estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 9, n. 2, (jul. 2021), p. 114-131
Formação e reforma do sistema monetário
internacional: aspectos teóricos e o caso
dos acordos de Bretton Woods
Formation and reform of the international monetary
system: theoretical aspects and the case of the Bretton
Woods Agreement.
Formación y reforma del sistema monetario internacional:
aspectos téoricos y el caso de los Acuerdos de Bretton
Woods.
1. Doutor em economia pela Universi-
Adriano Vilela Sampaio1
dade Estadual de Campinas. Professor
da Universidade Federal Fluminense:
Niterói, RJ, Brasil. ORCID: https://orcid.
org/0000-0002-1866-4118. Contato:
DOI: 10.5752/P.2317-773X.2021v9.n2.p114
adrianovs@id.uff.br.
Recebido em: 12 de dezembro de 2019
Aceito em: 20 de setembro de 2020
Resumo
O artigo tem como foco a formação e transição do sistema monetário inter-
nacional (SMI) e tem como principal objetivo analisar, a partir da perspectiva
neogramsciana, os fatores que permitiram a ampla reformulação do SMI nos
Acordos de Bretton Woods. Buscou-se na Economia Política Internacional (EPI)
um arcabouço teórico que permitisse entender a formação e estabilidade do
SMI a partir de uma análise integrada entre economia e política. De acordo com
a abordagem neogramsciana, mudanças no equilíbrio de poder não necessaria-
mente implicam mudanças nos regimes internacionais, pois o estabelecimento
de uma hegemonia internacional se faz necessário. Argumenta-se que o sucesso
dos Acordos de Bretton Woods em promover uma profunda mudança no SMI
não se deveu somente à excepcionalidade do momento pós-guerra e à lideran-
ça dos Estados Unidos (EUA), mas também ao processo de mudanças sociais,
políticas e econômicas que tomou forma nas décadas anteriores e culminou em
uma nova hegemonia internacional. É defendido também que embora a crise
de 2008 tenha gerado um momento propício a mudanças e que tenha havido
reformas em elementos importantes do SMI, mudanças profundas no sistema só
viriam com uma transição hegemônica, algo ainda fora de perspectiva.
Palavras-chave: Sistema monetário internacional. Hegemonia. Bretton Woods.
Países emergentes. Economia Política Internacional.
Abstract
This paper focus on the formation and transition of the international monetary
system (IMS) and its main objective is to analyze, based on the neogramscian
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Adriano Vilela Sampaio Formação e reforma do sistema monetário internacional: aspectos teóricos e o caso dos acordos de Breton Woods
approach the factors that allowed the broad reformulation of the IMS in the
Bretton Woods Accords. The International Political Economy (IPE) provides a
theoretical framework that helps to understand the formation and stability of
the IMS from an integrated analysis between economics and politics. According
to the neogramscian approach, changes in the balance of power do not neces-
sarily imply changes in international regimes, since the establishment of an
international hegemony is necessary. It is argued that the success of the Bretton
Woods Accords in promoting profound change in the IMS was due not only to
the postwar momentum and US leadership, but also to the process of social, po-
litical and economic change that took shape in previous decades and culminated
in a new international hegemony. It is also argued that although the 2008 crisis
generated a momentum to change and that there were reforms in important
elements of the IMS, profound changes in the system would only arrive with a
hegemonic transition, something still out of sight.
Keywords: International monetary system. Hegemony. Bretton Woods. Emer-
ging countries. International political economy.
Resumen
El artículo se centra en la formación y transición del sistema monetario interna-
cional (SMI) y su objetivo principal es investigar los factores que permitieron la
amplia revisión del SMI en los Acuerdos de Bretton Woods. Se buscó en la Eco-
nomía Política Internacional (EPI) un marco teórico que permitiera comprender
la formación y la estabilidad del SMI a partir de un análisis integrado entre eco-
nomía y política. Según el enfoque neogramsciano, los cambios en el equilibrio
de poder no implican necesariamente cambios en los regímenes internacionales,
porque es necesario el establecimiento de una hegemonía internacional. Se
argumenta que el éxito de los Acuerdos de Bretton Woods en lograr un cambio
profundo en el SMI se debió no solo al impulso de la posguerra y al liderazgo de
los EE. UU., sino también al proceso de cambio social, político y económico que
tomó forma en decenios anteriores y culminó en una nueva hegemonía inter-
nacional. También se argumenta que si bien la crisis de 2008 generó un impulso
para el cambio y que hubo reformas en elementos clave del SMI, los cambios
profundos en el sistema solo vendrían con una transición hegemónica, algo aún
fuera de perspectiva.
Palabras clave: Sistema monetario internacional. Hegemonía. Bretton Woods.
Países emergentes. Economia politica internacional.
Introdução
Crises econômicas tendem a ser momentos em que se acirram os
questionamentos acerca do funcionamento das estruturas vigentes, abrin-
do espaço para mudanças - radicais ou incrementais. Após a crise finan-
ceira global de 2008, por exemplo, muito foi dito sobre a necessidade de se
reformar o sistema monetário internacional (SMI). Outra questão que ga-
nhou força foi o papel que os chamados países emergentes podem ter na
economia mundial nas próximas décadas e o maior espaço que deveria ser
dado a eles nas decisões relativas às questões econômicas internacionais.
Sobre o primeiro aspecto, os Acordos de Bretton Woods são sem-
pre lembrados como exemplo de cooperação e vontade política para mu-
danças. O trecho a seguir do discurso do então presidente francês Ni-
colas Sarkozy no Fórum Econômico Mundial em Davos em janeiro de
2010 ilustra bem esse sentimento: “A prosperidade do pós-guerra se deve
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em grande parte aos acordos de Bretton Woods, suas regras e institui-
ções. É exatamente isso que precisamos hoje; precisamos de um novo
Bretton Woods2. No entanto, o sucesso das reuniões de Bretton Woods
2. “The prosperity of the post-war era
owed a great deal to Bretton Woods,
foi resultado não somente de um momento oportuno em que mudanças
to its rules and its institutions. That is
profundas teriam mais aceitação. À época das reuniões que levaram aos
exactly what we need today; we need
a new Bretton Woods”. Disponível em:
Acordos, havia grande aceitação em torno de políticas como taxas fixas de
https://www.europeanbusinessreview.
câmbio e o uso de controles de capitais.
eu/page.asp?pid=702. Acesso em
02/12/2019.
Em relação ao papel dos países emergentes é necessária uma aná-
lise que vá além de identificar o peso que algumas dessas economias ou
o grupo como um todo poderá ter na economia global. É necessário o
entendimento de como um maior peso econômico pode se traduzir em
poder efetivo nas questões internacionais (via instituições, acordos, fó-
runs, etc) e, principalmente, de que tipo de sistema internacional eles es-
tão buscando. Buscou-se na Economia Política Internacional (EPI) uma
abordagem que permitisse o entendimento de como a emergência de no-
vos atores está relacionada às mudanças nos sistemas econômicos inter-
nacionais (SEI).
