estudos internacionais
REVISTA DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Grão-Chanceler: Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Reitor: Dom Joaquim Giovani Mol Guimarães
Vice-Reitora: Patrícia Bernardes
Assessor Especial da Reitoria: José Tarcísio Amorim
Chefe de Gabinete do Reitor: Paulo Roberto de Sousa
Pró-reitores: Extensão - Wanderley Chieppe Felippe; Gestão Financeira - Paulo
Sérgio Gontijo do Carmo; Graduação - Maria Inês Martins;
Logística e Infraestrutura - Rômulo Albertini Rigueira; Pesquisa e
de Pós-graduação – Sérgio de Morais Hanriot; Recursos Humanos
- Sérgio Silveira Martins; Arcos - Jorge Sundermann; Barreiro -
Renato Moreira Hadad; Betim - Eugênio Batista Leite; Contagem
- Robson dos Santos Marques; Poços de Caldas - Iran Calixto Abrão;
São Gabriel - Miguel Alonso de Gouvêa Valle; Serro e Guanhães -
Ronaldo Rajão Santiago
EDITORA PUC MINAS
Diretor: Patrus Ananias de Sousa
Coordenação editorial: Cláudia Teles de Menezes Teixeira
Assistente editorial: Maria Cristina Araújo Rabelo
Revisão: Virgínia Mata Machado
Comissão editorial: João Francisco de Abreu (PUC Minas); Maria Zilda Cury (UFMG);
Mário Neto (Fapemig); Milton do Nascimento (PUC Minas); Os-
waldo Bueno Amorim Filho (PUC Minas); Regina Helena de Freitas
Campos (UFMG)
Conselho editorial: Antônio Cota Marçal (PUC Minas); Benjamin Abdalla (USP); Carlos
Reis (Univ. de Coimbra); Dídima Olave Farias (Univ. del Bío-Bío
- Chile); Evando Mirra de Paula e Silva (UFMG); Gonçalo Byrne
(Lisboa); José Salomão Amorim (UnB); José Viriato Coelho Vargas
(UFPR); Kabengele Munanga (USP); Lélia Parreira Duarte (PUC
Minas); Leonardo Barci Castriota (UFMG); Maria Lúcia Lepecki
(Univ. de Lisboa); Philippe Remy Bernard Devloo (Unicamp);
Regina Leite Garcia (UFF); Reginaldo Carmello Corrêa de Moraes
(Unicamp); Rita Chaves (USP); Sylvio Bandeira de Mello (UFBA)
EDITORA PUC MINAS: Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Rua Dom Lúcio Antunes, 180 • 30535-630 • Coração Eucarístico • Tel: (31) 3319.9904
Fax: (31) 3319.9907 • Belo Horizonte • Minas Gerais • Brasil • e-mail: editora@pucminas.br
estudos internacionais
REVISTA DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS
Poncia Universidade
Católica de Minas Gerais
Programa de Pós-Graduação
em Relações Internacionais
Belo Horizonte
ISSN: 2317-773X
v. 8 n. 1
Abril 2020
estudos internacionais
REVISTA DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS
Conselho Executivo
Prof. Javier Alberto Vadell
Prof. Leonardo César Ramos
Estagiários
Ana Rachel Simões Fortes
Fabiana Freitas Sander
Gustavo Lagares Xavier Peres
Juliana de Faria Campos
Marina D’Lara Siqueira Santos
Matheus de Abreu Costa Souza
Pedro Diniz Rocha
Rafael Bittencourt Rodrigues Lopes
Victor de Matos Nascimento
Vinícius Tavares de Oliveira
Conselho Editorial
Adam David Morton (University of Sidney)
Andrés Malamud (Instituto de Ciências Sociais– Universidade de Lisboa)
Antonio Carlos Lessa (Universidade de Brasília UNB)
Atílio Borón (Universidade de Buenos Aires - Consejo Nacional de Investigaciones Cientícas y Técnicas)
Carlos Escudé (Centro de Estudios Macroeconómicos de Argentina - Consejo Nacional de Investigaciones
Cientícas y Técnicas)
Carlos Milani (Universidade do Estado do Rio de Janeiro)
Carlos S. Arturi (Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
Gladys Lechini (Universidade Nacional de Rosário - Consejo Nacional de Investigaciones Cientícas y Técnicas)
Henrique Altemani (Universidade Estadual da Paraíba)
Ian Taylor (University of St Andrews)
Jens Bartelson (Lund University)
João Pontes Nogueira (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro)
José Fvio Sombra Saraiva (Universidade de Brasília)
José Luis León-Manríquez (Universidade Autónoma Metropolitana Xochimilco)
Letícia Pinheiro (Universidade do Estado do Rio de Janeiro)
Luis Fernando Ayerbe (Universidade Estadual Paulista)
Marco Aurélio Chaves Cepik (Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
Marcos Costa Lima (Universidade Federal de Pernambuco)
Maria Regina Soares de Lima (Universidade do Estado do Rio de Janeiro)
Matt Ferchen (Tsinghua University)
Miriam Gomes Saraiva (Universidade do Estado do Rio de Janeiro)
Monica Hirst (Universidad Di Tella–Universidad de Quilmes)
Paulo Luiz Moreaux Lavigne Esteves (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro)
Paulo Fagundes Vizentini (Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
Rafael Villa (Universidade de São Paulo)
R. Evan Ellis (Center for Strategic and International Studies)
Reginaldo Carmello Corrêa de Moraes (Universidade Estadual de Campinas)
Renato Boschi (Universidade do Estado do Rio de Janeiro)
Sean Burges (Australian National University)
Shiguenoli Myamoto (Universidade Estadual de Campinas – San Tiago Dantas)
Tullo Vigevani (Universidade Estadual Paulista)
Apoio
Departamento de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas)
Chefe do Departamento: Chyara Salles Pereira
Poder e autonomia das organizações
internacionais: a OMPI na governança dos
direitos de propriedade intelectual ................................................................7
Power and autonomy of international organizations: the WIPO
in the governance of intellectual property rights
Poder y autonomía de las organizaciones internacionales:
la OMPI en la gobernanza de los derechos de propiedad
intelectual
Henrique Zeferino de Menezes
Daniela de Santana Falcão
O uso de simulações e cultura popular para o
ensino de Relações Internacionais ................................................................27
Simulations and Pop Culture as tools to teach International
Relations
El uso de las simulaciones y de la cultura popular en la
educación de las Relaciones Internacionales
Marcelo M. Valença
Argentina en el Consejo de Defensa
Suramericano de la Unasur (2015-2018) .......................................................44
Argentina in the Unasur South American Defense Council
(2015-2018)
Argentina no Conselho de Defesa Sul-americano da Unasul
(2015-2018)
Alejandro Frenkel
R(r)elações I(i)nternacionais, Realismo e Análise
da Política Externa (APE): contextualizando a invenção da APE ............64
I(i)nternational R(r)elations, Realism and Foreign Policy
Analysis (FPA): contextualizing the invention of FPA
R(r)elaciones I(i)nternacionales, Realismo y Análisis dePolítica
Exterior (APE): contextualizando la invención de la APE
Pedro Emanuel Mendes
6
Paradox of Autonomy: explaining flaws in South
American security regionalismo ....................................................................89
Paradoxo da autonomia: explicando as deficiências no
regionalismo de segurança sul-americano
Paradoja de la autonomía: explicando las falencias en el
regionalismo de seguridad sudamericano
Víctor M. Mijares
Os desafios humanitários e novas práticas de
great power management: uma comparação
entre as posições da França e da Alemanha
frente à “crise de refugiados” ........................................................................107
Humanitarian challenges and new practices of great power
management: a comparison between French and German
positions towards the so-called refugee crisis
Los desafíos humanitarios y nuevas prácticas de great power
management: una comparación entre las posiciones de
Francia y de Alemania frente a la “crisis de refugiados”
Cláudia Alvarenga Marconi
Anna Paula Ramos
Resenha: Trajetória internacional do Brasil: artigos selecionados ........125
Murilo Chaves Vilarinho
7
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 7 - 26
Poder e autonomia das organizações
internacionais: a OMPI na governança dos
direitos de propriedade intelectual
Power and autonomy of international organizations: the
WIPO in the governance of intellectual property rights
Poder y autonomía de las organizaciones internacionales:
la OMPI en la gobernanza de los derechos de propiedad
intelectual
Henrique Zeferino de Menezes
1
Daniela de Santana Falcão
2
DOI: 10.5752/P.2317-773X.2020v8.n1.p7
Recebido em: 10 de janeiro de 2019
Aceito em: 30 de abril de 2019
R
O artigo analisa o papel da Organização Mundial da Propriedade Intelectual
(OMPI) na estruturação do regime internacional de propriedade intelectual,
destacando como suas características particulares a confeririam poder e auto-
nomia sobre sua constituency, os países-membros. Tomando com referência a
estrutura analítica sugerida por Barnett e Finnemore (1999) sobre autonomia
das organizações internacionais, são analisadas as características organizacionais
e os mecanismos de governança da OMPI – fundamentalmente o papel da sua
Secretaria executiva, a relação com o setor privado e o seu particular mecanismo
de nanciamento. A leitura desses elementos e das atividades desempenhadas
pela OMPI aponta claramente para um nível de poder e autonomia da organi-
zação perante os países que a compõem e um distanciamento entre suas ações
e seu mandato, o que signicaria um tipo de disfuncionalidade. Entretanto, a
conclusão que chegamos é que, na realidade, há uma mudança na relação de de-
pendência da OMPI e uma espécie reconguração da sua função internacional.
Palavras-chave: Organizações internacionais. Organização Mundial da Proprie-
dade Intelectual. Propriedade intelectual. Autonomia Política.
A
This paper analyzes the role of the World Intellectual Property Organization
(WIPO) in the structuring of the international intellectual property rights regime,
highlighting how its particular characteristics would confer power and autonomy
on its constituency - the member-countries. Taking into account the analytical
framework suggested by Barnett and Finnemore (1999) on the autonomy of
1. Doutor em Ciência Política pela
Unicamp. Professor do Departamento de
Relações Internacionais e do Programa
de Pós-graduação em Ciência Política
e Relações Internacionais (PPGCPRI) da
Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
João Pessoa, Paraíba. ORCID: 0000-
0002-1385-7957.
2. Mestre pelo Programa de Pós-gradu-
ação em Políticas Públicas, Estratégias
e Desenvolvimento (PPED) do Instituto
de Economia da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ). Graduada em
Relações Internacionais pela Universi-
dade Federal da Paraíba (UFPB). Rio de
Janeiro, Brasil. ORCID: 0000-0001-8017-
9300.
8
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 7 - 26
international organizations, we analyse the WIPO organizational characteristics
and governance mechanisms - fundamentally the role of its Executive Secretariat,
the relationship with the private sector and its particular funding mechanism. The
analysis of these elements and the activities carried out by WIPO clearly show
a level of power and autonomy of the organization vis-à-vis the countries that
comprise it, and a distance between its actions and the organization mandate,
which would mean a type of dysfunctionality. However, the conclusion we have
reached is that, in reality, there is a change in the WIPO dependency relationship
and a kind of reconguration of its international function.
Keywords: International organizations. World Intellectual Property Organiza-
tion. Intellectual Property Rights. Political autonomy.
R
El artículo analiza el papel de la Organización Mundial de la Propiedad Inte-
lectual (OMPI) en la estructuración del régimen internacional de propiedad
intelectual, destacando cómo sus características particulares conferirían poder y
autonomía sobre su constituency, los países miembros. Tendo como referencia a
la estructura analítica sugerida por Barnett y Finnemore (1999) sobre la autono-
mía de las organizaciones internacionales, se analizan las características orga-
nizativas y los mecanismos de gobernanza de la OMPI, fundamentalmente el
papel de su Secretaría ejecutiva, la relación con el sector privado y su particular
mecanismo de nanciación. La lectura de estos elementos y las actividades rea-
lizadas por la OMPI apuntan claramente a un nivel de poder y autonomía de la
organización con respecto a los países que lo componen y un desprendimiento
entre sus acciones y su mandato, lo que signicaría un tipo de disfuncionalidad.
Sin embargo, la conclusión a la que llegamos es que, en realidad, hay un cambio
en la relación de dependencia de la OMPI y una especie de reconguración de
su función internacional.
Palabras clave: Organizaciones internacionales. Organización Mundial de la
Propiedad Intelectual. Propiedad intelectual. Autonomía política.
Introdução
A disciplina de Relações Internacionais tem se dedicado ao debate
sobre o papel das organizações internacionais (OIs) desde seu nascimento
– fundamentalmente, o papel que elas desempenham na coordenação das
ações estatais e na solução de conitos políticos e distributivos que resul-
tam da interação entre eles. Nesse espectro especíco, ganha relevância
a leitura dos processos políticos e as razões que levam a construção desse
tipo especíco de arranjo institucional, assim como as formas e meios
pelos quais os Estados exercem poder e inuência sobre elas. Ainda, a
disciplina questiona as razões porque algumas organizações se mantêm
e outras são reformadas ou substituídas. Após a Segunda Guerra Mun-
dial, com a proliferação de novos arranjos institucionais e burocracias
internacionais, e com a ampliação do diálogo da disciplina com a ciência
política e as abordagens teórico-metodológicas amparadas pelo institu-
cionalismo, os estudos sobre instituições e organizações internacionais
não pararam de se avolumar, aprofundar e ganhar relevância (KRATO-
CHWIL; RUGGIE, 1986; ABBOTT; SNIDAL, 1998).
Desde então, uma grande quantidade de pesquisas e textos acadê-
micos se debruçou sobre questões referentes ao papel e funcionalidade
9
Henrique Zeferino de Menezes e Daniela de Santana Falcão Poder e autonomia das organizações internacionais:
a OMPI na governança dos direitos de propriedade intelectual
de instituições, organizações e regimes internacionais. Dentro do amplo
universo de correntes teóricas do campo que abordaram a cooperação
inter-estatal e seus arranjos políticos, pode-se destacar as leituras direcio-
nadas a tratar da especicidade das organizações intergovernamentais.
Em virtude da sua maior institucionalização e da conformação de um
corpo burocrático internacional permanente e tecnicamente orientado,
pressupor-se-ia que as organizações produziriam resultantes políticos
particulares, quando comparadas a outras formas institucionais.
Ao observamos de forma mais detida os debates e problematiza-
ções sobre o papel das OIs, nos deparamos com um entendimento co-
mum, uma nomenclatura padrão, que arma as organizações internacio-
nais como atores internacionais – ou seja, sujeitos políticos e jurídicos
dotados de agency (NESS; BRECHIN, 1988; ALVAREZ, 2006). Entretanto,
uma questão menos repercutida se refere exatamente ao grau de autono-
mia política que esses atores políticos e sujeitos do direito internacional
detêm. Essa questão nos remete a uma pergunta mais objetiva: qual o
sentido de nomeá-las atores políticos? Seriam sujeitos realmente dotados de
autonomia política ou apenas instrumentos pelos quais os Estados exer-
cem suas preferências? Possuem agenda e interesses particulares e atuam
de forma a resguardá-los? As respostas a essas perguntas difeririam uma
regra, um tratado ou uma arena de um ator político.
Efetivamente, as principais correntes teóricas da disciplina e os es-
tudos e análises empíricas mais conhecidas não trazem essa problema-
tização ao estudo das OIs – lidam mais detidamente com questões so-
bre a rationale da institucionalização das relações de cooperação entre os
Estados e sobre os efeitos distributivos produzidos por ela; ou sobre a
capacidade de enforcement e grau de compliance a suas regras (ABBOTT;
SNIDAL, 2000; RAUSTIALA; SLAUGHTER, 2002). Entretanto, alguns
trabalhos se dedicaram à questão da autonomia política das OIs, especial-
mente a autonomia diante os interesses manifestados e contratados dos
Estados, tanto em âmbito teórico, como por meio da realização de pes-
quisas empíricas. Um importante exemplo é o trabalho seminal de Bar-
nett e Finnemore (1999).
Nesse artigo pretendemos contribuir com a discussão sobre o papel
das OIs na organização da economia política internacional, a partir da
alise de um caso especíco. O objetivo é, além de trazer elementos ge-
rais sobre a atuação de uma organização muito pouco pesquisada, apesar
da sua relevância global, a Organização Mundial da Propriedade Intelec-
tual (OMPI), abordar exatamente a questão da autonomia política das
organizações na política internacional. A hipótese trazida nesse artigo é
que a OMPI seria uma organização com características particulares, que
a garantiria poderes excepcionais sobre seus membros, conferindo um
nível de autonomia política real e signicativo sobre os mesmos. Essa
autonomia seria ainda responsável por levar a organização um comporta-
mento de tipo disfuncional, de acordo com a caracterização proposta por
Barnett e Finnemore (1999).
Para dar resposta à hipótese apresentada, passamos em revista o pa-
pel da OMPI na primeira parte do texto, apontando suas particularidades
e modo de funcionamento. Na segunda parte, é apresentado o arcabouço
10
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 7 - 26
teórico da alise que será feita na terceira sessão do texto. Baseado no
argumento trazido por Barnett e Finnemore (1999) sobre a capacidade de
ação autônoma das OIs, tentamos demonstrar como a OMPI extrapola
os elementos apresentados pelos autores, possuindo uma capacidade de
exercício de poder autônomo sobre os Estados. As explicações para tanto
estariam reunidas no poder político típico das burocracias que a OMPI
possui e em características particulares da organização, i.e. sua estrutura
particular de governança e seu mecanismo de nanciamento. Ainda na
última sessão apresentamos as formas como essa autonomia se manifesta
concretamente.
A Organização Mundial da Propriedade Intelectual
Como mencionado na introdução, a OMPI é uma organização
que apesar da sua relevância política e econômica não tem sido objeto
de pesquisas sistemáticas que possam destacar suas funções no regime
internacional de propriedade intelectual e seu modo particular de funcio-
namento. Sua relevância política estaria relacionada diretamente ao seu
objeto de atuação, uma vez que lida com um ramo das regulamentações
econômicas de maior importância para a economia internacional, com
impactos direto sobre as trajetórias de desenvolvimento dos países, as-
sim como impacta uma ampla variedade de políticas públicas essenciais
(MASKUS, 2010). Desde nais do século XIX até o presente momento, os
direitos de PI se apresentam como uma variável fundamental de disputa
na economia internacional
3
. E dentro desse universo, a OMPI tem desem-
penhando uma função central no processo de construção, adaptação e
reformulação do regime internacional de PI desde seus primórdios.
A OMPI tem suas raízes nos Acordos de Paris (1883) e Berna (1886),
que conformaram o sistema internacional de proteção à propriedade in-
dustrial e de direitos autorais. Esses dois acordos foram a base para a cria-
ção do United Bureau for the Protection of Intellectual Property (BIRPI) no ano
de 1893, antecessor funcional e formal da OMPI, criada efetivamente no
ano 1970. A sua evolução institucional levou ao estabelecimento na atua-
lidade de uma burocracia internacional ampla, que lida com uma temáti-
ca altamente complexa (MAY, 2007).
Concretamente, a OMPI é o lócus político e institucional de uma
grande quantidade de tratados internacionais que incidem sobre diferen-
tes ‘objetos tecnológicos’ e tipos de direitos de PI. Ainda, a organização
é responsável por uma série de serviços em matéria de proteção e regu-
lação dos direitos de PI. Em linhas gerais, os acordos administrados pela
organização são de três tipos:
Tratados que estabelecem regras substantivas de proteção à PI:
Os acordos de Paris e Berna são os mais importantes, pois esta-
beleceram a base normativa fundamental para organização do regime
internacional de PI e para a criação da OMPI. Ao longo das décadas, e em
razão das transformações tecnológicas desencadeadas, o rol de matérias
protegíveis ampliou-se signicativamente, da mesma forma que os tipos
3. Apenas para ilustrar, a proteção a PI
marcou importantes disputas econômi-
cas internacionais, com destaque para
a proposta de resolução direcionada a
Assembleia Geral das Nações Unidas
em 1961, para reformar o sistema
internacional de patentes. Posterior-
mente, com a proposta inserida à ‘UN
Declaration on the Establishment of a
New International Economic Order’ de
1974, que previa negociações na UNC-
TAD do Code of Conduct for the Transfer
of Technology e do Code of Conduct
for the Control of Restrictive Business
Practices, além da proposta de reforma
de acordos no âmbito da própria OMPI
(RICHARDS, 2004). Contemporane-
amente, as controversas acerca das
regulações internacionais em PI se
colocaram de forma mais contundente
nas negociações de acordos preferen-
ciais de comércio, como o Trans-pacific
Partnership Agreement (TPP).
11
Henrique Zeferino de Menezes e Daniela de Santana Falcão Poder e autonomia das organizações internacionais:
a OMPI na governança dos direitos de propriedade intelectual
de proteção à PI se multiplicaram, levando a multiplicação de acordos e
tratados internacionais negociados na organização. Atualmente, são 15 os
acordos dessa natureza administrados pela organização
4
.
Tratados regulam atividade de registro de direitos de PI;
Esses são tratados que facilitam e estimulam a obtenção de um di-
reito de PI globalmente. O direito de PI é um direito nacional, ou seja, um
direito que demanda submissão de pedido, análise e registros individuais
em cada país. Assim, uma proteção extensiva a vários países demanda a
submissão do mesmo pedido em todos os países que se pretende possuir e
exercer o direito. A OMPI construiu uma ampla rede de tratados interna-
cionais que conformou uma infra-estrutura para a submissão simultânea
de pedidos em inúmeros países signatários. Os acordos estabelecem meios
para ampliação da capacidade de exercício de direitos de PI globalmente
5
.
Tratados de classicação e reconhecimento internacional de direitos.
São acordos que regulam aspectos essencialmente técnicos da pro-
teção à PI. Criam sistemas de classicação que organizam informações
sobre relativas a invenções, marcas registradas e desenhos industriais em
estruturas gerenciais indexadas que facilitam o reconhecimento por inte-
ressados e a fácil recuperação de dados
6
.
Considerando suas atribuições, a OMPI se estabeleceu ao longo do
século XX como a principal organização a lidar com as matérias relacio-
nadas aos direitos de PI, apesar de não ser a única. Outras agências inter-
nacionais tinham e tem em seu escopo de atuação temáticas relaciona-
das (ou sensíveis) à proteção privada sobre o conhecimento
7
. Entretanto,
desde a criação do BIRPI até nais do século XX, a OMPI centralizou os
processos negociadores para conformação das regras que regulam inter-
nacionalmente os direitos PI e construiu os instrumentos globais volta-
dos à concessão e reconhecimento desses direitos.
Por décadas, a OMPI foi considerada uma organização essencial-
mente técnica e pouco ‘politizada’. Uma das razões, além do próprio ob-
jeto de sua atuação, estaria no fato de não haver a obrigatoriedade de
adesão aos seus acordos, além da pouca ‘interferência’ desses acordos na
capacidade nacional de legislar sobre o tema. Entretanto, uma transfor-
mação importante levou a uma revolução no regime internacional de PI,
jogando a proteção privada sobre o conhecimento para o cento da agenda
econômica internacional – a aprovação do Trade-related Aspects of Intellec-
tual Property (TRIPS), com a conclusão da Rodada Uruguai do General
Agreement on Taris and Trade (GATT).
O TRIPS alterou signicativamente a forma e a estrutura da go-
vernança internacional dos direitos de PI, assim como alterou o papel
internacional da OMPI. Pela primeira, um tratado internacional de PI es-
tabeleceu um padrão mínimo obrigatório de proteção extensivo a todos
os setores tecnológicos e a todos os membros da Organização Mundial
do Comércio (OMC). Além disso, estabeleceu de forma objetiva e clara os
tipos de proteção, as formas de concessão, os prazos mínimos de vigência
4. Beijing Treaty on Audiovisual Perfor-
mances; Berne Convention; Brussels
Convention; Madrid Agreement (Indica-
tions of Source); Marrakesh VIP Treaty;
Nairobi Treaty; Paris Convention; Patent
Law Treaty; Phonograms Convention;
Rome Convention; Singapore Treaty on
the Law of Trademarks; Trademark Law
Treaty; Washington Treaty; WIPO Co-
pyright Treaty (WCT); WIPO Performan-
ces and Phonograms Treaty (WPPT).
5. Patent Cooperation Treaty (PCT) – The
International Patent System; Protocolo
de Budapeste – The International
Microorganism Deposit System;
Protocolo do Madri – The International
Trademark System; Protocolo de Haia
– The International Design System;
Protocolo de Lisboa – The International
System of Appellations of Origins.
6. Locarno Agreement; Nice Agree-
ment; Strasbourg Agreement; Vienna
Agreement.
7. Variadas agências especializadas das
Nações Unidas dedicaram parte de suas
funções a matérias relacionadas à PI
e à inovação, como a CSTD da ECOSC,
ITU, UNIDO, UNCTAD e UNEP. A FAO e
a CDB lidam com questões referentes
à proteção sobre biodiversidade e seus
impactos sobre desenvolvimento agrário
e segurança alimentar. A UNESCO, OMS
e outros órgãos vinculados a direitos
humanos tratam da relação entre a pro-
teção à PI e acesso a determinados direi-
tos fundamentais (MUSUNGU, 2005).
12
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 7 - 26
e os critérios a serem utilizados pelos países na análise e concessão das
diversas modalidades de PI. Assim, o TRIPS homogeneizou institucional-
mente os sistemas nacionais de proteção e limitou a liberdade dos países
de decidir sobre formas e tempo de proteção e sobre áreas passíveis de
concessão de direitos de PI. Ainda, o TRIPS estabeleceu regras especícas
de enforcement e atrelou as regras negociadas ao mecanismo de solução de
controversas da OMC (SELL, 2003). A conclusão do TRIPS estabelecera
um acordo efetivamente global de PI, com regras obrigatórias, vinculan-
tes, e atrelado a uma organização dotada de mecanismos de observância.
A consequência natural dessa novidade institucional seria a redu-
ção do papel da OMPI na governança internacional dos direitos de PI,
sua continuada deslegitimação e atroa funcional. Segundo May (2007),
a aprovação do TRIPS e a criação da OMC levaram analistas apostarem
na ‘falência’ e ‘morte’ da OMPI. Entretanto, ao contrário do esperado, o
que aconteceu foi o aumento expressivo das funções políticas e técnicas
da OMPI e da sua própria relevância. A aprovação do TRIPS fora respon-
sável por isso, uma vez que alterou os rumos da agenda internacional de
PI e criou novas janelas de ação para a OMPI.
A conformação de um sistema de proteção efetivamente global,
que prevê normas incisivas sobre os sistemas nacionais dos países, elevou
o tema à dianteira das discussões internacionais e deu maior relencia
às disputas políticas sobre a matéria. Atrelado a esse processo de maior
politização’ dos direitos de PI, o Conselho do TRIPS, cus institucional
para o tema da PI na OMC, viveu um período de paralisia em razão da
diculdade de alcançar consenso decisório
8
. Com isso, a OMPI acabaria
voltando a ter papel técnico signicativo e a ser palco de negociações de
novos compromissos internacionais, reencontrando assim um espaço de
ação política, por meio da proposição ou recepção de novas agendas ne-
gociadoras. Assim, a OMPI recebeu inúmeras demandas para a negocia-
ção de acordos de tipo TRIPS-plus
9
. Alguns desses acordos se voltaram à
negociação de formas de proteção para setores tecnológicos particulares,
que apresentaram baixo padrão normativo no TRIPS, como a proteção
ao conhecimento vinculado à Internet ou radiodifusão, ou para deman-
das mais amplas e gerais para o fortalecimento dos direitos de PI.
Por outro lado, a OMPI também se estabeleceu como fórum para
que países em desenvolvimento buscassem a produção de normas que
resguardassem as exibilidades existentes no TRIPS e estabelecer formas
de proteção de matérias de seu interesse. A Agenda do Desenvolvimento, lan-
çada em 2004, voltou-se justamente para a garantia de exibilidades para
implementação de políticas de desenvolvimento vinculadas à produção e
acesso a conhecimento. No mesmo sentido, o Intergovernmental Commit-
tee on Intellectual Property and Genetic Resources, Traditional Knowledge and
Folklore (IGC) tem sido palco para demandas voltadas a adequação das re-
gras de PI às diretrizes de acesso e compartilhamento de benefícios do uso
de material biogenético e conhecimento tradicional, conforme estabele-
cido pela Convenção da Diversidade Biológica (CDB) (MENEZES, 2013).
Nesse ambiente de maior potencialidade internacional dos direitos
de PI e de emergência de controversas importantes na área, a OMPI se de-
dicou à construção de uma rede de cooperação com várias organizações
8. O processo de negociação do TRIPS,
assim como o período subsequente, foi
marcado por fortes clivagens políticas
e forte resistência por parte de impor-
tantes economias em desenvolvimento,
especialmente Brasil e Índia.
9. Acordos TRIPS-plus são aqueles que
avançam normativamente no sentido do
aumento da proteção e da privatização
do conhecimento, além do padrão
mínimo estabelecido pelo TRIPS, limi-
tando as liberdades e flexibilidades dos
Estados na construção de seus sistemas
nacionais de proteção.
13
Henrique Zeferino de Menezes e Daniela de Santana Falcão Poder e autonomia das organizações internacionais:
a OMPI na governança dos direitos de propriedade intelectual
internacionais, especialmente a própria OMC
10
. Nesse aspecto, adquiriu
um papel importante e politicamente controverso com a oferta de pro-
gramas de assistência técnica a países com menor capacidade técnica para
adequação de seus sistemas nacionais de proteção à PI aos padrões esta-
belecidos pelo TRIPS. As cláusulas mandatórias do acordo demandavam
ajustes profundos nas regras e instituições nacionais, criando novas obri-
gações para a maioria dos países. Por sua vez, a adequação das normas na-
cionais às características e particulares locais exige uma sensibilidade ge-
rencial que a OMPI não necessariamente trazia em suas recomendações.
Outro eixo fundamental de ação da OMPI é a administração de
tratados que facilitam a concessão de direitos de PI globalmente. Com
o aumento signicativo da abrangência e da profundidade das regras de
proteção a PI (aumento de países com sistemas nacionais de proteção e a
indiscriminação de setores tecnológicos passíveis de proteção), os pedidos
de patentes e outras formas de proteção aumentaram vertiginosamen-
te. Assim, tratados desse tipo, especialmente o Patent Cooperation Treaty
(PCT), passaram a ser substancialmente mais demandados. O gco
abaixo mostra a evolução global desses pedidos entre 1991 e 2016. É possí-
vel perceber uma inclinação forte a partir de 1995 e outras duas em 2000
e 2005, quando terminavam prazos transitórios de adequação normativa
aos países em desenvolvimento e menos desenvolvidos.
Gráfico 1: Pedidos de patentes registrados no mundo, por meio de pedidos diretos ou
pelo PCT
Fonte: Elaborado pelos autores com dados extraídos da plataforma online interativa da
OMPI Intellectual Property Statistics. Disponível em https://www.wipo.int/ipstats/en/.
Resumidamente, após a conclusão do TRIPS, as atividades da OMPI
se concentraram em três dimensões: a) normatização internacional dos di-
reitos de PI: fortalecimento do seu papel normativo com a busca pela aquies-
cência dos membros aos acordos existentes, reforma e atualização de acor-
dos e a negociação de novos tratados internacionais; b) suporte e assistência
técnica: atividade que passou a ter grande relevância, porque acabara de-
nindo a forma como os países internalizaram as regras internacionais em
suas legislações nacionais; c) concessão de direitos: administração de acor-
dos que facilitam a concessão e o reconhecimento internacional de direitos.
10. Nos anos de 1994 e 1995, OMPI
e OMC assinaram dois acordos de
cooperação, nos quais previa-se a oferta
de assistência técnica pela OMPI, para
que os países aderissem às cláusulas
do TRIPS e se adaptassem às novas
exigências estabelecidas pelo Tratado.
14
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 7 - 26
A autonomia política das organizações internacionais
A maioria das análises teóricas sobre o papel das OIs busca entender
as razões que levam os Estados a organizar suas ações cooperativas em
torno de mecanismos burocrático-administrativos especícos. Ou seja,
compreender as razões que levariam os Estados a criarem organizações
para regular a vida política internacional e, por consequência, compreen-
der a razão de países aderirem a regras e normas que limitam a discricio-
nariedade de suas ações e impõem custos sobre determinadas decisões
autônomas. Parte dessa produção acadêmica se amparou em uma base
epistemológica fundada em pressuposições econômicas de racionalidade
instrumental e eciência das decisões: perspectiva que informa tanto os
institucionalistas-neoliberais como as alises neorealistas.
As instituições e organizações internacionais seriam, elas pró-
prias, uma resposta aos interesses Estados. Atuariam como instrumento
a processar os interesses dos Estados, por meio da facilitação de intera-
ções estratégicas. Nesse sentido, são entendidas como ferramentas de-
rivadas do comportamento maximizador dos Estados, responsáveis por
produzir soluções para problemas de coordenação política e problemas
distributivos. Especicamente, lidam com e respondem por problemas
relacionados à incompletude de informações, custos elevados de transa-
ções e outros dilemas típicos da ação coletiva. Ainda, as OIs proveriam
as condições para a satisfação dos interesses dos Estados, ao termo que
criam condições para minorar os riscos e dilemas inerentes à ação coo-
perativa, promovem previsibilidade e estímulos às ações adequadas por
parte dos Estados e criam mecanismos de punição a ações desviantes.
Em termos gerais, as OIs seriam parte elementar, operacional e prática,
de uma ordem social estabelecida pelos Estados para a realização de
seus interesses particulares, por meio da criação de normas gerais de
comportamento e bens coletivos.
Portanto, a criação e a manutenção de OIs reetiriam os resultados
ecientes e adequados por elas produzidos. Trata-se de uma formulação
analítica que dene a existência das OIs pelos interesses prévios deni-
dos dos Estados – aumento do bem estar e maximização de preferências.
Com isso, a própria existência delas expressaria a eciência de seu fun-
cionamento. Ou seja, elas existem e se mantém em funcionamento na
medida e somente enquanto cumprem a sua função – função que deriva
diretamente dos interesses denidos pelos Estados.
Entretanto, é interessante ressaltar que não só as abordagens típicas
do institucionalismo tratam as OIs como resultado das interações estra-
tégicas dos Estados. O neo-realismo também parte de uma perspectiva
racionalista para analisar a criação e o funcionamento das OIs, tratado-as,
nesse caso, como variáveis de menor relevância para a explicação dos de-
terminantes do comportamento dos Estados e do próprio funcionamento
do sistema internacional. Na realidade, as OIs seriam um epifenômeno – a
materialização da distribuição de poder entre as potências. De toda sorte,
os componentes explicativos do comportamento dos Estados, incluindo
a predisposição a cooperação ou conito, estariam em uma unidade de
alise distinta das próprias organizações. Na realidade, a estrutura do
15
Henrique Zeferino de Menezes e Daniela de Santana Falcão Poder e autonomia das organizações internacionais:
a OMPI na governança dos direitos de propriedade intelectual
sistema internacional e as congurações da distribuição de poder nele
que explicariam a emergência e decadência das OIs (WALTZ, 2000).
Por m, outra perspectiva teórica que também valoriza o papel in-
ternacional das organizações, mas que produz explicações que partem de
uma matriz teórica distinta, a teoria crítica, reconhece, por sua vez, a pre-
ponderância da potência, do hegemon, na denição dos padrões normativos
internacionais, na conformação das regras que estabelecem os critérios de
comportamento que regulam a economia política internacional. As nor-
mas e as OIs representariam a materialização de padrões de comporta-
mento que espelham aqueles do hegemon e que respondem a interesses
particulares, apesar de manifestadamente pretenderem a universalidade.
Ou seja, as organizações representam, em si, a formalização e a materia-
lização de um processo de conformação de uma ordem hegemônica – a
internacionalização de uma forma de organização social própria, que in-
ternacionaliza as relações capital-Estado, as formas de organização da pro-
dução e de apropriação da renda mundial – que se constituira previamen-
te na potência hegemônica. Nesse sentido, as OIs se manifestam como
o amálgama de uma forma de organização da produção, permitindo a
expansão e reprodução das formas produtivas do centro, a apropriação
das riquezas, além de instrumento de captação e conciliação de interesses
contraditórios. No mesmo sentido das perspectivas anteriores, as OIs cor-
respondem à formas de administração das relações entre os Estados que
espelham elementos explicativos externos à elas (COX, 1996; GILL, 1995).
De certa forma, é possível dizer que as três correntes analíticas não
entendem as OIs realmente como atores políticos, mas como instrumen-
tos políticos que respondem aos interesses, manifestos ou não, daqueles
que operam de forma concreta a política internacional. Sejam as OIs ins-
trumento de coordenação política e facilitação da cooperação internacio-
nal, como armam as abordagens institucionalistas, ou instrumento de
exercício de poder político, coercitivo ou econômico, como apregoam,
por caminhos diferentes, neorealistas e neo-gramscianos, elas seriam en-
tendidas como ‘meios’ e não como sujeitos dotados de agency, de efetiva
capacidade decisória autônoma.
Diferentemente das tradicionais abordagens mencionadas, a pers-
pectiva de Barnett e Finnemore (1999) extrapola essa forma de pensar as
OIs. Apesar de armarem as OIs como atores internacionais, as abordagens
tradicionais as tratam como instrumento ou variável interveniente para
compreensão do funcionamento do sistema internacional, da cooperação
internacional ou dos interesses das grandes potências. Para neo-liberais,
neorealistas e mesmo para a teoria crítica, as OIs são representações ou
materializações de estruturas anteriores, ou representações dos interes-
ses estatais, podendo ser tratadas como forças intervenientes, aparatos
constrangedores das ações estatais, mas não como ator político autôno-
mo. Mesmo que essas correntes tenham compreensões distintas sobre
quais interesses as OIs representam e de que maneira (e qual) estrutura
sistêmica incide sobre os processos políticos de criação e recriação de re-
gras e instituições que alimentam o funcionamento das OIs, essas não se
objeticam’ a ponto de se emancipar desses elementos conformadores da
vivência internacional.
16
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 7 - 26
Abbott e Snidal (1998) defendem a necessidade de um olhar mais
atento, aprofundado e especíco para as OIs – suas características parti-
culares as garantiriam funções típicas e produziriam efeitos especícos
na coordenação política entre os Estados. Para os autores, a centralização
e independência dariam a essa forma particular de instituição uma ca-
pacidade interveniente distinta de outros arranjos cooperativos, além de
produzir efeitos especícos. A centralização de atividades coletivas em
torno de uma estrutura organizacional estável, com o suporte de um apa-
rato administrativo-burocrático, facilitaria a interação e negociação entre
os Estados, aumentando a eciência e ampliando a reputação da mesma.
Esses efeitos teriam potencial de criar um ciclo virtuoso que ampliaria
ainda mais a relevância política das OIs. Por sua vez, em virtude inclusive
da centralização administrativa, essas adquiririam um grau relativo de
independência: cria-se um grau de pró-atividade no fomento à coopera-
ção entre os Estados. As OIs passariam a se conformar como instâncias
autorizadas” a tomar determinadas decisões de forma autônoma, mas
condizente com seu mandato. Entretanto, a determinação da ação ao
estabelecido no seu mandato traria de volta à discussão para as variáveis
denidoras do próprio mandato (ou seja, novamente os principais atores
políticos e as estruturas internacionais seriam as variáveis de alise a
determinar o mandato e o real papel das OIs).
A ideia de independência defendida por Abbott e Snidal (1998) tor-
na-se ainda mais frágil, quando concluem que as OIs adquirem um grau
de neutralidade como resultado da capacidade de centralização e indepen-
dência. Nas palavras dos autores, “as organizações internacionais pro-
vêem fóruns neutros, despolitizados e especializados mais efetivos que
praticamente todos outros arranjos descentralizados e informais” (AB-
BOTT, SNIDAL, 1998, p. 10). Ao ligarem a independência ao exercício do
mandato e a neutralidade ao exercício técnico do estabelecido por ele, os
autores revertem a lógica do conceito de autonomia, que seria justamente
a capacidade de tomar decisões sobre as próprias ações.
Barnett e Finnemore (1999) comungam da necessidade de pensar
de forma mais detida as características particulares das organizações in-
tergovernamentais e o papel que esse tipo particular de burocracia de-
sempenha. Entretanto, trazem uma alise distinta da supramencionada.
Mesmo reconhecendo que elas emergem como resposta aos interesses
dos Estados, os autores entendem as OIs como estruturas políticas ca-
pazes de se tornarem efetivos atores políticos – ou seja, atores capazes
de atuar com autonomia razoável perante sua constituency e conformar
uma agenda. Essa capacidade residira justamente nas suas características
intrínsecas, de uma burocracia internacional. Em linhas gerais, o pro-
cesso de burocratização, racionalização e efetividade das organizações
produziria como resultado um razoável descolamento perante os Esta-
dos-membros, em que elas deixariam de ser mero reexo das preferências
estatais, adquirindo poder e autonomia. Uma possível conseqüência da
autonomia das organizações, explicam Barnett e Finnemore (1999), seria
o “desvirtuamento” das suas ações em relação ao que fora denido na
sua criação, no seu mandato, tornando-as, eventualmente, disfuncionais,
mas não necessariamente inecientes.
17
Henrique Zeferino de Menezes e Daniela de Santana Falcão Poder e autonomia das organizações internacionais:
a OMPI na governança dos direitos de propriedade intelectual
O empoderamento das organizações estaria relacionado, primei-
ramente, à centralização administrativa. Característica apontada por
outros autores, mas tratada como uma variável particular. A capacida-
de de centralização de um amplo conjunto de atividades relacionadas à
cooperação em torno de uma burocracia especíca produziria um tipo
de autoridade racional-legal típica das burocracias. O controle sobre
informaçõescnicas, de outra maneira dispersas, a capacidade de gestão
administrativa sobre temas de alta complexidade, a manipulação de recursos
materiais e imateriais relacionados a temáticas de interesse dos Estados
provêem um nível de poder considerável para as OIs. Esse poder, típico
das burocracias, cria um nível de ‘autonomia’ – capacidade de exercer
poder autonomamente – em sentido não intencional e não esperados pe-
los Estados quando da criação das OIs.
Ou seja, as OIs ganham poder e, por consequência, autonomia na
medida em que fortalecem sua autoridade racional-legal, que está relacio-
nada ao fato delas utilizarem de conhecimento reconhecido como socialmente
relevante para as partes e criarem regras que determinam como objetivos
serão alcançados. O fato dessas organizações se reportarem como agentes
dotados de racionalidade especíca e exercerem capacidade de manejo
das informações as fazem poderosas e, ainda, transfere aos Estados o in-
teresse de se submeter a esse tipo de autoridade.
