes insumos são de extrema importância para os setores industriais de
alta tecnologia, inuenciando países como EUA, Japão, e alguns países da
UE. Logo, não apenas criam vulnerabilidade a países que demanda estes
insumos, como EUA, Japão, paises da UE, como também colocam em
risco o desenvolvimento produtivo do setor de maior valor adicionado
destes países (LEITE; ARAÚJO, 2015).
Para além da demanda externa, há que se considerar a demanda
da própria economia chinesa. O crescimento da China no setor tecnoló-
gico com a utilização dos ETR promoveu o crescimento do país no setor
cientíco e tecnológico, criando novos negócios com implicações impor-
tantes para o aumento da produtividade (IEDI, 2011). A demanda interna
de ETR tem evidenciado que as políticas adotadas obtiveram êxito no
estímulo ao crescimento da produção de alto valor agregado. Ao se lançar
no mercado das TR, a China se expôs a maiores riscos e acentuou alguns
pontos de vulnerabilidades próprias, dentre as quais destaca-se a questão
da poluição ambiental e os altos custos sociais, econômicos e políticos
decorrentes dessa.
Agora, passando para as relações entre oferta e demanda, busca-se
caracterizar o tipo da relação comercial existente entre a China e seus
parceiros comerciais a partir do cálculo de um indicador de interdepen-
dência. De acordo com Keohane e Nye (1989), para mensurar uma relação
de interdependência econômica, o grau de sensibilidade comercial é o
principal meio para quanticar o quanto um determinado ator sofre de
imediato com os custos de uma alteração no comportamento de seu par-
163
Mércia Crisna Gomes de Araújo, Alexandre Cesar Cunha Leite, Elia Elisa Cia Alves Da ação à reação: o caso chinês na consolidação do monopólio de
Elementos de Terras Raras à demanda na Organização Mundial do Comércio
ceiro comercial. No caso dos ETR, a intensidade comercial estabelecida
entre a China e os principais demandantes dos recursos naturais estra-
tégicos pode ser calculada a partir da variação percentual da quantidade
importada de ETR sobre a variação percentual dos preços dos elementos.
Aqui, quanto maior o valor, maior será o grau de sensibilidade na relação.
O cálculo da elasticidade preço da demanda pode corroborar a po-
sição de monopolista de ETR assumida pela China.
Segundo o relatório Research in China (2014), em 2009, a média de
preço de oito elementos de terras raras esteve em volta de US$127,44,
e nesse período a China foi responsável pela exportação de aproxima-
damente 50.150 toneladas métricas. Já no ano seguinte, em 2010, a mé-
dia de preços aumentou 47%, chegando a US$188,13 e a exportação caiu
cerca de 39,68%, chegando a 30.250 toneladas métricas. Nesse período, a
elasticidade preço da demanda, tem-se que entre 2009 e 2010, a demanda
mundial correspondeu a |-0,83|, sendo, portanto, inelástica, ou seja, o
mercado consumidor não tinha tantas alternativas para responder com
redução na demanda proporcional ao aumento de preço.
O caso do Japão é ilustrativo. Em valores estimados pelo Observatory
of Economic Complexity (OEC), o governo japonês pagou por sua importa-
ção de ETR U$65,1 milhões, em 2009 e S$148 milhões em 2010, ao passo
que o volume de suas importações só aumentou 1%, conforme o gráco
7. No caso dos EUA, em 2009 pagaram U$3,72 milhões à China por 72%
dos ETR que importaram. Em 2010, um aumento de mais de 250% no
valor de importações (de US$3,72 milhões para US$13,3 milhões), corres-
pondente a, apenas, 17% de aumento na quantidade percentual importa-
da (72% para 84%). No tocante ao bloco europeu, dados sobre os valores
pagos pelas importações de ETR não se encontram disponíveis no OEC
(2016). Todavia, estima-se que a quantidade importada dos elementos chi-
neses pelo bloco, em 2009, correspondeu a cerca de 80%, enquanto em
2010, a quantidade importada pelo bloco aumentou para 87,1%.