Mudanças profundas no SMI só ocorrem se houver uma coerên-
cia mínima em torno dos elementos que o compõe. Diferentes Estados
e grupos de interesse buscarão consensos em torno dos elementos que
consideram serem os melhores aos seus interesses e de grupos aliados e
subordinados. Como afirma (WARNAAR, 2012), na esfera internacional
a mudança pode ser encontrada onde grupos de Estados achem ou criem
espaços para desafiar o modo pelo qual as relações internacionais são or-
ganizadas, seja pelo enfraquecimento do sistema vigente, seja pela criação
de uma alternativa contra hegemônica. O objetivo deste artigo é analisar,
a partir da perspectiva neogramsciana, os fatores que permitiram a ampla
reformulação do SMI nos Acordos de Bretton Woods. A hipótese aqui
adotada é a de que o sucesso dos Acordos de Bretton Woods em promover
uma profunda mudança no SMI não se deveu somente à excepcionalidade
do momento pós-guerra e à liderança dos EUA, mas também ao processo
de mudanças sociais, políticas e econômicas que tomou forma nas déca-
das anteriores e levou à formação de uma nova hegemonia internacional.
Além desta introdução, o artigo conta com mais duas seções e as
considerações finais. Na primeira é feita a apresentação da abordagem
neogramsciana, que serve de base à análise do processo histórico de Bret-
ton Woods. A segunda trata do processo ocorrido nas décadas de 1920 e
1930 no qual as políticas liberais foram sendo abandonada em detrimento
de políticas intervencionistas e como esse processo influenciou as tentati-
vas de reforma do SMI feita à época.
Economia Política Internacional e o sistema monetário internacional
A configuração do SMI pode ser dada a partir de seus componentes,
3. Se ela é lastreada em outra moeda
quais sejam, o regime cambial prevalecente nos países centrais, o grau de
ou bem, emitida por um país ou uma
instituição internacional, etc.
mobilidade de capitais, a natureza da divisa-chave3 e as instituições eco-
nômicas internacionais. Diferentes combinações desses elementos con-
4. Não é objetivo deste artigo analisar
dicionarão a dinâmica do sistema, dando-lhe um caráter mais ou menos
de que forma tais elementos condicio-
expansivo ou recessivo, simétrico ou assimétrico, estável ou instável, etc4.
nam o SMI.
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Adriano Vilela Sampaio Formação e reforma do sistema monetário internacional: aspectos teóricos e o caso dos acordos de Breton Woods
Em suma, o SMI não deve ser tomado como uma estrutura neutra, pois
diferentes configurações podem proporcionar benefícios assimétricos aos
diferentes agentes participantes (Estados, investidores, empresas, etc.).
Dada essa não neutralidade, para o estudo do SMI a partir da EPI é
necessário entender como diferentes autores(as) tratam a formação, esta-
bilidade e mudanças de sistemas econômicos internacionais (SEI) e suas
relações com a estrutura política internacional, ou seja, como promovem
a integração de elementos políticos e econômicos. Nesta seção, busca-se
mostrar como a questão da formação e transação de sistemas interna-
cionais é tratada nessa perspectiva, contemplando também uma análise
5. Sem a pretensão de uma análise
crítica de algumas das principais correntes da EPI sobre o tema5.
exaustiva de como essas diferentes
Uma importante referência no campo da EPI, que ocupou espaço
correntes tratam a questão.
importante no debate em décadas anteriores, é Kindleberger (1987). Em
sua análise acerca das causas da crise de 1929, o autor atribui a instabi-
lidade do período entreguerras à falta de um país hegemônico que pu-
desse prover estabilidade ao sistema. Enquanto o Reino Unido tinha a
disposição para exercer tal liderança, faltava-lhe capacidade efetiva para
a tarefa. Já os EUA, por seu poderio econômico e militar, tinham a capa-
6. O congresso estadunidense foi con-
cidade, mas não a disposição6. Na abordagem do autor, em momentos
trário até mesmo à participação do país
de divergências de interesses, a economia internacional precisaria de um
na Liga das Nações.
líder, um país que pudesse definir padrões de conduta e que aceitasse os
“fardos” do sistema. Antes mesmo de Kindleberger, Gilpin (1971) afirmou
que a instabilidade econômica do período entreguerras estava relaciona-
da à transição de lideranças: “Londres não tinha capacidade e Nova York
não tinha a disposição para reestruturar a economia internacional após
7. London was unable and New York
seu desmonte na Primeira Guerra Mundial”7 (GILPIN, 1971, p. 407). A
was unwilling to restructure the inter-
ideia da necessidade de um hegemon para dar estabilidade ao sistema foi
national economy disrupted by the First
aprofundada por diversos outros autores, no que ficou conhecido como a
World War.
teoria da estabilidade hegemônica (TEH). A TEH, no entanto, não é um
corpo de ideias homogêneas, mas um conjunto de conceitos em torno
da preocupação com o fornecimento de bens públicos que permitissem
um melhor funcionamento da economia internacional. De acordo com
Cohen (2008), a THE poderia ser dividida em duas versões, a neorrealista
e a neoliberal (ou institucionalista).
Na versão neorrealista da TEH, o fornecimento de bens públicos
8. Embora haja variações nos conceitos
seria feito pelo país mais poderoso8, que moldaria o regime econômico
de poder utilizados pelos autores dessa
internacional de acordo com seus interesses (sendo que os interesses mi-
corrente e da versão neoliberal, para
litares sempre estariam acima dos econômicos). Regimes internacionais
ambos, poder é entendido como recur-
sos materiais (militares, econômicos,
podem ser entendidos como princípios, normas, regras e processos de
população, etc.) detidos por um país.
tomada de decisão em torno dos quais as expectativas dos agentes conver-
gem em uma dada área de interesse (KRASNER, 1982). Para Gilpin (2001),
a economia neoclássica forneceria um instrumental adequado para o en-
tendimento do funcionamento dos mercados e de como as forças de mer-
cado afetam a economia, no entanto, tal abordagem seria insuficiente ao
considerar que os mercados funcionam em um vácuo político. Haveria,
portanto, a necessidade de se acrescentar ao estudo dos mercados uma
análise política, de forma a entender como os diferentes atores (sendo
o Estado-nação o mais importante) agiriam para manipular as forças de
mercado de acordo com seus interesses. Neste caso, a conexão entre eco-
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nomia e política se daria com a primeira sendo subordinada à segunda9.
9. Uma premissa central das correntes
realista e neorrealista, assim como a
Tal subordinação é ainda mais radical na abordagem de Waltz (1979), para
ideia de que os Estados são os atores
quem a dinâmica do sistema (o comportamento das unidades e os resul-
centrais na formação de sistemas
internacionais.
tados de suas interações) poderia ser deduzida a partir de sua estrutura10,
negligenciando-se os atributos das unidades (países). Nesse sentido, uma
10. Como na microeconomia neoclás-
mudança do sistema só poderia vir de uma mudança na sua estrutura, ou
sica, em que o funcionamento de um
mercado e o comportamento das firmas
seja, do equilíbrio de poder11. Portanto, na versão neorrealista da TEH,
é deduzido de sua estrutura (concorrên-
a construção e a estabilidade dos regimes estariam diretamente ligadas
cia perfeita, oligopólio ou monopólio),
à existência de um país hegemônico e um reequilíbrio de poder levaria
não sendo necessário conhecer as
especificidades de cada firma.
necessariamente à necessidade de se reconstruir o regime de forma a aco-
modar novos interesses.