A centralização de atividades cooperativas dá as OIs controle sobre
importante expertise técnica e um conjunto amplo de informações. Elas
controlam conhecimento que não está disponível para o público geral
(em termos técnicos e no volume que elas controlam). Assim, a coorde-
nação centralizada das ações estatais – que é função natural e própria
das organizações – seria o próprio elemento garantidor de poder das OIs
sobre Estados, os quais elas deveriam responder.
O poder das OIs e das burocracias em geral é que elas se apresentam como
tecnocracias impessoais e neutras – a apresentação e aceitação dessas armações
é crítica para sua legitimidade e autoridade (...).
A legitimidade da autoridade racional-legal sugere que elas podem ter uma auto-
ridade independente das políticas e interesses dos estados que as criam, uma pos-
sibilidade obscurecida pelo tratamento técnico e político dado às OIs tanto pelos
realistas quanto pelos neoliberais. Tampouco realistas e neoliberais consideraram
como o controle sobre a informação dá às OIs uma base para ter autonomia
11
.
(BARNETT, FINNEMORE, 1999, p. 708-709, tradução nossa).
Assim, o próprio exercício da capacidade técnico-burocrática das
OIs as confere importante poder normativo. A capacidade de classicação
e denição de signicados para termos e conteúdos que denem priorida-
des e políticas se amparam justamente nessa capacidade. Por exemplo,
a denição do que são países desenvolvidos e países menos desenvolvidos e
a própria concepção de desenvolvimento ou segurança tem impactos so-
bre quais são as políticas e estratégias de desenvolvimento consideradas
adequadas e, também, nanciáveis e incentivadas pelas OIs. Dessas duas
questões emergem um terceiro elemento de poder das OIs – a capacidade
de seleção de quais políticas e normas serão difundidas como modelos ou
entendidas best practices.
Na medida em que as OIs passam a adquirir uma capacidade de
produção de normas e de ação política desconectada daquilo previamente
11. The power of IOs, and bureaucra-
cies generally are, that they present
themselves as impersonal technocratic
and neutral – (...) the presentation and
acceptance of these claims is critical to
their legitimacy and authority (...).
The legitimacy of rational-legal
authority suggests that they may have
an authority independent of the policies
and interests of states that create them,
a possibility obscured by the technical
and political treatment of IOs by both re-
alists and neoliberals. Nor have realists
and neoliberals considered how control
over information hands IOs a basis of
autonomy (BARNETT, FINNEMORE,
1999, p. 708-709).
18
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 7 - 26
estabelecidos pelos Estados quando da sua formação, elas podem tomar
medidas ‘disfuncionais’. Ou seja, adotar medidas que fogem da sua função
original. Em determinados aspectos, a disfuncionalidade pode ser entendi-
da como uma re-funcionalidade, i.e. OIs adquirindo outros comportamen-
tos, distintos daqueles estabelecidos quando sua fundação, em resposta a
novos contextos ou constituencies, novas disposições de interesses entre a
organização e seus membros, sem que haja uma reforma do seu mandato
formal. Nesse caso, a disfuncionalidade seria algo mais próximo de um
tipo de adaptação e não necessariamente uma patologia. Por outro lado,
o empoderamento e o desvirtuamento funcional podem levar a uma pa-
tologia crônica da organização, ou ainda, representar interesses de deter-
minados grupos ou da própria burocracia, na necessariamente declarados.
Na próxima seção buscaremos aplicar a estrutura de alise ora
apresentada para analisar o funcionamento da OMPI, destacando exata-
mente os elementos que dão a essa organização considerável poder e uma
capacidade de ação autônoma diante dos países que a compõem.
Autonomia e disfuncionalidade da OMPI?
Como mencionado, a OMPI cumpre papel fundamental na organi-
zação do regime internacional de proteção à PI, sendo responsável por um
conjunto de atividades que giram em torno do reconhecimento e concessão
desses direitos. O fortalecimento institucional da organização no período
posterior à adoção do TRIPS produziu uma multiplicação de suas áreas de
atuação, levando ao aumento do seu poder e sua autonomia funcional.
Como uma consequência não natural ou imediata, seu empoderamento
teria levado também um grau de disfuncionalidade de suas ações, i.e. um
distanciamento entre suas ações concretas e seu mandato, que fundamen-
ta os princípios e as bases organizacionais de atuação da organização.
Nesse tópico mostraremos os fatores que explicariam o poder e au-
tonomia da OMPI, destacando, de um lado, os elementos típicos de sua
autoridade racional-legal, que a conferiria um grau signicativo de po-
der e autonomia diante seus membros, conforme apontado por Barnett e
Finnemore (1999). De outro lado, são destacados elementos particulares
da estrutura, organização e funcionamento da OMPI, que ampliariam a
capacidade da organização de determinar autonomamente sua agenda
política e normativa. Na sequência, trataremos dos efeitos concretos des-
se empoderamento, que reete no enviesamento da percepção organiza-
cional sobre o papel da PI no desenvolvimento, levando a um distancia-
mento entre suas práticas e o mandato da organização.
De onde provém a autonomia da OMPI? Da autoridade racional-legal ao
controle orçamentário
Desde o século XIX até os dias atuais, a OMPI se consolidou como
uma burocracia forte, ao administrar uma área do direito e da economia
política altamente complexa e demandante de um nível de expertise ele-
vado para o pleno entendimento das consequências econômicas das de-
cisões normativas. Contemporaneamente, as mudanças tecnológicas que
19
Henrique Zeferino de Menezes e Daniela de Santana Falcão Poder e autonomia das organizações internacionais:
a OMPI na governança dos direitos de propriedade intelectual
levaram a novas descobertas cientícas e a constituição de novas áreas
de conhecimento e produção
12
, impulsionaram o aprofundamento da re-
lação entre empresas, institutos de pesquisa e investidores, assim como
levaram ao aumento da procura por mecanismos de apropriação privada
sobre o conhecimento. Por sua vez, houve também uma multiplicação
das formas de proteção ao conhecimento para além dos mecanismos
tradicionais (patentes, marcas e direitos autorais)
13
. Ao mesmo tempo, a
OMPI foi espaço institucional para negociação de acordos suplementares
ao TRIPS em áreas de grande complexidade e marcadas por debates polí-
ticos e controversas profundas. As chamadas “Agenda Digital” e a “Agen-
da de Patentes” são exemplos marcantes do papel normativo da OMPI em
setores de alta intensidade tecnológica e complexidade normativa
14
.
Como resultado, a OMPI se fortaleceu como uma burocracia com
poder razoável em virtude de sua autoridade de lidar com matéria com-
plexa como são os direitos de PI. O controle sobre um amplo conjunto de
informações, assim como a capacidade de administrar e controlar uma
agenda de negociações com grande potencial econômico, confeririam a
organização um poder típico das burocracias – poder proveniente da sua
legitimidade racional-legal. Nesse sentido, além da própria autoridade
burocrática constituída por mais de um século, a OMPI exerce autorida-
de por lidar com uma matéria que exige uma ampla expertise técnica.
Somente o controle sobre o universo de informações referente às diversas
modalidades, tipos e formas de proteção a PI já conferiria à OMPI um
poder considerável sobre os países, especialmente os de menor renda re-
lativa. Entretanto, seu exercício de poder extrapola essa dimensão.
Como aparato burocrático responsável pela negociação de acordos
multilaterais de PI, a organização também controla a denição de quem
são os atores relevantes nas negociações e nos processos normativos. A
denição de quem se constitui como stakeholder é fundamental nesse
processo. Dois comitês de assessoramento, criados no nal da década de
1990 – o Policy Advisory Commission
15
(PAC) e o Industry Advisory Commis-
sion (IAC) – são responsáveis pela proposição de temas e regulações a
serem negociadas sob a coordenação da Secretaria-executiva da OMPI.
A forma como a organização é “governada” e como suas agen-
das são construídas, assim como a denição dos atores que incidem for-
malmente sobre as negociações, são elementos fundamentais do processo
negociador. Nesse sentido, a capacidade da OMPI de estabelecer pame-
tros especícos para guiar esses processos, produz resultados próprios,
que denem os níveis de transparência, accountability e o potencial da
participação dos Estados-membro e da sociedade civil na denição das
normas que regulam os direitos de PI.
Além desses elementos típicos de uma burocracia internacional
que garantem formas especícas de poder à organização, a OMPI possui
um sistema de governança particular quando comparada com outras OIs.
Alguns fatores próprios da sua estrutura de confeririam a ela um espaço
de ação ainda mais autônomo em relação à sua constituency. Nesse senti-
do, dois elementos especícos se destacam: o papel da sua insncia ad-
ministrativa técnica, a Secretaria-executiva, e a forma de nanciamento
da organização.
12. As descobertas e avanços na
biotecnologia e life sciences, junto das
pesquisas sobre genoma, além das no-
vas tecnologias da eletrônica, bioenge-
nharia, nanotecnologia e a economia da
internet, são revoluções significativas
do século XX que, além de permitir a
criação de novos bens e produtos, levou
à definição de campos da produção com
potencial inovador ainda incalculável
(MUSUNGU, 2005).
13. O TRIPS estabeleceu a proteção
a indicações geográficas, desenhos
industriais e topografia de circuitos
integrados, além de garantir algum tipo
de proteção sobre novas variedades
vegetais. As negociações dos chamados
acordos TRIPS-plus levaram à criação de
novas formas, ainda mais complexas, de
proteção à PI não previstas nos princi-
pais acordos multilaterais. A proteção a
dados de prova, proteção a seres vivos,
proteção a métodos de negócios e etc.
são novidades normativas comum em
acordos TRIPS-plus.
14. A Agenda Digital englobou a nego-
ciação de dois tratados internacionais, o
WIPO Copyright Treaty (WCT) e o WIPO
Performaces and Phonograms Treaty
(WPPT). O Beiing Treaty on Audiovisual
Performances, aprovado em 2012,
mesmo não inserido dentro da chamada
Digital Agenda, regulamentou a PI de
artistas em performances audiovisuais.
Já a Agenda de Patentes tratou de
demandas relacionadas à do Patent
Cooperation Treaty (PCT), a ratificação
do Patent Law Treaty (PLT) e negociação
do Substantive Patent Law Treaty (SPLT).
Ver o documento WIPO A/36/14.
15. WIPO Policy Advisory Commission
Endorses Use of Intellectual Property as
a Tool for Development. Disponível em:
<http://www.wipo.int/pressroom/en/pr-
docs/2003/wipo_upd_2003_208.html>.
20
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 7 - 26
Como muito bem analisado por Carolyn Deere, a OMPI possui
uma particularidade administrativa: sua Secretaria-executiva possui uma
capacidade decisória muito forte em relação aos demais fóruns e instân-
cias da própria organização, especialmente a Assembleia Geral, instância
em que os Estados são os atores com poder decisório (Deere, 2014). O en-
capsulamento da Secretaria-executiva torna as decisões menos transpa-
rentes e acountables perante a sua constituency. Ainda mais relevante para
compreendermos a realidade da relação entre OMPI e Estados-membros,
é seu mecanismo de nanciamento. A OMPI funciona quase exclusiva-
mente com nanciamento privado, resultado de pagamentos feito por
empresas pelos serviços prestados pela organização. Assim, trata-se de
uma OI que não depende da contribuição dos países-membro para garan-
tir seu funcionamento.
O gráco 1 mostra a distribuição dos recursos orçamentários da
organização de acordo com a fonte.
Gráfico 2: Fontes de arrecadação da OMPI
Fonte: Elaborado pelos autores com dados extraídos da ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA
PROPPRIEDADE INTELECTUAL (2015).
O PCT responde a mais de 70% dos recursos arrecadados pela or-
ganização. Quando computados os demais instrumentos administrativos
e serviços prestados pela organização que também demandam pagamen-
tos por parte dos usrios (como a utilização dos protocolos de Madri e
Haia, a venda de serviços de estatísticas e publicações, assim como do
serviço de arbitragem), esse montante chega a praticamente 95% do to-
tal dos recursos orçamentários da OMPI. Assim, os Estados contribuem
com aproximadamente 5% do total. Uma particularidade institucional da
OMPI prevê a desvinculação decisória entre a criação de normas e polí-
ticas, por parte dos órgãos deliberativos, e a destinação de recursos orça-
21
Henrique Zeferino de Menezes e Daniela de Santana Falcão Poder e autonomia das organizações internacionais:
a OMPI na governança dos direitos de propriedade intelectual
mentários para a implementação do que fora acordado. Essa separação
estabelece, na prática, um duplo ltro decisório sobre quais as iniciativas
efetivamente serão encampadas pela organização.
Em síntese, a OMPI se caracteriza como uma organização dota-
da de poder e autoridade típica das burocracias. Especicamente, uma
burocracia que lida com uma matéria de alta complexidade e de difícil
controle por parte de governos, especialmente aqueles com limitações
orçamentárias e técnicas. Ainda, a OMPI se estrutura sob um corpo buro-
crático-administrativo peculiar, o que lhe garante certa autonomia diante
de seus Estados-membro: seu mecanismo de governança fortemente li-
gado à Secretaria executiva e seu peculiar mecanismo de nanciamento.
Dadas essas questões, torna-se relevante compreender os efeitos produ-
zidos pelo empoderamento da organização e sua autonomia diante de
sua constituency. Ou seja, reetir sobre a capacidade de ação autônoma da
organização e a eventualidade dela se reverter em ações e práticas que se
distanciam do estabelecido no mandato da organização.
Autonomia, disfunção ou nova função para a OMPI?
Quais os efeitos produzidos pelo poder e autonomia política da
OMPI? Nos termos trazidos por Barnett e Finnemore (1999), essa auto-
nomia funcional da OMPI, manifestada na sua capacidade técnica e de
condução administrativa e burocrática, pela sua estrutura de gover-
nança especíca que emprega alto poder na Secretaria-Executiva e
a desvinculação entre o orçamento da organização e a contribuição
dos Estados, produziria alguma especicidade ou disfuncionalidade na
atuação da OMPI? Para responder a essas questões é necessário inicial-
mente entender o que seria a função precípua da organização: nos termos
colocados por Barnett e Finnemore (1999), isso signica entender aquilo
que é esperado da organização. Apenas então é possível analisar eventual
disfuncionalidade da organização.
Em 1974, ONU e OMPI celebraram um acordo de cooperação em
que a primeira reconhecia a OMPI como uma de suas agências especia-
lizadas (OMPI, 1974). Esse acordo estabeleceu um novo “mandato” para
a OMPI, na medida em que atrelou às funções e ações da organização
às bases constitutivas e normativas do Sistema ONU, submetendo suas
atividades aos princípios de desenvolvimento da organização
16
. O artigo 1
do acordo estabelecera que a OMPI, como agência especializada da ONU,
deveria privilegiar em suas ações “a promoção da atividade intelectual
criativa e a facilitação da transferência de tecnologias relacionadas à
propriedade industrial aos países em desenvolvimento, com o propósi-
to de acelerar o crescimento econômico e o desenvolvimento social
e cultural” (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA PROPPRIEDADE INTE-
LECTUAL, 1974. s.p, tradução nossa)
17
.
Entretanto, quando analisamos a atuação da OMPI, pode-se perce-
ber um direcionamento, um enviesamento, do entendimento da organi-
zação sobre o papel dos direitos de PI no desenvolvimento econômico, es-
pecialmente dos países em desenvolvimento e menos desenvolvidos, em
um sentido diferente daquele estabelecido no acordo de cooperação com
16. Como uma instituição membro da
ONU seria incumbência da OMPI se
guiar plenamente pelos amplos objeti-
vos de desenvolvimento estabelecidos
pela organização, especialmente suas
macro agendas de desenvolvimento
global, como os Objetivos de Desenvol-
vimento do Milênio e, contemporanea-
mente, os Objetivos de Desenvolvimen-
to Sustentável.
17. The United Nations recognizes the
World Intellectual Property Organization
(hereinafter called the “ Organization
“) as a specialized agency and as being
responsible for taking appropriate action
in accordance with its basic instrument,
treaties and agreements administered
by it, inter alia, for promoting creative
intellectual activity and for facilitating
the transfer of technology related to
industrial property to the developing
countries in order to accelerate econo-
mic, social and cultural development
(WORLD INTELLECTUAL PROPERTY
ORGANIZATION, 1974).
22
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 7 - 26
a ONU. Em termos concretos, a OMPI vem atuando, em suas diversas
frentes de ação, no sentido de resguardar o direito de PI como um direito
a ser garantido, per s e não como um instrumento normativo voltado a
estimular a inovação tecnológica e o desenvolvimento, e transferência e
acesso a tecnologia como forma de estimular o desenvolvimento na peri-
feria, como explicitado no documento supramencionado.
Essa interpretação típica e enviesada da OMPI sobre o papel dos
direitos de PI e o funcionamento dos sistemas de proteção se manifesta
em três pontos a serem destacados: a) na forma como a Organização
direciona sua expertise técnica, por meio das atividades de assistência
técnica; b) na forma como ela dene sua constituency, privilegiando o
setor empresarial “utilizador” do sistema de proteção; c) na forma de
condução das negociações e proposições de conteúdo para os tratados
negociados. Analisaremos esses três elementos individualmente, para
na sequência destacar uma das razões que explicariam essa perspectiva
especíca da organização.
A OMPI se especializou nas últimas décadas à prestação de assis-
tência técnica aos países na reforma e atualização de seus sistemas nacio-
nais de proteção, constituindo-se como um importante instrumento de
socialização da posição teórico-normativa da organização sobre o papel
da PI. O processo de adequação das normas e instituições nacionais aos
parâmetros negociados internacionalmente não é automático ou despro-
vido de nuances e disputas políticas. O TRIPS, ao estabelecer um padrão
mínimo obrigatório de proteção, limitou severamente as liberdades dos
países para denir seus sistemas nacionais de proteção. Entretanto, al-
gumas exibilidades foram mantidas para que os sistemas nacionais pu-
dessem prever regras e instituições nacionais que reetissem demandas
nacionais especícas e respondessem a problemas e particularidades dos
países. Entretanto, a OMPI teria assumido uma postura excessivamente
privatista na sua assistência, buscando aproximar os sistemas de prote-
ção de países em desenvolvimento e menos desenvolvidos aos padrões
adotados por países desenvolvidos – ou seja, limitando a introdução de
normas que garantissem o exercício concreto das exibilidades existentes
no TRIPS (DEERE, 2009; DEERE, 2014).
Outra questão impactante da forma como a OMPI manifesta suas
concepções sobre a PI se dá na relação que estabelece com os diferentes
atores interessados na estruturação do regime internacional de PI. Os
mencionados Policy Advisory Commission (PAC) e Industry Advisory Com-
mission (IAC) se consolidaram como os canais formais de interlocução da
organização com a “sociedade civil, estabelecendo uma larga margem
de poder à indústria nos processos negociadores. E como expõem Correa
e Musungu (2002) essas comissões:
foram criadas para garantir que a voz do mercado fosse ouvida e que a organi-
zação respondesse às suas necessidades. Embora o papel do IAC seja puramente
consultivo, o Diretor Geral indicou, quando da sua criação, que ele fosse proje-
tado para garantir que houvesse uma ‘entrada direta da indústria no processo
de decisão política da OMPI’. Esta declaração reete a visão de que a OMPI tem
apenas duas constituencies – os Estados-Membros, por um lado, e o mercado, por
outro lado. O público em geral, consumidores e outros não são considerados
como constituencies da organização (CORREA; MUSUNGU, 2002, p. 08).
23
Henrique Zeferino de Menezes e Daniela de Santana Falcão Poder e autonomia das organizações internacionais:
a OMPI na governança dos direitos de propriedade intelectual
Essas duas comissões, que teriam a função de aconselhar a organi-
zação e propor novos acordos, foram responsáveis, por exemplo, pela pre-
paração do relatório ‘Suestions for the Further Development of International
Patent Law’, apresentado na 4ª sessão do SCP em 2000
18
. Esse documento
foi, naquele momento, a base argumentativa e de sustentação da também
mencionada “Agenda de Patentes.
O conteúdo das negociações de novos tratados é também uma
forma de expressar a complexa relação da organização com o setor
privado e sua contradição com relação ao mandato estabelecido por
meio do convênio com a ONU. As propostas apresentadas pelos órgãos
técnicos da organização, ou aqueles encampados por ela, buscavam,
em linhas gerais, a ampliação e o fortalecimento dos direitos de PI,
o que produz desequilíbrios entre proteção e acesso a conhecimento.
Poucos foram as propostas negociadas (e aprovadas) voltadas a garantir
exibilidades a direitos e construir mecanismos que garantam acesso a
conhecimento – elementos fundamentais na conformação de sistemas
nacionais de proteção ajustados e efetivamente voltados a estimular
a inovação, especialmente em países não desenvolvidos (SHADLEN,
2005). Ou seja, os acordos assumem, nas suas linhas, uma interpreta-
ção similar aquela propagada por meio da assistência técnica, i.e. os
direitos de PI como um direito privado normal a ser protegido e não
um instrumento voltado ao desenvolvimento econômico e o bem estar
das populações.
As discussões acerca das particularidades de sistemas nacionais de
inovação e sua relação com a capacidade técnica dos países, além dos efei-
tos que esses produzem sobre políticas sociais essenciais, é grande e não é
objeto desse texto. Entretanto, vale a pena apenas enfatizar que sistemas
de proteção a PI não são instituições de tipo one-size-ts-all e a OMPI, por
meio de sua assistência técnica e da proposição de acordos de PI de tipo
TRIPS-plus, tem contribuído para a harmonização internacional dos pa-
drões de proteção, rompendo com liberdades importantes que os países
possuem na denição de suas regras nacionais. Esse padrão de atuação
foge dos princípios constitutivos do acordo da OMPI com a ONU, uma
vez que não responde às demandas dos países em desenvolvimento e me-
nos desenvolvidos por acesso a conhecimento, transferência de tecnolo-
gia e construção de sistemas de proteção responsivos às suas especicida-
des técnicas e demandas sociais.
Uma das razões fundamentais a explicar a forma de atuação da
organização e sua relação estreita com a iniciativa privada estaria no
seu sistema particular de nanciamento. Como mencionado, aproxima-
damente 95% dos recursos da organização provem da utilização do seu
sistema de concessão global de direitos de PI – e a imensa maioria desse
valor deriva especicamente da utilização do PCT. O gráco abaixo, ex-
traído do Patent Cooperation Treaty Yearly Review de 2018 dá dimensão da
importância de determinados países para a determinação do orçamento
da organização
18. Ver o documento WIPO/SCP/4/2.
24
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 7 - 26
Gráfico 3: Origem dos pedidos de patentes via PCT
Fonte: ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA PROPPRIEDADE INTELECTUAL, 2018, p. 24.
Com a exceção da China, que recentemente ascendeu ao papel de
grande patenteadora global, os principais utilizadores do sistema PCT
são países demandantes de regras TRIPS-plus, com uma agenda norma-
tiva internacional extremamente assertiva e forte na busca de acordos
preferenciais e multilaterais que garanta a proteção dos ativos de suas
empresas e cidadãos. Esse cenário criaria uma espécie de colaboração tá-
cita entre OMPI e os usuários de seus sistemas de proteção à PI, especial-
mente o PCT, em que a gradativa difusão de sistemas de proteção mais
atrativos às demandas de mercado desses países corresponderia também
aos interesses políticos da burocracia da organização.
Um último elemento a ser considerado, por mais que pareça contradi-
tório, permite avançar na argumentação sobre o distanciamento funcional
da organização do seu mandato. A Agenda do Desenvolvimento, lançada
em 2004 tinha como uma das suas demandas a “refundação” da OMPI, ar-
gumentado a necessidade dela retomar os elementos fundamentais do seu
próprio mandato. Ou seja, superar sua posição majoritariamente privatista,
direcionando suas ações – de assistência técnica e normativa – a demandas
que extrapolassem os interesses exclusivos de rmas patenteadoras e dos
países desenvolvidos e que realizasse efetivamente suas funções de desen-
volvimento, como agência especializada da ONU (MAY, 2007; MUSUNGU,
2005). O trecho abaixo, extraído do documento de lançamento da proposta
da Agenda do Desenvolvimento, demonstra esse ponto de forma clara:
Como uma agência especializada das Nações Unidas, a OMPI deve ser orientada
em todas as suas atividades pelos compromissos mais amplos relacionados ao
desenvolvimento e com as resoluções do sistema das Nações Unidas. A propriedade
intelectual não é um m em si mesmo. E certamente não deve ser vista como tal
em uma instituição como a OMPI, um membro da família das Nações Unidas. Se o
desenvolvimento é uma preocupação e um objetivo do sistema das Nações Unidas,
então, ela deve garantir que o sistema de propriedade intelectual, de que a OMPI é
uma parte central, efetivamente opere de forma a apoiar esse objetivo. A integração
da dimensão ‘desenvolvimento’ em todas as atividades da OMPI é, portanto, essên-
cia (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA PROPPRIEDADE INTELECTUAL, 2004).
No mesmo documento estão elencados pontos fundamentais que cor-
roboram o argumento. Em termos gerais, a OMPI deveria considerar os cus-
tos sociais da proteção à PI, além de tornar-se uma organização genuinamente
member-driven e não reexo dos interesses dos usrios do sistema de proteção.
25
Henrique Zeferino de Menezes e Daniela de Santana Falcão Poder e autonomia das organizações internacionais:
a OMPI na governança dos direitos de propriedade intelectual
Considerões Finais
Nesse artigo procuramos analisar o papel da OMPI, destacando as
particularidades da organização no regime internacional de PI. O objeti-
vo foi discutir como essas particularidades conferiam poder e autonomia
à organização, além de produzir um nível de disfuncionalidade. No caso
especíco da alise, disfuncionalidade signicaria atuar em sentido con-
traditório aquilo que seria esperado da organização, ou seja, em dissonân-
cia com seu mandato. Concretamente, a OMPI tem atuado nas últimas
décadas amparada pela perspectiva estratégica de fortalecimento global
dos direitos de PI, desconsiderando elementos centrais da sua função – o
estímulo à inovação tecnológica e a garantia de mecanismos voltados ao
acesso a conhecimento e transferência de tecnologia – como explicitado
no seu acordo de colaboração com a ONU.
A relação com o setor privado, por meio das instituições de assesso-
ramento, mas especialmente pelo seu particular mecanismo de nancia-
mento, em uma estrutura de governança marcada pela centralização de
poder na Secretaria Executiva, dotada de uma forte autoridade buroc-
tica, produziu uma dimica especíca na OMPI, tornando-a potencial-
mente autônoma em relação a sua constituency.
Nesse sentido, a capacidade técnica da OMPI, sua autonomia peran-
te os Estados, mas sua proximidade com grandes empresas privadas que
utilizam do sistema de proteção, afetaram a própria caracterização de PI
e sua funcionalidade como ferramenta voltada à inovação e desenvolvi-
mento. A OMPI tem uma importante capacidade de intervenção sobre
os rumos dos processos normativos internacionais e nacionais (por meio
da assistência técnica prestada, da condução das negociações de acordos
multilaterais etc.) e sua baixa responsividade em relação aos Estados-
-membros produziu disputas políticas importantes.
Por outro lado, pode-se dizer que a organização, mesmo se tor-
nando autônoma em relação à sua base elementar, os Estados-membros,
vem se colocando cada vez mais subordinada aos seus nanciadores. E
aquilo que poderia ser lido como uma forma de disfuncionalidade, na
realidade, seria a conformação de uma nova funcionalidade para a or-
ganização, que dependente dos interesses das empresas que sustentam
e mantém a sua própria burocracia, passa de uma organização pautada
pelos interesses de desenvolvimento dos países para uma agência de
reconhecimento e proteção da propriedade privada e do direito de mo-
nopólio de grandes corporões.
Referências
ABBOTT, K; SNIDAL, D. Why States Act through Formal International Organizations. The-
Journal of Conict Resolution, vol. 42, n. 1, 1998.
ABBOTT, K; SNIDAL, D. Hard and Soft Law in International Governance. International Or-
ganization, vol. 54, 2000.
ALVAREZ, José. International Organizations: Then and Now. The American Journal of Inter-
national Law, vol. 100, n.02, 2006.
BARNETT, Michael; FINNEMORE, Martha. Politics, Power and Pathologies of International
Organizations, International Organization, vol. 53, n. 04, p. 699-732, 1999.
26
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 7 - 26
CORREA, Carlos M. Intellectual property rights, the WTO and developing countries: the
TRIPS agreement and policy options. Zed books, 2000.
CORREA, Carlos; MUSUNGU, Sisule. The WIPO Patent Agenda: the risks for Developing Cou-
ntries, South Center Working Paper, vol. 12, 2002.
COX, Robert. Social Forces, states, an world orders: beyond international relations theory. In
Cox, Robert. Approaches to World Order. Cambrigde: University Press, 1996.
DEERE, Carolyn. Reforming Governance to Advance the WIPO Development Agend. In. DE
BEER, Jeremy. (org.) Implementing WIPO´s Development Agenda. The Centre for Internatio-
nal Governance Innovation (CIGI) and Wilfrid Laurier University Press, 2009.
DEERE, Carolyn. The Governance of the World Intellectual Property Organization: a reference
guide. GEG Working Paper, vol. 93, 2014.
GILL, Stephen. Globalisation, Market Civilisation, and Disciplinary Neoliberalism. Millen-
nium, vol. 24, 1995.
KEOHANE, Robert. International Institutions: two approaches. International Studies Quar-
terly, vol. 32, nº 4, p. 379-396. 1988.
KRATOCHWIL, Friedrich. RUGGIE, John. International Organization: a state of the art and
the art of the state. International Organization, vol. 40, n. 4, 1986
MASKUS, Keith. Private Rights and Public Problems: The Global Economics of Intellectual
Property in the 21st Century. Peterson Institute for International Economics Publication, 2010.
MAY, Chirstopher. The World Intellectual Property Organization: resurgence and the De-
velopment Agenda. Routledge, 2007.
MENEZES, Henrique. “O Conito Estados Unidos-Brasil sobre a organização do regime inter-
nacional de propriedade intelectual no século XXI: a ‘agenda de patentes’ à ‘agenda do desenvol-
vimento’. Tese de Doutorado em Ciência Política: UNICAMP, 2013.
MUSUNGU. Sisule. Rethinking innovation, development and intellectual property in the UN:
WIPO and beyond. QUIAP TRIPS Issues papers, vol. 05, 2005.
NESS, Gayl. BRECHIN, Steven. Bridging the Gap: International Organizations as Organiza-
tions, International Organization, vol. 42, 1988.
RAUSTIALA, Kal. SLAUGHTER, Anne-Marie. International Law International Relations and
Compliance. In. CARLSNAES, W; RISSE, T; SIMMONS, B. Handbook of International Rela-
tions. SAGE Publications, 2002.
RICHARDS, Donald. Intellectual Property Rights and Global Capitalism: the political
economy of the TRIPS agreement. M.E Sharp: London, 2004.
SELL, Susan. Private Power, Public Law: the globalization of intellectual property rights.
Cambridge University Press, 2003.
SHADLEN, Ken. Policy Space for Development in the WTO and Beyond: The Case of Intellectual
Property Rights. Global Development and Environment Institute Working Paper, No. 05-06, 2005.
WALTZ, Kenneth. Structural Realism after de Cold War, International Security, vol. 19, n. 01, 2000.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA PROPRIEDADE INTELECTUAL – OMPI. Agreement be-
tween the United Nations and the World Intellectual Property Organization, 1974. Disponível
em: <http://www.wipo.int/treaties/en/text.jsp?le_id=305623#fstar>. Acesso em: 10 jun. 2019
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA PROPRIEDADE INTELECTUAL – OMPI. Proposal by Ar-
gentina and Brazil for the Establishment of a Development Agenda For WIPO. WIPO Ge-
neral Assembly, 2004.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA PROPRIEDADE INTELECTUAL – OMPI. Program and
budget for the 2016/17 biennium, 2015.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA PROPRIEDADE INTELECTUAL – OMPI. Patent Coopera-
tion Treaty Yearly Review 2018: The International Patent System, 2018.
Agradecimentos:
Gostaríamos de agradecer aos comentários e críticas dos professores do Departamento de Rela-
ções Internacionais da UFPB Daniel de Campos Antiquera, Thiago Lima e Xaman Korai Pinhei-
ro Minillo. Agradecemos ainda o nanciamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Cientíco e Tecnológico (CNPq), por meio da sua Chamada Universal.
27
O uso de simulações e cultura popular para
o ensino de Relações Internacionais
Simulations and Pop Culture as tools to teach International
Relations
El uso de las simulaciones y de la cultura popular en la
educación de las Relaciones Internacionales
Marcelo M. Valença
1
DOI: 10.5752/P.2317-773X.2020v8.n1.p27
Recebido em: 15 de março de 2019
Aceito em: 17 de junho de 2019
R
Este artigo apresenta e discute as possibilidades advindas da utilização do ins-
trumental do aprendizado ativo em cursos de Relações Internacionais (RI) no
Brasil. Mais especicamente, trata do uso de duas estratégias que enriqueceriam
o processo de aprendizado. Estas são a combinação do recurso a material de
leitura não tradicional, com ênfase em elementos de cultura popular, e o desen-
volvimento de simulações e jogos em sala de aula. Esses elementos complemen-
tariam o ensino tradicional em ao menos três aspectos. Primeiro, ao apresentar
situações familiares aos estudantes. Segundo, a partir do estímulo do desenvolvi-
mento da habilidade de resolução de problemas baseado no conhecimento cons-
tituído. Finalmente, ao construir conexões signicativas entre o que se estuda e
a realidade que os cerca. Deste modo, proponho que tais recursos possibilitam
e facilitam a constituição de um ambiente pedagógico com resultados mais
duradouros e, consequentemente, a oferta de ferramentais mais ecientes para
o aprendizado do aluno.
Palavras-chaves: Simulações. Cultura Popular. Aprendizado Ativo. Ensino.
Relações Internacionais.
A
This article aims to introduce and discuss the possibilities arising from the use
of the active learning strategies in International Relations courses in Brazil. It
addresses the use of two strategies that would enrich the learning process of
students. These are (i) the combination of nontraditional reading material, with
emphasis on elements of pop culture, and (ii) the use of simulations and games
in classroom. These elements would complement traditional teaching methods
in at least three aspects. First, it leads students to situations they are familiar
with. Second, it promotes the development of problem-solving ability based on
the information and knowledge constituted in class. Finally, it builds meaningful
connections between what is being studied and the reality that surrounds stu-
1. Doutor em Relações Internacionais
(PUC-Rio). Professor Adjunto da Escola
de Guerra Naval e do Programa de
Pós-Graduação em Estudos Maríti-
mos (PPGEM), Rio de Janeiro, Brasil.
Coordenador do Laboratório de Métodos
de Ensino Inovadores (LabMEI/EGN) e
do Laboratório de Ensino e Pesquisa em
Relações Internacionais (LabRI/UERJ).
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-
4930-9805
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 27 - 43
28
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p.27 - 43
dents. In that fashion, I suggest that such resources facilitate the development of
a pedagogical environment with lasting results and, consequently, the emphasis
on more by ecient learning tools.
Keywords: Simulations and Models. Pop Culture. Active Learning. Teaching.
International Relations.
R
El presente artículo presenta y discute las posibilidades derivadas de la utiliza-
ción del instrumental de aprendizaje activo en los cursos de Relaciones Interna-
cionales en Brasil. Mas especícamente, aborda el uso de las dos estrategias que
enriquecerían el proceso de aprendizaje. Estas son el resultado de la combi-
nación del recurso a materiales de lectura non tradicionales, con énfasis en
elementos de la cultura popular, y el desenvolvimiento de simulaciones y juegos
en salón de clase. Estos elementos complementarían la enseñanza tradicional al
menos en dos puntos: En primer lugar, por presentar situaciones familiares a los
estudiantes y, en segundo, por iniciarse a partir del estimulo al desenvolvimiento
de la habilidad de solución de problemas basado en un conocimiento constitui-
do. Finalmente, por construir conexiones signicativas entre lo que es estudiado
y la realidad que rodea a los estudiantes. De este modo, sugerimos que estos
recursos posibilitan y facilitan la constitución de un ambiente pedagógico con
resultados duraderos y, por consecuencia, la oferta de herramientas màs ecien-
tes para el aprendizaje del alumno.
Palabras clave: Simulaciones. Cultura popular. Aprendizaje. Activo. Enseñanza.
Relaciones Internacionales.
Introdução
O ensino de Relações Internacionais (RI) no Brasil foi marcado na
última década pela preocupação crescente com a prática docente. Insti-
tucionalmente, as duas maiores associações da área – a Associação Bra-
sileira de Ciência Política (ABCP) e a Associação Brasileira de Relações
Internacionais (ABRI) – criaram áreas temáticas para estimular a reexão
crítica sobre o tema e o compartilhamento de experiências (RAMANZI-
NI JÚNIOR; LIMA, 2017). Nas conferências dessas associações pôde-se
perceber uma quantidade signicativa de trabalhos acusando um maior
uso de ferramentas como estudos de caso, jogos e recursos tecnológicos
para tornar as aulas mais dimicas. Tornou-se recorrente, também, a
referência à cultura popular como forma de ilustrar e aproximar eventos
complexos às teorias de RI e a outras áreas de nosso campo (INOUE;
KRAIN, 2014). Como consequência, percebemos que elementos de apren-
dizado ativo são gradualmente incorporados nos cursos de RI, ainda que
inconscientemente ou sem uma sistematização precisa.
Este artigo se insere nesse contexto para apresentar e discutir as
possibilidades advindas da utilização do instrumental do aprendizado
ativo em cursos de RI no Brasil. Meu foco é apontar que o uso de textos
alternativos – especialmente os que trazem elementos de cultura popular
– e de simulações em sala de aula tem potencial signicativo para contri-
buir para um aprendizado mais sólido e duradouro. Defendo que esses
elementos complementam o ensino tradicional, tanto em nível de gra-
duação, quanto em pós-graduação, em ao menos três aspectos. Primeiro,
29
Marcelo M. Valença O uso de simulações e cultura popular para o ensino de Relações Internacionais
ao apresentar situações familiares aos estudantes. Segundo, a partir do
estímulo a resolver problemas a partir do conhecimento produzido. Fi-
nalmente, ao construir conexões signicativas entre o que se estuda e a
realidade que os cerca.
Aprendizado ativo pode ser denido, preliminarmente, como um
processo no qual os estudantes se engajam em atividades que promovam
a alise, síntese e avaliação do conteúdo estudado (VALENÇA; INOUE,
2017). Ele se coloca como uma alternativa aos meios tradicionais de en-
sino por colocar os estudantes no papel de produtores do conhecimento,
engajando diretamente na constituição do ambiente pedagógico em sala
de aula. Com isso, suas experiências se tornam parte central à compreen-
são do conteúdo explorado. Na medida em que o conteúdo é analisado
criticamente, cria-se laços signicativos entre o estudante e seu objeto de
estudo, contextualizando e dando sentido ao aprendizado. Entre seus be-
nefícios estão proporcionar maior compreensão dos conceitos estudados,
a constituição de um ambiente de aprendizado mais sólido na medida em
que os estudantes se envolvem a partir de seus locais de fala em relação
a temas complexos, bem como proporcionar maior retenção do conheci-
mento (KILLE et al., 2008).
Finalmente, por cultura popular, me alinho à literatura que nor-
malmente a considera como a cultura de massa, a cultura de um povo ou
o conhecimento comum (WANG, 2013). Nesse sentido, elementos como
música, lmes, novelas e romances podem ser incluídos como parte desse
repertório. Não obstante, até mesmo práticas culturais, que conectem e
identiquem uma comunidade, podem também entrar em tal denição.
Por conta disso, a cultura popular não é reconhecida como cultura domi-
nante ou ocial, mas oferece contribuições signicativas para a formação
de comportamentos e valores sociais (DELANEY, 2007; GRAYSON; DA-
VIES; PHILPOTT, 2009; WANG, 2013).
Ainda que seja considerada mero entretenimento, a cultura popu-
lar tem sido cada vez mais citada e trabalhada como elemento de análise
das RI, abrindo espaço para trabalhos com base empírica e analítica mais
consistentes (REEVES, 2004). Assim, nesse artigo, cultura popular é tra-
balhada em seu sentido amplo, envolvendo tanto obras resultantes de pro-
dução intelectual – mas não acadêmicas – quanto práticas culturais. Ela se
apresenta, pois, como o conjunto de elementos, conhecimentos e valores
que norteiam a interação de indivíduos, seja na sociedade ou em grupos
sociais especícos, moldando seus rituais, linguagem, práticas e outras
formas de comportamentos distintivos em dado momento histórico.
Desenvolvo meu argumento em quatro partes, além desta introdu-
ção e da conclusão. Na primeira, introduzo o conceito e os ideais subja-
centes ao aprendizado ativo a partir da tensão entre o Paradigma do En-
sino e o Paradigma do Aprendizado. Aqui não apenas conceituo o que é
o aprendizado ativo como também exploro questões como sua contribui-
ção para a retenção de conteúdo e a importância da criação de laços sig-
nicativos entre o objeto estudado e os estudantes para a aprendizagem.
Na segunda seção parto da literatura de aprendizado ativo que trata
de simulações para evidenciar sua contribuição para o processo pedagó-
gico. Denir com precisão o conceito de “simulações” é tarefa complexa,
30
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 27 - 43
dado que não há consenso na literatura ou na prática quanto ao termo
para denir tal ferramenta. O uso da expressão “simulação” representa
um guarda-chuvas terminológico que engloba diferentes atividades e sig-
nicados (LEAN et al., 2006), inclusive “jogos” e “role-play”.
2
Desse modo,
trato simulações como um exercício que proporciona aos seus participan-
tes a possibilidade de interagir política e socialmente a partir de um cená-
rio real, reproduzindo os processos tais como no mundo “real” (KRAIN;
SHADLE, 2006; SHAW; GIBSON, 2010). Mostro suas contribuições e
possibilidades de uso em sala, sugerindo que sua utilização não implica
grandes recursos temporais e materiais, mas demanda planejamento e
adequação aos objetivos buscados.
A terceira seção traz o dlogo dos elementos de cultura popular
com o debate sobre simulações. A ideia é mostrar caminhos e possibi-
lidades de sua combinação para usar em sala de aula. Na quarta seção
apresento, em linhas gerais, um exemplo de simulação baseado em tex-
tos alternativos de cultura popular. A simulação foi desenvolvida para
ser adaptável a diferentes audiências, tendo sido jogada não apenas em
cursos de graduação no Brasil e nos EUA, mas também em uma conferên-
cia internacional, com participantes de diferentes idades e em momentos
distintos de suas carreiras. Finalmente, na conclusão, ofereço breves re-
exões sobre o tema e reforço a premissa de que o aprendizado ativo e o
ensino tradicional não são práticas excludentes, mas devem ser considera-
dos a partir dos objetivos buscados pelo professor em seus cursos.