Ainda de acordo com o Research in China (2014), nos anos seguintes,
entre 2010 e 2011, o preço dos ETR no comércio internacional disparou,
chegando a US$ 921,01 em junho de 2011, um aumento de 92,10% em
relação ao ano anterior. O relatório salienta que a quantidade estimada
para exportação chinesa em 2011 se assemelhava ao ano anterior, repre-
sentando cerca de 30.260 toneladas métricas, considerando que, em 2011,
pela primeira vez seriam incluídas as ligas de ferro na cota de exportação.
Paralelo a esse cenário, houve uma redução de 50% na quantidade
exportada em relação a 2010, chegando a 15.000 toneladas métricas. A
explosão dos preços dos insumos foi resultado do aumento da demanda
mundial e das restrições à exportação adotadas pelo governo chinês. Nes-
se caso, a elasticidade-preço da demanda mundial correspondeu a |-0,12|,
altamente inelástica. De acordo com o OEC (2016), o governo japonês
pagou aproximadamente $573 milhões pelas importações de ETR da Chi-
na, enquanto a quantidade importada foi reduzida de 81% em 2010 para
78% em 2011. Com os EUA a situação não foi muito diferente. Pagando
164
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 3, (set. 2020), p. 152-173
em 2011 aproximadamente $50,6 milhões, os norte-americanos viram a
quantidade importada diminuir de 84% em 2010 para 75% em 2011.
Por seu turno, os europeus também sentiram o peso da redução
da cota de exportações da China, em dados do OEC (2016) a quantidade
importada pelo bloco correspondeu a 46%, uma diferença de aproxima-
damente 40% em relação ao ano anterior. Entre 2011 e 2012, houve um
relaxamento nas medidas restritivas à exportação. O ano de 2012 come-
çou com os preços dos ETR estabilizados em 531,92 US$, uma redução
de 38,91% em relação ao ano anterior. Já a quantidade exportada para
o globo correspondeu a aproximadamente 16.300 toneladas métricas no
mesmo ano. Nesse cenário, os cálculos realizados apontam uma deman-
da inelástica ainda pouco sensível à variação dos preços. Em números
exatos, essa demanda mundial correspondeu a |-0,20| (RESEARCH IN
CHINA, 2014).
Em 2012, o Japão pagou pelas importações de ETR menos da me-
tade do valor pago em 2011. Em valores exatos os japoneses importaram
76% de seus elementos oriundos da China pelo preço de $235 milhões,
enquanto que os norte-americanos importaram 84% dos elementos pelo
valor de $18,1 milhões. Já os europeus continuaram diversicando as fon-
tes de exportação dos ETR, reduzindo, consequentemente, a quantidade
importada da China para apenas 18,7% em 2012 (RESEARCH IN CHI-
NA, 2014).
Por m, os últimos dados disponibilizados pelo relatório em ques-
tão se referem ao ano de 2013 quando houve uma queda de 14,02% nos
preços dos ETR em relação ao ano anterior, chegando a 391,7 US$. Por
seu turno, a quantidade exportada pela China teve um aumento consi-
derável em relação a 2012, chegando a 22.500 toneladas métricas. Nesse
cenário, a demanda continuou apresentando sinais de inelasticidade, cor-
respondendo a |-0,001|, ou seja, a variação no preço não afetou em quase
nada a quantidade demandada nesse período (OEC, 2016; RESEARCH IN
CHINA, 2014).
O Japão seguiu o exemplo europeu e pagou menos pelas impor-
tações dos ETR oriundos da China, chegando a aproximadamente $106
milhões, enquanto a quantidade importada pelo país também foi reduzi-
da para 51%. Os EUA não caram ats na busca pela diversicação das
exportações dos minérios estratégicos. Em 2013 os norte-americanos pa-
garam cerca de $5,06 milhões pelas importações, enquanto a quantidade
importada correspondeu a apenas 44%. Não obstante, nesse último ce-
rio os europeus voltaram a aumentar a cota de importações dos ETR,
chegando a 21,1%, um aumento de 2,4% em relação ao ano anterior (RE-
SEARCH IN CHINA, 2014).