11. Pelo excessivo peso dado à estrutu-
Na versão neoliberal da THE, o argumento de Keohane (1984) e
ra, em detrimento das unidades, essa
análise ficou conhecida como realismo
Keohane e Nye (1989) é que a interdependência entre os países levaria
estrutural.
à criação de regimes internacionais e os benefícios proporcionados por
eles (como a redução da incerteza e de falhas de mercado) e os altos cus-
tos de se construir outros, fariam com que estes sobrevivessem mesmo
quando houvesse mudanças no equilíbrio de poder. Nessa perspectiva, o
poder militar dos Estados daria lugar a uma ordem política e econômica
mundial em que os bens públicos seriam fornecidos por regimes supra-
nacionais que prescindiriam de um hegemon (FIORI, 2005). Por isso tam-
bém pode ser chamada de versão institucionalista ou teoria dos regimes
internacionais. A preocupação da abordagem neoliberal da TEH sobre a
importância (ou não) de uma liderança para a estabilidade dos SEI, refletia
o contexto do fim da década de 1970 e início da década de 1980, quando
havia um aparente declínio da hegemonia dos EUA no bloco capitalista e
um acirramento da instabilidade do SMI com o abandono do regime de
Bretton Woods pelos países centrais.
Apesar das diferenças apontadas entre as duas versões, em ambas
o funcionamento dos regimes é investigado a partir da interação entre
unidades em uma dada estrutura. Tais unidades seriam movidas por pre-
ferências dadas, sempre avaliando os custos e benefícios de cada ação, o
que Ruggie (1998) chamou de abordagem neoutilitarista. Não haveria um
questionamento das preferências dos atores, elas seriam dadas e a-históri-
cas (COX, 1981). Para Cohen (2008), tais abordagens estariam seguindo o
mesmo caminho da economia neoclássica, buscando formalizar a teoria
e reduzi-la a modelos passíveis de serem testados empiricamente. O re-
12. Como pode ser visto em Waltz
ferencial é a microeconomia neoclássica e seus agentes representativos12.
(1979) e Krasner (1976).
A partir da premissa de que os Estados são unidades unitárias (homogê-
neas) e racionais (como o agente representativo da economia neoclássica),
as interações entre eles poderiam ser analisadas pela lógica da escolha
racional e com o auxílio da teoria dos jogos (STRANGE, 1996, p. 22).
A consequência de uma análise a partir de agentes racionais, com
preferências dadas é que ela não é capaz de explicar a mudança a partir
de seus próprios elementos, ou seja, endogenamente. Como diz Ruggie
(1998, p. 874), tais abordagens têm somente uma lógica reprodutiva e não
transformativa. Portanto, se o objetivo é analisar mudanças ou perspec-
tivas de mudança, tal abordagem se mostraria insuficiente. Para Rupert
(2010), tais abordagens trabalham com atores sociais pré-concebidos e por
isso não seriam capazes de entender o processo histórico pelo qual tais
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atores foram concebidos e, dessa forma, não abriria espaço para o surgi-
mento de estruturas alternativas. É necessária, portanto, uma abordagem
que não só explique a participação de diferentes atores na formação dos
SEI, mas também que coloque as preferências dos atores como objeto de
análise e as explique dentro de um contexto histórico. Também é fun-
damental que a integração entre economia e política não seja apenas a
adição de elementos políticos à teoria neoclássica.
Para Scandiucci Filho (2000), a abordagem neogramsciana forne-
ceria uma estrutura teórica em que a economia e a política não são autô-
nomas, mas se movem conjuntamente. Nela são analisados os conflitos
internos dos Estados e a forma pela qual os interesses econômicos domés-
ticos são articulados politicamente, refletindo-se em suas políticas. Se as
relações econômicas não ocorrem em um vácuo político, o mesmo vale-
ria para as ações do Estado. O Estado teria que ser visto em sua relação
com a sociedade civil, como um complexo estado/sociedade (GILL, 1990)
e não como uma unidade homogênea.
O conceito de hegemonia é central para a abordagem neogramscia-
na. Segundo Arrighi (2004; 2008), a definição gramsciana de hegemonia
vai além da pura dominação. Enquanto a última se refere a uma situação
em que o poder é exercido pela coerção, na primeira ele é sustentado por
uma liderança intelectual e moral, com a coerção funcionando como últi-
mo recurso. Nessa visão, uma ordem hegemônica seria uma combinação
entre coerção e consentimento, mas que o consenso, e não a coerção, é
a característica fundamental que explica a relação entre classes e entre
o Estado e a sociedade civil. Além disso, em uma situação de hegemo-
nia gramsciana, os grupos dominantes articulam uma visão que é vista
como servindo ao interesse de todos, inclusive de grupos subordinados
(RUPERT, 2010).
Para Cox (1983, p. 172), a hegemonia internacional poderia ser ex-
pressa como normas universais, instituições e mecanismos que estabe-
lecem regras gerais de comportamento para Estados e para as forças da
sociedade civil que atuam além das fronteiras nacionais. Seria, portanto,
mais que uma ordem entre Estados, mas uma situação em que os inte-
13. Para o autor, a superioridade de
resses do Estado mais poderoso13 teriam de ser compatíveis não só com
um Estado não se resume ao poder
os interesses de outros Estados, mas também com forças da sociedade
material, outro requisito fundamental
civil que operam globalmente. Segundo o autor, o estabelecimento de
seria a existência de uma hegemonia
doméstica plenamente estabelecida.
uma hegemonia internacional viria da internacionalização da hegemonia
doméstica estabelecida pela classe dominante no Estado hegemônico, em
que suas instituições econômicas e sociais, cultura e tecnologia se tornam
padrões a serem reproduzidos no plano internacional.
A abordagem neogramsciana permitiria, portanto, um melhor en-
tendimento do processo pelo qual o ganho de poder econômico por parte
de um ou mais países se traduz em mudanças no sistema. Nessa visão, mu-
danças nos regimes dependem não só do poder material, mas também de
uma ideologia aceita por outros países e instituições que preservem e refor-
cem os dois elementos anteriores. É importante destacar que a diferença
dessa abordagem para as de caráter neoutilitaristas não é apenas a adição
da ideologia e instituições ao poder material para a definição de hegemo-
nia. Nessa abordagem se trabalha com outro conceito de Estado (comple-
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estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 9, n. 2, (jul. 2021), p. 114-131
xo Estado/sociedade civil), a hegemonia está fundada em relações sociais
e as relações internacionais não se limitam aos Estados (SCANDIUCCI
FILHO, 2000). Outra diferença fundamental é que nessa abordagem a aná-
lise é sempre histórica, ou seja, não se pode tomar como dado uma suposta
natureza dos agentes, ou mesmo definir a priori uma hierarquia entre uma
estrutura política e econômica, como no neorrealismo, por exemplo. Ou
seja, seria necessário que a configuração do sistema fosse vista como uma
combinação histórica e não como uma estrutura dada. Outro ponto a ser
destacado é que a hegemonia internacional não poderia ser vista como
uma estrutura que determina as ações, mas que as constrange, deixando
também espaço para hegemonias rivais emergirem (COX, 1983).