Aprendizado Ativo
A premissa que permeia o conceito de aprendizado ativo não é re-
cente. Ela remete à lógica aristotélica de que a busca pelo conhecimento
deve (i) fazer sentido ao aluno e (ii) que este é parte integrante e essencial
no processo de construção do conhecimento (KILLE et al., 2010). Contu-
do, o uso sistemático do aprendizado ativo tanto no debate acadêmico
quanto no ambiente universitário se dá principalmente a partir da tensão
entre os Paradigmas do Ensino e do Aprendizado, que marcou o ambien-
te universitário nos EUA durante a década de 1990 (BARR; TAGG, 1995).
Barr e Tagg (1995) discorrem extensivamente sobre a tensão entre
os dois Paradigmas em seu artigo que se tornou referência no campo. Em
poucas palavras, essa tensão representava o choque entre duas formas de
enxergar não apenas o papel e o futuro das universidades, mas também
o questionamento sobre quem (ou aonde) repousaria a autoridade para
(re)produzir conhecimento. Com o aumento na demanda por vagas no
ensino superior – fato não exclusivo apenas nos EUA, mas, em certa me-
dida, que também ocorreu em outros países, inclusive o Brasil durante
as décadas de 1990 e 2000 –, questionava-se o papel das universidades
quanto à adequação às exigências do mercado e da sociedade (BARR;
TAGG, 1995).
Para atender à essa demanda, as turmas se tornavam mais cheias
e o professor, responsável por um número cada vez maior de disciplinas
e alunos. Especialistas apontavam, contudo, que não havia indicações
sobre como essa ampliação de turmas e responsabilidades permitiam a
2. Jogos consistem em atividades
estruturadas a partir de sistemas pré-
-moldados, com natureza competitiva.
Neles há limites estruturais claros e as
soluções para vencer o jogo conduziriam
ao ensino do conteúdo pretendido. Por
role-play entende-se a representação
de papéis com base em interesses ou
objetivos pré-definidos, de forma mais
flexível que simulações, dado que os
participantes não se prendem aos fatos
tal como na vida real (ASAL, 2005;
CARVALHO, 2013).
31
Marcelo M. Valença O uso de simulações e cultura popular para o ensino de Relações Internacionais
constituição de um ambiente pedagógico propício ao aprendizado. Eles
sugeriam que turmas mais cheias diminuíam a capacidade de alunos e
professores de dialogar, ocasionando resultados que impactavam negati-
vamente o aprendizado duradouro.
Contrios a esse cenário, Barr e Tagg (1995) defendiam que o mo-
delo dominante, idealizado a partir do Paradigma do Ensino e estrutu-
rado a partir de aulas expositivas e leituras dirigidas, não era capaz de
responder satisfatoriamente a tais mudanças. Mesmo em condições con-
sideradas ideais, o Paradigma do Ensino se mostrava incapaz de fazer os
alunos aprenderem. Para os autores, esse modelo não atendia aos objeti-
vos da universidade, que era o de produzir conhecimento, não apenas de
reproduzi-lo (BARR; TAGG, 1995).
A crítica se dirigia ao núcleo duro do Paradigma do Ensino. Este
Paradigma focava apenas em prover instrução, unilateralmente, a partir
de uma autoridade que supostamente deteria o conhecimento a um cor-
po de estudantes que estaria localizado em nível inferior em uma escala
de saber. A imagem tradicional é a do professor, que, por meio de aulas
expositivas e indicações de material de leitura instrui o aluno. A instru-
ção se daria a partir da internalização e repetição daquela informação
pelo estudante, sem a necessidade de vericar sua aceitação ou promover
questionamentos.
Os defensores deste Paradigma apontam que ele representava a
resposta mais adequada diante do crescimento do número de indivíduos
buscando o ensino superior. Alegam que este modelo poderia ser imple-
mentado conforme a necessidade e interesse das universidades, adaptan-
do-se conforme a demanda e satisfazendo tanto o corpo discente quanto
a estrutura das instituições superiores. Para eles, o Paradigma do Ensino
seria a forma mais adequada à expansão do ensino superior, pois o for-
mato de aulas e transmissão do conhecimento permite atender a múl-
tiplos alunos simultaneamente, inclusive à distância (BURGAN, 2006).
Ademais, e sem romper com estruturas existentes, seria possível adequar
o crescimento do número de estudantes com o aumento do número de
professores ou de aulas.
Barr e Tagg (1995) insistiam que pensar a educação a partir do Para-
digma do Aprendizado estaria mais adequado ao próprio papel esperado
por parte da universidade. Contudo, a mudança de paradigmas implica-
ria, acima de tudo, rever a maneira como o conhecimento era (re)produ-
zido (BARR; TAGG, 1995).
Nesse sentido, o Paradigma do Aprendizado parte da colaboração
entre professor e estudante para a construção de um ambiente de apren-
dizado capaz de estimular a produção de conhecimento. Não se fala aqui
apenas na reprodução do que é ensinado, mas em um espaço onde o
estudante não apenas tenha acesso à informação, mas também perce-
ba e desenvolva conexões signicativas entre o que lhe é ensinado e o
mundo prático (KEMBER et al., 2008; KILLE et al., 2008; POWNER; AL-
LENDOERFER, 2008). A passividade do estudante, condição derivada a
partir da estrutura do Paradigma do Ensino, impediria que tais conexões
fossem formadas, prejudicando a compreensão e retenção a longo termo
do conteúdo.
32
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 27 - 43
Defensores do Paradigma do Aprendizado apontam estudos que
comprovam que a capacidade de retenção de informação de um indiví-
duo aumenta conforme sua exposição a maneiras diferentes ao conteúdo
estudado. Nesse sentido, Stice (1987, p. 296) indica que conseguimos reter
apenas 10% do que lemos, 20% do que ouvimos e 30% do que vemos
3
. Es-
tes números sofrem variação conforme o grau de interesse com o tema,
aumentando consideravelmente quando o indivíduo percebe sentido ou
se importa com o que é ensinado. Esses números ilustram a insuciência
do Paradigma do Ensino como modelo de transmissão de conhecimento,
tanto no quesito retenção de informações quanto de desenvolvimento do
pensamento crítico (BARR; TAGG, 1995). Quanto mais nos interagimos
com o objeto de estudo, maior é o potencial de criarmos conexões de
signicância com o tema e, consequentemente, há o aumento na nossa
capacidade de aprender e reter por mais tempo o que aprendemos.
O Paradigma do Aprendizado, no qual o aprendizado ativo se inse-
re, traz críticas ao Paradigma do Ensino ao promover a quebra da centra-
lidade do professor e de sua posição privilegiada de transmissor do con-
teúdo. Aulas e leituras em excesso seriam ferramentas de ensino pouco
ecazes, ainda que passíveis de massicação e adequação a uma demanda
maior pelo ensino superior. O foco do Paradigma do Aprendizado é, pois,
tornar o ambiente pedagógico mais inclusivo e participativo, de forma
que todos os envolvidos possam colaborar para a construção do conhe-
cimento. Não há a preocupação em reproduzir o que é ensinado, mas
promover o intercâmbio crítico de ideias e experiências, sem hierarqui-
zar papéis pré-estabelecidos. O estudante deve compreender e perceber
sentido e relevância naquilo que lhe é apresentado, enquanto o professor
opera duplamente, como facilitador para este processo e como sujeito que
também aprende com o estudante (BARR; TAGG, 1995).
O aprendizado ativo é uma das formas por meio da qual o Paradig-
ma do Aprendizado toma corpo. Ele consiste no uso de técnicas estrutura-
das para promover o engajamento signicativo dos alunos na construção
do conhecimento (KILLE et al., 2010). A partir dele, busca-se a promoção
do engajamento dos estudantes por meio da sua interação com o conteú-
do lecionado (SMITH, 1991). Esta interação estaria baseada em estímulos,
questionamentos e respostas, sejam eles falados ou escritos. O objetivo
é produzir impactos em como as aulas são organizadas e conduzidas, de
forma a evidenciar signicado e relevância ao conteúdo estudado.
Na incorporação de métodos de aprendizado ativo busca-se, de for-
ma consciente, a escolha de objetivos pedagógicos a serem alcançados. As
estratégias utilizadas consistiriam em mecanismos de colaboração entre
alunos e professores para alcançá-los. Essa metodologia de ensino prevê
que os recursos em sala devem ser utilizados se e somente se promove-
rem impactos no aprendizado. O excesso de estímulos é tão prejudicial
quanto a passividade, logo saber escolher o que utilizar e como utilizar é
parte igualmente essencial quanto ao conteúdo que se é lecionado. Logo,
a pergunta que deve estar na mente dos professores ao estruturar suas
aulas não é apenas quais ferramentas se pode utilizar, mas o quanto aque-
las ferramentas produzem impactos mais signicativos que outras para
alcaar o objetivo buscado.
3. Victor Asal (2005, p. 359), vai além e
aponta estudos que indicam que ‘‘[…]
students retain 10% of what they read,
20% of what they hear, 30% of what
they see, 50% of what they see and
hear, 70% of what they say, and 90%
of what they do and say together’’. Ele
ressalta, contudo, que há época ainda
faltavam estudos mais profundos que
corroborassem tal argumento.
33
Marcelo M. Valença O uso de simulações e cultura popular para o ensino de Relações Internacionais
A literatura do campo mostra que as estratégias de aprendizado
ativo operam a partir de diferentes recursos, categorizados em formas
mais amplas. As mais comuns percebidas são (i) o uso de estudos de caso;
(ii) de textos alternativos; (iii) simulações, jogos e role-plays; (iv) o uso de
tecnologia em sala; e (v) o service-learning (CARTER, 2010; CARVALHO,
2013; DALE; PYMM, 2009; INOUE; KRAIN, 2014; KILLE, 2002; KILLE
et al., 2010; LAMY, 2000). Neste artigo, recorro a duas formas, o uso de
textos alternativos e simulações. Para os ns que pretendo alcançar, esses
dois mecanismos são particularmente úteis na promoção do engajamen-
to e envolvimento dos alunos.
Simulações como ferramentas de ensino
Na seção anterior introduzi o debate em torno do aprendizado ati-
vo. A presente seção se foca na utilização de simulações como forma de
estimular o engajamento dos estudantes e os laços de conexões signica-
tivas no estudo das RI.
O uso de simulações é bastante associado à metodologia de ensino
adotada em academias militares (ASAL, 2005). A formatação dos jogos
de guerra como processo de aprendizado e preparação para o proces-
so decisório é parte central da formação dos ociais. Contudo, seu uso
como instrumento pedagógico não é recente (SHAW; GIBSON, 2010),
tanto no campo das RI, quanto em outras áreas do conhecimento. A lite-
ratura aponta que o uso de simulações como mecanismo de aprendizado
ativo se desenvolve a partir da década de 1950, principalmente nos EUA
(SHAW; GIBSON, 2010; STARKEY; BLAKE, 2001), com a realização de
modelos e eventos que reuniam dezenas de participantes de diferentes
locais do país e do mundo.
4
Apesar da popularidade e diversidade desses modelos (ASAL, 2005),
em geral com bastante aceitação por parte dos alunos, sua viabilidade
como ferramenta pedagógica em sala deve ser pautada a partir de um
questionamento central. Esse questionamento é o mesmo que deve ser
feito ao se escolher o que usar em sala, mas que, por questões de pra-
ticidade ou de vontade, professores acabam por ignorar. Comparado a
outros métodos de ensino, quais as contribuições e benefícios que o uso
da simulação traz ao processo pedagógico (BLUM, 2010)?
A resposta não é tão evidente quanto se acredita ou de imediata
solução. Simulações não são, necessariamente, melhores ferramentas
pedagógicas que outros mecanismos de aprendizado (SHAW; GIBSON,
2010) e devem ser avaliadas a partir de um cálculo de conveniência e pro-
pósitos. É possível alcançar os objetivos pretendidos por meio de sua uti-
lização? Como perceber, então, se a simulação é adequada para o que se
pretende oferecer?
Devemos considerar duas linhas de raciocínio aqui para tentar res-
ponder a essa pergunta. A primeira se refere ao que representa a simula-
ção para o curso ou aula em questão. A segunda, aos objetivos pedagógi-
cos buscados pelo professor.
No que tange à primeira linha, simulações buscam conectar o con-
teúdo lecionado em sala com o “mundo real. Elas aprofundam a com-
4. Um dos marcos do uso de simula-
ções como ferramenta de aprendizado
comumente citados pela literatura é a
InterNation Simulation (ISN), idealizada
por Harold Guerzkow. A relevância da
ISN impactou e influenciou o desen-
volvimento de outras simulações de
grande porte, como a American Model
United Nations International e a Harvard
National Model United Nations (ASAL;
BLAKE, 2006; STARKEY; BLAKE, 2001).
No Brasil, a título de comparação,
temos simulações organizadas por
universidades como o Mini-ONU, o
Modelo da Organização das Nações
Unidas (MONU), o Modelo Intercolegial
de Relações Internacionais (Mirin),
envolvendo alunos do Ensino Médio, e
Onu Jr., por exemplo (VALENÇA; INOUE,
2017).
34
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 27 - 43
preensão das bases conceituais de um determinado evento ou fenômeno
por meio da interação entre seus participantes. O exercício de simular
permite constituir um ambiente pedagógico lúdico onde os participan-
tes experimentam os estímulos e constrangimentos relativos aos eventos
simulados (KRAIN et al., 2014). É possível perceber a operacionalização
de conceitos abstratos a partir de sua aplicação em um determinado cená-
rio que mimetiza a realidade (KILLE et al., 2010; SHAW; GIBSON, 2010).
Como resultado, tem-se um maior o contato com o objeto de estudos
para uma dimensão prática e de resolução de problemas.
Simulações permitem recriar, de forma dimica, processos políti-
cos complexos, levando os estudantes a examinar as condições incidentes
sobre e entre os atores ao longo de seu processo decisório (SMITH; BO-
YER, 1996). Isso se torna possível porque as simulações, como qualquer
modelo de representação, ressaltam aspectos relevantes do objeto de es-
tudo, destacando e explorando os elementos considerados de importância
para a formação dos envolvidos (KEMBER et al., 2008; LEAN et al., 2006;
STARKEY; BLAKE, 2001).
No tocante aos objetivos pedagógicos, a literatura do campo mos-
tra que simulações são atividades amplas que atendem a diferentes objeti-
vos educacionais. Estes vão desde o aprendizado de conteúdos especícos
à capacidade de resolver problemas (SHAW; GIBSON, 2010). Cabe, pois,
ao professor proceder com duas ações. A primeira é denir quais obje-
tivos ele deseja alcançar tanto em seu curso para, então, reetir quanto
nos meios que utilizará para engajar os alunos. A segunda é orientar e
adequar a forma como a simulação tomará corpo e o que será demandado
dos participantes, além, de suas regras, para atender àqueles propósitos
(KILLE, 2002, p. 272).
Uma vez realizada essa “autorreexão, simulações podem, sim,
constituir parte importante do processo de aprendizado e prover bene-
fícios que outras atividades não trariam. Sua capacidade de promover a
compreensão de processos complexos e com múltiplos atores e/ou temas
transversais se deve à sua capacidade de se adequar a diferentes cenários e
ambientes pedagógicos, além de estimular diferentes habilidades e capa-
cidades. Benefícios adicionais, como estimular a oratória ou a capacidade
de escrita, podem também ser percebidos, dada a diversidade de ativida-
des e mecanismos que ela envolve (SHAW; GIBSON, 2010).
Isso se reete, grosso modo, em seis contribuições ao processo de
aprendizado que são potencializados pelo uso de simulações (SHAW; GIB-
SON, 2010; STARKEY; BLAKE, 2001). Sem entrar em maiores problema-
tizações, a revisão da literatura aponta que simulações contribuem para
(i) o aprendizado cognitivo, (ii) o aprendizado afetivo, (iii) o aumento da
motivação do estudante, (iv) a retenção em longo prazo das informações e
conceitos trabalhados, (v) a efetividade no processo de aprendizado e (vi) o
fortalecimento das relações entre aluno e professor (BLUM, 2010). A ree-
xão crítica e a capacidade de resolver problemas, questões centrais para o
Paradigma do Aprendizado, são potencializadas a partir da aproximação
do conhecimento teórico obtido em sala com o dia-a-dia da política inter-
nacional (KILLE et al., 2010), proporcionando resultados que não seriam
possíveis apenas com leituras ou aulas expositivas (SHAW; GIBSON, 2010).
35
Marcelo M. Valença O uso de simulações e cultura popular para o ensino de Relações Internacionais
No tocante ao seu escopo de utilização, a literatura sobre simulações
aponta que sua recorrência nas RI evidencia sua adequação para lidar com
questões relativas à instituições e organizações internacionais, mesmo
sem se limitar a elas. Qualquer atividade que envolva formulação de deci-
sões ou negociações a partir da interação de múltiplos atores é passível de
ser simulada, independentemente das suas dimensões ou tempo de aula.
Assim como toda ferramenta de aprendizado ativo, há um conjunto
de boas práticas que norteiam a utilização das simulações em sala (KIL-
LE, 2002; KILLE et al., 2010). Sem que haja a necessidade de uma sistema-
tização formal, as boas práticas aplicadas à simulação não se diferenciam
das práticas que devem ser adotadas em qualquer ambiente de ensino. O
que se deve ter em mente é que essas práticas são adaptadas e moldadas
para potencializar o uso das simulações como ferramenta pedagógica e
visam estimular quatro aspectos centrais do processo de aprendizado.
A primeira boa prática incide sobre a reexão acerca dos objetivos
educacionais a serem alcançados. Traduzir conceitos abstratos em situa-
ções aplicáveis é um desao percebido por todos os professores (BOYER,
2000). Diante de uma gama ampla de ferramentas e recursos a serem uti-
lizados, o professor deve ter em mente que a escolha da simulação promo-
veria mais benefícios que outra ferramenta. Com isso, o professor deve
estipular esses objetivos pedagógicos desde o início do planejamento do
seu curso e de suas atividades. Ao m e ao cabo, a simulação permiti
aos alunos uma imersão na realidade que proporciona as interações social
e política necessárias para fazer política, inclusive percebendo as distor-
ções e assimetrias entre teoria e prática (BOYER, 2000).
Ainda de acordo com Kille, Krain e Lantis (2010), a segunda é a pro-
posição de aplicações e exemplos para evidenciar a capacidade de resolver
problemas da simulação ora posta. Isso contribui na promoção da cone-
xão do conteúdo com as atividades, bem como auxilia no engajamento
e envolvimento dos alunos com a atividade. Um formato de modelo ou
simulação pode não se adequar a um determinado tema, mas sua forma-
tação para atender a uma demanda pode, em muito, melhorar sua recep-
ção, o que nos leva à terceira boa prática.
Esta consiste no estabelecimento de procedimentos e regras com-
patíveis com o processo simulado no “mundo real. Conforme os partici-
pantes tenham acesso às regras do jogo, bem como dispõem dos conhe-
cimentos necessários para planejar suas ações, seu envolvimento tende a
aumentar, assim como as chances de operacionalizar conceitos, ideias e
limites. O conhecimento das regras também auxilia à transparência do
exercício, fazendo com que decisões impopulares sejam mais bem acei-
tas. A seleção do tema da simulação, suas regras, procedimentos e papeis
devem reetir os objetivos pedagógicos previstos acima.
Podemos armar, portanto, que uma imagem que não reete a reali-
dade é a de que simulações são ferramentas que demandam tempo e recursos
extraordirios. Ainda que se tenha modelos que requerem meses de pre-
paração, o uso de simulações em sala não depende de tal logística. Recursos
simples, como quadro negro e reorganização das cadeiras em sala já podem
ser sucientes para uma simulação. O desejo por maior formalidade ou rea-
lismo podem ser fatores positivos, mas não impeditivos para a sua realização.
36
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 27 - 43
Finalmente, a quarta boa prática consiste no debrieng, i.e., uma re-
exão sobre o que foi percebido e aprendido ao nal das atividades (ASAL,
2005; KILLE et al., 2010). A literatura sobre debrieng não o trata como um
exercício teórico que busca impor uma visão de mundo sobre outras, mas
de contextualizar a atividade a partir de referenciais analíticos claros e
que permitam reexão sobre resultados e processos de maneira sistemá-
tica. Essa sistematização, todavia, deve seguir os objetivos pedagógicos
buscados e o que de fato foi aprendido (LANTIS, 1996; SHAW; GIBSON,
2010; SMITH; BOYER, 1996; SWITKY, 2004; TESSMAN, 2007).
Percebe-se, a partir dessas boas práticas, que o uso adequado de si-
mulações como ferramenta de ensino implica a preocupação em estabe-
lecer os laços de signicância e relevância do conteúdo ensinado. Mais
precisamente, há evidente preocupação com a inserção das atividades, co-
nhecimentos e experiências em um contexto de formação acadêmico-pro-
ssional, capacitando o estudante para atuar no “mundo real” (STARKEY;
BLAKE, 2001). Sua combinação a elementos familiares à realidade do alu-
no, seja ela de sua vida real ou pessoal, ajuda no sucesso da atividade.
Elementos de cultura popular como textos alternativo
Como bem aponta Robert Blanton (2012), há uma crescente litera-
tura voltada para o ensino das RI que trabalha com o uso de elementos
da cultura popular como material alternativo para oferecer explicações
sobre o internacional (GRAYSON et al., 2009; HEATH-KELLY; JARVIS,
2017; SAUNDERS; HOLLAND, 2017; WANG, 2013). Ela inclui, mas não
se limita a, o uso de romances (DREZNER, 2015; NEUMANN; NEXON,
2006; ZAGARE; SLANTCHEV, 2010), lmes (BUZAN, 2010; ENGERT;
SPENCER, 2009; INOUE; KRAIN, 2014; SAIDEMAN, 2013) e músicas
(TIERNEY, 2007; VALENÇA, 2012) para tratar de temas como teorias de
RI, métodos de pesquisa e alises de eventos reais para estudos de polí-
tica externa e de guerra e da paz.
A revisão da literatura aponta que a incorporação de elementos de
cultura popular no ensino por meio de seu uso como textos alternativos
potencializa os efeitos do ensino. Textos alternativos nada mais são que
material não-tradicional que serve de apoio ao material formal, como
livros e manuais (BLANTON, 2012; KILLE et al., 2010), complementan-
do o conteúdo lecionado. Incluem-se nessa categoria obras de diferentes
naturezas, como lmes, música, romances, quadrinhos e memórias, por
exemplo. Eles auxiliam o aprendizado de conceitos e teorias complexas e
proporcionam o conhecimento mais amplo sobre eventos e fenômenos,
explorando suas diferentes dimensões – cultural, política, social e reli-
giosa, por exemplo.
Esse recurso crescente se torna possível porque o uso de elementos
de cultura popular pode ser conectado aos estudos de RI a partir de, ao
menos, quatro possibilidades (NEUMANN; NEXON, 2006). Elas incluem
(i) apontar relações de causa e/ou efeito nas relações internacionais; (ii)
operar como veículo ou imagem que ilustra conceitos e processos, aju-
dando a explicar ideias; (iii) servir como evidências ou informações sobre
normas, ideias, identidades e crenças de uma comunidade política; e (iv)
37
Marcelo M. Valença O uso de simulações e cultura popular para o ensino de Relações Internacionais
evidenciar femenos que ajudam a constituir normas, valores e ideias
sobre a política internacional, informando, naturalizando e facilitando
seu impacto social. A lógica subjacente ao seu uso é de que os elementos
de cultura popular são mecanismos de traduzir e simplicar a realida-
de, facilitando que sua audiência enxergue eventos complexos a partir
de situações análogas, operacionalizando ideias ou conceitos.
5
Elementos
de cultura popular tendem a ser naturais aos alunos, o que transfere ao
conteúdo das RI uma sensação semelhante.
Por conta disso, a literatura aponta que esse material, quando apli-
cado em sala para o estudo de temas tradicionais, tem o potencial de en-
gajar os alunos em discussões complexas. Isto ocorreria porque a cultura
popular oferece a eles bases de conhecimento familiares que ajudariam a
superar constrangimentos ou limitações e trazer suas experiências para o
processo de constituição do conhecimento. O resultado seria uma melhor
compreensão de debates e conceitos chaves para o campo, seguindo a
indicação proposta por Neumann de que “[t]hings should be made as sim-
ple as possible - not simpler” (JACKSON, 2010, p. 12). Nesse sentido, e ao
tornar mais simples e dar sentido à explicação de conceitos, esses textos
alternativos permitem ao estudante visualizar seu funcionamento, prin-
cipais elementos e características, oferecendo condições facilitadoras para
perceber sua operacionalização e suas implicações teóricas e políticas.
Além dessas possibilidades explicativas, o uso de referências à cul-
tura popular permite que exercícios que explorem o contrafactual pos-
sam ser realizados. Contrafactuais são hipóteses ou assertivas que contra-
dizem fatos que ocorreram, permitindo estudar possibilidades e resulta-
dos que não ocorreram na prática, levando à inserção de novas variáveis
e hipóteses a partir da suposição do “e se” (LEBOW, 2000; TETLOCK;
BELKIN 1996). Em outras palavras, contrafactuais permitiriam a alunos
e professor estudar como eventos de grande complexidade poderiam ter
impactado a política se outros resultados fossem percebidos.
Nessa lógica, textos alternativos oferecem o suporte necessário para
a realização de simulações como ferramentas de ensino, sejam elas basea-
das em eventos reais ou ctícios. Eles funcionariam de forma comple-
mentar, proporcionando a justicativa do contexto e possibilidades que
se deseja explorar, fornecendo o meio para que ideias complexas sejam
tornada simples e o conhecimento, constituído. Deve-se, todavia, tomar o
cuidado de explicitar as conexões entre o tema e/ou evento simulado com
o conteúdo do curso, disciplina ou habilidades que se deseja promover.
Tanto para professores quanto alunos pode parecer cativante simu-
lar elementos de cultura popular que sejam famosos ou que causem gran-
de comoção, especialmente quando falamos de questões históricas. Mas,
como destaquei anteriormente, seu uso e aplicação devem evidenciar van-
tagens sobre outros meios de ensino. Como, então, estruturar simulações
a partir de textos alternativos que fazem referência à cultura popular?
A resposta está na sua adequação e conveniência aos objetivos e
ao conteúdo analítico que se pretende explicar.
6
Os elementos de cultura
popular trazidos à sala de aula como forma de ilustrar ou operacionali-
zar uma ideia ou conceito devem ter conexão com a estrutura da aula e
os objetivos buscados, além de produzir signicados para os alunos. As
5. Cabe aqui uma nota de esclareci-
mento. O uso de elementos da cultura
popular nas RI extrapola o campo do
ensino. Exemplo são as contribuições
de natureza pós-positivista que usam a
estética e a arte como representação
de discursos dominantes. Não me refiro
a elas aqui neste trabalho. Sobre o
tema, ver, por exemplo, Michael Shapiro
(2004), Michael Shapiro e James Der
Derian (DER DERIAN; SHAPIRO, 1989),
Stephanie Fishel e Lauren Wilcox
(2017), Barbara Baudot (2010) e Roland
Bleiker (2009).
6. Exemplo é a chamada para trabalhos
para a conferência anual da Interna-
tional Studies Association de 2015. Os
organizadores propuseram as diretrizes
para o uso dos elementos de cultura
popular - a série de livros “Game of
Thrones”. Nela, os organizadores
apresentam os limites esperados para
as contribuições, deixando claro que
a análise deve ser feita a partir de
elementos empíricos da circulação de
ideias da fantasia em processos reais
de formulação de políticas externas.
Com isso, o elemento cultura popular
ganha parâmetros definidos para sua
aplicação, não buscando reproduzir
conceitos ou abordagens teóricas, mas
servindo de insumo para a reflexão
acerca de políticas públicas. A chamada
está disponível em <http://duckofminer-
va.com/2014/05/friday-nerd-blogging-
-call-for-isa-paper-proposals-on-game-
-of-thrones.html>. Acesso em: 10 mar.
2019.
38
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 27 - 43
possibilidades que derivam do uso de simulações permitem que as contri-
buições da cultura popular ao aprendizado, quando operacionalizada por
meio de simulações, sejam percebidas em sua totalidade.
Assumindo o uso de elementos de cultura popular em uma simu-
lação, questiona-se: qual o impacto instrucional desses elementos no pro-
cesso de aprendizado? Os elementos de cultura popular serão utilizados
como contexto para a simulação ou produzirão contrafactuais para o
questionamento das variáveis estudadas? As referência serão utilizadas
como textos políticos ou serão investigadas como lições pedagógicas?
Ainda, os elementos de cultura popular serão variáveis independentes
que informam e impactam o mundo real?
A dimica e procedimentos desenvolvidos a partir desses questio-
namentos oferecem possibilidades de explorar diferentes capacidades e
habilidades dos estudantes. Dependendo do objetivo educacional busca-
do pelo professor, a combinação da simulação com os textos alternativos
ajudam a criar um ambiente lúdico que amenizaria diculdades pessoais
apresentadas pelos alunos e promoveria um espaço de colaboração entre
os indivíduos e grupos envolvidos. Alunos com medo de falar em público,
por exemplo, podem perceber que seus constrangimentos pessoais não
são obstáculos para o uso de outras habilidades, como de negociação ou
resolução de disputas. Há uma espécie de trade-o entre as habilidades
individuais e sociais nos procedimentos das simulações.
Ademais, essa dimica também permite a utilização de eventos e
situações, ctícias ou reais, que melhor se adequem aos objetivos buscados.
Os textos alternativos podem proporcionar, ainda neste ambiente lúdico,
o espaço de segurança para que temas complexos ou polêmicos sejam lida-
dos pelos alunos a partir de situações alogas ou que remetam a um cená-
rio diferente – ainda que estes sejam correlacionados à situações reais. Os
alunos poderiam se ver com a liberdade de falar sobre esses temas de forma
mais livres e, ao nal, perceber que tipos de resultados tais debates gera-
riam. Portanto, dependendo da maneira como ela for estruturada, qual-
quer uma – ou múltiplas – dessas contribuições podem ser percebidas, além
do desenvolvimento de habilidades, tal como apontado na seção anterior.
A escolha pelo uso de textos alternativos exige tais questões para
que o recurso a eles não seja apenas uma atividade recreativa ou uma
forma de agradar à audiência dos estudantes. Essa preocupação deve ser
compartilhada com alunos, para que eles também se envolvam na cons-
trução do ambiente pedagógico e para dar signicado à atividade.
Zumbis e o Conselho de Segurança da ONU: simulando os impactos de
uma pandemia global na política internacional
O uso de simulações com base em textos alternativos pode ser
exemplicado pela atividade desenvolvida a partir do livro “Guerra
Mundial Z - Uma História Oral da Guerra dos Zumbis”, de Max Brooks
(BROOKS, 2013). Essa simulação, realizada inicialmente na conferência
anual da International Studies Association (ISA) em Toronto, em 2014, foi
repetida, com sucesso, junto à turmas de graduação em RI da Universida-
de do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
7
Criada e preparada para ser uma
7. A simulação foi desenvolvida em con-
junto com o professor Douglas Becker,
da University of Southern California
(USC), nos Estados Unidos.
39
Marcelo M. Valença O uso de simulações e cultura popular para o ensino de Relações Internacionais
simulação envolvendo alunos de diferentes períodos, a atividade, como
apresento abaixo, pode ser inserida em cursos de diferentes temáticas in-
cluindo, mas não se limitando a, política internacional contemponea,
direito internacional, organizações internacionais, estudos de segurança.
A premissa do livro, que também contextualiza a simulação, é que
o vírus Solanum foi identicado em um indivíduo na China e rapidamen-
te se espalhou pelo mundo. No intervalo de meses, uma parcela signica-
tiva do mundo identica ondas de casos do Solanum, sem que haja uma
resposta eciente em termos de políticas de segurança pública e sanitária.
Os indivíduos contaminados pelo Solanum entram em estado de coma
e, ao acordarem, exibem comportamento psicótico e violento, com pre-
dileção pelo consumo de carne humana, que só pode ser contido com a
destruição do cérebro - por isso, sua identicação como “vírus zumbi.
O objetivo pedagógico buscado é entender o funcionamento de
uma organização internacional diante das diversas e imeras questões
que surgem a partir de uma pandemia global. Temas como soberania,
cooperação, conhecimento epistêmico sobre a pandemia e a própria de-
nição de segurança são postas em questão aqui, fazendo os participantes
discutirem considerando as - muitas vezes conitantes - preocupações lo-
cais, regionais e globais.
Caso seja do interesse do professor restringir ou ampliar o leque
de temas em discussão, bem como os objetivos pedagógicos especícos
buscados, ele pode oferecer um relatório mais ou menos detalhado, desta-
cando os temas de debate desejados.
8
Os participantes da simulação repre-
sentam Estados no Conselho de Segurança da ONU (CSNU), bem como
Estados convidados em função dos impactos causados pelo vírus em seus
territórios. Considerando a narrativa do livro e os objetivos pedagógicos
desejados, as simulações foram estruturadas visando a participação de
quinze países:
Estados Unidos
Reino Unido
• China
• Rússia
• França
• Argentina
• Austrália
Ruanda
• Luxemburgo
• Coréia do Sul
Azerbaijão
• Guatemala
• Marrocos
Paquistão
Togo
Em todas as oportunidades em que a simulação foi realizada, o
relatório preliminar oferecido aos participantes algumas semanas antes
apresentava uma linha do tempo da expansão da pandemia pelo mundo
e a reação dos principais Estados impactados. Foram oferecidos as regras
para a simulação e os protocolos a serem obedecidos, bem como docu-
8. A simulação com maior grau
de complexidade foi realizada na
conferência anual da ISA de 2014, no
painel inovador The UN Security Council
Meets Global Pandemic: How Global
Governance Would Deal with Zombies.
As informações apresentadas aqui
refletem essa experiência. Ela envolveu
participantes de diferentes partes do
mundo e em diferentes estágios profis-
sionais. Informações sobre a simulação
e o painel em que ela foi realizada na
ISA estão disponíveis em: <https://
www. isanet.org/Conferences/Toron-
to-2014/ Program/Browse/t/7>. Acesso
em: 12 jun. 2019.
40
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 27 - 43
mentos complementares da ONU envolvendo temáticas relacionadas à
simulação, como denição de pandemia, do princípio do non-refoulement
e elementos relacionados a questões de cooperação na área da saúde pú-
blica, principal aspecto a ser abordado. Essa pluralidade de abordagens é
possibilita a riqueza do tema escolhido. Zumbis se tornaram populares
tanto na cultura popular, quanto na própria disciplina de RI (BLANTON,
2012; DREZNER, 2015), e a reexão sobre questões de saúde global leva
a temas que os alunos estão acostumados a lidar no dia a dia. A ilustração
do debate político-acadêmico com roupagens de cultura popular possibi-
lita extrapolar uma possível insegurança quanto aos pontos iniciais, dada
a bagagem cultural que se carrega sobre a “questão zumbi” e as diferen-
tes respostas - ou narrativas - que se pode criar.
O produto das discussões e deliberações era a confecção de uma
proposta de resolução abordando questões que resolvam ou limitem a
expansão da pandemia, bem como as consequências do próprio vírus e
das decisões individuais dos Estados. No caso da simulação realizada na
UERJ, os alunos deveriam também produzir documentos de posição dos
seus Estados, apontando e justicando seus principais interesses, aliados
e adversários.
Dado o escopo temático e possibilidades de discussão, bem como
a necessidade de produzir um documento para situar e contextualizar os
participantes, considero que a organização da simulação é de complexida-
de média. A condução da simulação envolve cerca de três horas, divididas
em duas horas de debates, meia hora para preparação do documento e o
restante do tempo destinado para o devido debrieng.
Conclusão
A combinação de simulações com o uso de textos alternativos ba-
seados em elementos de cultura popular é poderosa na constituição do
ambiente de aprendizado. Dada às características e estímulos que estes
recursos produzem, é possível antecipar o engajamento dos alunos nas
atividades e nos debates. Tomando-se as devidas precauções e estabelecen-
do-se os pametros de adequação das atividades aos objetivos buscados,
o uso das simulações já se tornou ferramenta consagrada pela literatura e
pela prática do ensino ativo. O uso de elementos de cultura popular, por
sua vez, promove a reexão e análise a partir de diferentes possibilidades
e cenários. Mesmo questões éticas e historicamente complexas ou difíceis
de se lidar podem ser traduzidas de forma mais simples por meio de seus
recursos, estimulando o debate e reexão acerca desses temas.
Contudo, é importante ressaltar que estes instrumentos, descolados
do planejamento e da adequação aos objetivos pedagógicos previamente
denidos, perdem muito de sua força. A lógica subjacente ao aprendizado
ativo implica a escolha de ferramentas e atividades que causem impacto
signicativo no processo de aprendizado, não apenas a sua facilidade de
uso ou seu potencial de entretenimento.
Com isso em mente, é possível desenvolver cenários, possibilidades
e avanços cognitivos a partir de pequenas simulações ou jogos em sala
de aula valendo-se de recursos que variam do simples ao culturalmente
41
Marcelo M. Valença O uso de simulações e cultura popular para o ensino de Relações Internacionais
complexo. Notícias de jornais, artigos de revistas populares ou músicas,
além de obras de cção ou cunho cultural, passam a ser ferramentas vá-
lidas e à disposição do professor para sua aplicação (quase) imediata em
sala. Cabe ao professor o recorte desejado e o seu uso, tendo sempre em
mente o foco na construção crítica do conhecimento e a formação pros-
sional-acadêmica de seus alunos.
Referências
ASAL, Victor. Playing Games with International Relations. International Studies Perspec-
tives, v. 6, p. 359–373, ago. 2005.
ASAL, Victor; BLAKE, Elizabeth L. Creating Simulations for Political Science Education. Jour-
nal of Political Science Education, v. 2, n. 1, p. 1-18, 2006.
BARR, Robert B; TAGG, John. From Teaching to Learning: a New Paradigm for Undergradu-
ate Education. Change, p. 13–25, 1995. Disponível em: https://www.colorado.edu/ftep/sites/
default/les/attached-les/barrandtaggfromteachingtolearning.pdf. Acesso em: 04 set. 2019.
BAUDOT, Barbara. Art in International Relations. In: DENEMARK, Robert A. (ed.). The Inter-
national Studies Encyclopedia, Chicester: Blackwell Publishing, 2010. p. 1–15.
BLANTON, Robert G. Zombies and International Relations: a Simple Guide for Bringing the
Undead Into Your Classroom. International Studies Perspectives, v. 14, n. 1, p. 113. 2012
BLEIKER, Roland. Aesthetics and World Politics. New York: Palgrave Macmillan, 2009.
BLUM, Andrew. Computer Simulations in the Classroom. In: DENEMARK, Robert A. (ed.).
The International Studies Encyclopedia, Chicester: Blackwell Publishing, 2010. p. 1-11
BOYER, Mark A. Coalitions, Motives, and Payos: A Simulation of Mixed-Motive Negotiations. In:
LANTIS, Jerey S; KUZMA, Lynn M.; BOEHRER, John (eds.). The New International Studies
Classroom: Active Teaching, Active Learning. Boulder e Londres: Lynne Rienner, 2000, p. 95– 110.
BROOKS, Max. Guerra Mundial Z - Uma História Oral da Guerra dos Zumbis. São Paulo:
Rocco, 2013.
BURGAN, Mary. In Defense of Lecturing. Change, v. 38, n. 6, p. 30-34, nov./dec., 2006.
BUZAN, Barry. America in Space: the International Relations of Star Trek and Battlestar Galac-
tica. Millennium: Journal of International Studies, v. 39, n. 1, p. 175–180, 2010.
CARTER, Ralph G. Teaching with Case Studies. In: DENEMARK, Robert A. (ed.). The Interna-
tional Studies Encyclopedia, Chicester: Blackwell Publishing, 2010. p. 1-12.
CARVALHO, Gustavo. Virtual Worlds Can Be Dangerous: Using Ready-Made Computer Sim-
ulations for Teaching International Relations. International Studies Perspectives, v. 15, n. 4,
p. 538–557, 2013
DALE, Crispin. PYMM, John M. Podagogy: the iPod as a Learning Technology. Active Learn-
ing in Higher Education, v. 10, n. 1, p. 8496, 2009.
DELANEY, Tim. Pop Culture: an Overview. Philosophy Now, v. 64, 2007. Disponível em: ht-
tps://philosophynow.org/issues/64/Pop_Culture_An_Overview. Acesso em: 01 mai. 2012.
DER DERIAN, James; SHAPIRO, Michael J (eds). International/Intertextual Relations: Post-
modern Readings of World Politics. New York: Lexington Books, 1989.
DREZNER, Daniel W. Theories of International Politics and Zombies - Revived Edition.
Princeton: Princeton University Press, 2015.
ENGERT, Stefan; SPENCER, Alexander. International Relations at the Movies: Teaching and
Learning About International Politics Through Film. Perspectives, v. 17, n. 1, p. 83–104, 2009.
FISHEL, Stefanie; WILCOX, Lauren. Politics of the Living Dead: Race and Exceptionalism in
the Apocalypse. Millennium: Journal of International Studies, vol. 45, n. 3, p. 1–21, jun. 2017.
GRAYSON, Kyle; DAVIES, Matt; PHILPOTT, Simon. Pop Goes IR? Researching the Popular
Culture - World Politics Continuum. Politics, v. 29, n. 3, p. 155–163, 2009.
HEATH-KELLY, Charlotte; JARVIS, Lee. Aecting Terrorism: Laughter, Lamentation, and De-
testation as Drives to Terrorism Knowledge. International Political Sociology, v. 11, p. 1–18,
set. 2017.
42
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 27 - 43
INOUE, Cristina Yumie Aoki; KRAIN, Matthew. One World, Two Classrooms, Thirteen Days:
Film as an Active-Teaching and Learning Tool in Cross-National Perspective. Journal of Politi-
cal Science Education, v. 10, n. 4, p. 424442, nov. 2014.
JACKSON, Patrick Thaddeus. The Conduct of Inquiry in International Relations: Philosophy of
Science and Its Implications for the Study of World Politics. Londres e New York: Routledge, 2010.
KEMBER, David; HO, Amber; HONG, Celina. The Importance of Establishing Relevance in
Motivating Student Learning. Active Learning in Higher Education, v. 9, n. 3, p. 249–263, nov.
2008.
KILLE, Kent J. Simulating the Creation of a New International Human Rights Treaty: Active
Learning in the International Studies Classroom. International Studies Perspectives, v. 3, n.
3, p. 271–290, ago. 2002.
KILLE, Kent J; KRAIN, Matthew; LANTIS, Jerey S. Active Learning Across Borders: Lessons
From an Interactive Workshop in Brazil. International Studies Perspectives, v. 9, n. 4, p. 411
429, nov. 2008.