O gráco 7 ilustra a evolução dos valor e quantidade de importa-
ções de ETR chinês pelo Japão e EUA e a tabela 2 traz os cálculos dos
índices de elasticidade-preço de Japão e EUA, indicando a vulnerabilidade
desses países mediante os aumentos de preço.
165
Mércia Crisna Gomes de Araújo, Alexandre Cesar Cunha Leite, Elia Elisa Cia Alves Da ação à reação: o caso chinês na consolidação do monopólio de
Elementos de Terras Raras à demanda na Organização Mundial do Comércio
Tabela 2 - Cálculo do Indicador Elasticidade-preço demanda
Ano 2009 2010 2011 2012 2013
Valor Importações da China (em milhões de dólares) 65,1 148 573 235 106
Japão Volume percentual de suas importações provenientes da China (em %) 80 81 78 76 51
Elasticidade-preço da demanda - 0,008 -0,010 0,034 0,455
Valor Importações da China (em milhões de dólares) 3,72 13,3 50,6 18,1 5,6
EUA Volume percentual de suas importações provenientes da China (em %) 72 84 75 84 44
Elasticidade-preço da demanda - 0,047 -0,032 -0,140 0,579
Fonte: Elaboração própria.
Gráfico 7- Evolução de valor de importações preço da demanda dos ETR entre 2009 e
2014
Fonte: Elaboração própria.
Da ação à reação: o caso das ETR na OMC
Com o monopólio de muitos minérios estratégicos, a China passou
a ser vista como uma eminente ameaça comercial a muitos outros paí-
ses, desenvolvidos ou em desenvolvimento. O poder de barganha logrado
pela China ao possuir o controle dos recursos estratégicos tornou-se alvo
de discussões e de um painel no Órgão de Solução de Controvérsias (OSC)
da Organização Mundial do Comércio (OMC). A dimica dos preços dos
insumos, particularmente daqueles cuja demanda tende a ser constante,
associada à política de controle e restriçõs praticada pela China, fez com
que o ex-presidente norte-americano, Barack Obama, declarasse, em um
discurso ocial em meados de 2014, que os produtores chineses estariam
obtendo vantagens competitivas no mercado internacional. Este se daria
por meio da utilização da criação de poder de monopólio de insumos e
166
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 3, (set. 2020), p. 152-173
pelo uso de uma política de competição injusta, trazendo perdas ao setor
produtivo norte-americano. Ainda segundo Barack Obama (SANTOS,
2014), que não cita o termo poder de monopólio, estaria ocorrendo con-
centração dos ganhos por parte da China em detrimento de setores pro-
dutivos norte-americanos (LEITE; ARAÚJO, 2015).
Além do Estados Unidos, intensicaram-se as pressões de países
como o Japão contra a restrição voluntária às exportações dos elemen-
tos de terras raras. Nessa conjuntura de renascimento do protecionismo
seletivo chinês, destacam-se medidas de caráter excepcional e discrimi-
natório previstas na adesão da China à OMC (2001), a exemplo da possibi-
lidade de aplicar salvaguardas especiais contra as exportações, ou prorro-
gar a não aplicação da economia de mercado em processos antidumping
10
.
Considera-se, de fato, que a política praticada pela China é semelhante
a outros casos históricos de potências emergentes na proteção de suas
atividades nacionais.
Mesmo assim, o tema das ETR foi levado à OMC. A acusação feita à
China no âmbito da OMC “é que o país tem tentado manter a condição de
dependência e carência dos elementos nos países que precisam dele para
manter e dar continuidade a seus parques industriais” (LEITE; ARAÚJO,
2015). Segundo França (2012), e como já ressaltado acima, para os EUA
estes metais são recursos críticos para setores industriais estratégicos:
o setor de alta tecnologia e a industria de defesa. Portanto, a preocupa-
ção derivada da restrição à compra destes insumos torna-se mais agu-
da quando se observa a cadeia de produção dependente destes insumos.