Se, por um lado, deixa-se de lado a existência de um país domi-
nante como condição necessária para a estabilidade dos SEI, por outro
coloca-se a hegemonia internacional como um fator essencial explicando
a formação e o declínio dos diferentes sistemas. Assim, a análise não só
deve explicitar a orientação do sistema a partir de seus componenentes e
propriedades, mas seus componenes e propriedades também devem ser
vistos como resultado de uma orientação mais geral, uma hegemonia.
Segundo Scandiucci Filho (2000), a superação do debate entre rea-
listas e liberais requer uma abordagem em que economia e política sejam
indissociáveis. Trazendo essa perspectiva para a formação e mudanças do
SMI, seria preciso analisar a hegemonia que o condiciona e sua orienta-
ção não pode ser vista somente como uma consequência “mecânica” de
seus componentes. Essa orientação seria fruto da hegemonia vigente (se
houver), mas, diferentemente de abordagens neoutilitaristas, essa relação
não pode ser colocada como uma causalidade com sentido pré-definido.
Dessa forma, propõe-se tratar os componentes não apenas como conse-
quência, mas também como instrumentos necessários à orientação do
SMI e à constituição da hegemonia.
O SMI não seria somente construído a partir da hegemonia, mas
ela própria seria construída a partir de um SMI que reproduzisse sua
orientação. Ou seja, o SMI, seus componentes e sua orientação, têm de
ser colocados como partes integrantes da hegemonia. Os componentes
do sistema podem ser explicados a partir da hegemonia, mas ao mesmo
tempo se tornam condições necessárias a reprodução e manutenção des-
ta. Com isso em vista, a seção seguinte busca mostrar como os acordos
de Bretton Woods levaram a um SMI em seus elementos componentes
davam uma orientação consonante com a hegemonia vigente que vinha
se consolidando.
Bretton Woods: o processo e o momento
Nesta seção, é discutido como se formou uma nova hegemonia
internacional que deu origem a ordem mundial14 de Bretton Woods. Foi
14. Por ordem entende-se a dinâmica
do sistema, o modo pelo qual as coisas
um processo que levou tempo e que não ocorreu sem resistências. As di-
funcionam uma estrutura em que não
ficuldades para se consolidar essa nova hegemonia podem ser vistas nas
necessariamente prevalece a ordem. E
mundial não se refere à totalidade dos
tentativas de se reorganizar o SMI durante o entreguerras. As propostas
países, sendo ela limitada pelo alcance
discutidas e aprovadas nos Acordos de Bretton Woods e que moldaram
das prováveis interações (COX, 1981).
o SMI nas duas décadas posteriores não surgiram de um vácuo, nem são
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Adriano Vilela Sampaio Formação e reforma do sistema monetário internacional: aspectos teóricos e o caso dos acordos de Breton Woods
frutos simplesmente do momento extraordinário de esforço para moldar
um novo sistema para o pós-guerra. Elas podem ser explicadas também
a partir de um processo que envolveu a consolidação dos EUA como o
poder militar e econômico dominante (ao menos do bloco capitalista),
e mudanças políticas em diversos países, onde a correlação de forças
internas foi alterada. Como destaca Helleiner (2010), Bretton Woods foi
resultado de um momento e de um processo, que são analisados nas
seções seguintes.
O processo: os conservadores anos 1920
Após a Primeira Guerra Mundial, não se buscava um novo SMI,
mas o restabelecimento do padrão-ouro.
O propósito daquela década era profundamente conservador e expres-
sava a convicção praticamente universal de que somente pelo restabe-
lecimento do sistema pré-1914, ‘desta vez em fundações sólidas’, seria
possível restaurar a paz e a prosperidade. (...) foi só nos anos 1930s que
elementos inteiramente novos se integraram ao modelo da história oci-
15. The intent of that decade was
dental. (POLANYI, 2001, p. 23-24)15
deeply conservative and expressed the
As “sólidas fundações” as quais o autor se refere eram as mesmas
almost universal conviction that only
the reestablishment of the pre-1914
que teoricamente sustentaram o sistema nas décadas anteriores, como
system, ‘this time on solid foundations’,
prioridade ao equilíbrio orçamentário e à baixa inflação.
could restore peace and prosperity. (…)
it was only in the thirties that entirely
Apesar desse caráter conservador, Eichengreen (1985) afirma que
new elements entered the pattern of
na década de 1920 os governos tinham ciência de que não poderiam ig-
Western history.
norar a interdependência entre as economias nacionais e que havia a ne-
cessidade de maior cooperação entre eles. Segundo o autor, a restauração
do padrão-ouro foi alcançada com a ajuda de empréstimos da Liga das
Nações, dos EUA e do Reino Unido a países em situação de hiperinflação
e as bases de tais empréstimos foram acordadas nas conferências interna-
cionais de Bruxelas em 1920 e Gênova em 1922.
Havia, portanto, esforços concentrados e cooperação para a recons-
trução do SMI em suas antigas bases. Isso pode ser visto nas resoluções
da Conferência Econômica e Financeira de Gênova, ocorrida em 1922.
Os britânicos propuseram o retorno ao padrão-ouro e um sistema ins-
titucionalizado, com regras formais para autoridades monetárias nacio-
nais (STRANGE, 1976). As fundações do sistema seriam (como antes) o
compromisso com orçamentos equilibrados, montantes adequados de
reservas internacionais, bancos centrais independentes, baixa inflação e a
remoção de controles de capitais (FINK, 1984). Para evitar a concorrência
por reservas metálicas, a demanda por ouro pelos bancos centrais seria
coordenada por uma comissão internacional. Além disso, para se reduzir
o uso do ouro, moedas domésticas “fortes” poderiam complementar as
reservas internacionais ou um sistema de compensações internacionais
poderia ser usado (FEDERAL RESERVE BOARD, 1922, p. 678). No en-
tanto, embora sendo claramente uma tentativa de se restaurar o antigo
sistema em suas bases “sólidas e saudáveis”, havia questionamentos acer-
ca de alguns de seus aspectos. As recomendações para a coordenação da
16. Embora este ainda fosse considera-
demanda e a redução do uso do ouro16 , por exemplo, visavam reduzir o
do o regulador financeiro mais seguro
viés deflacionário do padrão ouro.
(FINK, 1984)
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O fracasso da Conferência de Gênova em prover um SMI estável
pode ser atribuído a dois importantes fatores. Primeiro, à ausência dos
EUA, país cuja importância para o sistema tornava qualquer medida inó-
cua caso não fosse adotada por ele. Segundo, às condições política pre-
valecentes, que não comportariam uma volta ao padrão-ouro, pois esta
representava uma tentativa de se (r)estabelecer um velho sistema em um
novo mundo. Quando da eclosão da Primeira Guerra Mundial, o proces-
so iniciado em meados do século XIX de criação e fortalecimento de parti-
dos trabalhistas, extensão dos direitos de votos e maior responsabilidade
do Estado nas questões sociais (como condições de trabalho e flutuações
de renda) estava consolidado nos países centrais (WALLERSTEIN, 2004).