KILLE, Kent J; KRAIN, Matthew; LANTIS, Jerey S. The State of the Active Teaching and
Learning Literature. In: DENEMARK, Robert A. (ed.). The International Studies Encyclope-
dia, Chicester: Blackwell Publishing, 2010. p. 1-18.
KRAIN, Matthew; KILLE, Kent J; LANTIS, Jerey S. Active Teaching and Learning in Cross-Na-
tional Perspective. International Studies Perspectives, v. 16, n. 2, p. 142–155, 2004.
KRAIN, Matthew; SHADLE, Christina J. Starving for Knowledge: an Active Learning Approach
to Teaching About World Hunger. International Studies Perspectives, v. 7, n. 1, p. 5166, 2006.
LAMY, Steven. Teaching Introductory International Relations with Cases and Analytical Exer-
cises. In: LANTIS, Jerey S; KUZMA, Lynn M.; BOEHRER, John (eds.). The New Internation-
al Studies Classroom: Active Teaching, Active Learning. Boulder e Londres: Lynne Rienner,
2000, p. 21–35.
LANTIS, Jerey S. Simulations as Teaching Tools: Designing the Global Problems Summit.
International Studies Notes, n. 21, v. 1, p. 30–38, 1996.
LEAN, Jonathan; MOIZER, Jonathan; TOWLER, Michael; ABBEY, Caroline. Simulations and
Games: Use and Barriers in Higher Education. Active Learning in Higher Education, v. 7, n.
3, p. 22742, nov. 2006.
LEBOW, Richard Ned. What’s So Dierent About a Counterfactual?. World Politics, v. 52, n.
4, p. 55085, jul. 2000.
NEUMANN, Iver B; NEXON, Daniel H. Introduction: Harry Potter and the Study of World Pol-
itics. In: NEUMANN, Iver B; NEXON, Daniel H. (eds.), Harry Potter and the Study of World
Politics, Lanham, Boulder, New York, Toronto, e Oxford: Rowman & Littleeld Publishers,
2006. p. 1-23.
POWNER, Leanne C.; ALLENDOERFER, Michelle G. Evaluating Hypotheses About Active
Learning. International Studies Perspectives, v. 9, n. 1, p. 7589, fev. 2008.
RAMANZINI JU ́NIOR, Haroldo; LIMA, Thiago Editorial - Challenges and Pathways of Teach-
ing, Research and Extension in International Relations in Brazil. Meridiano 47 - Journal of Glob-
al Studies, v. 18, mai. 2017. p. 1–5
REEVES, Julie. Culture and International Relations: Narratives, Natives, and Tourists. Lon-
dres: Routledge, 2004.
SAIDEMAN, Stephen M. Pop Prisoners Dilemma. Political Violence at a Glance. 23 abr. 2013.
Disponível em: http://politicalviolenceataglance.org/2013/04/23/pop-prisoners-dilemma/.
Acesso em: 23 de abr. 2013.
SAUNDERS, Robert A.; HOLLAND, Jack. The Ritual of Beer Consumption as Discursive Inter-
vention: Egy, Sensory Politics, and Resistance in Everyday IR. Millennium: Journal of Inter-
national Studies, v. 46, n. 2, p. 119–141, nov. 2017.
SHAPIRO, Michael J. Methods and Nations: Cultural Governance and the Indigenous Subject.
New York: Routledge, 2004.
SHAW, Carolyn M; GIBSON, Kay. Assessment of Active Learning. In: DENEMARK, Robert A.
(ed.). The International Studies Encyclopedia, Chicester: Blackwell Publishing, 2010. p. 1-16.
SMITH, Elizabeth T.; BOYER, Mark A. Designing In-Class Simulations. PS: Political Science
and Politics, n. 29, v. 4, p. 690694, 1996.
43
Marcelo M. Valença O uso de simulações e cultura popular para o ensino de Relações Internacionais
SMITH, Page. Killing the Spirit: Higher Education in America. New York: Penguin, 1991.
STARKEY, Brigid A; BLAKE, Elizabeth L. Simulation in International Relations Education.
Simulation & Gaming, v. 32, n. 4, p. 537–551, 2001.
STICE, James E. Using Kolbs Learning Cycle to Improve Student Learning. Engineering Edu-
cation, v. 77, n. 5, p. 291–296, 1986.
SWITKY, Bob. The Importance of Voting in International Organizations: Simulating the Case
of the European Union. International Studies Perspectives, n. 5, v. 1, p. 4049, 2004.
TESSMAN, Brock F. International Relations in Action: A World Politics Simulation. Boulder:
Lynne Rienner, 2007.
TETLOCK, Philip E.; BELKIN, Aaron. Counterfactual Thought Experiments in World Politi-
cs. In: TETLOCK, Philip E.; BELKIN, Aaron (eds). Counterfactual Thought Experiments in
World Politics. Princeton: Princeton: Princeton University Press, 1996. p. 3–38.
TIERNEY, Michael J. Schoolhouse Rock: Pedagogy, Politics, and Pop. International Studies
Perspectives. v. 8, n. 1, p. iii–v, jan. 2007.
VALENÇA, Marcelo M.. Combinando Teoria E Prática Na Crião De Um Programa: Experiên-
cias Em Um Curso De Guerra E Paz. Política Hoje, v. 20, n. 1, p. 253–279, 2012.
VALENÇA, Marcelo M.; INOUE, Cristina Yumie Aoki. Contribuições Do Aprendizado Ativo
Ao Estudo Das Relações Internacionais Nas Universidades Brasileiras. Meridiano 47 - Journal of
Global Studies, v. 18, p. 1–15, set. 2017.
WANG, Ningchuan. The Currency of Fantasy: Discourses of Popular Culture in International
Relations. International Studies: Interdisciplinary Political and Cultural Journal, v. 15, n. 1, p.
1–13, dez. 2013.
ZAGARE, Frank C. SLANTCHEV, Branislav L.Game Theory and Other Modeling Approaches.
In: DENEMARK, Robert A. (ed.). The International Studies Encyclopedia, Chicester: Black-
well Publishing, 2010. p. 1-16.
44
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 44 - 63
Argentina en el Consejo de Defensa
Suramericano de la Unasur (2015-2018)
Argentina in the Unasur South American Defense Council
(2015-2018)
Argentina no Conselho de Defesa Sul-americano da
Unasul (2015-2018)
Alejandro Frenkel
1
DOI: 10.5752/P.2317-773X.2020v8.n1.p44
Recibido el 19 de fevereiro de 2019
Aprobado el 06 de agosto de 2019
R
El artículo analiza la política de seguridad regional argentina durante el gobier-
no de Mauricio Macri. Especialmente, en lo que reere al desempeño del país
austral en el Consejo de Defensa Suramericano (CDS) de la Unasur. La hipótesis
de partida es que la reorientación de la política exterior impulsada a partir de
2015 por el nuevo gobierno -caracterizada por un mayor acercamiento a Estados
Unidos, el abandono de la autonomía como principio rector y una priorización
de las agendas comerciales en los esquemas de integración- tuvo un impacto en
la agenda de seguridad regional de la Argentina, generando: 1) un menor interés
en participar activamente en la Unasur y su Consejo de Defensa, y; 2) una reva-
lorización de las instancias interamericanas, a tono con la agenda de seguridad
de Washington.
Palabras clave: Argentina. Política exterior. Unasur. Consejo de Defensa Sura-
mericano. Seguridad internacional.
R
O artigo analisa a política de segurança regional da Argentina durante o governo
de Mauricio Macri. Especialmente a respeito do desempenho do esse país no
Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS) da Unasul. Como hipóteses, o artigo
sustenta que a reorientação da política externa após chegada de novo governo
em 2015 -caracterizada por uma maior aproximação com os Estados Unidos, um
abandono da autonomia e uma priorização das agendas comerciais na integra-
ção regional- impacto na agenda de segurança regional da Argentina, gerando:
1) menos interesse em participar ativamente da Unasul e do seu Conselho de
Defesa, e; 2) uma reavaliação dos organismos interamericanos, de acordo com a
agenda de segurança de Washington.
Palavras chave: Argentina. Política externa. Unasul. Conselho de Defesa Sul-A-
mericano. Segurança internacional.
1. Doctor en Ciencias Sociales (Uni-
versidad de Buenos Aires). Profesor
adjunto de Relaciones Internacionales
en la Escuela de Política y Gobierno,
Universidad Nacional de San Martín.
Becario postdoctoral del Consejo
Nacional de Investigaciones Científicas
y Técnicas (CONICET). ORCID: https://
orcid.org/0000-0003-1140-0854
45
Alejandro Frenkel Argenna en el Consejo de Defensa Suramericano de la Unasur (2015-2018)
A
The article examines the Argentina regional security policy during the Macri
administration. Specically, the analysis focuses on the performance in the Una-
sur’s South American Defense Council Unasur (SADC). The hypothesis is that
foreign policy restructuring after the arrival of a new administration in 2015
-characterized by the alignment with the United States, the abandonment of
the autonomy as a guiding principle and giving priority to commercial issues on
the regional agenda– had an impact on the Argentina’s regional security policy,
generating: 1) a lack of interest in participating in the Unasur and the South
American Defense Council; 2) a positive revaluation of the Inter-American
mechanisms, in line with the Washington’s security agenda.
Key words: Argentina. Foreign policy. Unasur. South American Defense Coun-
cil. International security.
Introducción
El 10 de diciembre de 2015, Mauricio Macri ganaó las elecciones
presidenciales en Argentina por medio de una alianza partidaria bauti-
zada como “Cambiemos”. Apelando a un discurso refundador, la nueva
administración prometió terminar con el populismo de las gestiones an-
teriores. Este espíritu refundador tuvo, asimismo, un correlato en la po-
lítica exterior, al proclamar la necesidad de terminar con el aislamiento
internacional, volver al mundo y desideologizar las relaciones exteriores.
Durante la administración de Néstor Kirchner (2003-2007) y, espe-
cialmente, en los gobiernos de Cristina Kirchner (2007-2015), los linea-
mientos externos de la Argentina se basaron en la inserción latinoameri-
cana - con especial referencia a Sudamérica -; en posturas multilaterales
críticas del orden internacional; en la articulación de la gestión externa
con las necesidades del desarrollo nacional; en la profundización de los
vínculos con potencias no occidentales -como China y Rusia- y en la bús-
queda de autonomía frente a las grandes potencias (B, 2016; M,
2016).
En materia de seguridad regional, la seguritización de la agenda
internacional impulsada por los Estados Unidos tras el 11-S llevó a los
gobiernos kirchneristas a evitar compromisos directos con la política de
Washington, aspirando a crear y consolidar nuevos mecanismos de ca-
rácter multilateral (S, 2013a). Este proceso de cambio en Argen-
tina coincidió con el ascenso de Brasil; quien, en su an de convertirse
en una potencia regional, impulsó durante la presidencia de Lula da Sil-
va (2003-2011) la conformación de nuevos organismos de integración: la
Comunidad Sudamericana de Naciones y, luego, la Unión de Naciones
Suramericanas (Unasur)
2
. En este marco, Argentina apoyó la iniciativa
brasileña de crear, dentro de la Unasur, un Consejo de Defensa Surame-
ricano (CDS). Pero no fue solo eso, con el correr del tiempo el país aus-
tral asumió un alto perl dentro del CDS, promoviendo iniciativas que
fueran más allá de la mera construcción de conanza mutua. Así surg
la propuesta de diseñar un avión de entrenamiento sudamericano y la de
crear el Centro de Estudios Estratégicos de la Defensa, cuya sede queda-
ría en Buenos Aires.
2. La conformación de la Comunidad Su-
damericana de Naciones fue impulsada
inicialmente por Venezuela.
46
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 44 - 63
El gobierno de Cambiemos, por su parte, reformuló los lineamien-
tos externos en función de una concepción distinta de la economía y el
escenario internacional. Las premisas neodesarrollistas fueron dejadas
de lado adoptando, en cambio, un “neoliberalismo enmarcado. Es decir,
combinando una política económica acorde a los intereses del capital -
nanciero internacional pero manteniendo los niveles previos de asisten-
cialismo e inversión social (Z, 2018). Sumado a ello, el nuevo
gobierno asumió una postura acrítica y abierta al proceso de globaliza-
ción (T; R, 2016), dejando de lado las posturas autono-
mistas, proteccionistas y revisionistas de la etapa kirchnerista, las cuales
pasarían a ser consideradas como características de un país atrasado y
aislado del mundo. Como parte de este proceso, Argentina apostó por
una “inserción occidental” (B, 2017), estrechando los vínculos con
Estados Unidos y los países europeos y anunciando una revisión de los
acuerdos rmados con China y Rusia.
Esta reconguración de la política exterior impactaría también en
el campo de la integración y la seguridad regional. A la llegada de Ma-
cri se sumó un cambio de gobierno en Brasil, Chile y Ecuador, dando
lugar al agotamiento del período de gobiernos progresistas en América
Latina. En sintonía con la idea de lograr un mejor posicionamiento en
las cadenas globales de valor, la proclama de “exibilizar” los bloques
regionales se convirtió en uno de los objetivos principales de estos paí-
ses. Así, las agendas multidimensionales que caracterizaron la etapa del
llamado regionalismo posliberal (S, 2009) o post-hegemónico
(R; T, 2012) se fueron diluyendo y los temas económi-
co-comerciales volvieron a hegemonizar las agendas de la integración.
En la estrategia externa de la Argentina, este giro estratégico implicó
una mayor aproximación hacia la Alianza del Pacíco, ya sea de manera
individual o promoviendo una “convergencia” con el Mercosur (P;
P, 2016).
Como parte del mismo proceso de cambio, el regionalismo lati-
noamericano ingresó, en términos del politólogo francés Olivier Dabène
(2009), en una nueva fase de “politización. En este caso, la agenda política
de los gobiernos de derecha se direccionó a la “defensa de la democracia”,
con el gobierno venezolano de Nicolás Maduro como blanco principal.
A raíz de ello, el pragmatismo ideológico que había caracterizado a la
Unión de Naciones Suramericanas (Unasur) durante sus primeros años
(B-M, 2013) daría paso a un escenario de polarización y el orga-
nismo perdió protagonismo en la política regional. La crisis se profundi-
zó luego de que, en abril de 2018, seis países miembros –Argentina, Brasil,
Chile, Colombia, Perú y Paraguay- decidieran suspender su participación
en el bloque sudamericano
3
.
En el caso argentino, los nuevos lineamientos del gobierno de Ma-
cri en materia de inserción internacional se vieron reejados en la políti-
ca de defensa y seguridad: Argentina anuló la lógica de círculos concén-
tricos que le otorgaba un sitio de privilegio a América del Sur (C,
2018), relegó su participación en el Consejo de Defensa Sudamericano de
la Unasur y aumentó su compromiso con las instancias hemisféricas de
3. En los meses subsiguientes, esos seis
países más Ecuador anunciaron la salida
definitiva de la Unasur y por iniciativa
de los gobiernos de Colombia y Chile se
creó un nuevo organismo: el Foro para el
Progreso de América del Sur (Prosur).
47
Alejandro Frenkel Argenna en el Consejo de Defensa Suramericano de la Unasur (2015-2018)
seguridad, ya sea apoyando la agenda de seguridad multidimensional
impulsada por Washington en cuestiones como el involucramiento de
los militares en tareas de seguridad pública; retomando la participación
en la Junta Interamericana de Defensa u organizando conferencias mi-
litares entre los países del continente. Podría decirse que el gobierno de
Cambiemos resignicó el código geopolítico de la Argentina, rejerarqui-
zando al espacio hemisférico como ámbito de cooperación, en detrimen-
to del espacio sudamericano
4
.
En función de lo anterior, este trabajo tiene como objetivo ana-
lizar la política de seguridad regional de la Argentina tras la llegada de
Mauricio Macri a la presidencia, en diciembre de 2015, partiendo de la
siguiente hipótesis: los lineamientos externos del nuevo gobierno –fun-
damentalmente, un mayor acercamiento a Estados Unidos, un abando-
no de la autonomía como principio rector y una jerarquización de las
agendas comerciales en los esquemas de integración- tuvieron un im-
pacto en la agenda de seguridad regional de la Argentina, generando
un mayor desinterés por participar activamente en instancias como la
Unasur y su Consejo de Defensa. Producto de estos factores, se frenarían
o, directamente, se abandonarían gran parte de las iniciativas que habían
sido impulsadas por Argentina en el CDS desde una visión de desarro-
llo autónomo. Asimismo, como parte del mismo proceso de cambio se
produciría una revalorización de las instancias políticas y de seguridad
hemisféricas, como la Organización de Estados Americanos (OEA) y la
Junta Interamericana de Defensa (JID).
En términos teórico-metodológicos, el artículo adopta un enfoque
predominantemente cualitativo, en tanto estudio de caso basado en el
alisis de documentos, notas periodísticas y discursos. No obstante,
también nos valdremos de un enfoque cuantitativo para analizar el des-
empeño de la Argentina en el Consejo de Defensa Suramericano. Espe-
cialmente, en lo que respecta a la participación del país austral en las acti-
vidades del organismo. A partir de esta evidencia se busca determinar la
importancia que le otorgó el gobierno de Mauricio Macri a la cooperación
con los países sudamericanos en materia de defensa.
En términos conceptuales, a sabiendas de que es una categoría cen-
tral en los estudios internacionales en América Latina
5
, para analizar la
relación entre autonomía y política exterior en el gobierno de Cambie-
mos utilizaremos como referencia la caracterización realizada por Ro-
berto Russell y Juan Tokatlian (2013) sobre las lógicas de aquiescencia y
autonomía en al accionar externo latinoamericano
6
.
Este artículo se divide en tres partes. En la primera de ellas se exa-
mina la política exterior de Cambiemos en función de las cuatro opcio-
nes estratégicas que conforman la lógica de autonomía. La segunda parte
analiza el desempeño de la Argentina en el Consejo de Defensa Surame-
ricano, desde su creación, en el año 2008, hasta la palisis de la Unasur
en 2018; y el posicionamiento del país austral frente al sistema interame-
ricano de defensa. En la última parte del trabajo se proponen una serie de
conclusiones e interrogantes a futuro sobre la seguridad y la integración
en América del Sur.
4. Siguiendo a Taylor y Flynt (2002,
p. 99), un código geopolítico es “un
conjunto de supuestos estratégicos que
elabora un gobierno sobre otros Estados
para orientar su política exterior”.
En esa línea, mediante un código
geopolítico los Estados configuran una
imagen parcializada del territorio, temas
de agenda, instituciones u otros Estados
sobre los cuales se va quiere intervenir
políticamente.
5. Respecto de la importancia del con-
cepto de autonomía en el pensamiento
internacional latinoamericano, véase
Tokatlian & Carvajal H (1995); Santana
& Bustamante (2013); Briceño Ruiz &
Simonoff (2015).
6. Estas lógicas serán explicadas en el
siguiente apartado
48
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 44 - 63
El gobierno de Macri y el abandono de la autonomía como principio
rector de la política exterior
Como sucede con casi todos los países, en las estrategias externas
de los gobiernos subyacen determinados paradigmas o corrientes iden-
ticables. En el caso de la Argentina, las tradiciones de política exterior
más arraigadas han estado determinadas por la relación con la potencia
dominante del momento. En este sentido, Simono (2013b) señala que los
proyectos externos estuvieron marcados por una puja entre los esquemas
de alineamiento hacia Gran Bretaña o Estados Unidos, por un lado; y, por
otro, los esquemas autonomistas, más enfocados a la integración con los
países vecinos. Pignatta (2010), por su parte, agrega como variable al mo-
delo de desarrollo, dando lugar a dos combinaciones de política exterior:
1) un liberalismo económico que ha impulsado modalidades de inserción
que privilegian el alineamiento con la potencia dominante; y, 2) un mo-
delo desarrollista orientado a la búsqueda de autonomía.
La Argentina reciente no ha estado exenta de esos vaivenes: a la
eclosión del modelo económico neoliberal en el año 2001 le sobrevino
un proyecto neodesarrollista que puso en cuestión el esquema de ali-
neamiento con Estados Unidos y reposicionó el concepto de autonomía
dentro del imaginario gubernamental argentino. Durante ese período,
aunque con algunos ajustes, los gobiernos de Néstor y Cristina Kirch-
ner mantuvieron similares lineamientos de política exterior (B, 2014;
2016). No obstante, como se dijo en la introducción, la llegada de Macri
al gobierno en diciembre de 2015 supuso una concepción distinta del de-
sarrollo nacional y del escenario internacional. En este marco, el vínculo
con Occidente –especialmente, con Estados Unidos- volvería a ocupar un
rol central y la idea de autonomía desaparecería como fundamento de la
estrategia de insercn internacional
7
.
Según explican Russell y Tokatlian (2013), la lógica de autonomía es
una de las dos “pequeñas grandes estrategias” que han denido el accionar
internacional de América Latina por más de cien años. Esta lógica tiene
entre sus nes principales el imperativo del desarrollo económico; la bús-
queda de la paz; la extensión del alcance geográco de las relaciones exte-
riores; la restricción del poder de las grandes potencias, particularmente
de Estados Unidos; así como la construcción de un orden internacional
más equitativo. En la práctica, argumentan los autores, la autonomía se
articula alrededor de cuatro opciones estratégicas: el equilibrio blando
(soft balancing), la diversicación, el repliegue y la unidad colectiva.
Contrariamente, la lógica de aquiescencia se congura en base a
un alineamiento con la potencia dominante. Los autores denen a esta
gica como resultante de una asimilación de la condición subordinada
de América Latina en el sistema internacional y el plegamiento a los inte-
reses estratégicos vitales de Estados Unidos. Así, sus principales nes son
lograr el apoyo de Washington para obtener dividendos materiales o sim-
bólicos en contrapartida por la deferencia y contar con su protección. Esta
estrategia implica la aceptación del status quo y la no adhesión a esquemas
de integración regional profunda que puedan afectar el vínculo estrecho
con Washington (RUSSELL; TOKATLIAN, 2013, p. 162).
7. Siguiendo a Lorenzini (2011), con
estrategia de inserción internacional
nos referimos al esquema central de un
conjunto de orientaciones y lineamien-
tos de la Política Exterior que un Estado
decide poner en práctica para vincularse
con otros actores en el sistema interna-
cional tanto en la dimensión política, de
seguridad como económica.
49
Alejandro Frenkel Argenna en el Consejo de Defensa Suramericano de la Unasur (2015-2018)
Tomando esta conceptualización, a continuación se analizan las
cuatro estrategias que conforman la lógica de autonomía en la política
exterior de Cambiemos, buscando determinar si las mismas han sido uti-
lizadas o, más bien, dejadas a un lado por una estrategia de acoplamiento
con la potencia hegemónica.
Soft balancing
En tanto concepto ampliamente difundido en el campo de las Re-
laciones Internacionales, la estrategia de soft balancing (BROOKS; WO-
HLFORTH, 2005, PAPE, 2005) puede denirse como la utilización de las
instituciones internacionales y de instrumentos legales y diplomáticos
para frustrar o restringir el uso abusivo del poder y las acciones agresivas
de las grandes potencias, así como para defender o hacer valer intereses
propios (RUSSELL; TOKATLIAN, 2013, p. 161-162).
En este sentido, puede decirse que uno de los aspectos distintivos
de la política exterior argentina entre 2015 y 2019 ha sido la no utilización
de las instancias internacionales como un mecanismo de defensa frente
a los países más poderosos. La percepción de un escenario internacional
como fuente de oportunidades” trazada por el gobierno de Cambiemos
resulta un buen indicador de esta premisa. En su primera alocución al
Congreso como presidente, Macri expre: “Llevamos años, años donde
la brecha entre la Argentina que tenemos y la que debería ser, es enorme.
Y ello nos ha llevado a [] aislarnos del mundo, pensando que el mundo
nos quería hacer daño. Luego, agregó que “la globalización es una rea-
lidad que trae inmensas oportunidades que debemos aprovechar” (C
R, 2016c).
A partir de esta concepción favorable de la globalización, el gobier-
no macrista buscaría mostrar una imagen de país “conable. La asisten-
cia de Macri al Foro Económico Mundial de Davos a tan solo un mes de
asumir es un ejemplo de ello. A ello se sumaría un compromiso con las
instituciones comerciales internacionales y sus agendas de apertura eco-
nómica. A poco de asumir, el gobierno acató un fallo adverso de la Orga-
nización Mundial de Comercio (OMC) en materia de restricción a las im-
portaciones. Un año más tarde, raticó el Acuerdo sobre Facilitación del
Comercio (AFC) y en diciembre de 2018 el país austral fue sede la cumbre
ministerial de la OMC. En aquel cónclave, el presidente Macri destacó
que “hoy tenemos una Argentina conectada en el mundo como nunca
antes en su historia” (P, 2018). El abandono del proyecto impulsado
durante el kirchnerismo en Naciones Unidas para generar un marco re-
gulatorio internacional de las reestructuraciones de deudas soberanas es
otro indicador de que el nuevo gobierno no visualizaba a las instituciones
internacionales como una forma de contrabalancear a las potencias
8
.
No obstante lo anterior, las políticas proteccionistas de Donald Trump
en Estados Unidos y su “guerra” comercial con China, la concentración de
los ujos de capital hacia las economías centrales y las críticas crecientes al
orden internacional liberal obligaron al gobierno de Cambiemos a reajustar
la política exterior (L B; Z, 2018). En este contexto de
cambios en el escenario global, podría decirse que la estrategia de relativizar
8. La iniciativa había sido aprobada por
la Asamblea General de la ONU en sep-
tiembre de 2015, con 136 votos a favor,
6 en contra y 41 abstenciones. Estados
Unidos, Israel, Canadá, Japón, Alemania
y Reino Unido fueron los países que se
opusieron a la resolución.
50
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 44 - 63
el soft balancing experimentó cierta revisión. Por caso, luego de que la nueva
administración estadounidense comenzara a anunciar medidas proteccio-
nistas, el gobierno de Macri impulsó junto a Chile la convocatoria a una
cumbre especial de cancilleres de los países del Mercosur y la Alianza del
Pacíco con la idea de delinear una estrategia común ante el “efecto Trump”
(L N, 2017). Ahora bien, a pesar de trazar un panorama internacional
más sombrío, ni el gobierno argentino, ni ninguno de los gobiernos neoli-
berales de la región se propuso desaar abiertamente a los Estados Unidos.
De hecho, a pesar de los ataques de Trump a la globalización, el presidente
Macri seguiría apostando a profundizar la relación con Washington, con-
ado en que habría un “proteccionismo selectivo” por parte del gobierno
norteamericano. Cuatro indicadores sustentaban esta hipótesis: la decisión
de la administración estadounidense de reabrir la importación de limones
argentinos, la exclusión de la Argentina de los aranceles al acero y al alumi-
nio impuestos en abril de 2018, el retorno al Sistema Generalizado de Prefe-
rencias estadounidense y el apoyo de la Casa Blanca al “salvataje” nanciero
del Fondo Monetario Internacional (FMI) en junio de ese mismo año
9
.
Diversicación
La diversicación constituye otra de las opciones estratégicas que
denen la lógica de autonomía de política exterior. Especícamente, esta
estrategia procura multiplicar los lazos externos con el objeto de con-
trarrestar y compensar la dependencia de una sola contraparte altamen-
te dotada de recursos y con gran capacidad de inuencia (RUSSELL;
TOKATLIAN, 2013, p. 162).
Como se dijo en la introducción, durante la etapa kirchnerista se apos-
tó a profundizar los vínculos con potencias no occidentales, especialmente
con China y con Rusia. Con la llegada de Macri a la presidencia, sin embargo,
la Argentina asumió una postura ambivalente. Si bien al comienzo China
fue caracterizada como un “socio estratégico” (S, 2016), el gobierno
también manifestaría la intención de revisar los acuerdos en infraestructura
y energía rmados por Cristina Kirchner. Desde medios periodísticos anes
al gobierno también proliferaron las críticas al emplazamiento de la estación
espacial china en la provincia de Neuquén, calicando al hecho como un
acto de subordinación al “neocolonialismo” chino (B, 2017)
10
.
No obstante lo anterior, los cambios en el escenario internacional an-
tes descriptos generaron incentivos para que el gobierno argentino diversi-
que sus vínculos externos. En este marco, Argentina se volvió un aliado
de Beijing en la defensa del orden liberal y se dejaron de lado los cuestio-
namientos a los acuerdos de la gestión anterior, lo cual podría ser tomado
como una estrategia de diversicación hacia Estados Unidos y sus políticas
proteccionistas. Los tratados rmados con el país asiático son un buen indi-
cador de este cambio de postura: mientras que entre 2015 y 2016 Argentina
y China rmaron tan sólo dos acuerdos bilaterales, entre 2017 y 2018 los
acuerdos rubricados ascendieron a treinta y cinco (M  R-
 E  C, 2019)
11
. Algo similar sucedió con Rusia: luego de
haber frenado los intercambios iniciados durante los gobiernos kirchneris-
tas, los acuerdos bilaterales volvieron a intensicarse a partir de 2017.
9. Como contrapartida, vale señalar que
el gobierno estadounidense manutuvo
la restricción para la importación de
biodiesel. En el caso del aluminio y
el acero, si bien no se aplicaron los
aranceles, sí se disminuyeron las cuotas
de exportación para las empresas
argentinas.
10. Desde esta óptica, la instalación
de la estación espacial también podría
considerarse como una estrategia de
acoplamiento hacia otra potencia.
China, en este caso.
11. Para dar una dimensión comparati-
va, durante el primer año del segundo
mandato de Cristina Kirchner, Argentina
y China firmaron cuarenta y tres trata-
dos bilaterales.
51
Alejandro Frenkel Argenna en el Consejo de Defensa Suramericano de la Unasur (2015-2018)
Gráfico 1 - Acuerdos bilaterales firmados con China y Rusia (2011-2018)
Fuente: Elaboración propia a partir de los datos de la Biblioteca de tratados del Minis-
terio de Relaciones Exteriores y Culto (2019)
Ahora bien, también vale señalar que aunque la relación con los
países del “Sur Global” adquirió otra dimensión en la segunda etapa del
gobierno de Cambiemos, lo cierto es que la estrategia internacional ar-
gentina seguiría apostando a un vínculo prioritario con las potencias oc-
cidentales: con la Unión Europea mediante un acuerdo de libre comercio
vía Mercosur; y con Estados Unidos, en tanto puerta de acceso al crédito
internacional. Como se verá a continuación, Argentina también se plegó
a la agenda de seguridad de Washington.
Repliegue
Dentro de la lógica de autonomía, el repliegue implica no asumir
compromisos estratégico-militares que puedan llevar a participar de con-
ictos externos o a involucrarse en asuntos internacionales considerados
ajenos a los intereses nacionales (RUSSELL; TOKATLIAN, 2013). Por
ello, un área clave para analizar si el gobierno de Cambiemos adoptó una
estrategia de repliegue es la relación en materia de defensa y seguridad
con los Estados Unidos. En este sentido, la visita de presidente Barack
Obama a la Argentina a comienzos de 2016 sería el puntapié inicial de un
relanzamiento del vínculo bilateral. A raíz de los acuerdos alcanzados,
Estados Unidos reanudó los programas de adiestramiento y capacitación
de militares y fuerzas de seguridad argentinas. Estos programas estaban
prácticamente paralizados desde el incidente diplomático de febrero de
2011, cuando un avión estadounidense que transportaba efectivos y mate-
rial para prácticas de entrenamiento con la Policía Federal Argentina fue
detenido en la aduana y su carga fue incautada.
La visita de Obama también signicó la reactivación del Grupo de
Trabajo Bilateral de Defensa, un mecanismo de dlogo y cooperación
entre funcionarios y miembros de las Fuerzas Armadas que no se reunía
desde 2009. La agenda de trabajo del Grupo se centraría, inicialmente,
52
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 44 - 63
en temas de mantenimiento de la paz, preparación y respuesta ante de-
sastres y cooperación hemisférica. Sumado a lo anterior, en diciembre
de 2016 Argentina fue incluida en el State Partnership Program del Depar-
tamento de Defensa y en ese marco ambos gobiernos suscribieron un
acuerdo para que la Guardia Nacional del Estado de Georgia capacite y
entrene efectivos argentinos en materia de desastres naturales y control
de fronteras (D N, 2016). Otro hecho que marcó un acercamiento
a la agenda de seguridad global de seguridad de los Estados Unidos fue la
realización, en mayo de 2018, de un ejercicio conjunto en la provincia de
Corrientes. En medio del debate por el uso de armas químicas en Siria, el
tópico central del ejercicio fue, justamente, impedir el tco de armas de
destrucción masiva a nivel global (D N, 2018b).
Unos meses más tarde se produjo otro acontecimiento que marcó
el estrechamiento de la relación bilateral: el secretario de Defensa de
Estados Unidos, James Mattis, visitó la Argentina en el marco de una
gira regional. Casi al mismo tiempo que el secretario de Estado, Rex Ti-
llerson, manifestaba la preocupación por la expansión de China y Rusia
en América Latina (E U, 2018), el jefe del Pentágono dejaba
en claro la importancia de la región en la estrategia de seguridad nor-
teamericana: “vemos a América Latina como nuestro vecino. Algunas
personas dicen que no le prestamos mucha atención. Eso, ciertamente,
no es el caso con los militares” (M R, 2018, s/p). Por su parte,
el ministro de defensa argentino, Oscar Aguad, manifestó que “si bien
Argentina se había apartado durante varios años de sus leales socios y
amigos, hemos regresado al camino del que no debimos alejarnos” (Á-
., 2018, s/p). La visita de Mattis se produjo, además, luego de que
Argentina adoptara una medida en extrema sintonía con la política que
Estados Unidos pregona para la región: el involucramiento de las Fuer-
zas Armadas en la lucha contra las denominadas “nuevas amenazas”,
como el narcotráco y el terrorismo
12
.
Ya desde los inicios del mandato, Macri planteó la necesidad de
revalorizar a las Fuerzas Armadas, alegando que habían sido “abando-
nadas”, y en este marco, proclamó la necesidad de adaptarlas a “las de-
mandas y requerimientos del siglo XXI”, mencionando entre ellos al
cambio climático y el terrorismo (C R, 2016a). La decisión de
redenir las funciones de los militares se daría nalmente en julio de
2018, con la modicación del decreto reglamentario de la Ley de De-
fensa (727/06) y la derogación del decreto 1691/06, promulgado durante
el gobierno de Néstor Kirchner. Ente los cambios más destacados, la
nueva normativa establece que las Fuerzas Armadas “serán empleadas
en forma disuasiva o efectiva” en “agresiones de origen externo”, como
indicaba el decreto 727, pero ya no se habla de la participación necesa-
ria de “fuerzas armadas pertenecientes a otro/s Estados/s”. También
se modicó un artículo que prohibía la contemplación de “hipótesis,
supuestos y/o situaciones pertenecientes al ámbito de la seguridad inte-
rior” para “la planicación, adiestramiento y la formulación doctrina-
ria” del Sistema de Defensa Nacional; y se incorporó un artículo por el
cual el Sistema de Defensa Nacional “ejercerá la custodia de objetivos
estratégicos” (R A, 2018a).
12. Tal como señaló uno de los
evaluadores, la creciente aceptación
de las “nuevas amenazas” por parte de
los países latinoamericanos habilita a
plantear que esta “nueva agenda de
seguridad” ya se ha tornado una agenda
tradicional.
53
Alejandro Frenkel Argenna en el Consejo de Defensa Suramericano de la Unasur (2015-2018)
En la práctica, esto habilita al instrumento militar a participar en
acciones de combate problemáticas no militares y trasnacionales, como
el terrorismo o el narcotráco, volviendo más porosa la barrera que di-
vide la defensa externa de la seguridad interior. No por nada, una de las
primeras medidas del gobierno tras la rma del decreto fue el despliegue
de 500 efectivos del ejército en la frontera norte del país, entre La Quiaca
y Puerto Iguazú, para prestar apoyo logístico y de comunicaciones a la
Gendarmería Nacional en el combate al contrabando y el narcotco (D
N, 2018a).
El acoplamiento con Washington no sólo supuso un cambio en la
política de seguridad respecto del gobierno de Cristina Fernández, sino
que también tuvo un sentido económico. Según explica Corigliano (2018),
cooperar en cuestiones de seguridad con Estados Unidos pasó a ser visua-
lizado por el gobierno macrista como una vía para destrabar el acceso de
productos al mercado norteamericano y para estimular las inversiones
externas. Algo similar a lo que sucedió en la década de 1990, con la po-
lítica exterior “en clave económica” de Carlos Menem. Tal como explica
D (2001), por entonces se creía que adoptar un perl no confronta-
tivo en temas de seguridad traería aparejado mayores inversiones y una
mejor inserción en la globalización.
No obstante lo anterior, vale señalar que el acoplamiento no impli-
caría un compromiso total con la política de seguridad global estadouni-
dense. Por caso, aun cuando la Argentina evaluó los pedidos de Estados
Unidos y Francia para enviar tropas a misiones en África de combate con-
tra el terrorismo, lo cierto es el gobierno de Macri terminaría optando
por no involucrarse en este tipo de acciones (T, 2018). Algo pa-
recido sucedería con Venezuela: con Macri en la presidencia, Argentina
se encolumnó con la postura “dura” hacia el gobierno de Maduro, ca-
licándolo como un régimen dictatorial y reconociendo a Juan Guaidó
como “presidente encargado”. A ello se sumaría el alto perl asumido en
el denominado “Grupo de Lima”. Sin embargo, aun cuando la Directiva
de Política de Defensa Nacional (DPDN) de 2018 calica a la crisis vene-
zolana como una “amenaza para la paz sudamericana” (R A-
, 2018b)
13
, el gobierno de Macri mantuvo una postura contraria
a una intervención militar en Venezuela, tal como viene proponiendo el
gobierno de Trump (D L A, 2019).
Unidad colectiva
Al igual que los gobiernos que le precedieron desde el retorno de-
mocrático, Mauricio Macri también proclamó a la región latinoamerica-
na como un espacio prioritario. Esta prioridad, sin embargo, no se daría
en los mismos términos que las gestiones kirchneristas. En este caso, el
Mercosur fue cuestionado por “ineciente” y en contraposición se enar-
boló a la Alianza del Pacíco como modelo a seguir (Z, 2018).
De igual forma, otras instancias de cooperación que en el período kirch-
nerista habían cobrado visibilidad, como la Unasur o la Comunidad de
Estados Latinoamericanos y Caribeños (CELAC), dejarían de ser priorita-
rias para la política exterior del nuevo gobierno.
13. La DPDN es un documento elabo-
rado por el Ministerio de Defensa en
el que se establecen los criterios gene-
rales que rigen el diseño, la ejecución y
la supervisión de la política de defensa.
54
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 44 - 63
Pero las críticas al Mercosur no suponían abandonar al bloque, sino
más bien recongurar su naturaleza y objetivos a partir de dos conceptos:
apertura y exibilidad. La apertura implica dejar de concebir al Merco-
sur como una herramienta para contrabalancear los efectos de la globali-
zación –como sucedió durante el kirchnerismo- y utilizarlo, en cambio,
como una plataforma para una “inserción inteligente en el mundo”. La
idea de la exibilización, por su parte, supone avanzar hacia una conver-
gencia con la Alianza del Pacíco, eliminando las rigideces institucionales
e ideológicas heredadas de las gestiones anteriores que, según esta visión,
impiden la integración al mundo (Á., 2016)
14
. En la práctica, la
exibilización signica revisar el Arancel Externo Común, habilitar la
posibilidad de rmar acuerdos comerciales con terceros de manera indi-
vidual e incorporar a las “nuevas agendas” en los tratados comerciales con
los países de la región, como servicios, inversiones y las “buenas prácticas
regulatorias” (G, 2018).
A tono con los intereses de Estados Unidos, la reconguración del
regionalismo sudamericano también incluyó un énfasis en la defensa de
la democracia, apuntando especialmente a Cuba y Venezuela
15
. La “cues-
tión democrática” se volvería un tema central de la política de Washing-
ton hacia la región y uno de los principales argumentos para impugnar el
avance de China y Rusia en América Latina. El primero por el desprecio
a los derechos humanos; y el segundo por vender armas a regímenes no
democráticos (MARTÍNEZ AHRENS,).
Tanto la prioridad que adquirieron los asuntos económico-comer-
ciales como repolitización en torno a la cuestión de democrática termi-
narían por afectar el carácter multidimensional del regionalismo suda-
mericano, dado que las demás “agendas” pasaron a un segundo plano o
terminaron siendo desechadas. La postura de la Argentina respecto de
la Unasur es ilustrativa de ello. En un principio, el gobierno de Macri
señaló al bloque sudamericano como uno de los tantos engranajes de la
inserción inteligente del país en el mundo. En efecto, entre 2017 y 2018
Argentina ejerció la presidencia del organismo sudamericano (S;
C, 2018). Durante ese lapso, además, Macri postuló a José Octavio
Bordón como candidato a reemplazar a Ernesto Samper en la Secreta-
ría General. Aun así, durante aquel período la actuación argentina no
hizo más que contribuir al vaciamiento del organismo. Con la excepción
de reuniones técnicas y del Consejo Suramericano de Infraestructura y
Planeamiento (COSIPLAN), el Consejo de Jefes de Estado, el Consejo de
Ministros de Relaciones Exteriores y el resto de los Consejos sectoriales
sufrieron una notable merma en sus actividades. Este vaciamiento, asi-
mismo, serviría de excusa para que seis países anunciaran suspender su
membresía, llevando al organismo a una fase terminal.
Argentina y el ocaso del Consejo de Defensa Suramericano
Durante las negociaciones que dieron forma al Consejo de Defensa
Suramericano (CDS) en el año 2008, Argentina asumió una actitud cons-
tructiva y cauta. En este sentido, el gobierno de Cristina Kirchner rechazó
la propuesta de que el Consejo asumiera la forma de una alianza de segu-
14. En julio de 2016 Argentina se sumó
a la AP como miembro observador.
15. Venezuela fue suspendida del
Mercosur y la Unasur, pero no logró ser
excluida de la OEA.
55
Alejandro Frenkel Argenna en el Consejo de Defensa Suramericano de la Unasur (2015-2018)
ridad colectiva (como proponía Hugo Chávez) y apoyó, en cambio, la idea
de foro de dlogo y coordinación de políticas (como proponía Lula da
Silva desde que lanzó la iniciativa). Desde el punto de vista argentino, si el
proyecto en cuestión avanzaba, éste debía tener una impronta ágil, senci-
lla y gradual, a tono con los esquemas de seguridad cooperativa
16
(C,
2015). La razón de ello era que en las percepciones de los tomadores de
decisión involucrados en la gestación del CDS la seguridad colectiva se
asociaba con una idea de integración demasiado ambiciosa, mientras que
el esquema de seguridad cooperativa se vinculaba con un ámbito de más
adaptable para países con heterogeneidades en sus sistema de defensa y
sus vínculos con potencias extra regionales (F; C, 2017).