Além disso, de acordo com a European Commission (2011), diferente do que
ocorre com matérias-primas que são comercializadas na bolsa de valores
de Londres, os ETR não são comercializados dessa forma, o que torna a
negociação do bloco europeu com o principal ofertante das commodities
menos transparente.
A China apresentou à época uma contestação à demanda encabeça-
da por EUA, Japão e países da UE. Seu argumento foi fundamentado em
uma política ambiental e na proteção de seus recursos naturais. Usou-se
na construção da contra-argumentação que a China buscava migrar para
um modelo de desenvolvimento sustentável, logo sua política de restrição
às exportações de ETR estaria associado a uma guinada para um desen-
volvimento “limpo”. Conforme consta no documento de 2012 (CHINA,
2012), não houve “má fé” por parte da China e de seus representantes po-
líticos, notadamente seu Primeiro Ministro, e qualquer medida tomada
possuía a “intenção de proteger as indústrias domésticas em detrimento
dos seus compromissos com comércio exterior” (LEITE; ARAÚJO, 2015).
A abordagem utilizada por Beijing para a regulamentação interna-
cional dos recursos estratégicos de TR deve ser entendida no contexto da
experiência da China no direito internacional, uma vez que intuindo pro-
teger seus recursos, ao mesmo tempo em que desenvolvia internamente
sua indústria, a China estabeleceu mediante um documento que entrou
em vigor em 1º de agosto de 2002 que o estabelecimento de empresas
estrangeiras para mineração dos insumos seria proibido.
Hurst (2010) sustentava que o objetivo da política implementada
pela China consistia em expandir, integrar e desenvolver a industria do-
10. Medidas antidumping têm como
objetivo neutralizar os efeitos danosos
à indústria nacional causados por
determinadas importações, por meio de
alíquotas específicas.
167
Mércia Crisna Gomes de Araújo, Alexandre Cesar Cunha Leite, Elia Elisa Cia Alves Da ação à reação: o caso chinês na consolidação do monopólio de
Elementos de Terras Raras à demanda na Organização Mundial do Comércio
méstica que possuía como insumo os ETR. A tendência, mantida esta
meta era, além de exercer controle da oferta de insumo e da produção de
mercadorias de alto valor adicionado, mas também gerar um mecanis-
mo de inserção internacional na industria dos insumos e de mercadorias
produzidas com base na sua farta disponibilidade destes recursos. Assim,
torna-se possível para a China atrair investidores externos para construir
fábricas no país. Estas já no perl “desenvolvido” de industria, contro-
lando parte signicante do processo produtivo e gerando mercadoria de
melhor condições no mercado internacional e para o desenvolvimento
produtivo chinês. A estratégia de atração de investidores estrageiros para
a produção de derivados dos ETR foi direcionada para três setores: pro-
cessamento intensivo, novos materiais e produtos aplicados (GERALDO,
2012. LEITE;ARAÚJO, 2015).
Desse modo, o que se inicia como um planejameto de desenvolvi-
mento doméstico de um setor industrial sustentado na abundância de um
tipo especíco de recurso natural (ETR) resultou na criação e desenvolvi-
mento de uma complexa e integrada cadeia produtiva de desdobramentos
que inuenciaram o mercado internacional. A China passou então a con-
trolar as exportações de terras raras. Em meados de 2011 observou-se uma
redução mais acentuada das exportações, estratégia iniciada no ano de
2005. A redução na cota de exportações desde meados de 2005, indica uma
estratégia de barreiras à exportação visando, de acordo com a narrativa
adotada pelo Estado” (LEITE; ARAÚJO, 2015), “à garantia de suprimento
estável, ainda que a um alto custo relativo de produção” (LIMA, 2011).
Santos (2014) ressalva que o controle dos insumos de ETR pelo go-
verno chinês tende a gerar implicações de ordem econômica, política e de
segurança, tomando simultaneamente os ambientes doméstico e interna-
cional. Santos (2014) corroborando o entendimento dos autores deste arti-
go, ressalta a importância dos insumos derivados de ETR para imeros
projetos de defesa e segurança nacional. Isso seria uma política estratégica
de projeção de poder, não uma questão apenas de cunho comercial. A es-
tratégia deu-se com o “pressuposto de que a China não era só responsável
pela concentração de reservas de terras raras, mas também detém total
domínio do processo de manufaturamento, com importantes repercus-
sões para a indústria bélica” (LEITE; ARAÚJO, 2015; ROBINSON, 2011).