Em relação às políticas econômicas, essas mudanças levaram ao abando-
no do liberalismo em favor de um papel mais intervencionista do Esta-
do. As consequências do baixo crescimento e desemprego não poderiam
mais ser ignoradas pelos governos, sob o risco não só de estes perderem o
poder, como da própria hegemonia doméstica ser ameaçada por instabili-
dades políticas e até mesmo uma revolução socialista. Eichengreen (2008)
coloca tais mudanças como centrais para determinante para o fracasso da
restauração do padrão-ouro nos moldes vigente antes da Primeira Guerra
Mundial. Em geral, os países queriam o retorno ao padrão-ouro, mas as
diferentes conjunturas econômicas domésticas estabeleceriam as condi-
ções e o timing aceito por cada um deles.
Isso ajuda a explicar a impossibilidade de definir mecanismos for-
mais de cooperação e a motivação dos países em adotar comportamentos
não cooperativos nos anos seguintes. Nem mesmo os bancos centrais es-
tavam em harmonia. Apesar de haver um documento final destacando a
importância da cooperação entre bancos centrais em temas como estabi-
lização de taxa de câmbio, política de crédito e de sonegação de impos-
tos, divergências entre o Federal Reserve (Fed) e o Banco da Inglaterra
inviabilizaram a iniciativa. O último queria que os EUA aceitassem mais
inflação para ajudar na restauração da conversibilidade da libra. Os EUA,
por usa vez, queriam que os britânicos deflacionassem sua economia, o
que só pioraria suas já precárias condições econômicas (FINK, 1984).
Em resumo, sabia-se da importância da cooperação e não se deixou
de buscar soluções conjuntas e harmonização de políticas. A cooperação
era vista como algo desejável e necessário para o sistema. No entanto,
esse esforço esbarrava na inconsistência das políticas deflacionárias em
relação ao contexto político doméstico dos países centrais, o que impedia
que os países assumissem compromissos com as mesmas políticas que
vigoravam no regime do padrão-ouro.
Outros fatores que explicam esse fracasso eram questões não re-
solvidas da Primeira Guerra, principalmente as dívidas e reparações de
guerra17. Os países derrotados argumentavam que o pagamento das re-
17. A recusa de França e Reino Unido
em incluir esses tópicos na conferência
parações poderia levá-los a situações de instabilidade social e política e
foram, junto com a recusa em negociar
os países Aliados estavam pedindo o perdão de seus débitos com os EUA.
com os bolcheviques, determinantes
para que os EUA não participassem
Naquele momento, os dois lados se mostravam irredutíveis e uma con-
(FINK, 1984).
sequência desses obstáculos foi que a colaboração financeira nos anos se-
guintes se deu majoritariamente em bases bilaterais (EICHENGREEN,
1985, p. 52).
122
Adriano Vilela Sampaio Formação e reforma do sistema monetário internacional: aspectos teóricos e o caso dos acordos de Breton Woods
O processo: os revolucionários anos 1930
Diferentemente do que ocorreu na década anterior, na década de
1930, a intenção dos formuladores de política no período era buscar novas
formas de se gerenciar a economia doméstica e as questões internacio-
nais. O retorno ao padrão-ouro não era mais o objetivo.
Enquanto no fim da Grande Guerra os ideais do século XIX prevaleciam,
tendo a sua influência preponderado ao longo da década seguinte, já por
volta de 1940 não restavam quaisquer vestígios do sistema internacional
e, excetuados alguns enclaves, as nações viviam em um quadro interna-
cional inteiramente novo. (POLANYI, 2001, p. 24)18
18. While at the end of the Great War
nineteenth century ideals were para-
A grande depressão representou um impulso decisivo para a imple-
mount, and their influence dominated
the following decade, by 1940 every
mentação de políticas intervencionistas que promovessem o crescimen-
vestige of the international system
to e tirassem os países da recessão. Planejamento central, controles de
had disappeared and, apart from a few
enclaves, the nations were living in an
capitais, protecionismo, políticas fiscais anticíclicas, entre outros instru-
entirely new international setting.
mentos, passaram a fazer parte da realidade das economias industrializa-
das. Segundo Helleiner (1994), desde o princípio da década os governos
buscaram exercer maior controle sobre questões monetárias restringindo
a independência dos bancos centrais e reduzindo a influência do setor
financeiro na formulação de políticas. Nos países industrializados, coali-
zões que incluíam industriais, oficiais de orientação keynesiana e líderes
trabalhistas que eram a favor de políticas mais intervencionistas estavam
no poder, colocando em prática políticas orientadas ao pleno emprego.
Pela primeira vez, as políticas e as crenças do setor financeiro privado
e dos bancos centrais estavam sendo questionados e os governos esta-
vam contando com “outsiders” para as questões monetárias internacionais
(HELLEINER, 1994). Essas mudanças nas políticas domésticas afetariam
o SMI de duas maneiras distintas.