Ahora bien, una vez que el organismo comenzó a funcionar Argen-
tina incrementó su protagonismo y comenzó redenir su perl. La idea
era que el esquema de seguridad cooperativa avanzara hacia un modelo
de cooperación disuasoria (V, 2016), centrado en el desarrollo de
políticas regionales que fueran más allá de la generación de conanza e
involucraran iniciativas de complementación tecnológica e industrial, de
generación de pensamiento estratégico común y la protección conjunta
de recursos naturales. Siguiendo a Bartolomé (2009), podría decirse que
se trataba de pasar de la coordinación de actividades hacia la elaboración
de una verdadera política de defensa sudamericana.
La vigencia de la idea de autonomía fue un factor que incidió fuerte-
mente para que Argentina concibiera al CDS como un mecanismo de soft
balacing y asumiera objetivos más ambiciosos en su política de seguridad
regional
17
. A ello se sumó que, fomentado por Brasil, el CDS incorporó
entre sus temáticas de cooperación a la industria y tecnología de defensa
18
.
Para el gobierno de Cristina Kirchner, esto representaba una oportunidad
para profundizar las políticas económicas neodesarrollistas y recomponer
el tejido industrial. De esta forma, tres iniciativas se volvieron emblemáti-
cas del nuevo perl que Argentina pretendía para el organismo regional.
La primera fue la creación del Centro de Estudios Estratégicos de la De-
fensa (CEED), cuya sede se estableció en Buenos Aires. Entre sus objetivos
principales, el CEED se planteaba “promover la construcción de una vi-
sión compartida que posibilite el abordaje común en materia de defensa y
seguridad regional” (CEED-CDS, 2010, s/p). Como parte de estos intentos
de conformar una visión estratégica común, se acordó la conformación de
una Escuela Sudamericana de Defensa. Argentina, Brasil y Ecuador fue-
ron los artíces de la iniciativa, quedando como países responsables de la
actividad. Por aquel entonces, la idea central era establecer un “centro de
altos estudios permanente del CDS, para la formación de postgrado y ca-
pacitación de civiles y militares en materia de desarrollo, análisis, asesora-
miento, dirección y planicación de la defensa y seguridad regional; pro-
moviendo un pensamiento estratégico con una base doctrinaria común”.
Asimismo, entre sus objetivos estratégicos se encontraba “contribuir a la
generación de una doctrina defensa común, netamente suramericana,
formulada en función de las necesidades, intereses y objetivos propios de
nuestra región” (F, 2016, p. 45). Como sostiene Gastaldi (2017), es-
tas iniciativas dan cuenta de que el CDS se constituyó para la Argentina
como una plataforma para proyectar su doctrina de defensa.
16. El modelo de seguridad cooperativa
puede definirse como un sistema de
acciones e interacciones entre los
Estados destinados a prevenir un
potencial conflicto, actuando sobre los
factores que pueden llevar a un espiral
de inseguridad. Acuerdos, mecanismos
de diálogo político, medidas de
transparencia y confianza mutua son
la base de este tipo de acciones. A
diferencia de la seguridad colectiva, que
prevé la respuesta a la agresión y su
derrota, la seguridad cooperativa aspira
a la indefinida prevención de la misma
(FONTANA, 1996).
17. Cabe destacar que al poco tiempo
que Brasil anunciaba la propuesta de
materializar un organismo de defensa en
América del Sur, Estados Unidos reacti-
vaba la IV Flota en el continente, bajo la
responsabilidad del Comando Sur.
18. El proyecto “Brasil 3 Tempos” del
año 2006 y “el Programa de Aceleración
de Crecimiento (PAC)” de 2007, son dos
indicadores que expresan la intención
del país verde amarelo de introducir
estos temas en un futuro esquema
regional de defensa. En dichos docu-
mentos, se resaltan cuestiones como la
necesidad de crear un espacio económi-
co integrado en América del Sur, basado
no sólo en la dimensión económica, sino
también en variables como la seguridad
y la necesidad de fortalecer el sistema
nacional de defensa y de ciencia y
tecnología, esenciales para llevar a que
Brasil se convierta en un “importante
actor internacional” (República Federati-
va del Brasil, 2006).
56
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 44 - 63
La tercera iniciativa que reejaba que Argentina pretendía ir más
allá de un esquema de seguridad cooperativa fue la propuesta de diseñar
un avión de entrenamiento básico sudamericano –denominado Unasur
I- (CONSEJO DE DEFENSA SURAMERICANO, ). La fabricación de
una aeronave de este tipo permitiría reducir la dependencia que tienen
los sistemas de defensa de los países sudamericanos de los insumos pro-
ducidos por potencias extra regionales. De igual forma, para la Argentina
signicaba un incentivo para relanzar la Fábrica Argentina de Aviones
“Brigadier San Martín” S.A. (FAdeA), re estatizada en el año 2009.
La reorientación de la política exterior y de seguridad impulsada
por la gestión de Macri, sin embargo, afectó la participación de Argentina
en el Consejo de Defensa Suramericano. Uno de los indicadores más no-
tables fue la disminución de la Argentina en actividades de los sucesivos
Planes de Acción del CDS: de las 16 actividades acordadas en el primer
Plan de Acción (2009), Argentina fue responsable de 6. Es decir, el 37,5%
del total. Otro punto alto se daría en los planes de 2014 y 2015, cuando
Argentina asumió la responsabilidad en 16 iniciativas, sobre un total de
46. O sea, el 32,6% de todas las actividades. En 2016 y 2017, en cambio, el
país austral sólo quedaría a cargo de 4 actividades sobre un total de 31. Es
decir, la participación bajó al 12,9%.
Gráfico 2 - Actividades de responsabilidad y corresponsabilidad argentina por Plan de
Acción (2009-2017)
Fuente: elaboración propia en base a los Planes de Acción del CDS
*En dichos Planes de Acción se establecieron una serie de actividades como “Grupos
de Trabajo Extra-Plan de Acción.
Pero más allá de los números, un alisis cualitativo también da
cuenta del giro en la política argentina hacia el CDS. En efecto, gran parte
de las iniciativas que habían sido impulsadas por desde una visión de de-
sarrollo autónomo –como la construcción de un avión de entrenamiento
sudamericano o el Centro de Estudios Estratégicos de la Defensa– fue-
ron ralentizadas o, directamente, abandonadas. En el caso del CEED, Ar-
gentina dejó la presidencia organismo y a partir de 2016 no nombró más
delegados permanentes. Respecto del avión, si bien la actividad sigu
gurando en los Planes de Acción como una iniciativa de responsabili-
57
Alejandro Frenkel Argenna en el Consejo de Defensa Suramericano de la Unasur (2015-2018)
dad argentina, lo cierto es que el gobierno de Macri dejó de impulsar su
implementación al discontinuar la celebración de reuniones ad hoc entre
personal especializado. De hecho, el Plan de Acción 2017 especica en el
apartado de “observaciones” que el resto de los países consultó a la Ar-
gentina si efectivamente iba a continuar comandado el grupo de trabajo
encargado del diseño del avión.
Ahora bien, más allá de la actuación de la Argentina, vale resaltar
que las dicultades para concretar buena parte de las iniciativas acordadas
es una responsabilidad que atañe a la mayoría de los países sudamerica-
nos. Por caso, Brasil -el principal ideólogo del Consejo- se desentendió del
organismo regional ni bien comenzó su crisis económica y política (V ,
F; R, 2017). Aunque no es el sentido de este artículo analizar
esa reticencia brasileña, desde el alisis conceptual de lo que constituye
un líder regional podría decirse que Brasilia no asumió el rol de paymaster.
Esto es, absorber buena parte de los costos que implicaba avanzar en las ac-
ciones del Consejo
19
. Indicadores de ello han sido la negativa a involucrar a
la Empresa Brasileira de Aeronáutica S.A (Embraer) en el consorcio empre-
sarial para participar en el diseño del avión de entrenamiento Unasur o la
oposición a que la Escuela Sudamericana de Defensa tuviera una sede cen-
tralizada, una burocracia propia y programas de formación autónomos.
Relegitimación del Sistema Interamericano de Defensa
La creación del CDS y la búsqueda de una mayor autonomía res-
pecto de Estados Unidos en los tiempos del kirchnerismo no solo incidie-
ron en el posicionamiento de la Argentina frente a la Unasur y su Consejo
de Defensa. También impactaron en la valoración sobre el Sistema Inte-
ramericano de Defensa (SID)
20
. En este marco, puede decirse que a medi-
da que profundizaba la participación en el CDS, el gobierno de Cristina
Kirchner comenzó a percibir al ámbito interamericano como un espacio
cada vez más incompatible con el proyecto “sudamericanista”.
En este marco, el gobierno argentino impulsó una serie de iniciati-
vas orientadas a revisar la vigencia de las instancias hemisféricas. El pri-
mer episodio donde se hizo visible esta posición fue en el debate por “mo-
dernizar” a la Junta Interamericana de Defensa, a comienzos de la década
de 2000
21
. Mientras algunos, patrocinados por Estados Unidos, plantea-
ron dotar a la JID de nuevas funciones (que incluían coordinar acciones
frente amenazas no tradicionales, como narcotráco o terrorismo); hubo
otros que propusieron iniciar un proceso de revisión y determinar si la
JID seguía teniendo vigencia en el contexto actual. En aquella ocasión,
Argentina se inclinó por la segunda propuesta
22
. A medida que Argenti-
na consolidaba su lugar en el CDS, las críticas al sistema interamericano
fueron en aumento hasta plantear la eliminación de algunas de sus ins-
tancias, como el JID y el TIAR (INFONEWS, 2012). Esta visión negativa
de la seguridad hemisférica también quedaría plasmada en la Directiva de
Política de Defensa Nacional de 2014, al señalar “el carácter anacrónico
de los organismos militares de la OEA (R A, 2014).
Al igual que sucedió con el CDS, la llegada de Macri a la presidencia
supuso un nuevo posicionamiento en torno a la seguridad hemisférica.
19. Según explican autores como Spektor
(2010) y Merke (2014), esta resistencia
convertirse en “pagador” de bienes
públicos regionales es algo característico
de las elites políticas brasileñas.
20. Aunque en realidad no existe un
documento o tratado que establezca for-
malmente a dicho sistema como tal, se
conoce como Sistema Interamericano de
Defensa (SID) al conjunto de instrumen-
tos y órganos que operan en el ámbito
hemisférico. Sus orígenes se pueden
rastrear desde la elaboración de la Doc-
trina Monroe, en 1823, en tanto intento
primigenio de establecer algún tipo de
doctrina de seguridad colectiva. Sin
embargo, sería la creación de la Junta
Interamericana de Defensa (JID), en
1942, el primer paso en la conformación
del SID. Posteriormente, en el contexto
de Guerra Fría fueron creados nuevos
organismos: el Tratado Interamericano
de Asistencia Recíproca (TIAR), en 1947;
la Organización de Estados Americanos
(OEA), en 1948 y el Colegio Intera-
mericano de Defensa, en 1962. En la
década de 1990 se daría un intento por
reconvertir al SID, adaptándolo al nuevo
escenario global y buscando introducir
a las “nuevas amenazas” en la agenda
regional de seguridad. Así surgiría el
Comité de Seguridad Hemisférica de la
OEA (CSH); la Conferencia de Ministros
de Defensa de las Américas (CMDA);
la Convención Interamericana contra
el Terrorismo (CICTE); la Convención
Interamericana contra el Abuso de
Drogas (CICAD); la Convención contra la
Fabricación Ilícita de Armas de Fuego,
Municiones y Explosivos (CIFTA); y la
Convención Interamericana sobre Trans-
parencia en las Adquisiciones de Armas
Convencionales (CITAAC).
21. La idea de modernización se basaba
en la percepción de que la JID, un
órgano creado en plena Segunda Guerra
Mundial, estaba desacoplada con el
entorno y los desafíos actuales de la
seguridad hemisférica y regional.
22. Según afirmaba un documento
presentado por la Argentina ante la
Comisión de Seguridad Hemisférica de
la OEA en el año 2012, “el desempeño
de la JID en estos seis años transcurri-
dos desde la reforma de su Estatuto no
ha satisfecho las expectativas” y, por
lo tanto, “no se aprecia conveniente
avanzar en las actuales pretensiones de
la JID relativas a expandir sus compe-
tencias y campos de acción institucio-
nales”. A ello se agregaba que existe un
desfasaje entre la Junta Interamericana
de Defensa y la consolidación de una
tendencia a la regionalización de la
cooperación en materia de defensa
que se ve reflejada, por caso, en el
afianzamiento del Consejo de Defensa
Suramericano de la Unasur (Comisión de
Seguridad Hemisférica, 2012)
58
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 44 - 63
Como parte del renovado compromiso de con la agenda de seguridad
de Estados Unidos, las críticas al sistema interamericano esbozadas du-
rante el gobierno anterior se abandonaron y el país volvió a asumir un
rol “constructivo” en el fortalecimiento de la seguridad hemisférica. Por
caso, el gobierno argentino volvió a designar a un representante perma-
nente ante la JID y desechó cualquier tipo de iniciativa diplomática orien-
tada a revisar o denunciar el TIAR.
Otro hecho que dio cuenta de la importancia que asumieron las
instancias interamericanas en la política de seguridad regional del go-
bierno macrista fue la organización de dos reuniones multilaterales. La
primera de ellas fue la edición 2018 de la Conferencia Sudamericana de
Defensa (SOUTHDEC), un evento anual patrocinado por el Comando
Sur de los Estados Unidos. Llevada a cabo en Buenos Aires entre el 28
y 29 de agosto bajo el tema “Contribuciones militares sudamericanas
hacia la paz global, militares y civiles de la región conversaron sobre
misiones de paz, asistencia humanitaria ante desastres naturales y de-
fensa contra amenazas trasnacionales” (I., 2018, s/p)
23
. El
segundo cónclave regional que organizó la Argentina fue la Conferen-
cia Especializada sobre liderazgo militar de la Conferencia de Ejércitos
Americanos (CEA), llevada a cabo del 15 al 19 de octubre de 2018 en la
ciudad de Buenos Aires
24
.
La Directiva de Política de Defensa Nacional de 2018 también re-
ejó esta relegitimación del espacio hemisférico, en detrimento de las
instancias subregionales como el CDS. Entre las funciones de “apoyo a
la Política Exterior por parte de las Fuerzas Armadas”, el documento esta-
blece como prioritaria “la participación en los organismos multilaterales
en materia de defensa, principalmente en el marco de la OEA” y luego a
la “cooperación e integración mediante los mecanismos de construcción
de conanza vigentes en el Cono Sur” (R A, 2018b). Es
decir, se enfatiza el rol de la OEA y no hay mención alguna a la Unasur y
su Consejo de Defensa.
Conclusiones
Como se intentó mostrar a lo largo del artículo, la llegada de Mau-
ricio Macri a la presidencia argentina en 2015 implicó un cambio en la
política exterior, especialmente en hecho de haber abandonado a la idea
de autonomía como principio rector de la estrategia internacional. Esto
se hizo ostensible en la no utilización del equilibrio suave como instru-
mento para “contener” a las potencias; en un realineamiento con Estados
Unidos y los países europeos, lo cual afectó la diversicación de los víncu-
los externos; en un repliegue moderado en términos de involucrarse en
las agendas de seguridad de la potencia hegemónica y en un cambio de
concepción sobre la integración regional, que ya no sería concebida como
una herramienta para contrarrestar los efectos asimétricos del sistema
internacional, sino como una vía para plegarse a la globalización y captar
inversiones externas. De igual forma, el regionalismo perdió su carácter
multidimensional y los temas económicos-comerciales volvieron a ocu-
par un lugar excluyente en las agendas de los organismos de integración.
23. Participaron representantes de Ar-
gentina, Brasil, Bolivia, Chile, Colombia,
Ecuador, Estados Unidos, Guyana, Guya-
na Francesa, Paraguay, Perú, Uruguay y
Surinam.
24. La CEA es una organización militar
creada en 1960 como un foro de co-
mandantes de Ejércitos del continente
americano. Actualmente está integrada
por 22 países.
59
Alejandro Frenkel Argenna en el Consejo de Defensa Suramericano de la Unasur (2015-2018)
En base a ello, el trabajo buscó demostrar que estos cambios tuvie-
ron un impacto en la valoración del gobierno macrista hacia la Unasur y
su Consejo de Defensa: cualitativa y cuantitativamente, Argentina mer-
mó su participación en los planes de acción del CDS. Como otra cara de
la misma moneda, Argentina renovó su compromiso con la seguridad
hemisférica y aumentó su participación en las instancias del Sistema Inte-
ramericano de Defensa.
Desde una mirada regional, los cambios de signo político en buena
parte de los países sudamericanos fueron determinantes para el futuro
de la Unasur y, por ende, del Consejo de Defensa Suramericano. Asocia-
do al populismo y el antiamericanismo de los gobiernos progresistas,
el bloque sudamericano cayó en desgracia y fue reemplazado por una
nueva instancia, el Foro para el Progreso de América del Sur (Prosur).
De igual forma, es importante señalar que aunque resulte evidente que
la Unasur y el CDS tuvieron su ocaso tras la reorientación ideológica
en la región, buena parte de las dicultades y trabas a la integración
regional comenzaron mucho antes, cuando todavía predominaban los
gobiernos “progresistas”. Ejemplos de ello son las diferencias que hubo
frente a la polémica destitución de Fernando Lugo en 2012, las diculta-
des que tuvo la Unasur para mediar en la crisis venezolana, el comercio
intrarregional constantemente a la baja y las proliferación de barreras
arancelarias y paraarancelarias entre los miembros del Mercosur. A todo
esto se sumaría lo que Nolte y Mijares llaman “la paradoja de la autono-
mía”. Esto es, una neutralización mutua entre la búsqueda de autono-
mía regional respecto de Estados Unidos y la existencia de autonomías
nacionales que permiten modicar las instancias regionales sin mayores
costos (N; M, 2018).
La participación de las Fuerzas Armadas en tareas de seguridad in-
terior es otra variable importante a la hora de pensar el declive del CDS.
La inclusión de las amenazas no tradicionales fue un tema de debate desde
empezaron las negociaciones. Países como Colombia y Perú insistieron en
que problemáticas como narcotráco o terrorismo debían ser abordadas
por el organismo. Otro grupo –que incluía a Argentina, Uruguay, Brasil y
Chile- sostenía, en cambio, que este tipo de problemáticas no correspon-
dían al ámbito de acción de las Fuerzas Armadas. Aunque inicialmente
primó esta última postura, las presiones del primero grupo de países si-
guieron estando presentes, hasta que en 2012 se resolvió crear un consejo
especíco para tratar estas problemáticas: el Consejo Suramericano en
materia de Seguridad Ciudadana, Justicia y Coordinación de acciones con-
tra la Delincuencia Organizada Transnacional. Pero el asunto no se saldó
allí: los cambios recientes en las realidades nacionales reconguraron el
debate, inclinando la balanza regional hacia el sector más proclive a una
“policiación” de los militares. Por caso, bajo la presidencia de Dilma Rous-
se los uniformados brasileños incrementaron su participación en tareas
de seguridad pública. Ejemplo de ello es la política de “pacicación” de fa-
velas, profundizada luego por Michel Temer y Jair Bolsonaro. En Uruguay
otro de los países que dispone en su normativa una diferenciación entre
seguridad interior y defensa externa- el senado aprobó recientemente una
ley que habilita a los militares a realizar tareas policiales en la frontera (E
60
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 44 - 63
O, 2018) y en las últimas elecciones presidenciales incluyeron
un plebiscito para decidir si se habilitaba una reforma constitucional para
crear una Guardia Nacional conformada por policías y militares, endure-
cer las penas de prisión para ciertos delitos y permitir allanamientos noc-
turnos. Como se explicó anteriormente, en Argentina también se avan
en la militarización de la seguridad interior durante los últimos años del
gobierno de Cristina Kirchner y, sobre todo, tras la llegada de Mauricio
Macri. La operativización de involucrar a los militares en tareas policiales,
sin embargo, ha sido más moderada que en el resto de los casos. Según
explica Anzelini (2019), esto se debió principalmente a que las intenciones
chocaron con un escenario de restricción presupuestaria.
Ahora bien, más allá de los matices, lo anterior da cuenta de que
las funciones tradicionales de la defensa son cada vez menos prioritarias
en los Estados de la región, por lo cual no suena descabellado que los go-
biernos preeran desentenderse de instancias como el CDS, cuya misión
y objetivos se circunscriben a este tipo de funciones.
Como último aspecto, vale señalar que la Unasur y su Consejo de
Defensa no han dejado de existir, a pesar de que varios de sus miem-
bros hayan suspendido su participación. Esta tendencia a crear bloques y
desecharlos al poco tiempo es para muchos es una de las debilidades del
regionalismo latinoamericano. No obstante, también puede ser un punto
a favor, en caso que los países de la región vuelvan a considerar la impor-
tancia que tiene contar una instancia propia en materia de defensa, aun
con toda la heterogeneidad que caracteriza a América del Sur.
Referencias
ÁMBITO.COM. Macri y Temer coincidieron en “exibilizar” el Mercosur y dieron ulti-
mátum a Venezuela. 3 octubre de 2016. Disponible en: https://www.ambito.com/macri-y-te-
mer-coincidieron-exibilizar-el-mercosur-y-dieron-ultimatum-venezuela-n3957293. Accesso
en: 10 mar. 2020
ÁMBITO.COM. Aguad recibió al secretario de Defensa de EEUU y dijo que “regresamos
al camino del que no debimos alejarnos”. 15 agosto de 2018. Disponible en: https://www.
ambito.com/politica/aguad-recibio-al-secretario-defensa-eeuu-y-dijo-que-regresamos-al-cami-
no-del-que-no-debimos-alejarnos-n4030714. Acceso en: 2 mar. 2020
ANZELINI, L. Between discourse and eective action: the contradictions of Macris defense
policy.Revista Cientíca General José María Córdova, Bogotá, v. 17, n. 25, 2019, p. 6990.
BARTOLOMÉ, M.C. Las Fuerzas Armadas sudamericanas y las perspectivas de cooperación en
la lucha contra el terrorismo y el crimen organizado. Estudios Internacionales, Santiago, n.
164, 2009, p. 7-30.
BERNAL-MEZA, R. Modelos o esquemas de integración y cooperación en curso en América
Latina (UNASUR, Alianza del Pacíco, ALBA, CELAC): una mirada panorámica. S.l.: Ibe-
ro-Amerikanisches Institut, Stiftung Preußischer Kulturbesitz, 2013.
BLINDER, D. Bases espaciales extranjeras: la construccn de un imaginario sobre China y Eu-
ropa en la prensa y la política argentinas. Revista iberoamericana de ciencia tecnología y so-
ciedad, Buenos Aires, v. 12, n. 36, 2017, p. 61-84.
BRICEÑO RUIZ, J.; SIMONOFF, A. Integración y cooperacn regional en América Latina:
una relectura a partir de la teoría de la autonomía. Buenos Aires.: Editorial Biblos, 2015.
BROOKS, S.G.; WOHLFORTH, W.C., Hard times for soft balancing. International security,
Massachusetts, v. 30, n. 1, 2005, p. 72–108.
BUSSO, A.. Los vaivenes de la política exterior argentina re-democratizada (1983-2013). Reexio-
nes sobre el impacto de los condicionantes internos. Estudios Internacionales, Santiago, n. 177,
2014, p. 9-33.
61
Alejandro Frenkel Argenna en el Consejo de Defensa Suramericano de la Unasur (2015-2018)
BUSSO, A. Los ejes de la accn externa de Cristina Ferndez: ¿cambios hacia un nuevo hori-
zonte o cambios para consolidar el rumbo? Relaciones Internacionales, La Plata, v. 25, n. 50,
p. 125-154, 2016.
BUSSO, A.. El rol de los Estados Unidos en el diseño de política exterior del gobierno de Mauri-
cio Macri: conceptos básicos para su análisis. Anuario en Relaciones Internacionales. La Plata:
Instituto de Relaciones Internacionales - Universidad Nacional de La Plata, 2017.
CALDERÓN, E.. La defensa argentina del siglo XXI: Del activismo subregional al globalismo
relativo. Revista Política y Estrategia, Santiago, n. 131, 2018, p. 57–79.
CASA ROSADA. Macri encabezó el acto por el Día del Ejército Argentino. 2016a. Dispo-
nible en: https://www.casarosada.gob.ar/slider-principal/36446-macri-encabezo-el-ac-
to-por-el-dia-del-ejercito-argentino. Acceso en: 5 mar. 2020
CASA ROSADA. Palabras del Presidente en la Cumbre del Mercosur, en Paraguay. 2016b.
Asuncn. Disponible en: http://www.casarosada.gob.ar/informacion/discursos/35112-pala-
bras-del-presidente-en-la-cumbre-del-mercosur-en-paraguay. Acceso en: 5 mar. 2020
CASA ROSADA. Palabras del presidente Mauricio Macri en la 134° apertura de sesiones
ordinarias del Congreso. 2016c. Disponible en: http://www.casarosada.gob.ar/informacion/
discursos/35651-palabras-del-presidente-mauricio-macri-en-la-134-apertura-de-sesiones-ordina-
rias-del-congreso. Acceso en: 10 mar. 2020
CEED-CDS. Estatuto del Centro de Estudios Estragicos de la Defensa del Conse-
jo de Defensa Suramericano de la Unasur. 2010. Disponible en: https://web.archive.org/
web/20180825002433/http://ceed.unasursg.org/Espanol/09-Downloads/Normativa/Estatu-
to-CEED.pdf Acceso en: 10 mar. 2020
COMINI, N. El origen del Consejo de Defensa Suramericano. Modelos en pugna desde una
perspectiva argentina. Revista de Estudios en Seguridad Internacional, Granada, v. 1, n. 2,
2015, p. 109-135.
COMISIÓN DE SEGURIDAD HEMISFÉRICA. Nota de la misión permanente de la República
Argentina ante la OEA respecto de la resolución AG/RES. 2632 (XLI-O/11) “Futuro de la Mi-
sión y Funciones de los instrumentos y componentes del Sistema Interamericano de Defensa”.
Buenos Aires, 2012.
CONSEJO DE DEFENSA SURAMERICANO. Acta de la VIII Reunión Ordinaria la Instancia
Ejecutiva del Consejo de Defensa Suramericano. Lima, 16 y 17 de mayo de 2012.
CORIGLIANO, F. Flexibilidad en un mundo incierto: Creencias, espacios y lineamientos de la
política exterior del gobierno de Macri al promediar el mandato. Perspectivas Revista de Cien-
cias Sociales, Rosario, n. 5, 2018, p. 6297.
DI NATALE, M. Acuerdo de cooperación militar con la Guardia Nacional de EE.UU. La Nación,
Buenos Aires, 14 diciembre de 2016. Disponible en: https://www.lanacion.com.ar/1966718-
acuerdo-de-cooperacion-militar-con-la-guardia-nacional-de-eeuu. Acceso en: 10 mar.2020
DI NATALE, M. El Gobierno traslada otros 500 militares para el operativo de la frontera norte.
Infobae, Buenos Aires, 6 noviembre 2018a. Disponible en: https://www.infobae.com/politi-
ca/2018/11/06/el-gobierno-traslada-otros-500-militares-para-el-operativo-de-la-frontera-norte/.
Acceso en: 10 mar. 2020
DI NATALE, M. La Argentina y Estados Unidos harán un ejercicio militar conjunto en el Litoral
contra el uso de armas de destrucción masiva. Infobae, Buenos Aires, 17 abril de 2018b. Dis-
ponible en: https://www.infobae.com/politica/2018/04/17/la-argentina-y-estados-unidos-ha-
ran-un-ejercicio-militar-conjunto-en-el-litoral-contra-el-uso-de-armas-de-destruccion-masiva/.
Acceso en: 10 mar. 2020
DIAMINT, R. Las Agendas de Seguridad: Argentina, el Cono Sur y el Hemisferio. Revista Co-
lombia Internacional, Bogotá, n. 51, 2001, p. 67–86.
DIARIO LOS ANDES. Mensaje a EEUU: Macri y Vázquez piden “solución democrática” para Vene-
zuela, Mendoza, 13 febrero de 2019. Disponible en: https://losandes.com.ar/article/view?slug=men-
saje-a-eeuu-macri-y-vazquez-piden-solucion-democratica-para-venezuela. Acceso en: 5 mar. 2020
EL OBSERVADOR. Militares en la frontera: “No corre más que las Fuerzas Armadas no
participen en la seguridad interna”. Montevideo, 10 octubre de 2018. Disponible en: https://
www.elobservador.com.uy/nota/militares-en-la-frontera-senador-blanco-pidio-al-fa-que-avise-
a-los-comites-lo-que-esta-votando2018101010560. Acceso en: 10 mar. 2020
EL UNIVERSAL. Tillerson alerta de “presencia creciente” de China y Rusia en Latinoa-
rica. México DF. 1 febrero de 2018. Disponible en: https://www.eluniversal.com.mx/mundo/
tillerson-alerta-de-presencia-creciente-de-china-y-rusia-en-latinoamerica. 10 mar. 2020 .
62
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 44 - 63
FONTANA, A. Seguridad cooperativa: tendencias globales y el continente americano. Bue-
nos Aires: Instituto del Servicio Exterior de la Nación. Documento de Trabajo nº 16, 1996.
FRENKEL, A. Entre promesas y realidades: La UNASUR y la creación de la Escuela Surameri-
cana de Defensa. Relaciones Internacionales, Madrid, n. 31, 2016, p. 33-52
FRENKEL, A.; COMINI, N. UNASUR beyond Brazil: Argentina’s position in support of the
South American Defense Council. Revista Brasileira de Política Internacional, Brasilia, v. 60,
n. 1, p. 1-20, 2017.
GASTALDI, S. El CDS como plataforma de la diplomacia de defensa Argentina (2008-2015).
Revista Brasileira de Estudos de Defesa, v. 4, n. 2, p.175-197, 2017.
GHIOTTO, L. Viejas y nuevas tendencias en los Tratados de Libre Comercio. Nodal, Buenos
Aires, 9 noviembre de 2018. Disponible en: https://www.nodal.am/2018/11/viejas-y-nuevas-ten-
dencias-en-los-tratados-de-libre-comercio-por-luciana-ghiotto/. Acceso en: 10 mar. 2020.
INFODEFENSA.COM. Argentina acoge la VIII Conferencia Sudamericana de Defensa. 30
agosto de 2018. Disponible en: https://www.infodefensa.com/latam/2018/08/30/noticia-argen-
tina-acoge-conferencia-sudamericana-defensa.html. Acceso en: 10 mar. 2020.
INFONEWS. La Argentina cuestiona la utilidad de la Junta Interamericana de Defensa.
Buenos Aires, 9 abril de 2012. Disponible en: infonews.com/nota/17183/la-argentina-cuestio-
na-la-utilidad-de-la Acceso en: 10 mar. 2020.
LA NACIÓN. Fuerte jugada de Macri y Bachelet en la región. 8 febrero de 2017. Disponible en:
http://www.lanacion.com.ar/1982702-fuerte-jugada-de-macri-y-bachelet-en-la-region. Acceso
en: 10 mar. 2020.
LISTRANI BLANCO, T.; ZACCATO, C. Tendiendo puentes en aguas tumultuosas: la política
exterior del gobierno de Mauricio Macri (2015-2018). Perspectivas Revista de Ciencias Socia-
les, Rosario, n. 6, 2018, p. 167–188
LORENZINI, M.E. Política exterior, alianzas estratégicas y energía en Arica Latina: las
relaciones argentino-chilenas bajo la lupa. Rosario: Homo Sapiens Ediciones, 2011.
MARTÍNEZ AHRENS, JAN. Tillerson alerta de la expansión de China y Rusia en América Lati-
na. El País. Madrid, 2 de febrero de 2019. Disponible en:
https://elpais.com/internacional/2018/02/01/estados_unidos/1517522656_348448.html. Acceso
en: 10 de mar. 2020.
MATHUS RUIZ, R. El jefe del Pentágono visita la Argentina con el objetivo de reforzar la coo-
peración militar. La Nación. Buenos Aires, 13 agosto de 2018. Disponible en: https://www.
lanacion.com.ar/2161933-el-jefe-del-pentagono-visita-la-argentina-con-el-objetivo-de-refor-
zar-la-cooperacion-militar. Acceso en: 8 mar. 2020.
MERKE, F. ¿Líderes sin seguidores? La base regional de las potencias emergentes en Arica
Latina. Trabajo presentado en el Seminario “Construyendo el nuevo orden mundial desde
América Latina”. México DF: Colegio de México y la Fundación Konrad Adenauer, 2014.
MÍGUEZ, M.C. La política exterior argentina y los condicionamientos políticos internos en el
siglo XXI. Relaciones Internacionales, Costa Rica, n. 89, 2016, p. 125-142.
MINISTERIO DE RELACIONES EXTERIORES Y CULTO. Biblioteca Digital de Tratados.
2019. Disponible en: https://tratados.cancilleria.gob.ar/. Acceso en: 10 mar. 2020.
NOLTE, D.; MIJARES, V.M.. Regionalismo posthegemónico en crisis. Foreign Aairs: Latinoa-
mérica, México DF, v. 18, n. 3, 2018, p. 105–112.
PAIKIN, D.; PERROTTA, D. La Argentina y la Alianza del Pacíco: riesgos y oportunidades de
una nueva geopolítica. Aportes para la Integración Latinoamericana, Plata, v. 22, 2016, p. 67-101.
PAPE, R.A. Soft balancing against the United States. International security, Massachusetts, v.
30, n. 1, 2005, p. 7-45.
PERFIL. Macri, en el cierre de la Cumbre del G20: La OMC tiene el desafío de modernizarse”.
Buenos Aires, 1 diciembre de 2018. Disponible en: https://www.perl.com/noticias/internacio-
nal/logro-argentino-en-el-g20-macri-nos-pusimos-de-acuerdo.phtml. Acceso en: 10 mar. 2020
PIGNATTA, M.E. Identidad y política exterior. Explorando el caso argentino. In: BUSSO, A. (ed.)
Fuerzas profundas e identidad. Reexiones en torno a su impacto sobre la política exterior.
Rosario: UNR Editora, 2010, p. 139–157.
REPÚBLICA ARGENTINA. Decreto 2645/2014. Directiva de Política de Defensa Nacional.
Apruébase actualización. 2014. Buenos Aires. Disponible en: http://servicios.infoleg.gob.ar/in-
folegInternet/anexos/240000-244999/240966/norma.htm. Acceso en: 10 mar. 2020.
63
Alejandro Frenkel Argenna en el Consejo de Defensa Suramericano de la Unasur (2015-2018)
REPÚBLICA ARGENTINA. Decreto 683/2018. Modicación. Decreto N° 727/2006. 23 julio de
2018a. Buenos Aires
REPÚBLICA ARGENTINA. Decreto 703/2018. Directiva de Política de Defensa Nacional.
Aprobación. 2018b. Buenos Aires. Disponible en: https://www.argentina.gob.ar/sites/default/
les/decto-2018-703-apn-pte_-_directiva_de_politica_de_defensa_nacional._aprobacion.pdf.
Acceso en: 10 mar. 2020.
REPÚBLICA FEDERATIVA DEL BRASIL. Projeto Brasil 3 Tempos: 50 Temas Estratégicos.
2006. Brasilia
RIGGIROZZI, P.; TUSSIE, D. The rise of post-hegemonic regionalism: The case of Latin
America. London-New York: Springer Science & Business Media, 2012
RUSSELL, R.; TOKATLIAN, J.G. América Latina y su gran estrategia: entre la aquiescencia y la
autonomía. Revista CIDOB dafers internacionals, Barcelona, n. 104, 2013, p. 157–180.
SAINT-PIERRE, H.L. La Defensa en la Política Exterior del Brasil: el Consejo Suramericano y la
Estrategia Nacional de Defensa. Documento de Trabajo del Real Instituto Elcano, Madrid, 2009.
SANAHUJA, J.A. Del regionalismo abierto al regionalismo post-liberal. Crisis y cambio en la in-
tegración regional en América Latina. Anuario de la integración regional de América Latina
y el Gran Caribe, v. 7, 2009, p. 12–54.
SANAHUJA, J.A.; COMINI, N. Unasur: ¿‘Sudamexit’ o la estrategia de la silla vacía? ESGlobal, 2018.
SANTANA, C.O. y BUSTAMANTE, G.A. La autonomía en la política exterior latinoamericana:
evolución y debates actuales. Papel político, Bogotá, v. 18, n. 2, 2013, p. 719–742.
SIMONOFF, A. Alisis estructural de la estrategia de inserción internacional del primer go-
bierno de Cristina Ferndez (2007-2011). Relaciones Internacionales, La Plata, n. 44, 2013a,
p. 147–172.
SIMONOFF, A. Una visión estructural de la política exterior argentina y el rol de Chile desde el
proceso de democratización de 1983. Si Somos Americanos, Iquique, v. 13, n. 1, 2013b, p. 15–38.
SIMONOFF, A. Giros en las estrategias de inserción argentina a partir de la presidencia de Mau-
ricio Macri. Conjuntura Austral, v. 7, n. 37, 2016, p. 40–51.
SPEKTOR, M. Brazil: The underlying ideas of regional policies. In: FLEMES, D. (ed.), Regional
Leadership in the Global System: Ideas, Interests and Strategies of Regional Power. Farnham:
Ashgate, 2010, p. 191–204.
TAYLOR, P.J.; FLINT, C. Geografía política: economía mundo, estado-nación y localidad. Ma-
drid: Trama, 2002.
TOKATLIAN, J.G. Relaciones con EE.UU.: ¿nueva etapa? Clarín, Buenos Aires, 2 febrero de
2018. Disponible en: https://www.clarin.com/opinion/relaciones-ee-uu-nueva-etapa_0_rka7ze-
UM.html. Acceso en: 9 mar. 2020.
TOKATLIAN, J.G.; CARVAJAL H, L. Autonomía y política exterior: un debate abierto, un futu-
ro incierto. Revista CIDOB dafers Internacionals, Barcelona, n. 28, p. 7–31, 1995.
TOKATLIAN, J.G.; RUSSELL, R. Macri: en busca de una nueva insercn internacional. Anuario
Internacional CIDOB, Barcelona, 2016. Disponible en: http://anuariocidob.org/macri-en-bus-
ca-de-una-nueva-insercion-internacional/. Acceso en: 10 mar. 2020.
VAZ, A.C.; FUCCILLE, A.; REZENDE, L.P. UNASUR, Brazil, and the South American defence
cooperation: A decade later. Revista Brasileira de Política Internacional, Brasilia, v. 60, n. 2,
p. 2-21, 2017.
VITELLI, M. América del Sur: de la seguridad cooperativa a la cooperación disuasoria. Foro
internacional, México DF, v. 56, n. 3, p. 724–755, 2016.
ZELICOVICH, J. Claves y tensiones de la estrategia argentina de política comercial externa en
la búsqueda de una “inserción inteligente al mundo” (2015-2018). Latin American Journal of
Trade Policy, Santiago, n. 2, p. 4966, 2018.
64
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 64 - 88
R(r)elações I(i)nternacionais, Realismo
e Análise da Política Externa (APE):
contextualizando a invenção da APE
I(i)nternational R(r)elations, Realism and Foreign Policy
Analysis (FPA): contextualizing the invention of FPA
R(r)elaciones I(i)nternacionales, Realismo y Análisis
dePolítica Exterior (APE): contextualizando la invención de
la APE
Pedro Emanuel Mendes
1
DOI: 10.5752/P.2317-773X.2020v8.n1.p64
Recebido em: 15 de dezembro de 2018
Aceito em: 07 de agosto de 2019
R
Este artigo faz uma contextualização do nascimento da Análise da Política
Externa (APE). Apresenta uma análise historiográca da invenção da APE e
da sua relação com os anos formativos da disciplina das Relações Internacio-
nais (RI). O seu objetivo é o de iluminar a relação entre a história e a teoria da
origem da APE como campo de estudo autónomo. O artigo está organizado
em três partes. Em primeiro, identica as origens europeias e norte-americanas
do estudo da Política Externa e a sua ligação com as policy sciences. Em segun-
do, relaciona o surgimento do Realismo com o estudo tradicional da política
externa e sintetiza as principais críticas teórico-metodológica introduzidas pela
APE. Finalmente, apresenta uma análise dos principais marcos e inovações teó-
ricas das abordagens que inventaram a APE. O artigo defende dois argumentos.
Primeiro, a invenção da APE inscreve-se num contexto histórico e académico de
protesto contra a visão tradicional de pensar e investigar a política externa. Se-
gundo, é necessário assumir a interligação entre contextos históricos e contextos
cientícos na evolução teórica das RI e da APE.
Palavras-chave: Análise da Política Externa (APE). Realismo. Abordagem Feno-
menológica. Abordagem Cientíco-comparativa. Historiograa da APE.
A
This article provides a contextualization of the birth of the Foreign Policy
Analysis (FPA). It presents a historiographic analysis of the FPA invention and its
relationship with the formative years of the discipline of International Rela-
tions (IR). Its purpose is to illuminate the relationship between history and the
theory of the origin of the FPA as an autonomous eld of study. The article is
organized into three parts. First, it identies the European and US origins of
1. Investigador do IPRI-NOVA, Lisboa
e Professor Auxiliar da Universidade
Lusíada, Porto, Portugal. Doutorado
em Relações Internacionais pela
Universidade Nova de Lisboa, tem
um especial interesse pelo estudo da
interação entre ideias, factos, poder
e conhecimento. Com dezenas de
trabalhos publicados, as suas principais
àreas de investigação são a Teoria das
Relações Internacionais, a Análise da
Política Externa, a História Contempo-
rânea de Portugal e as Elites. Os seus
artigos aparecem na Análise Social, na
Relações Internacionais, na Brazilian
Journal of International Relations, na
População e Sociedade, na Estudos
Internacionais, na Austral: Journal of
Strategy & International Relations, na
Tempo e Argumento e na Dados: Revista
de Ciências Sociais. ORCID iD: https://
orcid.org/0000-0002-6321-8344
65
Pedro Emanuel Mendes R(r)elações I(i)nternacionais, Realismo e Análise da Políca Externa (APE): contextualizando a invenção da APE
the study of foreign policy and its connection with policy sciences. Second, it
relates the emergence of Realism with the traditional study of foreign policy
and synthesizes the main theoretical and methodological criticisms introduced
by the FPA. Finally, it presents an analysis of the main theoretical frameworks
and innovations of the approaches that invented FPA. The article defends two
arguments. First, the invention of the FPA is inscribed in a historical and aca-
demic context of a protest against the traditional view of thinking and studying
foreign policy. Second, it is necessary to assume the interconnection between
historical and scientic contexts in the theoretical evolution of IR and FPA.