Consequencia da postura adotada pela China é a oscilação de preços
provocada pela alteração na cota de exportação para os países consumidores
dos insumos. Dada a estratégia adotada pela China, observa-se o aumento
da dependência e carência dos países, especialmente os desenvolvidos, e
seus centros industriais da importação dos recursos (insumos) essenciais
para manutenção de suas indústrias militares e dos setores de produtos -
nais de alta tecnologia (base do desenvolvimento destas economias). Logo
observou-se mudanças expressivas na conguração das agendas nacionais
de países que não possuem reservas ou possuem reservas não exploradas.
Este processo teve como resultado as reclamações destes países
junto à OMC via OSC (OMC, 2015).
Em março de 2012 foi proposta uma disputa na OMC contra a China.
Os demandantes alegaram que a China descumpriu os artigos VII, VIII, X
e XI do GATT 1994, além dos parágrafos 2(A)2, 2(C)1, 5.1, 5.2, 7.2, 8.2 e 11.3
168
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 3, (set. 2020), p. 152-173
da Parte I do Protocolo de Acesso da China à OMC, bem como das obriga-
ções rmadas no parágrafo 1.2, Parte I do mesmo Protocolo (REIS, 2017).
Segundo relatório (OMC, 2015), o litígio proposto por EUA, União
Europeia e Japão contra a China dizia respeito as restrições impostas pela
última à exportação de ETR. De acordo com os demandantes, o objetivo
da China ao reduzir signicantemente a cota exportada dos elementos
nada mais era do que privilegiar o fornecimento exclusivo dos insumos
para suas próprias indústrias, de modo que essas poderiam usar tal vanta-
gem para produzir bens tecnológicos, angariando, por conseguinte, uma
maior competitividade no mercado internacional dos elementos. A China
se defendia com o argumento de que as restrições eram necessárias para
conservar seus recursos não-renováveis, e reduzir os efeitos colaterais
causados pela exploração dos elementos em seu solo (OMC, 2015).
As conclusões do painel, em 2014 podem ser traduzidas da seguinte
forma:
(i)Deveres de Exportação: Sob seu Protocolo de Adesão à OMC China
tem o direito de aplicar direitos de exportação para apenas os 84 pro-
dutos listados em um anexo ao protocolo. Estes materiais não estavam
nessa lista. Por isso a China não pode invocar o artigo XX do GATT
(Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio) para estes materiais sob quais-
quer condições;
(ii)Quotas de Exportação: Quotas de exportação da China não podem ser
justicadas sob o Artigo XI: 2 (a) do GATT como sendo aplicadas tem-
porariamente para aliviar uma escassez crítica de produtos alimentares
ou outros produtos essenciais. Nem poderiam ser justicadas as quotas
nos termos dos artigos XX (b) ou XX (g), que se referem, respectivamen-
te, para a necessidade de “proteger humana, animal ou vegetal vida ou
a saúde” e à “conservação dos recursos naturais não renováveis, se tais
medidas são feitas aplicadas juntamente com restrições à produção ou
consumo interno” (ANDREWS-SPEED, 2012, p. 1, tradução nossa).
Em 2015, um novo relatório foi emitido sobre a situação dos ETR
no mundo. A atualização desse relatório salientava o texto introdutório
do artigo XX advertindo que medidas restritivas no comércio internacio-
nal não devem constituir “um meio de discriminação arbitrária ou injus-
ticável entre países” (OMC, 2015). Logo, os argumentos apresentados
pela maior ofertante e réu do painel, a China, foram refutados pela OMC
e a tríade encerrou o painel como vencedora da lide.