Primeiramente, houve um acirramento de sentimentos nacionalis-
tas. Em um momento em que os países passavam por recessões, questões
domésticas, como o desemprego, teriam prioridade sobre o equilíbrio do
setor externo ou a estabilidade da taxa de câmbio, ainda que às custas de
menor cooperação internacional e do abandono de regras consideradas
“sagradas” durante o padrão ouro, como a mobilidade de capitais. A prio-
ridade dada pelos países à manutenção da autonomia de política econô-
mica pode ser vista em três diferentes episódios da década. O fracasso da
tentativa de se estabilizar o SMI na Conferência Econômica Mundial em
Londres em 1933 seria o primeiro. Havia uma proposta britânica para a
criação de um fundo do qual os países poderiam tomar recursos condi-
cionados à estabilização das taxas de câmbio e à remoção de controles de
capitais, no entanto, outros países e principalmente os EUA não estavam
dispostos a colocar o multilateralismo acima de seus interesses domésti-
cos (STRANGE, 1976). A recuperação da depressão era o objetivo mais
imediato. Além disso, soluções cooperativas demandariam tempo e apre-
sentavam riscos, sendo que a situação pedia soluções urgentes. O segun-
do era a diversidade de regimes cambiais adotados por diferentes países
no período. De acordo com Eichengreen (1985), na metade da década de
1930 o Reino Unido praticava uma flutuação administrada, os EUA ha-
viam desvalorizado o dólar e adotado câmbio fixo sem conversibilidade
123
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 9, n. 2, (jul. 2021), p. 114-131
(exceto para países que ainda seguiam o padrão-ouro), a Alemanha havia
adotada uma série de controles de capitais e os países do Bloco do Ouro
(França, Bélgica, Holanda, Itália, Polônia e Suíça) mantiveram a livre con-
versibilidade em ouro. Para o autor, um contexto em que cada país adota
o regime cambial de sua conveniência pode ser classificado propriamente
como uma “desordem” monetária internacional. E o terceiro foi em re-
lação às funções do Banco de Compensações Internacionais (BIS), criado
em 1930. Embora tendo o objetivo de administrar o pagamento das re-
parações e promover a cooperação entre bancos centrais, a proposta bri-
tânica de que o BIS desenvolvesse mecanismos de auxílio à estabilização
das taxas de câmbio e aos países enfrentando recessões, não prosperou,
principalmente por conta da oposição da França (JAMES, 1996)
A outra maneira pela qual o SMI foi influenciado pelas mudan-
ças nas políticas domésticas foi pelo caráter mais intervencionista das
propostas de cooperação. O Acordo Monetário Tripartite de 1936 entre
EUA, França e Reino Unido para administrar a desvalorização do fran-
co é um exemplo. Para Eichengreen (1985), o sucesso do Acordo está
relacionado ao fato de que, ao contrário do que havia sido proposto em
conferências anteriores, os países não teriam de estabelecer taxas fixas
de câmbio nem restaurar o padrão-ouro e o alcance das questões sujeitas
ao acordo era reduzido. Finalmente, não havia obstáculos políticos in-
transponíveis, como dívidas e reparações de guerra. Em outubro de 1936
foi assinado o Gold Agreement Act, em que os países se comprometeram
a realizar consultas diárias sobre a taxa desejada e sustentá-las por meio
da compra e venda de divisas no mercado. A intenção existente em Gê-
nova de centralização e coordenação da demanda de ouro pelos bancos
centrais tornou-se realidade, com as transações internacionais sendo li-
mitadas aos bancos centrais e a fundos de estabilização e com restrições
ao uso doméstico do ouro. Portanto, mesmo antes da guerra, já estava
configurado o caráter que as relações monetárias internacionais assumi-
riam, qual seja, de um equilíbrio entre cooperação e autonomia de polí-
tica econômica, que preservasse a liberdade dos países de adotar políticas
expansionistas, o que seria a base do embedded liberalism que vigorou nas
décadas seguintes. Como observa James (1996), o acordo foi motivado
não só pela preocupação com o a estabilidade do SMI, mas também por
razões políticas, qual seja a preocupação dos EUA e do Reino Unido de
não enfraquecer a França economicamente, o que poderia levar a uma
ditadura e facilitar a expansão alemã.
Essas tentativas mostram que havia menos obstáculos políticos
para a cooperação que na década anterior, especialmente no que se refe-
re às questões da Primeira Guerra Mundial. Além disso, após a crise de
1929, a precárias condições econômicas levaram à ascensão de regimes
autoritário em diversos países e a partir da metade da década de 1930 as
hostilidades que desembocariam na Segunda Guerra Mundial já esta-
vam mais claras (HOBSBAWM, 1995), o que aumentou a disposição dos
países - especialmente o mais importante deles, os EUA - para a coo-
peração e para propor soluções adequadas ao novo contexto. Helleiner
(2010) chama a atenção para a cooperação entre EUA e América Latina
após 1938, em que os EUA financiaram políticas de desenvolvimento
124
Adriano Vilela Sampaio Formação e reforma do sistema monetário internacional: aspectos teóricos e o caso dos acordos de Breton Woods
nos países da região, além de ajudar na estabilização das taxas de câm-
bio, o que já mostraria a maior disposição do país a assumir um papel de
estabilizador para o sistema internacional, por razões tanto econômicas
como geopolíticas. Além disso, pode-se destacar o papel desempenhado
pela Liga das Nações na organização e administração de resgates a paí-
ses enfrentando crises no balanço de pagamentos conforme apontado
por Strange (1976). Sobre a atuação da Liga das Nações, a autora diz que
foi um ponto de partida importante para a cooperação monetária inter-
nacional e que a novidade não estava nas operações em si, mas no fato
delas serem feitas por uma organização internacional e não por meio
de um acordo temporário. Isso, segundo ela, mostrava um crescente
sentimento de responsabilidade coletiva, ainda que no começo os alvos
fossem países potencialmente ameaçados por revoluções comunistas, o
que poderia indicar acima de tudo uma preocupação geopolítica. A pro-
visão de um SMI estável e melhores relações comerciais entre os países
eram vistos como medidas que poderiam evitar a eclosão da guerra
(EICHENGREEN, 2008).
Portanto, apesar de ser correto apontar o período entreguerras
como um período de instabilidade, desordem monetária, falta de coor-
denação e acirramento de rivalidades, a busca pela cooperação foi uma
constante. O problema residia nos termos em que a cooperação se daria,
ou seja, que compromissos seriam viáveis dadas as condições políticas
domésticas (o complexo estado-sociedade) de cada país. Em um contexto
de nacionalismo exacerbado, acordos de cooperação que não levassem
em conta os efeitos recessivos sobre a economia doméstica não seriam
compatíveis com a relação vigente entre estado e sociedade. Tinha-se,
então, a consolidação de um processo, que permitiria que alguns anos
depois o momento propício fosse aproveitado para o estabelecimento de
um ambicioso plano de cooperação internacional.
O momento: os acordos de Bretton Woods
O sucesso das reuniões de Bretton Woods não pode ser dissociado
do momento de urgência de construção de um novo SMI vigente antes
mesmo do fim da guerra. A instabilidade do SMI e as crises econômicas
do começo dos anos 1930 que contribuíram para o a eclosão da Segunda
Guerra foram valiosas lições aos formuladores de políticas, mostrando
a importância de se construir um sistema que provesse estabilidade e
permitisse a conciliação entre a necessidade de cooperação internacional
com autonomia de política econômica. Os erros do período anterior não
poderiam ser repetidos e isso criou um sentimento internacionalista en-
tre os países e um desejo genuíno por um novo começo (JAMES, 1996).
Esse sentimento fica bem ilustrado pela passagem abaixo:
Passamos tão mal durante os anos entre as duas Guerras, por falta de um ins-
trumento de controle internacional como este, que o desperdício resultante e a
dissipação da riqueza chegaram a ser pouco menores que o custo econômico das
próprias guerras; enquanto que a frustração dos esforços dos homens e a defor-
mação de seu padrão de vida não desempenharam papel menos importante no
preparo da atmosfera poluída em que os nazistas puderam florescer. (KEYNES,
1984, p. 206)
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estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 9, n. 2, (jul. 2021), p. 114-131
Além disso, quando as propostas começaram a ser desenvolvidas,
no início dos anos 1940, elas serviam também como propagada de guerra,
visando angariar o apoio de governos aliados e de seus próprios cidadãos
para o esforço de guerra, o que fez com que os formuladores de política
econômica estivessem dispostos a adotar propostas mais inovadoras do
que seria o caso em tempos de paz (HELLEINER, 2010, p. 621). Outro im-
portante fator foi a existência de um país hegemônico. Os países envolvi-
dos na guerra sabiam que a reconstrução da economia mundial dependeria
dos EUA e da superioridade incontestável de seu poderio econômico e mi-
litar. Os estadunidenses, por sua vez, não apenas estavam cientes do papel
crucial que teriam, mas também viram a oportunidade de reproduzir sua
hegemonia doméstica no plano internacional. Segundo (BLOCK, 1977),
apesar de o New Deal sofrer oposição de setores poderosos (como a comu-
nidade financeira de Nova York), o Departamento do Tesouro, dominado
por defensores de políticas intervencionistas (new dealers), ficou responsá-
vel pela elaboração das propostas para a Conferência de Bretton Woods.