Keywords: Foreign Policy Analysis (FPA). Realism. Phenomenological ap-
proach. Scientic-comparative approach. FPA Historiography.
R
Este artículo contextualiza el nacimiento del Análisis de Política Exterior (APE).
Presenta un análisis histórico de la invención APE y su relación con los años de
formación de la disciplina de Relaciones Internacionales (RI). Su objetivo es ilu-
minar la relación entre la historia y la teoría del origen del APE como campo de
estudio autónomo. El artículo está organizado en tres partes. En primer lugar,
identica los orígenes europeos y norteamericanos del estudio de la política
exterior y su conexión con las ciencias políticas. En segundo lugar, relaciona el
surgimiento del Realismo con el estudio tradicional de la política exterior y sin-
tetiza las principales críticas teóricas y metodológicas introducidas por la APE.
Por último, presenta un análisis de los principales hitos e innovaciones teóricas
de los enfoques que inventaron el APE. El artículo presenta dos argumentos.
En primer lugar, la invención de la APE se inscribe en un contexto histórico y
académico de protesta contra la visión tradicional de pensar e investigar la po-
lítica exterior. En segundo lugar, es necesario asumir la interconexión entre los
contextos históricos y cientícos en la evolución teórica de la RI y la APE.
Palabras clave: Análisis de la política exterior (APE). Realismo. Enfoque feno-
menológico. Enfoque cientíco-comparativo. Historiografía de APE.
Introdução
Sempre que se discute a história e a teoria das Relações Internacio-
nais (RI)
2
temos de ter presente que as RI são um projeto intelectual e
político que teve origem no desejo de compreender e explicar o compor-
tamento dos Estados, as suas políticas externas, com o intuito de evitar
a guerra e promover a paz. Apesar de ser necessário uma leitura plural e
menos mítica dos debates que inventaram as RI (SCHMIDT, 2013) - reco-
nhecendo as limitações eurocêntricas, masculinas, hegemónicas e neopo-
sitivistas dos anos formativos da disciplina - é essencial conhecer os seus
marcos históricos e cientícos
3
. Neste quadro, é importante discutir as
seguintes questões: quais as razões do nascimento das disciplinas acadé-
micas? São razões eminentemente cientícas, ou igualmente históricas e
políticas? É possível explicar as inovações e correntes teóricas das RI e da
APE sem as relacionar com os seus contextos?
Partindo desta problemática, este artigo identica as principais ra-
zões cientícas, históricas e políticas que originaram o nascimento da
subdisciplina da Alise da Política Externa (APE). Sublinhando a neces-
sidade de assumir as funções de domínio político-académico na invenção
das disciplinas e das suas teorias
4
, desenvolve uma abordagem interligada
2. Como é tradicional, usamos Relações
Internacionais (RI) em maiúsculas
para designar a disciplina científica
e relações internacionais (ri) em
minúsculas para designar os fenómenos
empíricos. Por razões de clareza do
artigo, assumimos as RI como disciplina
e a APE como subdisciplina. É possível
outra interpretação, onde as RI são uma
subdisciplina da Ciência Política e a APE
é um subcampo das RI, cf. Nota 5.
3. Isto significa que apesar de uma
leitura plural, menos dicotómica e mais
relacional, os debates aconteceram e
a sua problematização continua a ter
uma importante função na estruturação
social e paradigmática da disciplina
(QUIRK; VIGNESWARAN, 2005). O
ponto não é eliminar os debates, mas
explicitar que a narrativa dos quatro
grandes debates é simplificadora, uma
vez que existiram vários outros debates,
relações e movimentos teóricos dentro
destes debates.
4. Como o fundador da sociologia
do conhecimento sublinhou: “every
historical, ideological, sociological piece
of knowledge (...) is clearly rooted in and
carried by the desire for power and rec-
ognition of particular social groups who
want to make their interpretation of the
world the universal one” (MANNHEIM,
2011, p. 404-405).
66
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 64 - 88
entre a história e a teoria da Política Externa e identica os principais mar-
cos e inovações da invenção da APE.
O artigo tem dois objetivos principais. O primeiro é o de demons-
trar a imporncia de termos um conhecimento sosticado sobre a his-
toriograa da disciplina das RI. Assumir a relação entre a história e a
teoria das disciplinas é um passo intelectual decisivo em ciência e aju-
da-nos a investigar e problematizar melhor os nossos objetos de estudo.
Deste modo, o artigo dialoga com vários estudos historiográcos da dis-
ciplina e tenta contribuir para o debate sociológico sobre o nascimento e
desenvolvimento das RI e da APE
5
. O segundo objetivo é o de recordar
a importância das inovações teóricas dos pioneiros do estudo da política
externa. Não raras vezes, ideias e autores fundamentais são esquecidos,
ou apagados da memória académica, em detrimento de ideias pretensa-
mente inovadoras, que mais não fazem do que reinterpretar os clássicos.
Isto acontece por ignorância histórica e reforça o nosso argumento sobre
a necessidade de dominarmos a evolução das disciplinas e não cairmos na
tentação de estarmos continuadamente a inventar a roda.
O artigo desenvolve-se ao longo de ts partes. Na primeira, faz
um breve enquadramento das origens europeias e norte-americanas do
estudo da política externa. Aqui são abordadas as inuências do ambiente
teórico e histórico dos primeiros debates da invenção das Relações Inter-
nacionais, de onde emerge a hegemonia do Realismo e o nascimento das
policy sciences. Na segunda, apresenta as principais razões da armação do
Realismo e da sua inuência histórica na teoria e prática da política exter-
na, bem como as principais críticas metodológicas apontadas pela APE.
Na terceira, identica as principais inovações teóricas dos marcos decisi-
vos da invenção da APE, nomeadamente, a abordagem fenomenológica
de Snyder; Bruck; Sapin (1962) e de Kenneth Boulding (1956, 1959, 1969), e
a abordagem cientíco-comparativa de James Rosenau (1980).
O argumento principal que o artigo apresenta é o de que não é
possível conseguir obter uma compreensão sosticada do nascimento e
evolução da APE sem realizar uma análise interligada entre contextos
históricos e contextos académicos.
As origens do estudo da política externa e as policy sciences: as
influências europeias e norte-americanas.
Embora seja possível situar a origem de um pensamento sobre a
política externa em sistemas internacionais pré-westphalianos
6
(BUZAN;
LITTLE, 2000), e os realistas sublinhem que a sua visão sobre a política
externa se baseia em 2500 anos de História (GILPIN, 1996), as origens
da política externa, como política pública com um discurso e uma prá-
tica institucional, são europeias e estão ligadas à construção do Estado
moderno ao longo dos séc. XVII e XVIII. A construção do Estado-Nação
bem como as consequentes transformações globais do séc. XIX (BUZAN;
LAWSON, 2015) conduziram à consolidação institucional e prática da po-
lítica externa. Foi neste período que se solidicou a ideia da imporncia
superior da política externa relativamente a outras políticas públicas. Isto
é compreensível uma vez que nesta época a política externa assumiu um
5. Apesar de ultimamente se terem
desenvolvido novas, críticas e revisio-
nistas, abordagens historiográficas da
disciplina (ASHWORTH, 2014; VITALIS,
2015; SCHMIDT; GUILHOT, 2019), o
mesmo não tem acontecido com a APE.
A principal novidade resume-se a tentar
renomear este campo estudo, agora
como Política Externa (PE) (CARLS-
NAES, 2013, p. 299; SMITH; HADFIELD;
DUNNE, 2016) ou Estudos de Política
Externa (EPE) (GROOM, 2007) em vez
de APE. Para uma visão reafirmativa
da APE ver (HUDSON, 2005; 2016;
2018; THIES, 2018). Estes exercícios de
redenominação disciplinar são reflexivos
do atual momento, aparentemente,
pós-paradigmático e traduzem novas
ramificações do eterno debate entre
cientistas e artistas no estudo das RI e
APE (cf. nota 9).
6. Desde logo, A Guerra do Peloponeso
de Tucídides, que é simultaneamente
uma das origens do pensamento
realista.
67
Pedro Emanuel Mendes R(r)elações I(i)nternacionais, Realismo e Análise da Políca Externa (APE): contextualizando a invenção da APE
papel decisivo na construção das territorialidades políticas e consequente
denição constitutiva dos atores e do próprio sistema internacional. A
qualidade da política externa poderia signicar a diferença entre fazer, ou
não fazer, parte da denição constitutiva do sistema.
A realidade histórica da solidicação dos Estado-Nação legitimou
a existência da doutrina do primado e da excecionalidade da política ex-
terna sobre as outras políticas públicas. Esta doutrina perdurou até ao
século XX e é visível nas primeiras tentativas modernas de denir a polí-
tica externa: “Foreign policy is ‘more important’ than other policy areas
because it concerns national interests, rather then special interests, and
more fundamental values” (COHEN, 1968, p. 530). Esta doutrina andou
de mãos dadas com a construção do Estado moderno e originou um las-
tro histórico que fundamentou a teoria e a prática da política externa. De
uma forma sintética, podemos dizer que a doutrina da excecionalidade da
política externa se baseia em cinco princípios: o primado do executivo, o
privilégio do soberano, a regra do monopólio, a exclusividade e especiali-
zação prossional e a regra do segredo (MERLE, 1984, p. 20-33). Esta ex-
cecionalidade e importância da política externa motivou estadistas, histo-
riadores e teóricos políticos a desenvolverem teorias sobre como praticar a
política externa, muitas vezes assumida de forma intermutável com a arte
da diplomacia, ou a arte de fazer a paz e a guerra (GILPIN, 1981), também
sintetizada no conceito de Statecraft (LAUREN; CRAIG; GEORGE, 2013).
Esta conceção tradicional sofreu um forte desao com o m da pri-
meira guerra mundial e a ascensão das ideias demo liberais norte-ameri-
canas, em especial com Woodrow Wilson e a sua visão liberal-interna-
cionalista (NINKOVICH, 1999). Com Wilson, a ideia tradicional de que
a política externa era uma política pública especial, formulada segundo
princípios secretos e aristocráticos, longe do escrutínio público e demo-
crático, começou a ser posta em causa
7
.
Apesar do insucesso relativo do projeto wilsoniano (WERTHEIM,
2011), o estudo da política externa foi profundamente inuenciado pelas
suas ideias liberais e democráticas (COHEN, 1968). Sobretudo nos Esta-
dos Unidos (EUA), os objetivos de estudo da política externa no pós-guer-
ra sofreram importantes desenvolvimentos devido a três ideias que in-
tegravam a visão de Wilson (CARLSNAES, 2002; HOFFMAN, 1977). A
primeira, de carácter institucional, está ligada à necessidade das institui-
ções governamentais responsáveis pela política externa se tornarem mais
ecientes no cumprimento dos seus objetivos. A segunda, de carácter
ideogico, prendeu-se com a luta pela democratização dos processos de
formulação e decisão da política externa. A partir deste momento come-
çou a existir a preocupação de legitimar democraticamente as opções de
política externa. Isto signica que passou a ser necessário encontrar justi-
cações políticas no processo de decisão em política externa e introduzir
considerações normativas dos interesses públicos nas diferentes fases da
formulação e implementação da política externa. A terceira ideia foi re-
lativa à necessidade de desenvolver uma relação triangular virtuosa en-
tre cidadãos, universidade e governo. Esta ideia favoreceu o desenvolvi-
mento de departamentos de estudos políticos especializados em relações
internacionais nas universidades que, por denição, deveriam produzir
7. Isto não significa que não seja ne-
cessário matizar criticamente as visões
idealizadas de Wilson como introdutor
de uma visão democrática e pacífica
antitética da “power politics”, nomea-
damente da hegemonia norte-americana
(ANIEVAS, 2014).
68
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 64 - 88
conhecimento que, implícita ou explicitamente, fosse politicamente rele-
vante para a governação e que reetisse os valores dos EUA (HOFFMAN,
1977). A visão liberal e democrática de Wilson foi marcante para a de-
nição política e institucional do que deveria passar a ser a diplomacia
norte-americana, nomeadamente para quais as instituições e ideias que
deveriam formar as futuras elites da política externa norte-ameri cana.
Como académico e político intelectual, Wilson assumiu que era funda-
mental investir no ensino e conhecimento académico para formar elites
para o governo americano (WILSON, 1887). Era necessário dar resposta
às crescentes exigências que a emergente liderança internacional ameri-
cana signicava. Como armou no prefácio da quinta edição da sua tese
de doutoramento:
When foreign aairs play a prominent part in the politics and policy of a nation,
its Executive must of necessity be its guide: must utter every initial judgment,
take every rst step of action, supply the information upon which it is to act,
suggest and in large measure control its conduct (WILSON, 1900, p. xi-xii).
Foi a partir daqui que se iniciou o movimento académico que irá
dar origem às policy sciences. Por exemplo. em 1919 é fundada A Ed-
mund A. Walsh School of Foreign Service, a primeira “policy school
(MENDES, 2019a). Assim, a armação das policy sciences está ligada ao
desenvolvimento da interpenetração entre o mundo político e académi-
co nos Estados Unidos da América. Foi aqui que emergiu um contexto
histórico que proporcionou possibilidades ímpares para estudar e aplicar
conhecimentos cientícos nas políticas públicas. Ao conciliar o estatuto
de primeira república democrática moderna com o de potência global,
os EUA potenciaram a necessidade de estudos sobre a política externa.
Este contexto e ambiente ideacional liberal foi importante na tentativa de
construir uma ordem internacional com base em princípios republicanos
legalistas e democráticos de inuência Kantiana. Da mesma forma que a
Guerra do Peloponeso de Tucídides inuenciou o pensamento realista, a Paz
perpétua de Kant inuenciou o pensamento liberal e os seus líderes, no-
meadamente Woodrow Wilson e a sua ideia de promoção da paz através
da institucionalização de uma democratização da governação internacio-
nal (SMITH, 2017; COOPER, 2008).
Durante os seus anos de formação académica, Wilson leu os prin-
cipais lósofos alemães, nomeadamente Hegel e a sua Philosophy of Right
que faz uma alise da Paz Perpétua de Kant (LINK, 1969, p. 586). Para
além das leituras, a inuência de Kant no pensamento e ação de Wil-
son surgiu por intermédio de outros líderes liberais pacistas. Wilson
foi inuenciado pelas ideias de ativistas liberais kantianos ingleses (o
grupo Bryce), onde emergiu originalmente a ideia de formação de uma
Liga pacista (DUBIN, 1970; SYLVEST, 2005). Por outro lado, o pen-
samento de Wilson foi inuenciado por dois colegas académicos, ex-
-presidentes de Harvard, A. Lawrence Lowell e Charles W. Eliot, que
integraram uma inicial organização pacista: a League to Enforce Peace,
(STROMBERG, 1972). Isto signica que neste período existiu uma in-
terpenetração entre o desejo e a necessidade de produzir conhecimento
útil para a organização pacíca da ordem internacional, que signicou
simultaneamente a necessidade de especializar um conhecimento sobre
69
Pedro Emanuel Mendes R(r)elações I(i)nternacionais, Realismo e Análise da Políca Externa (APE): contextualizando a invenção da APE
a política internacional e a condução da política externa. Por isso, nesta
fase, o estudo das relações internacionais era equacionado como uma
policy science progressista. Ou seja, um conhecimento necessário para
estabelecer uma nova ordem internacional, com base em ideias e prin-
cípios progressistas, legalistas e pacistas.
Deste modo, as primeiras ideias sobre a possibilidade de denir
uma área de estudos internacionais e de política externa estão intima-
mente ligadas a ideias progressistas. Esta visão era interpenetrada pela
cultura pragmática e solucionista dos EUA sobre o que deveria ser uma
disciplina de relações internacionais (HOFFMAN, 1977). Isto signica
que o estudo da política externa deveria ser útil e orientado para a prática,
nomeadamente para a visão kantiana que vários líderes políticos e acadé-
micos anglo-americanos defendiam. Embora este período não seja apenas
dominado pelo debate entre liberais progressistas e realistas (SCHMIDT,
2013; SCHMIDT; GUILHOT, 2019), este é o debate que tem mais impacto,
sobretudo no contexto histórico, universitário e político dos EUA, onde,
na verdade, a disciplina foi inventada (MENDES, 2014; 2019a).
Paralelamente a esta inuência wilsoniana, institucional e ideoló-
gica, existiu outra importante inuência doutriria na teoria e prática
da política externa. Estamos a falar da tradição europeia da realpolitk, que
se consubstanciou no paradigma do Realismo fundado por Carr (1939) e
Morgenthau (1948)
8
. Foi também esta tradição realista que construiu so-
cialmente o estudo da política externa, e que perdurou mesmo após a con-
testação teórico-metodológica da APE.
Aqui reside o primeiro e constitutivo problema sobre o estudo da
política externa e a sua relação com o Realismo que importa sublinhar.
Para o Realismo, a política externa, as estratégias, ações dos seus prati-
cantes e decisores são, por um lado, um objeto de estudo, que importa
analisar e explicar e, por outro lado, constituem um conhecimento, dis-
curso e prática sobre como fazer a política externa (GUZZINI, 2017). Ao
tentar inventar a teoria das relações internacionais, Morgenthau siste-
matizou uma teoria política da política externa - uma sabedoria política
com base no estudo da história e dos clássicos – e dos assuntos interna-
cionais. Por isso, o Realismo é a teoria que, desde o início, tentou tradu-
zir e reetir a teoria e a prática da realpolitik europeia do sec. XIX numa
teoria das RI. Isto signica que o Realismo foi, simultaneamente, uma
tentativa de sistematizar uma teoria sobre as relações internacionais e
uma estratégia sobre a política externa (GUZZINI, 2017).
O Realismo de Morgenthau é, por denição, uma teoria para a
ação em política externa. Ou seja, é uma teoria-guia para a ação dos
praticantes, onde se explica e aconselha os líderes a conduzirem a po-
lítica externa. Isto foi fundamental no contexto inicial da invenção da
disciplina de RI e na armação da teoria realista como uma teoria útil.
Esta armação útil do realismo foi socialmente construída através de
um argumento empático poderoso: o realismo espelhava a realidade da
política internacional. Todas as outras visões, nomeadamente a liberal
wilsoniana não tinha aderência à realidade. O Realismo construiu so-
cialmente esta ideia que foi socializada por muitos académicos e, sobre-
tudo, praticantes da política externa (GUZZINI, 2017; MENDES, 2018).
8. Como vários estudos recentes
demonstram (Williams, 2007; Navari,
2018; Frei, 2018), de um ponto de vista
histórico podemos acrescentar outros
trabalhos clássicos que construíram
o pensamento realista em RI, com
destaque para os de: Frederick Shuman
publicado em 1933; Harold Nicholson
publicado em 1939; Reinhold Niebhur
publicado em 1940; Georg Schwar-
zenber publicado em 1941; Martin
Wight publicado em 1946; e George
Kennan publicado em 1951. Todavia, foi
o Politics Among Nations de Morgen-
thau (1948) que se tornou no cânone do
Realismo, com sete edições desde 1948
até 2005. Convêm sublinhar que todos
estes estudos continham estratégias
e teorias-guia para a política externa.
Portanto, o Realismo sempre teve uma
especial ligação com a política externa,
mas sobretudo como uma praxis, não
como um campo de estudo com instru-
mentos teórico-metodológicos próprios.
70
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 64 - 88
As causas e consequências das duas guerras mundiais foram cru-
ciais para a visão realista sobre o que não fazer em política externa. Na
visão realista, a tentativa utópica - e no nal do dia nefasta - de cons-
truir um mundo pacíco, sem ter em conta a verdade universal da lógica
competitiva da power politics deveria ser eliminada da teoria e prática da
política externa (CARR, 1939; MORGENTHAU, 1948, 1950). Foram estas
circunstância históricas e políticas, interligadas com a ascensão dos EUA,
que motivaram os realistas, liderados por Morgenthau, a desenvolverem
uma teoria realista das relações internacionais que estabelecesse as fron-
teiras e fundamentos ontogicos e epistemológicos da disciplina das RI,
nomeadamente como uma teoria-guia para a denição da política externa
dos estados contria à visão de Wilson.
Como notou Stanley Homan (1969), Morgenthau conjugou uma
teoria losóca – uma descrição ontológica sobre o mundo baseada numa
preconceção sobre a natureza humana e as relações de poder entre as
suas unidades políticas – com concetualizações empírico-práticas, parci-
moniosas e altamente empáticas, sobretudo para as elites praticantes da
política externa, mas também para os alunos de RI, as futuras elites da
política externa dos EUA.
Esta visão produziu uma empatia teórica na generalidade dos seus
leitores e foi uma das razões do seu sucesso (MENDES, 2018; 2019b). Para
além de uma teoria que tenta explicar as relações internacionais, o Realis-
mo reetiu e solidicou uma “linguagem prática” através da qual muitos
decisores e praticantes comunicavam e pensavam a política externa, sobre-
tudo no contexto de guerra-fria. Ainda hoje, conceitos fundamentais para
os realistas como o “interesse nacional, a “balança de poder, a “realpo-
litik, a “prudência, as “razões de Estado”, ou a “credibilidade nacional,
são conceitos profundamente embebidos e socializados no mundo político
e diplomático (GUZZINI, 2017). Isto signica, como veremos a seguir, que
o Realismo foi profundamente constitutivo da forma como os estudantes
e praticantes da política externa compreendiam e interpretavam o mundo.
O Realismo e a APE: encontros e desencontros
O principal formulador do Realismo, Hans Morgenthau, foi pro-
fundamente inuenciado pela tradição da realpolitik da diplomacia euro-
peia do séc. XIX. Morgenthau utilizou as principais máximas da realpoli-
tik europeia e transformou-as em leis gerais de uma ciência social ame-
ricana: as Relações Internacionais (GUZZINI, 1998). Contudo, importa
também contextualizar o percurso de Morgenthau. Em primeiro lugar,
devemos recordar que, como muitos dos principais cientistas sociais do
pós-guerra dos EUA, Morgenthau era um emigrante europeu vítima do
nazismo (FREI, 2001; RÖSCH, 2018)
9
. Em segundo lugar, neste período,
os EUA viviam um ambiente político e académico que proporcionou um
political studies enlightenment” (KATZNELSON, 2003). Neste ambiente
iluminista do pós-guerra dos EUA, existia um desejo e uma necessidade
de solidicação de uma ciência da política.
Todavia, a crescente importância do estudo e ensino da Ciência Po-
lítica motivou acesos debates. Em primeiro lugar, debates sobre qual o sig-
9. Nascido e educado na Alemanha
(Universidades de Berlim; Frankfurt e
Munique), fez trabalho de pós-gradua-
ção no Instituto Universitário de Altos
Estudos Internacionais em Genebra,
onde foi professor de 1933 a 1935, no
ano seguinte esteve em Madrid (1935-
36) e finalmente passou a ser professor
nos EUA, onde se naturalizou em 1943.
Aqui começou por ser professor no
Brooklyn College (1937-39) e Universi-
dade do Missouri Kansas City (1939-43),
até ser professor na Universidade de
Chicago (1943-71), onde desenvolveu os
seus trabalhos clássicos (FREI, 2001).
Novas interpretações de Morgenthau
(WILLIAMS, 2007; NAVARRI, 2018)
demonstram uma visão mais plural de
Morgenthau e confirmam o argumento
que os contextos importam na leitura e
construção das teorias. Por exemplo, em
1958, Powers (1958) critica Morgen-
thau pelo seu conservadorismo, hoje
é possível contextualizá-lo como um
dissidente e até como um “crítico” face
a vários aspetos do pensamento político
e académico dominante (RÖSCH, 2017).
71
Pedro Emanuel Mendes R(r)elações I(i)nternacionais, Realismo e Análise da Políca Externa (APE): contextualizando a invenção da APE
nicado e função da teoria em Ciência Política e sobre quais as melhores
metodologias. Em segundo lugar, debates sobre as fronteiras e identidades
disciplinares, dos quais importa destacar um olhar particularmente invejoso
dos estudos políticos (CP/RI) face à capacidade epistemológica da Economia
e à sua consequente produção teórica (ADCOCK, BEVIR; STIMSON, 2007).
Embora existam vários e sobrepostos debates, para a discussão
aqui proposta, importa sublinhar que na disputa política e cientíca que
se desenvolveu sobre como estudar as relações internacionais emergem
três minidebates inter-relacionados. O primeiro é o debate geral sobre se a
Ciência Política deveria ser tradicionalista ou positivista (DAHL, 1961; AD-
COCK, 2007; BELL, 2009). O segundo é sobre qual o lugar disciplinar para
o estudo das relações internacionais. Deveriam as Relações Internacionais
ser um subcampo da Ciência Política ou, como como defendia Morgen-
thau, uma disciplina autónoma com uma metodologia tradicional assente
na história e na teoria política? O terceiro foi relativo a saber se a política
externa deveria continuar ser estudada na ótica tradicional, ligada à His-
tória Diplomática e à visão epistemológica tradicional do realismo, ou um
campo de estudo com uma lógica epistemológica mais sosticada ligada às
visões que defendiam que todos os campos dos estudos políticos se deve-
riam transformar em ciências sociais. A chamada revolução behaviorista
defendeu que os fenómenos políticos deveriam ser objeto de metodologias
cientícas e não apenas de considerações históricas e normativas. O seu
objetivo foi substituir a losoa política pela losoa da ciência e, deste
modo, construir novos padrões paradigmáticos sobre a formação de con-
ceitos, hipóteses, teorias e métodos de explicação e vericação empírica.
10
Foi neste contexto que um grupo de académicos, intelectuais e pra-
ticantes tentou construir espaços epistémicos de poder - no sentido Bour-
diano (BOURDIEU, 1988) - e desenvolver uma teoria realista das RI que
disciplinasse o estudo da política internacional e da política externa. Ao
contrio do ambiente iluminista dominante assente no behaviorismo e
racionalismo cientíco, este grupo realista propôs um contramovimento
intelectual, irredentista, que teve por base uma distinta abordagem teóri-
ca face à natureza da política e ao seu estudo (GUILHOT, 2008). Isto é, não
uma ciência social, mas uma ciência humana, uma teoria política sobre as
relações internacionais e a ação em política externa. Morgenthau não era
adepto da transformação do estudo da política externa numa ciência so-
cial. O que defendeu, foi que os assuntos internacionais e, sobretudo a po-
lítica externa, deveriam ser analisados através de uma teoria tradicionalis-
ta, normativa, não empirista, e elitista de power politics (MORGENTHAU,
1948). Neste contexto, Morgenthau defendeu uma das primeiras visões
sobre a “libertação das RI da Ciência Política” (ROSENBERG, 2016)
11
.
Embora a obra de Morgenthau seja fundacional na sistematização
neo-cientíca dos princípios da power politics, ele não era adepto da cien-
tização do estudo da política que estava a acontecer nas universidades
norte-americanas. Inuenciado pela teoria de Carl Smith e pela história
desastrosa da aberração racionalista do nazismo (BROWN, 2007), Mor-
genthau refutou as promessas otimistas do liberalismo racionalista e pro-
gressista, de que, com base na razão e no conhecimento cientíco, era
possível construir a paz internacional
12
. Para Morgenthau, a emergência
10. Na Universidade de Chicago,
Leo Strauss e Morgenthau travaram
uma luta acadêmico-política contra a
transformação do Departamento de
Ciência Política em behavioristas que
desconsideravam a tradição filosófica da
disciplina. Sem sucesso, pois os novos
líderes acadêmicos quer na Universi-
dade de Chicago, (Harold Lasswell; V.
O. Key, Jr.; David B. Truman;, Herbert
Simon; Gabriel Almond; David Easton;
Quincy Wright; Morton A. Kaplan),
quer em Harvard (Karl Deutsch; Sidney
Verba), Yale (Robert Dahl) e em Stanford
(Elau), assumiram nesta nova visão
sobre a Ciência Política, construindo a
identidade racionalista e neopositivista
da disciplina (HAMATI-ATAYA, 2018).
11. Este é um dos eternos debates na
disciplina (MENDES, 2019b). Surgiu no
início e foi ressurgindo, de acordo com o
desenvolvimento de novas ramificações
reflexivas dos contextos políticos e
científicos. Hoje reaparece novamente
veja-se (FORUM IR, 2017; D’AOUST,
2017; JAKCSON, 2018).
12. Existem interpretações plurais sobre
o Realismo clássico e o seu papel no
primeiro debate. Por exemplo, Williams
argumenta que a invenção realista das
RI foi um movimento iluminista que
pretendia resgatar o liberalismo da sua
dimensão utópica e racional-burocrática
e propor um novo liberalismo. Aquilo
que Jon Herz chamou o Liberalismo
realista (WILLIAMS, 2013).
72
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 64 - 88
da revolução cientíca (behaviorista) que estava a acontecer nas Ciências
Sociais nos EUA era perniciosa para os estudos políticos. Para a maioria
dos realistas clássicos
13
, a ideia de uma ciência positiva (empírica) da po-
lítica era uma ilusão e prejudicava o estudo realista da política e do poder.
Para o Realismo a política não era uma atividade que pudesse ser resu-
mida a observações empíricas, nem podia ser compreendida e explicada
através de metodologias cientícas racionalistas (GUILHOT, 2008; MOR-
GENTHAU, 1944; 1946). De acordo com Morgenthau (1946), a aplicação
de metodologias cientíco-comportamentais (behavioristas) aos estudos
políticos não representava nenhum progresso no estudo da Ciência Polí-
tica, mas uma limitação da sua compreensão, pois esta tecnicização fun-
cionava como uma negação da natureza humana, da sua condição social
e da sua essência política (BEHR, 2016; GUILHOT, 2011).
As ideias epistemológicas tradicionalistas de Morgenthau foram
ultrapassadas pela dimica cientíca neopositivista que começou a do-
minar o novo campo de estudo da política externa. Esta dimica, come-
çou a direcionar o estudo da política externa para os departamentos de
Ciência Política - nomeadamente para a política americana e para a polí-
tica comparada – começando a diferenciar-se da disciplina da política in-
ternacional. Neste minidebate teórico-metodogico, o conservadorismo
epistemológico do realismo foi ultrapassado. Na verdade, o projeto anti-
-positivista e autonomista do estudo das RI liderado por Morgenthau não
conseguiu travar a crescente institucionalização de programas de Ciência
Política/RI que adoptavam os modelos epistemológicos das ciências so-
ciais. Apesar do seu Politics Among the Nations ser um best-seller e o mais
inuente manual para académicos e praticantes, a disciplina das RI não
deixou de se embeber no ambiente cientíco-behaviorista e desenvolver
novas e mais sosticadas metodologias. Neste quadro, o nascimento da
APE como campo de estudo é um exemplo paradigmático da refutação
da lógica epistemológica tradicionalista de Morgenthau
14
.
O projeto behaviorista, neopositivista e empirista, e as consequen-
tes abordagens da rational choice, acabaram por dominar as RI, tornando-
-a numa ciência social integrada na Ciência Política norte-americana. Esta
armação racionalista e neopositivista tornou-se paradigmática com Waltz
(1979) e o seu neorrealismo estrutural. Todavia, Waltz sempre manteve que
a sua teoria da política internacional, não era uma teoria de política externa,
assumindo novamente uma fronteira analítica e académica entre o estudo
da Política Internacional e o estudo da Política Externa (WALTZ, 1996).
Contudo, o projeto realista não era apenas epistemológico. Acima
de tudo, ele era um projeto de domínio da relevância político-académi-
ca e prática do Realismo. Aqui, podemos dizer que o projeto não fracas-
sou e o Realismo tornou-se nos anos formativos da disciplina (1945-70)
na abordagem dominante da disciplina. Sobretudo no mundo prático,
a visão realista, de que a política internacional era uma luta constante
pelo poder, foi preponderante na forma de pensar e praticar a políti-
ca externa, quer nos EUA, quer globalmente. Esta inuência deve-se a
dois fatores básicos: a empatia parcimoniosa dos seus argumentos e a
reexividade histórica do contexto da guerra-fria. Assim, a doutrina de
contenção do comunismo sistematizada por Kennan (1945; 1947) é um
13. Existiam realistas que acreditavam
que as metodologias das Ciências
Sociais eram adequadas e deviam ser
utilizadas no estudo da power politics,
como foram os casos de Frederick Dunn,
Arnold Wolfers e Klaus Knorr (GUILHOT
2008; 2011). Isto significa, novamente,
que mais do que numa lógica puramente
dicotómica temos de compreender os
debates disciplinares das RI de forma
plural e relacional.
14. O que não significou, em alguns
casos, (cf. nota anterior), a refutação da
lógica constitutiva do realismo e da sua
visão estatal e monista da power politics.
73
Pedro Emanuel Mendes R(r)elações I(i)nternacionais, Realismo e Análise da Políca Externa (APE): contextualizando a invenção da APE
bom exemplo da inuência do realismo clássico na teoria e prática da
política externa dos EUA e na forma como as relações internacionais
eram percecionadas pelos diplomatas e líderes internacionais. Como
Morgenthau, e ao contrio de Wilson, Kennan acreditava que a condu-
ção da política externa deveria estar relativamente isolada das questões
internas e da opinião pública, pois essa politização poderia contaminar
os objetivos racionais dos líderes na denição da política externa (MOR-
GENTHAU, 1950; KENNAN, 1984).
O fato é que o Realismo se transformou na mais conhecida e in-
uente abordagem das RI
15
. Mas também este fato pode e deve se expli-
cado tendo em conta os seus contextos. Após o descrédito da abordagem
liberal-legalista do período entre guerras e, sobretudo, com o surgimento
da guerra fria, o contexto histórico do sistema internacional interliga-se
com as teorias de luta e busca de poder por Estados rivais. Isto signica
que a teoria Realista estava no lugar certo no momento exato para criar
uma empatia e necessidade teórica na disciplina das Relações Internacio-
nais. O Realismo tudo fez para aparecer como a abordagem mais realisti-
camente cientíca e, portanto, politicamente mais útil e ecaz.
Neste quadro, podemos dizer que existem quatro momentos fun-
damentais que marcam a acensão do Realismo:
- primeiro, a demonstração do irrealismo da visão Wilsoniana das
relações internacionais entre guerras por parte de Edward Carr
16
assente no contexto histórico do falhanço da SDN (CARR, 1939);
- segundo, o impacto da doutrina de contenção de George Kennan
(1945; 1947)
17
, assente no contexto histórico da expansão do impé-
rio soviético;
- terceiro, a sistematização neo-cientista sobre a indispensabilidade da
power politics de Hans Morgenthau (MORGENTHAU, 1946; 1948);
- quarto, o papel da Fundação Rockefeller e das suas conferências,
especialmente a realizada em 1954 sobre a Teoria das RI (GUI-
LHOT, 2008; 2011)
18
.
Com a sua ênfase na busca pelo poder num mundo arquico, pe-
rigoso e imprevisível, o Realismo foi, em termos gerais, a abordagem tra-
dicionalmente adotada pelos praticantes da política externa. Esta empatia
histórico-social e prática fez com que o Realismo se tornasse a abordagem
dominante nos anos formativos da disciplina, o que inuenciou a prática
e a teoria da política externa.
O nascimento, evolução e domínio do Realismo deve ser com-
preendido à luz da sua capacidade de captar a lógica competitiva dos
processos políticos e da sua aplicabilidade e reprodução histórica na po-
lítica internacional, designadamente com o fracasso do projeto da socie-
dade das nações e a ascensão da guerra-fria. Numa metáfora, o realismo
foi o traje que assentou aos fatos. E os alfaiates - leia-se académicos e prati-
cantes das RI - começaram a produzir vestimentas que serviam à moda
da época, leia-se mundo bipolar e agressivo da guerra-fria Assim, o
Realismo produziu um discurso que foi empaticamente poderoso para
a moldura analítica da disciplina das RI e para o consequente enqua-
dramento do contexto histórico da guerra-fria (KAHLER, 1997; OREN,
2003; SCHMITH, 2013).
15. A mais conhecida e também a mais
criticada (LEGRO; MORAVCSIK, 1999;
GUZZINI, 2004).
16. Carr é outro exemplo da necessida-
de de uma leitura plural dos debates e
das teorias em RI. Carr era um historia-
dor realista, que criticou o idealismo-
-liberal progressista de entre guerras,
designando-o de “utópico”, mas não era
um realista conservador (KUBÁLKOVÁ,
1998). Aliás o Realismo como teoria-
-guia para a política externa pode ser
transversal a liberais, conservadores e
marxistas (WIVEL, 2017).
17. O que não significa que a posterior
política externa americana de contenção
ao comunismo fosse coincidente com as
suas ideias. Todavia, o impacto da sua
doutrina foi importante. Veja-se o inicial
“longo telegrama”, Telegram, George
Kennan to George Marshall February 22,
1946. Harry S. Truman Administration
File, Elsey Papers, e subsequente artigo
“anónimo” X – “The Sources of Soviet
Conduct”, de 1947. Este impacto in-
fluenciou a doutrina Truman, sistemati-
zado no famoso documento secreto NSC
68 (KENNAN, 1945, 1947).
18. Esta conferência reuniu os principais
académicos e praticantes de RI com
ligações ao Realismo e ao mundo políti-
co: Hans Morgenthau, Reinhold Niebuhr,
Walter Lippmann, Paul Nitze, Arnold
Wolfers, William T. R. Fox, Kenneth W.
Thompson e Kenneth Waltz que, como
mais jovem, foi o relator da conferên-
cia (GUILHOT, 2011). O presidente da
Fundação Rockefeller, Dean Rusk, futuro
secretário de estado (1961-1969) pre-
sidiu ao encontro. Embora não estando
presente, George Kennan enviou uma
comunicação. Aqui se discutiu como
construir teorias em RI e qual a sua
importância para o mundo político. Mais
do que as suas conclusões escritas, esta
conferência teve um impacto importante
na forma como o estudo das RI e a sua
prática - a definição da Política Externa
norte-americana - se foram estruturando
nestes anos fundacionais da disciplina
das RI.
74
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 64 - 88
A invenção da APE: a abordagem fenomenológica de SBS e Boulding e
a abordagem científico-comparativa de Rosenau.
Como vimos, a disciplina das RI como teoria cientíca e como co-
nhecimento prático aplicado à denição da política externa foi inuen-
ciada pelo Realismo. As iniciais tentativas de sistematização sobre o que
era e como se explicava a política externa dos Estados estavam embebidas
numa lógica de ação realista. Todavia, a relação da Alise da Política
Externa (APE) com o Realismo é feita de encontros, mas também de de-
sencontros. Apesar de assumir a sua origem estatal, a APE desenvolveu
todo o seu programa de investigação reagindo contra alguns dos pressu-
postos do Realismo. Em primeiro lugar, a APE contraria a ideia de que
a política externa é independente da política interna. Em segundo lugar,
a APE demonstra que o Estado não é um ator unitário e coerente que
prossegue objetivos claros de acordo com um interesse nacional objetivo.
Finalmente, a APE comprova que os Estados não denem os seus objeti-
vos e decisões apenas de uma forma racional.
Na realidade, grande parte da investigação original da APE baseou-
-se na tentativa de refutação das assunções de racionalidade, coerência,
unitarismo e clarividência objetiva do interesse nacional nas decisões de
política externa. A denição dos interesses em política externa é mais
complexa do que as abordagens tradicionais e estáticas ligadas às visões
racionalistas e associaisdo interesse nacional. Esta é uma das importantes
contribuições da APE que até os realistas já assumem como um dado ad-
quirido (KRASSNER, 1978; WIVEL, 2017).
Contudo, existiu um longo processo de evolução paradigmática
desde a fundação da disciplina até a atualidade. Muitos dos progressos da
APE prenderam-se com a necessidade da disciplina se libertar dos pres-
supostos ontológicos tradicionais sobre o que eram as relações interna-
cionais e como é que os atores se comportavam. Desde logo, da visão
simplicadora do papel dominante da estrutura na agência da política
externa. Mas também da ideia tradicional da realpolitik que assumia que
todo o comportamento em política externa era inteligível à luz do auto
evidente interesse nacional (MORGENTHAU, 1951; RYNNING; GUZZI-
NI, 2001). A APE necessitou de aprofundar as abordagens que se centra-
ram na reconstituição explicativa da agência da decisão e na multiplicida-
de de inputs institucionais e políticos que a inuenciam. Foi precisamente
isto que aconteceu com a invenção da APE nos anos cinquenta e sessenta.
Os primeiros estudos de política externa que tentaram ultrapas-
sar a abordagem tradicional do período anterior à II Guerra Mundial,
procuraram sistematizar tipologias e modelos sobre as fontes e fatores
a ter em consideração para explicar a política externa dos Estados. Estes
estudos zeram eco de um crescente reconhecimento de que as alises
existentes eram claramente insucientes para uma cabal explicação dos
femenos da política externa. Tentaram expor as limitações das alises
tradicionais e procuraram ultrapassar as conceções simplistas da power
politics e da realpolitik. Isto é, criticaram as assunções meta-teóricas so-
bre o primado e a independência da política externa face a política in-
terna e sobre o processo de decisão racional e eciente do Estado. Pela
75
Pedro Emanuel Mendes R(r)elações I(i)nternacionais, Realismo e Análise da Políca Externa (APE): contextualizando a invenção da APE
primeira vez, demonstraram que o Estado não é exatamente um ator
unitário e racional que atua em função de um interesse nacional objeti-
vo (MENDES, 2007; 2017a).
É neste contexto que devemos compreender os protestos
19
decisio-
nais e cientíco-comparativos de Snyder e Rosenau. Assim, os primeiros
trabalhos que contestaram os modelos tradicionais foram fortemente in-
uenciados pela revolução behaviorista e pelo início da tradição fenome-
nológica no estudo das Relações Internacionais. Esta tradição está ligada
ao grande desenvolvimento académico norte-americano da sociologia e
da psicologia social e é visível nas referências aos trabalhos de Parsons,
Shils e Alfred Schuetz feitas por Snyder, Bruck e Sapin (SBS) (SNYDER,
BRUCK, SAPIN; 1962, p. 63)
20
.
A inuência fenomenológica foi importante na construção da cultura
identitária da APE e teve na altura como expoentes máximos, para além
de SBS, os trabalhos de Harold e Margaret Sprout
21
, Ole Holsti
22
e Ken-
neth Boulding.
23
Esta cultura sociológica e psicossocial, colocou a APE
como um subeld que se posicionou de uma forma relativamente outsider
face à cultura realista, objetivante (associal) e estrutural dominante do estu-
do da política internacional.