Todavia, reforçando sua preponderância no setor, a China conti-
nuou buscando ultrapassar com sucesso os países mais avançados da in-
dústria das commodities estratégicas (MANCHERI, 2014). Como salienta
Melo (2017, p. 236), a derrota chinesa no painel da OMC e o redução das
restrições às exportações impostas pela China impactaram na redução
dos preços após seu período de pico (2011). Contudo, não se espera que
este preço caia mais vistoa tendência mundial de elevação do consumo
destes insumos. O cenário ca mais incerto quando se insere na equação
de alise a guerra comercial entre EUA e China, intensicada em 2019.
Naturalmente, a postura chinesa produziu uma série de efeitos co-
laterais. Após anunciar e aplicar as restrições sobre a cota de exportação,
a China despertou a desconança de seus principais demandantes de ma-
térias-primas. Até que ponto ainda era conável manter-se dependente
das importações chinesas?
169
Mércia Crisna Gomes de Araújo, Alexandre Cesar Cunha Leite, Elia Elisa Cia Alves Da ação à reação: o caso chinês na consolidação do monopólio de
Elementos de Terras Raras à demanda na Organização Mundial do Comércio
Sobre esse questionamento, não se pode negar que a derrota da
China no painel da OMC sobre os ETR gerou sérias discussões sobre te-
mas importantes, como soberania e independência dos países membros
da organização no tocante ao uso de seus recursos naturais. Ademais,
essa resposta tornou-se ainda mais clara a partir da própria reação do co-
mércio internacional, quando os atores, antes dependentes integralmente
das exportações chinesas, passaram a diversicar suas fontes. Logo, além
de inédito no comércio internacional dos ETR, esse processo de readap-
tação pode ser observado também por uma ótica estratégica para as rela-
ções internacionais.
Por seu turno, ainda em dezembro de 2014, China e EUA chegaram
a um acordo sobre o caso dos ETR, com a primeira se comprometendo
a reformar sua política para o setor até maio de 2015. Essa mudança de
posicionamento adotada pela China representou um passo na direção do
encerramento do conito. Ainda assim, à época, analistas salientaram
que, apesar da mudança acordada entre ambos os Estados, a China iria
seguir exercendo um intenso controle sobre o mercado dos metais estra-
tégicos, administrando-o conforme seus interesses.
Curiosamente, apesar de ter se comprometido a encerrar as restri-
ções até maio de 2015, em janeiro de 2015 a China conrmou a eliminação
das restrições à exportação dos 17 elementos estratégicos. Essa medida foi
anunciada após uma disputa que durou dois anos na OMC. Consequente-
mente, embora a China continue mantendo seu controle sobre o mercado
dessas commodities, o Estado se comprometeu a não limitar o volume
das exportações (LEITE; ARAÚJO; PAUTASSO, 2017).
Contudo, após a disputa na OMC houve o orescimento de um ro-
busto mercado clandestino dos ETR. De fato, é provel que as restrições
chinesas tenham contribuído para tal cenário. Todavia, desde meados de
2014, por meio de medidas anunciadas pelo governo, a China já demons-
trava a intenção de aumentar seu controle sobre o mercado através de
uma maior concentração no setor. Era incerto, entretanto, qual seria o
impacto dessa política chinesa sobre o mercado das commodities e sobre o
conjunto de reações da política internacional nos anos seguintes.
Com as retaliações por parte dos países demandantes do painel da
OMC, e de teor igualmente crítico, a China, ao distanciar-se do cenário
analisando-o de forma estratégica, aprimorou a ideia de, quando necessá-
rio, mudar suas jogadas no tabuleiro geopolítico, adequando-se ao cená-
rio imposto. A partir de uma releitura de um cenário que se encontra em
constante mutação, a China concebeu e implementou ao longo do recorte
temporal e para além dele, um plano estratégico que tem levado o país a
controlar o atual mercado mundial de minérios estratégicos de terras ra-
ras, embora, conforme Schimd (2019) mostre, seus maiores importadores
tem buscado desenvolver alternativas ao fornecimento chinês.