Portanto, havia uma hegemonia doméstica no país mais poderoso
e ela era compatível com o equilíbrio de forças sociais vigentes em outros
países, uma das condições necessárias para o estabelecimento da hege-
monia internacional, como definida anteriormente. O objetivo comum
era desenvolver um sistema capaz de prover autonomia de política eco-
nômica aos países e promover a cooperação de forma que os países não
tivessem que apelar a políticas competitivas que poderiam levar a novos
conflitos. Como afirma Helleiner (2010, p. 620), foi configurado um novo
‘liberalismo enraizado’ que buscava reconciliar a reconstrução de um sis-
tema financeiro multilateral liberal com novas práticas econômicas, mais
19. a novel ‘embedded liberal’ vision
intervencionistas, que emergiram da experiência da Depressão19”. Para
which sought to reconcile the rebuilding
Ruggie (1982, p. 393) o objetivo do embedded liberalism era substituir o
of an open multilateral financial system
nacionalismo dos anos 1930 pelo multilateralismo do padrão-ouro e o li-
with the new, more interventionist
economic practices that had emerged
beralismo econômico do padrão-ouro pelas políticas intervencionistas vi-
from the Depression experience.
gentes nos anos 193020. Os EUA estavam em condições de impor propos-
tas e as discussões foram de fato polarizadas pelas delegações estaduni-
20. O comprometimento com o embe-
dense e britânica. Ainda assim, as visões eram percebidas como legítimas
ddedl iberalism não estava restrito às
economias avançadas. Na América
e compatíveis com os interesses de outros países, de forma que a coerção
Latina, por exemplo, os países também
não explica totalmente o poder dos EUA em moldar o sistema. Embora
buscavam sistemas que permitissem a
diferentes, ambas propostas tinham um propósito comum: “cooperação
eles adotarem políticas intervencionis-
tas (HELLEINER, 2010, p. 621)
intergovernamental para facilitar o equilíbrio do balanço de pagamentos
em um ambiente internacional multilateral e um contexto doméstico de
21. intergovernmental collaboration to
pleno emprego.21” (RUGGIE, 1982, p. 394-95). Essa visão pode facilmente
facilitate balance-of-payments equili-
ser identificada nos elementos fundamentais do SMI sob a ordem de Bret-
brium, in an international environment
ton Woods. O sistema de taxas de câmbio fixas, mas ajustáveis, impediria
of multilateralism and a domestic
context of full employment.
a prática de desvalorizações competitivas, que não só afetou o comércio
internacional como aumentou a rivalidade entre as nações no entreguer-
ras. Mudanças na paridade teriam de ser aprovadas pelo FMI, não seria
mais uma opção individual de cada país e sim algo coordenado. Além
disso, criava uma possibilidade adicional e não deflacionária para o ajuste
da balança comercial.
A aprovação do uso de controles de capitais tinha como objetivo
principal manter a autonomia de política econômica dos países. Com
126
Adriano Vilela Sampaio Formação e reforma do sistema monetário internacional: aspectos teóricos e o caso dos acordos de Breton Woods
um menor risco de fugas de capitais, seria mais fácil para os governos
sustentarem suas taxas de câmbio e eles ganhariam maior espaço para
de política monetária e fiscal (na forma de menores taxas de juros e polí-
ticas fiscais anticíclicas) para buscar o pleno emprego. Mesmo antes dos
anos 1930 havia suporte para o uso destes, mas em caráter temporário
para o caso de oscilações indesejadas dos fluxos. De acordo com James
(1996), os então “vilões” da literatura da época - distribuição desigual de
ouro, políticas esterilizadoras do Banco da França e do Fed e excessiva
inflação da década de 1920 - foram “substituídos” pelos fluxos de capi-
tais e seus efeitos desestabilizadores sobre as economias domésticas. “A
restauração de um sistema financeiro multilateral dependia, na visão de
quase todo analista, de controles de movimentos de capitais por tempo
indeterminado”22 . (JAMES, 1996, p. 38). Embora o chefe da delegação es-
22. The restoration of a multilateral
financial system then depended in the
tadunidense Harry Dexter White fosse a favor dos controles de capitais,
view of almost every analyst on control
ele teve de superar forte oposição doméstica daqueles que queriam uma
of capital movements for an unlimited
time.
ordem financeira internacional liberal23 e adaptou suas propostas a tais
pressões (BLOCK, 1977).
23. Segundo Helleiner (1994), tendo
Em relação às instituições internacionais, o FMI foi criado para
emergido como os bancos líderes mun-
diais após a Guerra, os bancos de Nova
propiciar aos países uma fonte de crédito adicional aos mercados pri-
York se beneficiariam de uma ordem
vados de capitais. Em combinação com os controles de capitais, o FMI
financeira liberal.
poderia reduzir o poder de investidores privados de “disciplinar” os
países, ou seja, poderia reforçar a autonomia de política econômica. O
FMI também seria importante para gerenciar a liquidez internacional.
Eichengreen e Flandreau (2009) argumentam que após a restauração
do padrão-ouro na década de 1920 não teria havido escassez internacio-
nal de ouro, mas uma má distribuição de reservas. Como aponta James
(1996), de um lado você tinha países deficitários cuja única opção de
ajuste eram as políticas deflacionárias e, de outro, países superavitários
que não deixavam a liquidez de suas economias se expandirem. Com
um fundo capaz de fornecer recursos aos países enfrentando problemas
no balanço de pagamentos os países superavitários não teriam que ne-
cessariamente adotar políticas deflacionárias, o que poderia reduzir o
viés deflacionário do padrão ouro.
Segundo James (1996), os banqueiros estadunidenses e o Fed de
Nova York acusaram os Acordos de Bretton Woods de serem excessiva-
mente inflacionários e que com o FMI países deficitários teriam muito
poder e os EUA não teriam outra opção além de financiá-los. Eles prefe-
riam que as relações entre os países se dessem não por meio de institui-
ções, mas por relações multilaterais, com os EUA exercendo a liderança24
. Apesar dessas oposições, o congresso dos EUA aprovou a participação
24. Esse era um dos elementos do Plano
da moeda chave (Key currency plan) de
do país no FMI. Uma das explicações para isso é que havia um receio
John H. Williams (então vice-presidente
generalizado de uma nova depressão (tanto nos EUA como em outros
do Federal Reserve Bank of New York),
uma proposta alternativa alinhada com
países), de forma que os argumentos a favor de uma economia de livre
os opositores dos Acordos de Bretton
mercado não tinham o espaço que tinham antes. Block (1977) destaca
Woods.