A partir da década de cinquenta a disciplina das RI dividiu-se em
duas partes fundamentais: o estudo da política internacional e o estudo
da política externa (APE) (KULKOVÁ, 2001, p. 15). O estudo da polí-
tica internacional foi dominado pela visão estrutural do realismo e pela
consequente visão que a política externa não era uma policy science pas-
sível de racionalização cientíca. Para o realismo, a política externa e a
decisão política dos assuntos internacionais não deveria ser capturada por
especialistas tecnocráticos (policy scientists), mas estar assente na prática
diplomática e na expertise político-aristocrática dos seus agentes.
Novamente, existem encontros e desencontros, isto é, uma relação
e uma diferenciação. Para a visão realista, a teoria deveria estar próxima
e ser útil à prática do poder e da decisão, mas não ser uma policy scien-
ce tecnocrática e racionalista. Os realistas davam importância ao mundo
político e aos seus praticantes. O projeto realista das RI conseguiu estar
mais próximo do poder do que a maioria das outras ciências sociais emer-
gentes. Todavia, para o realismo, a política externa deveria ser dominada
por homens experientes e prudentemente realistas. Homens conscientes
da imprevisibilidade da fortuna e virtu (MAQUIAVEL, 1972) da política in-
ternacional, dos seus dilemas morais e da sua dimensão trágica. Na ótica
realista, estas qualidades políticas da vida internacional eram impossíveis
de ser compreendidos por tecnocratas e pela opinião pública. Isto signi-
ca que a teoria e prática da política externa deveria manter a sua tradição
elitista e conservadora (MORGENTHAU, 1958) .
A APE também dava importância ao mundo político, mas na ótica
de produzir conhecimento cientíco útil para os decisores utilizarem nas
suas opções. Ao contrário de Morgenthau, os inventores da APE acredi-
tavam que a política externa deveria ser objeto de investigação cientíca.
Era possível e desejável, através de metodologias positivistas, empiristas
e racionalistas, investigar e produzir teorias sobre os comportamentos
dos Estados. Os inventores da APE, e todos os outros cientistas sociais,
19. Aqui, adotamos a ideia de protesto
no sentido original de Dahl (1961).
20. Esta tradição é visível, por exemplo,
nos trabalhos de Karl Deutsh, Robert
Jarvis e Richard Ned Lebow, onde existe
uma forte componente psicológica e
intersubjetiva.
21. Harold e Margaret Sprout (1969,
p. 48-49) introduziram, originalmente
em 1956, a distinção entre o ambiente
psicológico dos decisores e o ambiente
operacional. O ambiente psicológico
engloba o conjunto de ideias e imagens
acerca do mundo retidas pelos deciso-
res e representa a forma como os deci-
sores interpretam a situação, enquanto
o ambiente operacional representa a
situação com os seus constrangimen-
tos, internos e externos, puramente
objetivos. No processo de decisão o que
é fundamental não são tanto os dados
objetivos da situação, mas, sobretudo, a
forma como o decisor pensa e interpreta
os dados da situação.
22. Ole Holsti (1962) desenvolveu con-
ceitos como “belief system” e “national
images” no estudo da política externa.
23. Boulding (1956; 1959; 1969) introdu-
ziu o conceito de “national images” que
explicamos adiante.
76
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 64 - 88
defendiam a ideia iluminista de que a ciência deveria contribuir para o
aperfeiçoamento da decisão política. Morgenthau liderou o movimento
contra-iluminista, epistemologicamente p-racionalista e tradicionalis-
ta, que defendia que a política e a ciência eram dimensões alternativas e
relativamente incompatíveis. Morgenthau não era exatamente anticientí-
co, nem muitos menos anti-teórico, o que ela defendia era uma reação
contra os behavioristas e a sua crença na possibilidade de tornar a política
internacional e a política externa em ciências sociais. Este debate geral no
pós-guerra vai cristalizar-se em RI com o segundo grande debate
24
.
Com a sua ênfase nos processos de decisão e nos fatores internos,
a APE foi crítica das visões estruturalistas e neo-objetivistas dominantes
do Realismo e do estudo das relações internacionais, que, aqui, eram si-
nónimo do estudo da política internacional. Esta crítica foi coincidente
com o impacto do behaviorismo nas ciências sociais e com a ambição
de armação cientíca das RI. Ao contrio da visão realista que tentou
inventar a teoria das RI, os fundadores da APE acreditavam na possibili-
dade de aplicar metodologias cientícas ao estudo da política. Apesar das
suas ambições neopositivistas, que devem ser enquadradas na revolução
behaviorista dos estudos políticos em geral e na necessidade de armação
da APE como campo de estudo, a abordagem fenomenológica da APE de-
senvolveu uma componente agencial, reexiva e intersubjetiva que a re-
laciona com uma abordagem construtivista avant la lettre (HOUGHTON,
2007; KULKOVÁ, 2001; WENDT, 1987; 1999). Podemos dizer que esta
abordagem descarta a visão tradicional, prático-realista, que se funda-
mentou na tentativa de Morghentau reetir a sua teoria realista nas Ra-
zões Motivos e Interesses de armação hegemónica da política externa
norte-americana durante a guerra-fria.
A visão Morgenthauniana da política externa baseava-se na tradi-
ção intuitiva e artística da política e estava impregnada de máximas da
vida política prática e da tradicional raison dètat que Maquiavel teorizou.
Deste modo, a visão realista da política externa está dominada por uma
visão insular da política, no sentido estrito de power persuing (MORGEN-
THAU, 1948). Na ótica Morgenthauniana, os estados decidem e formu-
lam a política externa de acordo com os princípios políticos de maximiza-
ção objetiva do interesse nacional. Aqui, o discurso analítico do realismo
é que a implementação do interesse nacional é executada por estadistas
e diplomatas que se guiam pelas designadas razões de Estado (RE). Estas
RE, são sinónimo de defesa e maximização, pretensamente objetiva, da
segurança, riqueza, poder e prestígio do Estado.
A abordagem fenomenológica da APE não nega que os estados
procurem maximizar o seu poder e otimizar o seu interesse nacional.
O que demonstra é que a denição dos interesses nacionais não é exata-
mente objetiva, sendo sobretudo um processo subjetivo e contextual. Os
interesses nacionais são denidos subjetivamente pelas ideias dos atores e
pelos seus contextos históricos e políticos (MENDES, 2017b; 2018; 2020).
As decisões de política externa são o resultado interligado das ideias e
percepções dos decisores, das pressões dos contextos políticos, internos e
externos, bem como da inuência dos processos organizacionais e insti-
tucionais presentes no jogo burocrático da sua formulação.
24. Outra dimensão, por vezes ignorada,
neste debate é a formação de base
dos académicos mais tradicionalistas e
dos mais behavioristas. Os primeiros,
como Morgenthau, têm uma formação
inicial, em regra, com base no Direito,
História ou Filosofia. Os segundos têm,
em regra, formação em Ciência Política,
Sociologia, Economia, Psicologia ou
outras ciências sociais.
77
Pedro Emanuel Mendes R(r)elações I(i)nternacionais, Realismo e Análise da Políca Externa (APE): contextualizando a invenção da APE
Imagem 1 - Visão subjetiva, contextual e processual da abordagem fenomenológica
da APE
Fonte: elaboração própria
A abordagem fenomenológica assenta em duas premissas funda-
mentais. Primeiro, o estudo das relações internacionais e da política ex-
terna deve ser desenvolvido tendo em conta os vários níveis de alise.
Existem várias fontes da política externa ligadas a diferentes níveis de
alise: indivíduos, burocracias, sociedades, sistema internacional. Se-
gundo, é fundamental abrir a black box e espreitar lá para dentro para per-
ceber como é que realmente se formulam as decisões de política externa
dos Estados. Isto é, para além dos fatores sistémicos e estruturais, o que é
decisivo é estudar a agência dos decisores. Isto signica que a APE se cen-
tra na explicação dos atores em contexto e em particular na identicação
das suas ideias e perceções.
Vários trabalhos pioneiros
25
foram peças de um puzzle que irá cons-
truir o primeiro grande marco da APE: Decision-making as an Approach to
the Study of International Politics. Inicialmente publicada em 1954 e com
uma edição nal posterior (SNYDER; BRUCK; SAPIN, 1962) esta é a
obra que inventa a APE. Richard Snyder, Henry W. Bruck e Burton Sapin
(SBS), introduziram contributos teóricos inovadores que precipitaram
uma reorientação no estudo da política externa. Estes contributos podem
ser sintetizados através de quatro pressupostos fundamentais.
Primeiro: a política externa consiste em decisões tomadas por de-
cisores políticos identicáveis e é esta atividade comportamental que
requer explicação. Segundo: a imporncia da percão dos decisores
26
re-
lativamente à denição da situação. Terceiro: a ênfase dada às origens do-
mésticas e societárias da política externa. Quarto: o próprio processo de
formulação da decisão pode ser uma fonte importante e independente de
decisões (MENDES, 2017).
Estes pressupostos representaram uma inovadora perspetiva de
estudo da política externa. A partir daqui o enfoque da investigação é
colocado nas fontes internas da política externa e no próprio processo de
decisão. Isto representou um grande avanço relativamente às alises tra-
dicionais que, basicamente, defendiam que a política externa era uma res-
25. Como é possível constatar em Hof-
fman (1960) e Rosenau (1969a ; 1980b)
existiram trabalhos importantes que
influenciaram a visão fenomenológica
de SBS, como os de: Frederick Dunn de
1948; Gabriel Almond e Robert Dahl de
1950; Natham Leites de 1951; Richard
Snyder de 1952; Herbert Kelmam de
1955; Kenneth Boulding e de Harold
e Margaret Sprout de 1956; Bernard
Cohen e Karl Deutsh de 1957; e Joseph
Frankel de 1959.
26. Ao ressaltar que as decisões
tomadas são determinadas pela visão
que os decisores têm da situação, SBS
abriram caminho à abordagem “Cog-
nitiva” ou “Psicológica”. As tentativas
de explicação psicológica da percepção
dos decisores políticos tornou-se uma
das mais ricas áreas de análise em Re-
lações Internacionais. Conceitos como
“image”, “belief system”, ou “mis-
perception” partem desta perspectiva
(WALKER, 2003).
78
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 64 - 88
posta aos estímulos internacionais. Nas análises tradicionais assumia-se
a existência de uma barreira analítica entre a política interna e a política
externa. Tradicionalmente, estas políticas eram estudadas de forma inde-
pendente. Até aqui, existia uma visão teórico-metodológica que assumia
que: “foreign policy begins where domestic policy ends” (KISSINGER,
1969, p. 261).
Ao contrário, com SBS os fatores externos deixam de ser os fatores
primordiais e quase absolutos na explicação do comportamento externo
do Estado. Embora os fatores internacionais não sejam descartados, eles
passam a fazer parte de um conjunto de fatores contextuais que condi-
cionam determinada situação, que é denida de acordo com a perceção
dos decisores (MENDES, 2007). Esta abordagem fenomenológica incor-
pora conceitos da sociologia e da psicologia e distancia-se da conceção
tradicional do Estado como ator monolítico perseguindo um interesse
nacional objetivo e unitário. Como sublinha Valerie Hudson (2002, 2014)
o trabalho de SBS continha uma visão revolucionária relativamente à vi-
são dominante das RI pós 1945. Esta visão combinava o realismo com o
cientismo (HUDSON, 2002, p. 1-2) e foi contrariada pelas inovações teóri-
cas e metodológicas de SBS, nomeadamente a relação entre instituições e
processos e as consequentes “variáveis psicogicas” e “variáveis socioló-
gicas” da decisão (SNYDER, BRUCK, SAPIN, 1962, p. 7).
Imagem 2 - Contextos, debates e diálogos na invenção da APE
Fonte: elaboração própria
Para além de SBS e dos Sprouts (1969), existe um importante marco
da abordagem fenomenológica que teve uma inuência decisiva na APE.
Estamos a falar do trabalho pioneiro de Kenneth Boulding, nomeada-
mente na sua preocupação em estabelecer uma relação entre as Imagens
Nacionais e os Sistemas Internacionais (BOULDING, 1959; 1969). Aqui é
sublinhado que as decisões tomadas pelos atores políticos não respondem
aos factos “objetivos” da situação, mas, essencialmente, à imagem que
estes têm da situação. O que inuencia o comportamento dos decisores
79
Pedro Emanuel Mendes R(r)elações I(i)nternacionais, Realismo e Análise da Políca Externa (APE): contextualizando a invenção da APE
não é exatamente o mundo real, mas sobretudo o que estes imaginam
ser o mundo. Ou seja, é a imagem que os decisores têm do mundo –
normativamente adequada ou inadequada, politicamente progressista ou
conservadora – que determina o seu comportamento. Isto signica que
decisores com imagens diferentes irão comportar-se de forma diferente
face à mesma situação.
As imagens reetem “the total cognitive, aective, and evaluative
structure of the behaviour unit, or its internal view of itself and its uni-
verse” (BOULDING, 1969, p. 423). Partindo desta conceção, é possível
identicar dois géneros de imagens. Em primeiro lugar, temos as ima-
gens que uma nação
27
tem dela própria. Em segundo lugar, a imagem
que uma sociedade nacional tem do mundo ou, se quisermos, a imagem
interpretativa do ambiente internacional que a rodeia.
A questão fundamental que Boulding colocou foi a de tentar per-
ceber qual o impacto que as “imagens nacionais” produzem no relacio-
namento entre os Estados e na construção das relações internacionais.
Todo o Estado-nação é um conjunto complexo de imagens que se for-
mam e sedimentam ao longo de processos históricos. Neste sentido, toda
a imagem nacional é essencialmente uma imagem histórica. Todavia,
para além do resultado do processo histórico de socialização identitária
das imagens dos cidadãos que compõem a nação, o conjunto de ideias
históricas que formam a imagem nacional é sobretudo uma construção
político-identitária das suas elites decisoras, que a reetem e interpretam
de forma própria e intersubjetiva (MENDES, 2018; 2020). Deste modo,
como o comportamento dos decisores é o elemento-chave para analisar-
mos a política externa e o seu impacto nas relações internacionais, torna-
-se essencial estudar a forma como as imagens nascem e se transformam,
sobretudo ao nível das elites, pois são estas que detêm o poder de decidir
e formular as políticas públicas (BOULDING, 1969, p. 425-426)
28
.
Assim, os decisores podem ter imagens mais sosticadas ou menos
sosticadas dos sistemas nacional e internacional. O grau de sosticação
das imagens é comparável ao processo de crescimento e autodetermina-
ção de um individuo. Isto é, à sua autoconsciência relativamente à assun-
ção que a sua existência é apenas uma das partes de um conjunto maior.
Neste sentido, os decisores com imagens não sosticadas veem o mundo
apenas pelo ponto de vista do observador, numa lógica monista. Os de-
cisores com uma imagem sosticada tendem a ver o mundo de muitos e
variados pontos de vista, numa lógica pluralista. Um decisor com uma
imagem sosticada vê o mundo como um sistema complexo e tem cons-
ciência que a sua existência e visão é apenas uma no conjunto das várias
partes desse sistema (BOULDING,1969, p. 429-430).
29
Outro marco fundamental para a invenção da APE foram os contri-
butos de James Rosenau. Depois do estudo de SBS, os trabalhos de Rose-
nau foram o segundo grande passo para se obter explicações gerais sobre
política externa
30
. Rosenau propôs a necessidade de uma maior consciên-
cia cientíca no estudo da política externa e sublinhou a importância de se
tentar construir preposições “If-then” (ROSENAU, 1980, p. 34-76). Argu-
mentou que só denindo as principais fontes do comportamento interna-
cional dos Estados seria possível encontrar padrões gerais de explicação.
27. Boulding utiliza a palavra nação
como correspondendo a um Estado-na-
ção e, portanto, é assim que também
deve ser entendida aqui.
28. Boulding distingue dois grupos que
estabelecem imagens representativas
da nação. Em primeiro lugar temos “os
poderosos”, as elites decisoras. Em
segundo lugar, “as massas”, ou seja, o
conjunto geral da população (BOUL-
DING, 1969, p. 423).
29. Este ponto é decisivo para perceber-
mos, por exemplo, as diferenças entre
a política externa de Bush, Obama e
Trump.
30. Trabalhos pioneiros como “Pré-the-
ories and Theories of Foreign Policy”
de 1966; “Moral Fervor, Systematic
Analysis, and Scientific Consciousness
in Foreign Policy Reserach” e “Com-
parative Foreign Policy: One–time Fad,
Realized Fantasy, and Normal Field” de
1968, que culminam no imprescindível
The Scientific Study of Foreign Policy
(ROSENAU, 1980).
80
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 64 - 88
Sistematizou as principais variáveis em política externa e relacionou-as
com uma tipologia dos Estados em função de: tamanho; nível de respon-
sabilização democrática (political accountability); e nível de desenvolvi-
mento. Rosenau agrupou estas variáveis em cinco fontes principais da
política externa: variáveis idiossincráticas (posteriormente denominadas
individuais); variáveis de papel/função (role); variáveis governamentais;
variáveis societárias, e variáveis sistémicas (ROSENAU, 1966).
Para além desta pré-teoria, Rosenau produziu importantes contri-
butos teóricos e metodológicos que podemos resumir em três ideias-cha-
ve. Em primeiro lugar, Rosenau foi pioneiro na construção de modelos de
alise sobre a importância das fontes internas da política externa (ROSE-
NAU, 1967) e sobre a interligação entre o ambiente interno e o ambiente
externo (ROSENAU, 1969b). Rosenau foi o impulsionador da ideia de que
era impossível estudar e compreender a política externa dos estados sem
uma alise interligada entre o interno e o externo. A partir daqui a inter-
ligação entre as fontes internas e externas passou a ser um dado adquirido
e universal. Atualmente é indiscutível a interpenetração entre a política
interna e a política externa. O que é variável é o seu grau de interpene-
tração, pois diferentes tipos de sociedade, produzem diferentes formas de
inputs domésticos na sua política externa.
Rosenau salientou ainda que as atividades da política externa não
podem resumir-se apenas aos outpts diretos, ou seja, às ações tomadas
pelos governantes. Assim, uma das vantagens da linkage theory é o reco-
nhecimento da necessidade de analisarmos não só os fenómenos de direct
linkage, mas também todo o conjunto de atividades de indirect linkage
31
.
Rosenau demonstrou que não podemos abordar um acontecimento de
política externa sem procedermos a uma conceção interligada de vários
ambientes, problemas e áreas.
Em segundo lugar, Rosenau desenvolveu a ideia-chave relativa à
necessidade de analisarmos a política externa como um comportamen-
to adaptativo (ROSENAU, 1970, 1981). A política externa representa um
permanente esforço de adaptação dos Estados relativamente aos desaos
que lhes são colocados. Esta ideia tornou-se um truísmo na APE, e muitos
académicos passaram a investigar a capacidade ou incapacidade de adap-
tação das políticas externa dos Estados (MENDES, 2012).
Por último, Rosenau defendeu o imperativo de desenvolver a-
lises comparadas da política externa. Na sua ótica, só através da com-
paração seria possível alcançar generalizações e construir teorias sobre
a política externa (ROSENAU, 1974). Rosenau liderou o desao de iden-
ticar inferências universais sobre o comportamento dos Estados. Para
tal, desenvolveu um programa de investigação que se centrou no estudo
comparado de variáveis quantitativas e de dados agregados da política
externa dos estados. Esta perspetiva, designada por Comparative Foreign
Policy (CFP), embora incluísse várias abordagens e estratégias tinha uma
visão eminentemente positivista. Esta visão, justicava-se pelo contex-
to da época, marcado pela necessidade de autodeterminação académico-
-cientíca do estudo da política externa
32
.
A CFP desenvolveu projetos de investigação ambiciosos que foram
nanciados pela vontade histórica e política de apreender a lógica com-
31. As atividades de indirect linkage
abrangem todo o conjunto de comporta-
mentos levados a cabo por personalida-
des ou grupos privados com o objetivo
de preservar ou alterar um ou mais
aspetos do ambiente externo de deter-
minado Estado. Neste sentido, Rosenau
chama a atenção para a distinção entre
os inputs diretos e os inputs indiretos
(Rosenau,1980c).
32. Em reação ao Realismo clássico e às
suas metodologias tradicionais, a CFP
partilhava as seguintes caraterísticas:
uma epistemologia behaviorista; uma
procura indutiva de generalizações
gerais expressas em leis que conduzis-
sem a uma grande teoria explicativa
da política externa; e metodologias
quantitativas que analisavam dados
agregados.
81
Pedro Emanuel Mendes R(r)elações I(i)nternacionais, Realismo e Análise da Políca Externa (APE): contextualizando a invenção da APE
portamental dos Estados. Novamente, importa sublinhar que o contexto
de guerra-fria motivou os EUA para a necessidade de obter conhecimento
útil para a teoria e prática da sua política externa. O ensino e investigação
sobre a CFP teve um forte impulso neste período. Estima-se que o go-
verno dos EUA, principalmente através da Defense Advanced Research
Projects Agency (DARPA) e da National Science Foundation (NSF), dis-
ponibilizaram mais de 5 milhões dólares de nanciamento para projetos
de “events data”
33
entre 1968-1981 (HUDSON, 2014, p. 23).
A ambição desta geração cientíco-comparativa foi exageradamen-
te neopositivista e no nal da década de oitenta todos, a começar por Ro-
senau, reconheceram as limitações do projeto de fazerem desta aborda-
gem a ciência normal do estudo da política externa (ROSENAU, 1987)
34
.
O principal problema foi o tradicional pecado do positivismo: ter dema-
siada fé nos fatos objetivos e não considerar a reexividade e historicidade
da produção cientíca, especialmente nas RI, como aqui é argumentado.
Apesar das suas limitações positivistas, foi esta geração liderada por
Rosenau que proporcionou um período de grande inovação e introduziu
um conjunto de avanços teóricos e metodogicos que teve poucos para-
lelos na história da disciplina das RI (HUDSON, 2014, p. 22). Tal como
com SBS, a imporncia das inovações teórico-metodológicas de Rosenau
não se pode medir exatamente pelos resultados das suas metodologias
neopositivistas e quantitativas. O que é relevante, e perdura até hoje, é a
sua busca por “moving up the ladder of abstraction” (ROSENAU, 2000, p.
2) na alise da política externa. Isto é, a sua liderança na armação de
que o estudo da política externa não podia continuar a ser dominado por
trabalhos descritivos, ateóricos, que não contribuíam para a acumulação
de conhecimentos que proporcionassem uma teoria da política externa.
Foi esta sua busca teórico-cientíca que em última análise originou a so-
lidicação cientíca-disciplinar da APE.
Ainda hoje Rosenau é considerado como um dos vinte académicos
mais relevantes das RI (MALINIAK et al., 2012, p. 49). Após o m da
guerra-fria, Rosenau dedicou-se ao estudo das mudanças impostas pela
Globalização, sendo um dos pioneiros nas RI a tentar explicar o fenóme-
no (ROSENAU, 1990; 1992; 1997;1999; 2000). Nos seus últimos tempos,
confessava que se tinha afastado das visões mainstream das RI (ROSE-
NAU, 2002). Isto, novamente, comprova o nosso argumento. Existe um
contínuo processo de interligação entre os contextos históricos e a pro-
dução teórica em ciências sociais. Os principais teóricos são aqueles que,
precisamente, captam e inuenciam reciprocamente a evolução do zeit-
geist histórico e cientíco.
Na década de sessenta Rosenau foi o expoente da inovação teórica
na APE. Rosenau defendeu que, mais do que as abordagens descritivas
de história diplomática ou de estudos de área, era necessário construir
uma abordagem teórica especíca para explicar os padrões gerais do
comportamento dos Estados. Foi esta sua crença no papel da teoria - no-
meadamente da ideia de que a política externa tinha de ser estudada de
forma diferente da visão tradicional da política internacional - que criou
os primeiros degraus rmes da escada teórica que permitiu solidicar a
invenção da APE.
33. O designado “event data movement”
realizou vários projetos importantes, de
onde se destacam o Programmed Inter-
national Computer Environment (PRIN-
CE), o Interstate Behaviour Analysis
(IBA), e o Comparative Research on the
Events of Nations CREON (HERMANN;
PEACOCK, 1987).
34. A importância de se analisar as
políticas externas dos Estados numa
perspectiva comparada é também hoje
um dado adquirido (BEASLEY, et al.,
2013).
82
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 64 - 88
A partir daqui a APE desenvolveu-se interligando o estudo da polí-
tica nacional com o da política internacional, mas assumindo sempre que
a sua origem é interna e a sua agência transnacional. Esta visão cientíca
permitiu identicar as principais variáveis do comportamento dos Esta-
dos; introduzir conceitos inovadores, como o “undertaking” (ROSENAU,
1980a, p. 60), “issue-area” (ROSENAU, 1980d, p. 461) ou “aggregation
(ROSENAU, 1980e, p. 544); e integrar de forma pioneira o estudo de uni-
dades micro e macro, abrindo, novamente avant la letre, o caminho para
se discutir a problemática entre a Agência e a Estrutura nas RI (WENDT,
1987; CARLSNAES, 1992). Isto signica que as inovações teóricas da abor-
dagem fenomenológica de SBS, juntamente com os trabalhos pioneiros
dos Sprout, Boulding e de Rosenau são, ainda hoje, fundamentais para
uma compreensão sosticada da APE.
Conclusão
Como argumentamos, e o caso apresentado comprova, existe uma
relação entre os contextos históricos e o surgimento e evolução das disci-
plinas cientícas. É indispensável compreendermos esta relação dialética
para obtermos uma visão sosticada dos seus desenvolvimentos e corren-
tes teóricas. Diferentemente das ciências naturais, as ciências sociais não
são apenas progressivas, mas sobretudo reexivas dos ambientes sociais,
académicos e políticos do seu tempo. As disciplinas e os seus campos de
estudo são inventados a partir de impactos contextuais externos (histó-
rico-políticos) e internos (académico-cientícos). As Relações Internacio-
nais (RI) e a sua subdisciplina central, a Análise da Política Externa (APE),
não são exceções, bem pelo contrário. Como observamos, as RI e a APE
nasceram como resultado de um interessante e complexo cruzamento
entre acontecimentos históricos; interesses políticos, institucionais e cor-
porativos; e oportunidades de liderança académica.
Como procuramos demonstrar, as razões do nascimento da APE
foram cientícas, históricas e políticas. Ao contrário de algumas leitu-
ras ahistóricas, é importante termos consciência do tempo e do modo
como a APE foi socialmente construída. Este exercício intelectual pos-
sibilita uma melhor compreensão sobre o lugar da APE no quadro geral
da Ciência Política e ajuda a contar melhores histórias sobre a política
externa dos Estados.
Neste quadro, é necessário assumir os contextos. Assim, relativa-
mente ao nosso caso podemos sublinhar os seguintes pontos. Primeiro,
a APE surgiu no contexto académico do protesto behaviorista contra a
visão tradicional do estudo da política externa e, no caso do Realismo,
contra a sua visão irredentista das RI. Ou seja, contra a resistência dos
Realistas clássicos em se integrarem no movimento de renovação e ar-
mação cientíco-metodológica da Ciência Política norte-americana.
Segundo, este contexto académico não pode ser desligado do con-
texto histórico da guerra-fria e da necessidade de produção de conheci-
mento útil para a política externa do ator hegemónico norte-americano.
o é por acaso que as RI e a APE são inventados nos EUA. Da mesma for-
ma que o Império Romano inventou e sistematizou um lugar disciplinar
83
Pedro Emanuel Mendes R(r)elações I(i)nternacionais, Realismo e Análise da Políca Externa (APE): contextualizando a invenção da APE
e político para o Direito, também os EUA inventaram e sistematizaram
um lugar disciplinar e político para a ciência social que estudava as rela-
ções internacionais e a política externa dos estados. A hegemonia histó-
rica-política interliga-se com a hegemonia cientíca, especialmente nas
ciências sociais políticas.
Terceiro, importa sublinhar que várias fundações norte-america-
nas, com destaque para a Rockfeller e a Ford, nanciaram importantes
programas de investigação em relações internacionais e especialmente
em política externa. Também a National Science Foundation e as grandes
universidades americanas foram decisivas para a armação do estudo da
política externa e para a invenção de um novo campo de estudo inserido
na lógica de uma ciência social, com objetivos teóricos e de demostração
de relações de causalidade.
Em última alise, a invenção da APE aconteceu devido a vá-
rias circunstâncias históricas que podemos resumir a quatro. Primeiro,
a globalização dos conitos internacionais nas primeiras décadas do
séc. XX. O início das duas guerras civis europeias, que se tornaram
mundiais, obrigaram a uma reexão prática e teórica sobre o compor-
tamento dos Estados, nomeadamente sobre a possibilidade de cons-
trução de uma nova ordem internacional, liderada pelos EUA. Segun-
do, a emigração intelectual europeia para os EUA, consequência do
nazismo, fez com que os EUA recebessem um legado cientíco ímpar
neste período. Terceiro, o ambiente iluminista dos estudos políticos do
pós-guerra nos EUA. Para além do fator humano, nomeadamente da
emigração europeia, os Estados Unidos reuniram condições políticas e
institucionais propiciadoras de grandes investimentos em investigação
e ensino universitário em Ciências Sociais. Isto possibilitou a solidi-
cação da Ciência Política e o orescimento de ricos debates teóricos e
metodológicos que motivaram o surgimento de oportunidades de lide-
rança académica como as de Morgenthau, Snyder e Rosenau. Quarto,
o início da guerra fria. Este conito - político, ideológico e estratégi-
co - originou uma política internacional de blocos, tendencialmente
bipolar, entre os EUA e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
(URSS), o que estimulou ainda mais os EUA a desenvolver o estudo da
política externa e da política internacional.
Estes importantes acontecimentos nas relações internacionais (his-
tória) tiveram um impacto decisivo nas Relações Internacionais (ciência/
teoria). Deste modo, a invenção da APE não se pode desligar do início da
hegemonia política norte-americana e da necessidade de os EUA produ-
zirem conhecimento útil para formularem a sua política externa, espe-
cialmente no contexto de guerra-fria e consequente disputa global relati-
vamente ao seu projeto de liderança de uma ordem internacional liberal.
Em síntese, como foi possível constatar, é fundamental perceber
que a evolução das RI - as suas abordagens ontológicas, epistemológicas
e metodológicas - comportam uma forte componente histórico-contin-
gencial. Um dos pontos essenciais para compreendermos as abordagens
e campos de estudo das RI prende-se com a necessidade de assumirmos a
reexividade dos contextos históricos na evolução teórica das disciplinas
da Cncia Política.
84
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 64 - 88
Referências
ADCOCK, Robert; BEVIR, Mark; STIMSON, Shannon C. (ed.) Modern Political Science: An-
glo-American Exchanges Since 1880. Princeton: Princeton University Press, 2007.
ADCOCK, Robert. Interpreting Behavioralism. In: ADCOCK, R.; STIMSON, M. Bevir; S. C.
(ed.). Modern Political Science: Anglo-American Exchanges Since 1880. Princeton: Princeton
University Press, 2007, p. 181-208.
ANIEVAS, Alexander. International relations between war and revolution: Wilsonian diploma-
cy and the making of the Treaty of Versailles. International Politics, n. 51, p. 619-647, 2014.
ASHWORTH, Lucian M. A History of International Thought: From the origins of the modern
state to academic international relations. New York: Routledge, 2014.
BEASLEY, Ryan; KAARBO, J.; LANTIS, J.; SNARR, Michael T. (ed.) Foreign Policy in Compar-
ative Perspective: domestic and international inuences on state behavior. 2 ed. Washington:
CQ Press, 2013.
BEHR, Hartmut. Scientic Man vs. Power Politics: A Pamphlet and Its Author between Two
Academic Cultures. Ethics & International Aairs, v. 30 n. 1, p. 33-38, mar. 2016.
BELL, Duncan. (ed.) Political Thought and International Relations. Oxford: Oxford Univer-
sity Press, 2009.
BOULDING, Kenneth. The Image. Ann Arbor: University of Michigan Press, 1956.
BOULDING, Kenneth. National Images and International Systems. Journal of Conict Reso-
lution, v. 3, n. 2, p. 120-31, 1959.
BOULDING, Kenneth. National Images and International Systems. In: ROSENAU, James. (ed.)
International Politics and Foreign Policy: a reader in research and theory. New York: Free
Press, 1969, p .422-431.
BOURDIEU, Pierre. Homo Academicus. Cambridge: Polity Press. 1988.
BROWN, Chris. ‘The Twilight of International Morality?’ Hans J. Morgenthau and Carl Schmitt
on the End of the Jus Publicum Europaeum. In: WILLIAMS, Michael C. Realism Reconsidered:
The Legacy of Hans Morgenthau in International Relations. Oxford: Oxford University Press,
2007, p. 42–61.
BUZAN, Barry; LITTLE, Richard. International systems in world history: remaking the
study of international relations. Oxford: Oxford University Press, 2000.
BUZAN, Barry; LAWSON, George. The Global Transformation: History, Modernity and the
Making of International Relations. Cambridge: Cambridge University Press, 2015.
CARLSNAES, Walter. The Agency-Structure Problem in Foreign Policy Analysis. Internation-
al Studies Quarterly, v. 36, n. 3, p. 245-270, 1992.
CARLSNAES, Walter. Foreign Policy. In: CARLSNAES, W.; Risse, T.; SIMMONS, B. A. eds.
Handbook of International Relations. London: Sage, p. 331-350, 2002.
CARLSNAES, Walter Foreign Policy. In: CARLSNAES, W.; Risse, T.; SIMMONS, B. A. eds.,
Handbook of International Relations. 2. Ed. London: Sage, p. 298-325, 2013.
CARR, Edward. The Twenty Years Crisis 1919 to 1939: An Introduction to the Study of Inter-
national Relations. London: Palgrave. (1939), 2001.
COHEN, Bernard. Foreign Policy. In: SILLS, David (ed.) International Encyclopedia of the
Social Sciences. New York: Macmillan/Free Press, 1968.
COOPER, John Milton, (ed.). Reconsidering Woodrow Wilson: progressivism, international-
ism, war, and peace. Washington: Woodrow Wilson Center Press, Baltimore: Johns Hopkins
University Press, 2008.
D’AOUST, Anne-Marie. IR as a Social Science/IR as an American Social Science. In: DENEMARK,
Robert A. (ed.), The Oxford Research Encyclopedia of International Studies, Oxford, 2017.
DAHL, Robert. The behavavioural approach in political science: Epitaph for a monument to a
successful protest. American Political Science Review, v. 55, n. 4, p. 763-772, 1961.
DUBIN, Martin David. Toward the Concept of Collective Security: The Bryce Group’s ‘Propos-
als for the Avoidance of War,’ 1914–1917. International Organization, v. 24, n. 2 p. 288-318, 1970.
FORUM IR. Forum on IR in the Prison of Political Science. International Relations, v. 31, n. 1,
p. 71–75, 2017.
FREI, Christoph. Hans J Morgenthau: An Intellectual Biography. Baton Rouge, LA: Louisiana
State University Press, 2001.
85
Pedro Emanuel Mendes R(r)elações I(i)nternacionais, Realismo e Análise da Políca Externa (APE): contextualizando a invenção da APE
FREI, Christoph. Politics Among Nations: A Book for America. In: Navari C. (ed). Hans J. Mor-
genthau and the American Experience. NY: Palgrave Macmillan, 2018.
GILPIN, Robert G. No one loves a political realist. Security Studies, v. 5, n. 3, p. 3–26, 1996.
GILPIN, Robert G. War and change in world politics. Cambridge: Cambridge University
Press, 1981.
GROOM, A.J.R. Foreign Policy Analysis: From Little Acorn to Giant Oak? International Stud-
ies, v. 44, n. 3, p. 195-215, 2007.
GUILHOT, Nicolas. The Realist Gambit: Postwar American Political Science and the Birth of IR
Theory. International Political Sociology, , v. 2, n. 4, p. 281-304, 2008.
GUILHOT, Nicolas. (ed.) The Invention of International Relations Theory: Realism, the
Rockefeller Foundation, and the 1954 Conference on Theory. New York: Columbia University
Press, 2011.
GUZZINI, Stefano. Realism in International Relations and International Political Economy:
the continuing story of Death Foretold. London: Routledge,1998.
GUZZINI, Stefano. The Enduring Dilemmas of Realism in International Relations. European
Journal of International Relations, v. 10, n. 4, p. 533-568, 2004.
GUZZINI, Stefano. Realist Theories and Practice. DIIS WORKING PAPER 2017: 8. Copenha-
gen: Danish Institute for International Studies, 2017.
HAMATI-ATAYA, Inanna. Behavioralism. In: DENEMARK, Robert A. (ed.), The Oxford Re-
search Encyclopedia of International Studies. Oxford, 2018.
HERMANN, Charles F.; PEACOCK, Gregory. The Evolution and Future of Theoretical Re-
search in the Comparative Study of Foreign Policy. In: HERMAN, Charles; KEGLEY, Charles
W.; ROSENAU, James N. (ed.). New Directions in the Study of Foreign Policy. London: Allen
& Unwin, 1987.
HOFFMAN, Stanley (ed.). Contemporary Theory in International Relations. Englewood
Clis, New Jersey: Prentice-Hall. 1960.
HOFFMAN, Stanley. Theory and International Relations. In: ROSENAU, James N. (ed.). Inter-
national Politics and Foreign Policy: a reader in research and theory. New York: Free Press,
p. 30-40, 1969.
HOFFMAN, Stanley. An American Social Science: International Relations. Daedalus, v. 106, n.
3, p. 41-60, 1977.
HOLSTI, Ole. The Belief System and National Images: A Case Study. Journal of Conict Res-
olution, v. 6, p. 244-52, 1962.
HOUGHTON, David P. Reinvigorating the Study of Foreign Policy Decision-Making: Toward a
Constructivist Approach. Foreign Policy Analysis, v. 3, n. 1, p. 24-45, 2007.
HUDSON, Valerie. Foreign Policy Decision-Making: A Touchstone for International Relations
Theory in the Twenty-rst Century. In: SNYDER, Richard C.; BRUCK, H. W.; SAPIN, Burton.
Foreign Policy Decision-Making (Revisited). New York: Palgrave-Macmillan, p. 1-20, 2002.
HUDSON, Valerie. Foreign Policy Analysis: Actor-Specic Theory and the Ground of Interna-
tional Relations. Foreign Policy Analysis, v.1, n.1, p.1-30, 2005.
HUDSON, Valerie. Foreign policy analysis: classic and contemporary theory. 2 ed. Lanham:
Rowman & Littleeld Publishers, 2014.
HUDSON, Valerie. Foreign Policy Analysis: Origins (195493) and Contestations. In: DENEMARK,
Robert A. (ed.), The Oxford Research Encyclopedia of International Studies. Oxford, 2018.
JACKSON, Patrick Thaddeus. ‘Does It Matter If It’s A Discipline?’ Bawled the Child. In: GOFAS,
Andreas; HAMATI-ATAYA, Inanna; ONUF, Nicholas (ed). Handbook of the History: Philoso-
phy and Sociology of International Relations. NY: Sage, 2018, p. 326-339.
KAHLER, Miles. Inventing International Relations: International Relations Theory After 1945.
In: DOYLE, Michael W.; IKENBERRY, G. John (ed.) New Thinking in International Relations
Theory. Boulder: Westview Press, 1997, p. 20-53.
KATZNELSON, Ira. Desolation and Enlightenment: Political Knowledge After Total War,
Totalitarianism, and the Holocaust. New York: Columbia University Press, 2003.
KENNAN, George F. The long telegram. National Security Archive, Washington, D.C.:
George Washington University, 1945.
KENNAN, George F. The sources of Soviet conduct. Foreign Aairs, v. 25, n. 4, p. 566582, 1947.
86
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 64 - 88
KENNAN, George F. American diplomacy. Chicago: University of Chicago Press. 1984.
KISSINGER, Henry. Domestic Structure and Foreign Policy. In: ROSEUNAU, James (ed.) Inter-
national Politics and Foreign Policy: a reader in research and theory. New York: Free Press,
1969, p. 261-275.
KRASSNER, Stephen. Defending National Interest. Princeton: Princeton University Press, 1978.
KUBÁLKOVÁ, Vendulka. The Twenty Years Catharsis: E.H. Carr and IR. In: KULKOVÁ,
Vendulka; ONUF, Nicholas; KOWERT, Paul (ed), International Relations in a constructed
World. New York: M.E. Sharpe, p. 25-57, 1998.
KUBÁLKOVÁ, Vendulka. Foreign Policy, International Politics, and Constructivism. In:
Kubálko, Vendulka. (ed.) Foreign Policy in a Constructed World. New York: M.E. Sharpe,
2001, p. 15-37.
LAUREN, Paul.; CRAIG, Gordon A.; GEORGE, Alexander L. Force and Statecraft: Diplomatic
Challenges of Our Time. New York: Oxford University Press. 5 ed. 2013.
LEGRO, Jerey; MORAVCSIK, Andrew. Is Anybody Still a Realist? International Security, v.
24, n. 2, p. 5-55, 1999.
LINK Arthur S. (ed.). The Papers of Woodrow Wilson, v. 6. Princeton: Princeton University
Press, 1969.
MALINIAK, Daniel et al. Trip Around The World: Teaching, Research, and Policy Views of
International Relations Faculty in 20 Countries, Williamsburg, VA: The College of William and
Mary, 2012.
MANNHEIM, Karl. The Problem of a Sociology of Knowledge. In: WOLFF, Kurt H. (ed.), From
Karl Mannheim. New Brunswick: Transaction Publishers, 2011, p. 187-243.
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Lisboa: Publicações Europa-América, 1972.
MENDES, Pedro Emanuel. A raiz e o fruto na análise da política externa dos Estados: uma pers-
pectiva eclética. Relações Internacionais, n. 16, p. 129-144, 2007.
MENDES, Pedro Emanuel. Portugal e a Europa: Factores de Afastamento e Aproximação da
Política Externa Portuguesa (1970-1978), Porto, CEPESE, 2012.
MENDES, Pedro Emanuel. As Relações Internacionais como cncia social: dialética entre his-
tória e teoria. In: SOUSA, Fernando de; MENDES, Pedro (ed.), Dicionário das Relações Inter-
nacionais, Porto, Afrontamento, pp. xvi-xxxvi, 2014.
MENDES, Pedro Emanuel. Como compreender e estudar a decisão em política externa: rein-
terpretando os cssicos. Brazilian Journal of International Relations, v. 6, n. 1, p. 8-36, 2017a.
MENDES, Pedro Emanuel. O poder e as ideias na política externa da Indonésia democrática: ser
ou não ser um ator global? Relações Internacionais, n. 55, p. 71-98, 2017b.