Considerões Finais
O caso das ETR é emblemático na estratégia chinesa em traduzir
sua ascensão econômica em geopolítica, ancorada em sua política indus-
trial e comercial. Embora a China esteja consolidada como o país que
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mais ampliou o grau de atração de investimentos diretos estrangeiros,
desde os anos 1990, o investimento agregado no país no setor de explora-
ção e reno das commodities ainda é maciçamente doméstico.
A utilização dos ETR como instrumento de poder econômico da
China pode ser justicada com base em três posicionamentos do próprio
Estado, quais sejam: 1. Sua preocupação pertinente com o meio ambien-
te, justicada pelos altos índices de poluição e de enfermidades acometi-
das decorrentes dessa; 2. O viés econômico oriundo da comercialização
dos elementos em sua forma nal, como produtos altamente tecnológicos
– a China deixaria de ser exportador primário, e passaria a comercializar
produtos com porcentagens dos elementos em seu molde nal, e; 3. O
viés político resultante desse protecionismo, variável importante no que
diz respeito ao poder de barganha oriundo da monopolização dos ETR e
o uso dos mesmos como moeda de troca. Em suma, deter o monopólio e
a produção dos ETR mostrou-se como o melhor procedimento a ser ado-
tado para exercer poder promovendo uma inuência real sobre o com-
portamento dos demais Estados que dependem das exportações chinesas
dos metais estratégicos.
Essa visão longínqua tem produzido resultados para a indústria
chinesa. Todavia, o maior desao a ser enfrentado hoje pela China ainda
é conseguir penetrar nos mercados mais sosticados de eletrônicos, ener-
gia verde, defesa e outros setores estratégicos. Observa-se que em alguns
casos isso já aconteceu mediante o progresso alcançado nos setores de
computação e no mercado de energia eólica, onde o controle chinês sobre
o fornecimento de TR tem oferecido vantagens corporativas.Destarte,
outros progressos ainda dependem da tendência tecnológica chinesa, e, o
mais importante, de como o resto do mundo lidará com essa tendência.
Até porque, assim como o Estado chinês tem buscado aproveitar sua base
de matérias-primas de terras raras para promover o avanço técnico em
setores estratégicos, os países dependentes de terras raras têm buscando
fontes não-chinesas e investindo em tecnologias menos dependentes de
terras raras. Após o ancio das restrições, o Japão, por exemplo, passou
a dedicar um enorme esforço para abrir novas fontes de fornecimento
contra a contingência chinesa (SCHIMID, 2019).
O resultado desse cenário é que com as retaliações por parte dos
países demandantes do painel da OMC, e de teor igualmente crítico, a
China distanciou-se do cenário, analisando-o de forma estratégica. A par-
tir de uma releitura de um cenário que se encontra em constante mu-
tação, a China concebeu e implementou um plano estratégico que tem
levado o país a controlar o atual mercado mundial de minérios estraté-
gicos de terras raras e continuar estável em seu posto de monopolista na
exportação dos elementos.
Curiosamente, embora o quadro ambiental chinês aponte para uma
reversão do modelo de desenvolvimento, a China tem buscado avançar
na superação das contradições ambientais que as circundam. Entretanto,
nessa perspectiva a dimica do desenvolvimento e a imprevisibilidade
do progresso tecnológico com vistas à inversão de habilidades recomen-
dam certa cautela no desenho de um cenário ambiental sombrio para os
próximos anos.
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Elementos de Terras Raras à demanda na Organização Mundial do Comércio
Destaca-se, assim, que a China perseguiu uma estratégia clássica
de desenvolvimento pioneira de outras grandes potências industriais, não
tem se limitando a exportações de recursos naturais, visando ampliar seu
poder econômico e geopolítico, buscando obter vantagens competitivas
em indústrias de alto valor agregado. Nesse cenário, as divergências com
outras potências têm sido habilmente manobradas, uma vez que o Estado
vem arquitetando estratégias de adaptação às transformações geopolíti-
cas inerentes a conjuntura apresentada – na qual se inclui um investimen-
to considerável por parte de outros Estados que possuem reservas de ETR
em sua exploração e comercialização, ainda que essa medida demande
um planejamento de longo prazo por parte destes.
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