dois outros fatores. Primeiro, havia um amplo desejo pela estabilização
da economia internacional e os EUA não poderiam deixar de fazer par-
te desse processo. Rejeitar tal papel, como havia ocorrido com a recusa
de participar da Liga das Nações, afetaria a credibilidade internacional
do país. Segundo, os EUA tinham poder de voto suficiente tanto para
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bloquear medidas que ele considerasse que pudessem ir contra seus inte-
resses, como para mudar as regras do Fundo após sua aprovação. Ainda
sim, é necessário ressalvar que com a morte de Roosevelt em 1945 e a
chegada de Truman ao poder, o equilíbrio de poder para o gerencia-
mento das questões internacionais foi alterado a favor do Departamento
de Estado em detrimento do Tesouro. No primeiro, prevaleciam visões
contrárias aos Acordos de Bretton Woods, especialmente aos controles
de capitais e a um papel mais ativo de instituições internacionais. Assim,
por um breve período, entre 1945-1947, a estratégia dos EUA para o ge-
renciamento do SMI foi a de promover uma ordem financeira liberal (aos
moldes do Plano da moeda chave), ignorando as regras acordadas em
Bretton Woods (BLOCK, 1977). Segundo Helleiner (1994), nesse perío-
do a política externa econômica foi dominada pelos interesses da comu-
nidade financeira de nova York, que pressionavam os países da europa
ocidental a remover seus controles de capitais e o que se viu foi uma
contínua fuga de capitais destes para os EUA. Em 1947, com a europa
em crise econômica e com o início da Guerra Fria, os EUA se viram
na necessidade de apoiar política intervencionistas que promovessem o
crescimento em seus aliados da europa ocidental e no Japão, iniciando
uma fase de “hegemonia benevolente”. Só então tem início a promoção
de uma ordem econômica internacional mais aos moldes do embedded
liberalism e das diretrizes dos Acordos de Bretton Woods.
Considerações finais
Após a crise financeira de 2008, muito se falou sobre reformas
profundas no SMI, mas elas se mostraram limitadas. Neste artigo bus-
cou-se contribuir para a análise de mudanças no SMI de duas manei-
ras complementares. Primeiramente, buscando um arcabouço teórico
que permitisse a integração entre economia e política, mostrando que
as diferentes configurações do SMI têm implicações políticas e que é
necessário um arcabouço que vá além da mera adição do balanço de
poder entre os estados à análise econômica neoclássica. De acordo com
a abordagem neogramsciana, mudanças no equilíbrio de poder não ne-
cessariamente implicariam mudanças nos regimes internacionais. Se,
por um lado, deixa-se de lado a existência de um país dominante como
condição necessária para a estabilidade do SMI, por outro coloca-se a
hegemonia internacional como um fator essencial explicando a for-
mação e o declínio dos diferentes sistemas.
Em segundo lugar, mostrando como o grande exemplo histórico de
reforma institucional do SMI, os Acordos de Bretton Woods, foi fruto não
apenas de um momento favorável a mudanças, mas também de um pro-
cesso de adaptação de ideias e políticas às novas relações sociais vigentes
nos países avançados e ao novo equilíbrio de poder entre os Estados. Ou
seja, havia naquele momento uma nova hegemonia internacional, cuja
construção se deu ao longo das décadas anteriores e teve de superar a
oposição de setores poderosos.
No artigo, é defendido que um momento favorável pode ser con-
dição necessária, mas não necessariamente suficiente para promover
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Adriano Vilela Sampaio Formação e reforma do sistema monetário internacional: aspectos teóricos e o caso dos acordos de Breton Woods
mudanças mais profundas. De nada adiantaria uma maior disposição
política, ousadia e urgência em momentos de pânico se não houver
ideias consolidadas a respeito do novo sistema que se deseja. Trazendo
para a análise a questão dos países emergentes e da reforma do atual
SMI, seria necessário que o maior peso econômico desses países vies-
se acompanhado do desejo por mudanças no SMI e que elas também
fossem do interesse de outros países e de forças da sociedade civil que
operam globalmente.
Em uma comparação do “momento Bretton Woods” com o
atual, vale destacar que houve mudanças importantes no SMI após a
crise, tanto por iniciativas individuais como multilaterais (). Em rela-
ção às individuais, muitos países buscaram se proteger da instabilida-
de dos fluxos de capitais pela acumulação de reservas internacionais
e pelo uso de técnicas de gestão dos fluxos de capitais, que envolvem
tanto controles de capitais como regulação financeira prudencial25 . Já
25. Conforme a definição de Epstein,
Grabel e Jomo, 2004, p.3.
o FMI buscou melhorar as condicionalidades de suas linhas de auxí-
lio, desenvolveu uma visão mais favorável ao uso de técnicas de ges-
tão de fluxos26 e fez mudanças tanto no volume, como na distribuição
26. Ver IMF (2016).
de cotas (o que implica mudança no poder de voto entre os países)
(SAMPAIO; WEISS, 2020). Quanto à sua “moeda”, o direito especial
de saque (DES), há propostas para o seu fortalecimento como ativo
de reserva internacional27 e em 2009 houve uma grande emissão pelo
27. Ver Ocampo (2017).
FMI, mas a realidade é que seu papel no sistema continua marginal.
Ainda nas mudanças cooperativas/multilaterais, a criação e o fortale-
cimento de arranjos financeiros regionais (AFRs) e de linhas de swap
28. O conjunto de instrumentos que
também ganharam grande impulso após a crise de 2008) (IMF, 2014)28 .
envolvem reservas internacionais, ins-
Os AFRs envolvem instrumentos como fundos conjuntos de reservas,
tituições internacionais, AFRs e linhas
acordos de swap e linhas de auxílio de curto prazo. Como exemplos de
de swap é chamado de rede global de
proteção financeira.
RFAs, temos a Iniciativa de Multilateralização de Chiang Mai (IMCM)
da ASEAN+329 , o Arranjo Contingente de Reservas, dos BRICS, o Ar-
29. Composta pelos países da ASEAN,
(EFSD) e o Mecanismo Europeu de Estabilidade Fiscal, que em 2012
China, Coréia do Sul e Japão
se tornou o Mecanismo Europeu de Estabilidade. Finalmente, sobre as
linhas de swap, segundo Denbee, Jung e Paternó (2016), em 2015 elas
envolviam cerca de 42 países, em um total de 118 acordos. A China é
30. Composta por Afeganistão, Bangla-
o país com mais acordos, dispondo de linhas com 35 países, com valor
desh, Butão, Índia, Maldivas, Nepal,
Paquistão e Sri Lanka.
estimado de US$500 bilhões (MCDOWELL, 2019).
Embora se reconheça o potencial de tais mudanças para o SMI, é
31. Armênia, Belarus, Cazaquistão,
necessário também apontar suas limitações. A principal delas é que vá-
Quirguistão, Rússia e Tajiquistão são os
membros componentes.
rias dessas medidas, especialmente a acumulação de reservas e as linhas
de swap, reforçam o papel do dólar e, consequentemente, a assimetria
de poder dos EUA no sistema. A segunda é que a mobilidade de capitais
ainda é vista como algo a ser preservada no sistema, no máximo sendo
mitigada pelo emprego de instrumentos de gestão de fluxos, cujo uso de-
veria ser que temporário e limitado. Em suma, é inegável que o momen-
to após a crise de 2008 era propício a mudanças profundas, mas, mais de
dez anos após seus momentos mais agudos, ainda estamos longe de uma
transição hegemônica.
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