MENDES, Pedro Emanuel. Identidade, ideias e normas na constrão dos interesses em política
externa: o caso portugs. Alise Social, 227, LIII (2), p. 458-487, 2018.
MENDES, Pedro Emanuel. O nascimento das Relações Internacionais como ciência social: uma
alise comparada do mundo Anglo-americano e da Europa continental. Austral: Revista Bra-
sileira de Estratégia e Relações Internacionais, v. 8, n. 16, , p. 19-50, 2019a.
MENDES, Pedro Emanuel. As teorias principais das Relações Internacionais: uma avaliação do
progresso da disciplina. Relações Internacionais, n. 61, p. 95-122, 2019b.
MENDES, Pedro Emanuel. Percepções e imagens na política externa do Estado Novo: a impor-
ncia do triângulo identitário. Dados: Revista de Ciências Sociais, v. 63 n. 3, 2020.
MERLE, Marcel. La Politique Étrangère. Paris: PUF, 1984.
MORGENTHAU, Hans J., The Limitations of Science and the Problem of Social Planning, Eth-
ics, v. 54, n. 3, p. 174-185, 1944.
MORGENTHAU, Hans. Scientic Man versus Power Politics. Chicago: University of Chicago
Press, 1946.
MORGENTHAU, Hans. Politics Among Nations: The Struggle for Power and Peace. New
York: Alfred Knopf, 1948.
MORGENTHAU, Hans J. The Mainsprings of American Foreign Policy: The National Interest
vs. Moral Abstractions, American Political Science Review, v. 44, n. 4, p. 853-54, 1950.
MORGENTHAU, Hans J. In Defense of the National Interest: A Critical Examination of
American Foreign Policy. New York: Knopf, 1951.
87
Pedro Emanuel Mendes R(r)elações I(i)nternacionais, Realismo e Análise da Políca Externa (APE): contextualizando a invenção da APE
MORGENTHAU, Hans J. Dilemmas of Politics. Chicago: The University of Chicago Press, 1958.
NAVARI, Cornelia (ed.). Hans J. Morgenthau and the American Experience. New York: Pal-
grave Macmillan, 2018.
NINKOVICH, Frank A. The Wilsonian Century: U.S. Foreign Policy Since 1900. Chicago:
University of Chicago Press, 1999.
OREN, Ido. Our Enemies and US: America’s Rivalries and the Making of Political Science.
Ithaca, NY: Cornell University Press, 2003.
POWERS, Richard Howard. Review of: Dilemmas of Politics. By Hans J. Morgenthau. Chicago: The
University of Chicago Press, 1958. The University of Chicago Law Review, V. 26, p. 178-185, 1958.
QUIRK, Joel; VIGNESWARAN, Darshan. The construction of an edice: The story of a rst
great debate. Review of International Studies, v. 31, n. 1, p. 89-107, 2005.
RÖSCH, Felix. Morgenthau in Europe: Searching for the Political. In: NAVARI, Cornelia (ed.).
Hans J. Morgenthau and the American Experience. New York: Palgrave Macmillan, p. 1-25, 2018.
RÖSCH, Felix. Unlearning modernity: A realist method for critical international relations?
Journal of International Political Theory, v. 13, n. 1, p. 81–99, 2017.
ROSENAU, James. Pré-theories and Theories of Foreign Policy. In: FARREL, Robert Barry (ed.)
Approaches to Comparative and International Politics. Evanston: N. U. Press, p. 27-92, 1966.
ROSENAU, James. Domestic Sources of Foreign Policy. New York: Free Press, 1967.
ROSENAU, James (ed.). International Politics and Foreign Policy: a reader in research and
theory. New York: Free Press, 1969a.
ROSENAU, James. Linkage Politics. New York: Free Press, 1969b.
ROSENAU, James. Foreign Policy as Adaptative Behavior: Some Preliminary Notes for a Theo-
retical Model. Comparative Politics, local, v.2, p.365-389, 1970.
ROSENAU, James. (ed.) Comparing Foreign Policies: Theories, Findings and Methods. New
York: SAGE Publications, 1974.
ROSENAU, James. The Scientic Study of Foreign Policy. Revised and Enlarged Edition. Lon-
don: Frances Pinter/NPC, 1980.
ROSENAU, James. Moral Fervor, Systematic Analysis, and Scientic Consciousness in Foreign
Policy Research. In: ROSENAU, James. The Scientic Study of Foreign Policy. Revised and
Enlarged Edition. London: Frances Pinter/NPC, 1980a, p. 34-76.
ROSENAU, James. Comparative Foreign Policy: Onetime Fad, Realized Fantasy, and Normal
Field. In: J. Rosenau. The Scientic Study of Foreign Policy. Revised and Enlarged Edition.
London: Frances Pinter/NPC, p.104-114, 1980b.
ROSENAU, James. Toward the Study of National-international Linkages. In: ROSENAU, James.
The Scientic Study of Foreign Policy. Revised and Enlarged Edition. London: Frances Pinter/
NPC, p. 370-401, 1980c.
ROSENAU, James. Foreign Policy as an Issue Area. In: J. Rosenau. The Scientic Study of For-
eign Policy: Revised and Enlarged Edition. London: Frances Pinter/NPC, p.461-500, 1980d.
ROSENAU, James. Muddling, Meddling, and Modeling: Alternative Approaches to the Study
of World Politics. In: ROSENAU, James. The Scientic Study of Foreign Policy. Revised and
Enlarged Edition. London: Frances Pinter/NPC, p.535-554, 1980e.
ROSENAU, James. The Study of Political Adaptation. New York: Nichols Publishing, 1981.
ROSENAU, James. Introduction: New Directions and Recurrent Questions in the Comparative
Study of Foreign Policy. In: HERMAN, Charles; KEGLEY, W.; ROSENAU, James (ed.), New
Directions in the Study of Foreign Policy, p. 1-12, 1987.
ROSENAU, James. Turbulence in World Politics: A Theory of Change and Continuity. Prince-
ton: Princeton University Press, 1990.
ROSENAU, James; CZEMPIEl, E.-O. (eds.), Governance Without Government: Order and
Change in World Politics. Cambridge: Cambridge University Press, 1992.
ROSENAU, James. Along the Domestic-Foreign Frontier: Exploring Governance in a Turbu-
lent World. Cambridge: Cambridge University Press, 1997.
ROSENAU, James. Toward an Ontology for Global Governance”, in Hewson, M.; T. J. Sinclair.
(ed.) Approaches to Global Governance Theory. New York: SUNY Press, p.287-302, 1999.
ROSENAU, James; Durfee, Mary. Thinking Theory Thoroughly. 2. ed. Boulder: Westview
Press, 2000.
88
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 64 - 88
ROSENAU, James. The globalization of globalization. In: HARVEY, Frank P.; BRECHER, Mi-
chael. (ed.) Critical Perspectives in International Studies. Ann Arbor: University of Michigan
Press, p. 271-282, 2002.
ROSENBERG, Justin. International Relations in the Prison of Political Science, International
Relations, v. 30, n. 2, p. 127–153, 2016.
RYNNING, Sten; GUZZINI, Stefano. Realism and foreign policy analysis. COPRI Working
Paper 42/2001. Copenhagen: Copenhagen Peace Research Institute. 2001.
SCHMIDT, Brian. On the History and Historiography of International Relations. In: CARL-
SNAES, Walter; RISSE, Thomas; SIMMONS, Beth A. Handbook of International Relations.
London: SAGE, 2013.
SCHMIDT, Brian C., GUILHOT, Nicolas. (ed.) Historiographical Investigations in Interna-
tional Relations. London: Palgrave Macmillan, 2019.
SMITH, Steve; HADFIELD, Amélia; DUNNE, Tim. (ed.) Foreign Policy: Theories, Actors, Cas-
es. Oxford: Oxford University Press, 2016.
SMITH, Tony. Why Wilson Matters: The Origin of American Liberal Internationalism and Its
Crisis Today. Princeton: Princeton University Press, 2017.
SNYDER, Richard Carlton; BRUCK, Henry W.; SAPIN, Burton (ed.). Foreign Policy Deci-
sion-making: An Approach to the Study of International Politics. New York: Free Press, 1962.
SPROUT, Harold e Margaret. Environmental factors in The Study of International Politics. In:
ROSENAU, James N. (ed.). International Politics and Foreign Policy: a reader in research and
theory. New York: Free Press, 1969, p. 48-49.
STROMBERG, Roland N. Uncertainties and Obscurities About the League of Nations. Journal
of the History of Ideas, v. 33, n. 1, p. 139-154, 1972.
SYLVEST, Caspar. Continuity and Change in British Liberal Internationalism, c. 1900–1930.
Review of International Studies, v. 31, n. 2, p. 263-283, 2005.
THIES, Cameron (ed.) The Oxford Encyclopedia of Foreign Policy Analysis. Oxford: Oxford
University Press, 2018.
VITALIS, Robert. White World Order, Black Power Politics. The Birth of American Interna-
tional Relations, Ithaca: Cornell University Press. 2015.
WALKER, Stephen. Operational Code Analysis as a Scientic research program. In: ELMAN,
Colin; ELMAN, Miriam (ed.) Progress in International Relations Theory: Appraising the
Field. Cambridge: MIT Press, p. 245-276, 2003.
WALTZ, Kenneth. Theory of International Politics. New York: McGraw-Hill, 1979
WALTZ, Kenneth. International Politics Is Not Foreign Policy. Security Studies, v. 6, n.1, p.
52-55, 1996.
WENDT, Alexander. The Agent-Structure problem in IR Theory. International Organization,
v. 41, n. 3, p. 335-370, 1987.
WENDT, Alexander. Social Theory of International Politics. Cambridge: Cambridge Univer-
sity Press, 1999.
WERTHEIM, Stephen. The league that wasn’t: American designs for a legalist-sanctionist
league of nations and the intellectual origins of international organization, 1914–1920. Diplo-
matic History, v. 35, n. 5, p. 797–836, 2011.
WILLIAMS, Michael C (ed.). Realism Reconsidered: The Legacy of Hans J. Morgenthau in
International Relations. New York: Oxford University Press, 2007.
WILLIAMS, Michael C. In the beginning: The International Relations enlightenment and the
ends of International Relations theory. European Journal of International Relations, v. 19, n.
3, p. 647-665, 2013.
WILSON, Woodrow. The Study of Administration. Political Science Quarterly, v. 2, n. 2, p.
197-222, 1887.
WILSON, Woodrow. Congressional Government: A Study in American Politics. Boston/NY:
Houghton, Miin Company, 1900.
WIVEL, Anders. Realism in Foreign Policy Analysis. Oxford Research Encyclopedia of Poli-
tics. Oxford: Oxford University Press, 2017.
89
Paradox of Autonomy: explaining flaws in
South American security regionalism
Paradoxo da autonomia: explicando as deficiências no
regionalismo de segurança sul-americano
Paradoja de la autonomía: explicando las falencias en el
regionalismo de seguridad sudamericano
Víctor M. Mijares
1
DOI: 10.5752/P.2317-773X.2020v8.n1.p89
Received in June 13, 2019
Accepted in August 19, 2019
A
This article addresses the South American diculties in the consolidation of
regional security mechanisms, developing the explanatory model of “paradox
of autonomy.” This was developed through inductive and deductive criteria,
based on recent history observations, in order to attain generalizable lessons
from a relevant case for South American international relations, and using ratio-
nal analytical approaches that allowed their construction within the framework
of collective action problems. From the observation on the emergence and
performance of the South American Defense Council, it was identied that the
allowing conditions for a novel mechanism of regional (collective) autonomy
for security, paradoxically oered opportunities for the exercise of national (in-
dividual) autonomy. The article concludes that, although the conditions for the
paradox of autonomy are dicult to overcome in cases of security regionalism
initiatives, there are possibilities to do so. The key would be in less ambitious
institutional designs that recognize the inherent diculties for institutional
regional security cooperation in South America.
Keywords: Paradox of Autonomy. South America. International autonomy.
Security regionalism.
R
Este artigo aborda as diculdades sul-americanas na consolidação de mecanis-
mos regionais de segurança, desenvolvendo o modelo explicativo do “paradoxo
da autonomia”. Isso foi desenvolvido através de critérios indutivos e dedutivos,
com base em observações da história recente, para obter lições generalizáveis
de um caso relevante para as relações internacionais da América do Sul e o uso
de abordagens analíticas racionais que permitiram sua construção no quadro de
problemas de ação coletiva. A partir da observação sobre o surgimento e desem-
penho do Conselho de Defesa Sul-Americano, identicou-se que as condições
propícias a um novo mecanismo de autonomia regional (coletiva) de segurança,
1. Ph.D. in Political Science,
Universität Hamburg and German
Institute for Global and Area Studies
(GIGA). Assistant Professor of Political
Science, Universidad de los Andes,
Bogotá/Colombia. ORCID: 0000-0003-
4110-7763.(iD)
The author would like to
thank Andreas von Staden, Andrés
Rivarola Puntigliano, Anja Jetschke,
Cord Jakobeit, Daniel Flemes, Detlef
Nolte, Diana Tussie, Jorge Garzón,
Leslie Wehner, Luis Schenoni, Michael
Brzoska, and Wolf Grabendorff for
their comments on early versions of
this article, and to Louise Lowe for her
English editing assistance. Also the
anonymous reviewers for their helpful
and constructive comments that contrib
uted to improving the final version. This
work was possible due to the financial
support of DAAD and GIGA.
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 89 - 106
90
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 89 - 106
paradoxalmente ofereciam oportunidades para o exercício da autonomia na-
cional (individual). O artigo conclui que, embora as condições para o paradoxo
da autonomia sejam difíceis de superar nos casos de iniciativas regionais de
segurança, há possibilidades de fazê-lo. A chave estaria em projetos institucio-
nais menos ambiciosos que reconheçam as diculdades inerentes à cooperação
institucional de segurança regional na Sul-América.
Palavras-chave: Paradoxo da Autonomia. América do Sul. Autonomia interna-
cional. Regionalismo de segurança
R
Este artículo aborda las dicultades sudamericanas en la consolidación de los
mecanismos de seguridad regional, desarrollando el modelo explicativo de “pa-
radoja de la autonomía”. Este se desarrolló a través de criterios inductivos y de-
ductivos, basados en observaciones de historia reciente, para obtener lecciones
generalizables a partir de un caso relevante para las relaciones internacionales
de América del Sur, y el uso de enfoques analíticos racionales que permitieron
su construcción en el marco de los problemas de acción colectiva. A partir de la
observación sobre el surgimiento y el desempeño del Consejo de Defensa Suda-
mericano, se identicó que las condiciones propicias para un nuevo mecanismo
de autonomía regional (colectiva) para la seguridad, paradójicamente ofrecían
oportunidades para el ejercicio de la autonomía nacional (individual). El artículo
concluye que, aunque las condiciones para la paradoja de la autonomía son
difíciles de superar en casos de iniciativas de regionalismo de seguridad, existen
posibilidades de hacerlo. La clave estaría en diseños institucionales menos ambi-
ciosos que reconozcan las dicultades inherentes para la cooperación institucio-
nal de seguridad regional en Sudamérica.
Palabras clave: Paradoja de la Autonomía. Sudamérica. Autonomía internacio-
nal. Regionalismo de seguridad.
Introduction
Inspired by the works of Juan Carlos Puig and Helio Jaguaribe,
studies on international autonomy have been reconsidered given the pat-
terns in South American foreign policy towards the end of the 20
th
and
the beginning of the 21
st
century. Driven structurally by the diusion of
power and exercised by strong presidents, most of them highly motivated
and ideologically aligned, the search for greater margins for action in in-
ternational insertion became an imperative of foreign policy. New intra-
and extra-regional alignments, as well as a new and more ambitious wave
of regionalism, took place in the face of the perceived global diusion of
power and the geostrategic reorientation of the United States (US).
However, South America has had problems consolidating a secu-
rity community. The Union of South American Nations (UNASUR) ex-
periment and its South American Defense Council (CDS) failed in 2018,
demonstrating that the internal tensions for national autonomy were
stronger than the exible design thought for regional or collective au-
tonomy. This could be analyzed throughout the “paradox of autonomy”.
It occurs in the tension between national autonomy–the freedom of de-
cision and action that a state can enjoy in the international system –and
regional autonomy– regarding organized regions.
91
Víctor M. Mijares Paradox of Autonomy: Explaining Flaws in South American Security Regionalism
Methodologically, this article is based on a systematic review as
a research design (DENYER; TRANFIELD, 2009), in order to develop
an analytical model based on the observation of the recent experience
of South American security regionalism. The explanatory model of the
paradox of autonomy agrees with the idea of regionalism as a tool for re-
gional autonomy, but also challenges it in two ways. Firstly, regarding ho-
mogeneity, the paradox of autonomy is a structural model, assuming that
the regional hierarchy is fundamental in the prediction of foreign policy
behavior. Secondly, it contrasts the notions of “common” and “collective”,
while the paradox lies in the potential conict between the notion of au-
tonomy as a recurring objective and that of autonomy as a shared objec-
tive. It is understood that for regional powers, and secondary powers,
autonomy is a key objective. Asymmetries generate stimulus for band-
wagoning, and can leave aside autonomous objectives in favor of security
and development. Thus, the paradox of autonomy commonly occurs at
the level of secondary powers, since collective (regional) autonomy can
be both a route and an obstacle for individual (national) autonomy. Thus,
even considering the possibility of autonomy as a common objective, it
might not be considered a collective one.
The paradox of autonomy can arise in many areas of foreign policy,
but it is a particularly sensitive phenomenon when it comes to issues of
defense and security in South America. An oft-forgotten aspect in the de-
veloped South American autonomist doctrine of international law is the
primacy of Westphalian sovereignty. The notion of territorial integrity
is central to security and defense policies, mainly for Hispanic American
countries. The connection between sovereignty and security puts nation-
al autonomy before the regional. This is a common problem for South
American cooperation in security, and remains a latent condition in bor-
der tensions and rivalries in the region. Hence, multilateral governance
agreements on regional security are unusual, making the region far from
being a security community. Thus, although forms of regionalism re-
lating to development have shown formidable resistance, reluctance in
terms of security cooperation is linked to the rigid meaning of sovereign-
ty, leading to the paradox.
Autonomy and regionalism in South America
Some literature states that regionalism is driven by the search
for autonomy as well as development objectives (BRICEÑO-RUIZ; SI-
MONOFF, 2015; RIVAROLA PUNTIGLIANO; BRICEÑO-RUIZ, 2013).
Insofar as this literature does not specify dierences between national
and regional autonomy, it is possible that the complementarity between
the two is taken for granted, with the potential eect of leading to impre-
cise conclusions regarding security regionalism. That alignment is fre-
quent in the agendas of regional powers.
Following the ideas on South American regionalism, it is possible
to identify the main driving forces behind the search for autonomy. The
rst of these is development, the most prominent argument in favor of
institutionalizing regional cooperation. The combination of economic
92
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 89 - 106
underdevelopment and material potential has historically motivated re-
gional cooperation. The second driving force is democracy, since the third
wave of democratization contributed to the synchronization of political
regimes in the region, motivating multi-sectoral cooperation. And the
third driving force is the balance of power, given the changes in the dis-
tribution of power and the geostrategic reorientation of the US, securi-
ty regionalism has been identied as a driving force of regionalism in
a broader sense, mainly in post-hegemonic literature (BRICEÑO-RUIZ;
MORALES, 2017; RIGGIROZZI; TUSSIE, 2012).
However, the paths of regionalism are not open ways in South
America. The primary obstacle to the institutionalization of regional
cooperation can be analyzed as a problem of collective action. Conse-
quently, the principal obstructing forces are national strategies for inter-
national insertion, rival ideological programs, and low regional interde-
pendence. Regarding the national strategies for international insertion,
global changes in the distribution and concentration of power brought a
new opening for external interactions beyond traditional relations based
on proximity and culture. The rise of new powers and orders modies
regional patterns for cooperation. Thus, regions have maintained im-
portance, but not exclusivity. Also, ideological rivalries in South Amer-
ica submit the region to the eects of ideological diversity and partial
de-democratization. Signicant dierences between political regimes in
the region promoted the advent of sub-regional blocs with ideological
biases. Finally, there is the low intraregional interdependence, resulting
from the generally high dependence on the export of raw materials, hav-
ing adverse eects on national industrialization processes. The lack of
economic complementarity and the technological-industrial decit orient
South American commercial interests outside the region, reducing the
possibilities of interdependence and cooperation.
Between autonomy and development
In the eve of the post-Cold War period, attention was drawn to
what was called a “world of regions” (KATZENSTEIN, 2015) or one of
regional orders” (LAKE; MORGAN, 2010; SOLINGEN; MALNIGHT,
2016). In Latin America, regionalism has had a long-standing agenda. The
new wave of literature on autonomy is connected to the fact that in Latin
America, the resilience of regionalism is directly linked to the search for
autonomy and development (BRICEÑO-RUIZ; SIMONOFF, 2015). How-
ever, the literature available so far has not been concerned with den-
ing positions of autonomy and development in an order of preference.
In doing so, there are two ideal types of foreign policy strategy towards
regionalism: the rst when autonomy-follows-development, and the second,
when development-follows-autonomy.
The rst type of strategy prioritizes development as a necessary
condition for autonomy. This used to be the dominant regional approach.
Two schools of thought also emerged in distinct periods, which of the
developmentalists, inspired by the “Cepalista” theory and the center/pe-
riphery diagnosis, and that of the (neo)liberals. On the other hand, devel-
93
Víctor M. Mijares Paradox of Autonomy: Explaining Flaws in South American Security Regionalism
opment through autonomy is associated with the Latin American turn
to the left. However, the preference for one approach or the other has
more than an ideological bias; it also has a material basis, since accelerat-
ed economic growth is capable of encouraging autonomist policies and
behaviors rather than development projects. The turn to the left com-
bined both factors, an assertive ideological package fueled by a boom in
the prices of the raw materials that underpinned the quest for autonomy.
The distinction between the two focuses on the search for autono-
my must be considered to better understand autonomy as a policy and as
a potential paradox. In the absence of a regional hegemony, regionalism
is a collective project with the typical problems of collective action. This
is especially true when it comes to security regionalism. Regionalism
understood under the strategy of autonomy through development, par-
ticularly in the (neo)liberal form, pursues autonomy through economic
cooperation and stability agreements, avoiding regional commitments,
pursuing modest goals and going one step at a time. On the contrary,
the strategy of development through autonomy tends to be expansive
and maximalist in its objectives. Economic cooperation comes in second
place, behind political commitment.
Generally for liberal democracies, growth and development are
priorities, not the expansion of their own regimes and political values
(SANAHUJA, 2009; VAN KLAVEREN, 1997). The opposite is the case
of hybrid and authoritarian regimes, for which autonomy is the priority
within regional projects, as well as the instrumentalization of these for
the diusion and promotion of their own values and political practices
(SÖDERBAUM, 2016). Considering this distinction is fundamental to ad-
dress the specicity of security regionalism and the paradox of autonomy
for secondary regional powers, especially when it comes to super-region-
al orders (super-complexes, following BUZAN and WAEVER (2003), p.
60), such as the Western Hemisphere, in which the traditional main pow-
er promotes liberal values.
Specicity of security regionalism
Few policies are capable of jeopardizing sovereignty and autonomy
that much as defense policy. In a broad sense, interior security policy and
foreign policy are articulated with national defense policy. This broad
set of policies can be attributed to the objectives of the preservation of
national grand strategy. The existential sense of defense policy is, in itself,
an obstacle for supranational security mechanisms, above all when the
potential partners are part of the same region or international subsys-
tem. Security regionalism, which would contemplate the possibility of
some coordination of national defense policies, lies at the base of the basic
needs of states (KELLY, 2007).
Generally, security agreements indicate two widely spread
schemes, collective security and/or collective defense.
2
Security region-
alism could respond to one or both schemes, but within a common
space, a regional security complex (BUZAN; WÆVER, 2003) within an
international subsystem. To understand why the paradox of autonomy
2. Although similar, collective security
and collective defense should not be
confused with each other. The collective
security scheme assumes the indivisibil-
ity of international security, so that any
aggressive action in the international
system must be deterred or punished.
It is the principle that inspires the UN
Security Council. While the collective
defense scheme refers to the principle
of military alliances, according to which
the threat or attack on one of the allies
will be considered as a threat or attack
on all members of the alliance. NATO
is the best contemporary example of it.
See Robinson (2008, p. 39-41).
94
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 89 - 106
arises, it is necessary to consider that national security and defense is not
simply another area in the range of public sectors. This is especially true
in South America, which as an international subsystem, has developed
in parallel a marked interest in regional autonomy and zeal for national
autonomy. Two phenomena explain the specicity of security regional-
ism in South America, one of a global character and the other rooted in
the geopolitics of the region.
The rst of these phenomena is the limitation of transferring secu-
rity and defense tasks to private actors. Although some South American
states have had problems of territorial control and there is a tendency
among some great powers to privatize security work, the transfer does not
occur as in other sectors of public policy in which private actors assume
core tasks. On one hand, because South American nation-state identities
are linked to territorial integrity (CLAPHAM, 1999; NWEIHED, 1992;
ZACHER, 2001). On the other, the geopolitical reason its link to regional
and national autonomies, there is the latent presence of a superpower
that never occupied any territory of the subcontinent, and the persistence
of territorial tensions, which limited mutual trust, and the generation of
regional cooperation mechanisms for security and defense. These con-
ditions had a parallel eect regarding the search for autonomy in South
America. This is because of it was considered that a goal as important as
development must have the possibility of taking and executing political
decisions without US tutelage. Also, the search for national autonomy
in terms of security, due to intraregional mistrust manifested in histori-
cal territorial tensions and rivalries (DOMINGUEZ, 2003; FRANCHI et
al., 2017; MARES, 2001) and caution facing a potential Brazilian primacy
(FLEMES; WEHNER, 2015).
These regional conditions are at the base of the problems of re-
gional multilateral cooperation in security and defense, emphasizing the
eects of the paradox of autonomy in the security regionalism.
Paradox of autonomy
The paradox of autonomy is an explanatory model with classical
roots within the study of the problems of rational choice and collective
action. Under power de-concentration conditions, bring opportunities
for external action freedom, especially for minor and rising powers. To
gain greater autonomy in a sensitive sector such as that of security and
defense, the states of a region could join eorts to build an alliance or a
security community, which would generate greater autonomy as a bloc.
However, and as in any collective enterprise, the autonomy of each mem-
ber would be adversely aected. This is when the paradox arises. Securi-
ty regional cooperation mechanisms would gain space for their creation
and development, but it is also possible that the incentives for cooperation
distress the growing alternative relationships for individual benet, that
is to say, for national autonomy.
This is a paradox, insofar as the conditions encourage contradicto-
ry outcomes. This, in turn, leads to decision-making crossroads which
become dilemmas. The basic requirement for a dilemma is the presence
95
Víctor M. Mijares Paradox of Autonomy: Explaining Flaws in South American Security Regionalism
of at least two courses of mutually exclusive action. False dilemmas di-
verge from real ones in the exclusivity-inclusivity dichotomy. Therefore,
a dilemma is false when at least two of an actor’s alternatives could hy-
pothetically be taken at the same time with harmless mutual eects. The
real dilemmas become problematic given the character of politics as a
strategic game, which makes the intentions of the other(s) impossible, as
well as ideological and material changes within a system of the interac-
tions. Thus, uncertainty plays an important role here, as it usually does in
international politics (RATHBUN, 2007). The paradox of autonomy leads
to an autonomy foreign policy dilemma, in which governments face the
decision of choosing between a collective good, such as regional autono-
my, and an individual good, such as national autonomy.
National autonomy frequently assumes distinct forms, from the
nominative and grandiloquent term of “independence”, to the tactical
but inelegant concept of “room to maneuver”. National autonomy on
the international stage presupposes independence and the absence of
control by another power, and goes beyond room to maneuver insofar
as it operates at abstract and complex levels of political strategy. In this
sense, national autonomy is a favorable condition of opportunity and
capability to mobilize resources by national elites to exploit the given
conditions in the search for a better position of international insertion,
preserving legitimate exclusivity in domestic aairs. These conditions
have both internal and external origins. The internal ones refer to the
conditions for resources extraction and mobilization (SCHWELLER,
2009; TALIAFERRO, 2006), while the external ones relate to a particu-
lar international constellation in terms of the distribution of power and
eective patterns of inuence.
National autonomy is associated with territorial, international and
Westphalian sovereignty (KRASNER, 1999). It is conventionally related
to the optimum conditions for the design and conduct of foreign poli-
cy strategies and, as an idea, can historically be traced (AYOOB, 2002).
The case of regional autonomy is dierent, not only in scale, but also in
nature. At the regional level, autonomy can be erroneously understood
as a coordinated aggregation of national autonomies. To avoid that mis-
take, regional autonomy should be understood as the harmonization
of external objectives by virtue of a shared principle and according to
self-imposed regional (supranational) governance, always with the aim
of developing joint abilities to better detect opportunities, coordinate the
mobilization of resources and take advantage of favorable conditions for
collective objectives. Regional autonomy supposes at least one of these
two conditions: a global system of regional blocs in uid interaction, and
a system of great competing powers which should be mutually balanced.
Regional autonomy under the criteria of security regionalism
implies a trade-o, regional security/stability in exchange for national
autonomy. However, accepting such an arrangement entails some pre-
conditions, such as the common denition of perceived external threats,
and/or the establishment of regulation mechanisms to avoid costly in-
traregional conicts. A signicant hierarchization is another route to re-
gional autonomy (LAKE, 2009; LAKE; MORGAN, 2010; LEMKE, 2010;
96
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 89 - 106
VIEIRA; ALDEN, 2011; WOHLFORTH, 1999). Theoretically, a region
under the clear leadership of its central power must be able to implement
a strategy of access control –diplomatic, cultural, economic and/or mil-
itary–facing external powers. Most of the recent literature on emerging
powers has taken for granted the possibility of some isolation of regions
driven by their central powers (BURGES, 2010; FLEMES; WEHNER,
2015; MALAMUD, 2011; NOLTE, 2010; VIEIRA; ALDEN, 2011).
The study of the interaction of regional powers has principally fo-
cused on strategies of contestation and of interaction facing extra-regional
powers. In theory, in a well-structured regional hierarchy, with a func-
tional internal market and an agreement on security and collective de-
fense, regional autonomy could thrive by restricting external inuences
and preserving an autonomous development model. Nevertheless, the
dilemma emerges based on political frictions within the regions. The har-
monization of interests is an arduous task within national elites, and even
more arduous between the ruling elites of various states. International co-
operation is possible when these elites succeed in aligning complementary
interests, or by the external imposition of an eectively hegemonic power.
In addition to the structural capabilities relating to its periphery, a
regional power must be capable of sustaining a strategy of denial of ac-
cess, or at least be capable of fullling the function of manger of regional
access facing external powers. Paradoxically, systemic conditions those
are likely to foster the rise of regional powers, can also do this in the
cases of secondary and minor powers, encouraging foreign policy strate-
gies that could include the launch or strengthening of bilateral relations
both inside and outside their regions. This would contain the grounds for
intraregional tensions and rivalries, not only in terms of economic rela-
tions, but also in the collective management of regional security.
Theoretical grounds
The explanatory model of the paradox of autonomy is based on
the theoretical developments that give it form and content. Strongly an-
chored to the rational theoretical framework of international politics, the
model has intellectual debts, which could be summarized in six pillars:
the South American theory of autonomy; the theory of sovereignty; col-
lective action theory; the security dilemma in multipolar conditions; the
security dilemma in alliances; and the model of alliance restraint.
1.Autonomy theory
The paradox of autonomy mainly lies on the South American the-
ory of autonomy. The early emancipatory movement of Latin America,
the type of colonial model of the region and the geopolitical conditions
of South America are the three factors, which combine to make autono-
my the original and persistent objective of the foreign policies of South
American states. On one hand, the Latin American emancipation was
part of a larger political and intellectual process of global reach, which
combined Enlightenment principles with the decline of the pre-industrial
97
Víctor M. Mijares Paradox of Autonomy: Explaining Flaws in South American Security Regionalism
empires. In the newcomer states, rstly in Hispanic America then later in
Brazil, this generated the necessity for an international insertion, which
preserved freedom of action, both against the old metropolis and imperi-
alism in the process of industrialization.
The Iberian colonial model was also key in the construction of an
Ibero-American political identity claiming for autonomy. Unlike the al-
most exclusively extractivist models imposed in Asia and, above all, in
Africa, by industrial empires, the preindustrial Iberian empires used a
form of conquest and colonization which incorporated the new politi-
cal-territorial components as integral parts of the empires themselves
(BOERSNER, 1982; GUERRA, 2011). Hence, the international insertion
of the new republics, and of the Brazilian empire, has been from the out-
set a legitimate necessity and on an equal footing in the conditions of the
international concert of the nineteenth. Geopolitics also played a role in
the early and persistent thirst for autonomy. The continental dimensions,
the predominant coastal occupation of the South American territory, and
the rise of the US in the hemisphere, generated the duality of relative-
ly low contacts with limited continental interdependence. Additionally,
boundary conicts where there is greater contact, and reserved coop-
eration facing Washington, fueled by military interventions in Central
America and the Caribbean basin (TEIXEIRA, 2012).
The paradox of autonomy includes in the debate the classical “de-
cisional autonomy” (JAGUARIBE, 1979; PUIG, 1986) and the later deni-
tion of “relational autonomy” (RUSSELL; TOKATLIAN, 2002). The rst
form of autonomy refers to freedom of decision, but also of political ac-
tion. It consists of the expansion of the external room to maneuver in the
sense of aspiration for international insertion motivated by the historical
and geopolitical factors already mentioned. The second form of auton-
omy, relational, poses cooperation between equals as a condition for its
realization (RUSSELL; TOKATLIAN, 2002). It corresponds to a distinct
historical moment in which the impetus for integration would have been
reached after the regional democratic settlement and changes in geostrat-
egy and the distribution of capabilities in the international system.
This debate is central to the paradox of autonomy, but it retakes it in
a non-sequential historical sense, neither epistemological, nor paradigmatic
–that of the transition from decisional to relational autonomy, but rather dia-
lectical, to say, its opposition to the generation of a political dilemma. This is
evident in the resistance of national autonomy in an area of high political im-
pact for states: security and national defense policy. When this resistance co-
incides with the interest to coordinate security and defense policies oriented
at gaining greater autonomy as a group, that is when the interest in relational
autonomy is manifested, and when the paradox of autonomy is presented.
2.Westphalian sovereignty
An explanatory model of South American international relations must
consider the regional propensity for a conventional conception of sovereign-
ty and territorial integrity. The Hispanic South American states were born
bound to the principle of uti possidetis iuris, making territorial integrity a sub-
98
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 89 - 106
stantial part of national identities. The historical experience of the region is not
without interstate violence (MARES, 2001; MARTÍN, 2006; THIES, 2008), but
it is much less severe than that of Europe, and the level of perceived external
threats is substantially less (BATTAGLINO, 2012). Moreover, the region is not
in the immediate military reach of great powers beyond the US. Westphalian
sovereignty is a central component in understanding the paradox of autono-
my. Autonomist tensions take place when governments dier in the degree
of sovereign exclusivity in defense and national security policies, especially if
territorial disputes persist, or if ideological aggravating factors emerge.
3.Collective action theory
The central presumption of the explanatory model of the paradox
of autonomy is that it is a collective action problem. The basis of the ex-
planation of its logical mechanisms can be found in the “tragedy of the
commons” (HARDIN, 2009; OLSON, 1965; OSTROM, 2015). The trage-
dy is centered in the tension between individual interests and collective
goods. Following instrumentally rational strategies, individuals –as well
as foreign policy executives, especially those dominated by strong lead-
ers in presidentialist regimes– can pursue and achieve their own objec-
tives, even though they negatively aect collective aspirations and goals
in the process. The paradox of autonomy confronts national autonomy
and regional autonomy, establishing the resemblance to the tragedy of
the commons. But the similarity is not perfect, as the tragedy of the com-
mons assumes that the common good is of equal benet for all individ-
uals involved, and although it is true that regional autonomy has been a
solid South American objective, it is not clear to what extent it has been a
method for achieving a more valuable national autonomy.
Given that the model of the paradox of autonomy is especially designed
for the sensitive sector of regional security, individual interests tend to be
more resilient due to the existential nature of national security and defense. In
the paradox of autonomy, the similarities between the “commons” are more
ontological than operational, as governments take care of what they consider
to be best for their societies and are more willing to sabotage formally shared
goals. However, under conditions of international deconcentration of power,
which are prone to encouraging the possibilities of national autonomy, secu-
rity regionalism can be damaged, but unlike the tragedy of the commons, not
necessarily destroyed as a common good. The paradox of autonomy could
(re)shape the institutional design of security regionalism, partially preserving
the shared objectives. And if liberal institutionalism has taught us anything,
it is that, with all its limitations and without knowing with certainty to what
extent, institutions are capable of moderating political behavior.
4.Security dilemma
The two main branches of structural realism, the defensive and
the oensive, are distinguished by what they assume to be the primary
objective of the state in international politics: maximize its security or
its power. This debate has consumed years of research without having
99
Víctor M. Mijares Paradox of Autonomy: Explaining Flaws in South American Security Regionalism
a clearer conclusion than the armation that, sometimes, greater pow-
er oers security, while in other moments it stimulates threats. This is
the content of the security dilemma, an explanatory model of which the
paradox of autonomy is also a subsidiary. The security dilemma (HERZ,
1950; JERVIS, 1978) exposes the potentially conictive relationship be-
tween national security and international security. It assumes that one of
the principal mechanisms to strengthen national security, if not the prin-
cipal one, is the strengthening and/or rening of military capabilities.
This is generally recorded in increases in defense budgets and/or military
exercises. The result, according to the dilemma, is that in trying to guar-
antee its own security, the state puts its neighbors and other potential
rivals on alert to what they could see as a threat, negatively aecting
international security.
The debt of the paradox of autonomy to the security dilemma is
evident. The potential conict of individual and collective interests is
present, as well as the tension between unilaterality and bi- or multi-lat-
erality. However, the dierences are also clear. Firstly, the security di-
lemma works at a tactical-operative level of national defense. Although
this has strategic implications, it does not compare to the ramications
that the model of the paradox of autonomy assumes to exist in the search
for room to maneuver, national defense and the freedom of sovereign
action in domestic politics, due to the already mentioned supremacy of
Westphalian sovereignty. Secondly, it is even further removed from the
structural realist debate between oensive and defensive realisms, inso-
much as it focuses on secondary powers rather than great powers. The
makes the paradox of autonomy part of peripheral realism (SCHENONI;
ESCUDÉ, 2016) or subaltern realism (AYOOB, 2002). Thirdly, and as a
corollary of the two previous dierences, the paradox of autonomy does
not result in drastic eects such as armament spirals, arms races, or war,
but rather in more, or less, signicant limitations in the reach of regional
security institutions.
5.Security dilemma in alliances
A pillar of the model of the paradox of autonomy is the security
dilemma in alliances (SNYDER, 1997). According to this, those respon-
sible for foreign policy of allied states can experience one of two fears.
Firstly, the fear of abandonment, when their allies do not follow a course
of collective action facing a threat, or do not assume an active role. This
behavior could be attributed to the existence of more attractive material
alternatives, intergovernmental ideological empathy with the third party
perceived as a threat, or to avoid tangible or ideological costs. Secondly,
the fear of commitment, which arises when the commitment to balance is
not aligned with ones own interests, or when it could even result in dam-
age. As a rule, the lesser the asymmetry, the more probable the dilemma.
Thus, periods when international power is deconcentrated and asymme-
tries tend to ease, are likely to aect the commitment within an alliance.
The security dilemma in alliances is another example of a collec-
tive action problem, in which a conictive mechanism can be seen be-
100
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 89 - 106
tween distinct individual interests and the collective objective. Thus, it
maintains similarity with the paradox of autonomy, but they dier in the
phase in which they arise. While in the security dilemma in alliances the
collective action problem appears after the creation of a reciprocal as-
sistance agreement, threatening trust between the allies, in the paradox
of autonomy the problem appears before the formalization of the agree-
ment, threatening trust between potential partners and aecting the in-
stitutional design of the founding treaty. The dierence is important be-
cause the former is an operational problem for established and operative
alliances, or those with aspirations to operationality, and the second, a
problem in the process of forming regional security agreements. Thus,
the paradox of autonomy is an obstacle for an “operational alliance” (MI-
JARES, 2011; MORGENTHAU, 2005) before it has been established.
6.Alliance restraining
A secondary theoretical source is the alliance restraint. According
to this model, some alliances may not be oriented to counterbalancing
power or threats, nor be mechanisms for the pursuit of interests, but rath-
er mechanisms of mutual or unilateral control (PRESSMAN, 2008). As
foreign policy tactics, moderation alliance agreements are measures to
avoid involvement in an undesired conict due to the commitment of
assistance, or to control the behavior of a potential rival who is oered co-
operation. This tactic usually functions under conditions of broad asym-
metry between (potential) allies, with the greater ally being provider of
security, which reduces the uncertainty of the minor ally. Between states
of similar hierarchical position, alliances of restraint may present opera-
tional problems, unless they are generated in a multilateral format, closer
to that of collective security, as has been shown during decades of the
ve-power mechanism of the UN Security Council. In any case, being
part of a security agreement is in itself a restriction on one’s own auton-
omy, and can always lead to paradoxes and, at the same time, dilemmas.
The explanatory model
The main hypothesis of the paradox of autonomy is rooted in the
tradition of rational choice, to a large extent shared by the (neo)liberal and
(neo)realist theories of IR. However, it diers from the realist approach,
centered on power, because instead of assuming the search for power
(classical realism and oensive realism) or security (defensive realism), it
assumes the search for freedom of action or the reduction of obstacles and
external interference. In this explanatory model, actions take place at the
national and regional analytical levels, but the causal condition originates
at the international systemic level. Just as great powers in the internation-
al system could be motivated by pre-eminence, primacy, or even hegemo-
ny, lesser powers maintain more modest objectives, centered above all on
national development and autonomy. Some tend towards a mixed search,
especially emerging regional powers (NOLTE, 2010), seeking indisput-
able leadership in their region while improving their industrialization and
101
Víctor M. Mijares Paradox of Autonomy: Explaining Flaws in South American Security Regionalism
trying to create peripheral markets and security communities (ADLER;
GREVE 2009). To achieve these goals, the search for power and autono-
my are combined in a great national strategy. The following table pres-
ents a typology of states classied according to their status and objectives:
Chart 1 - Types of state and their expected objectives
Typology of state Predicted objective(s)
Great powers Global hegemony, primacy or pre-eminence
Emerging regional powers Regional hegemony, regional autonomy and national development
Secondary regional powers
(or sub-regional powers)
National autonomy and development (the order may vary).
Regional autonomy in instrumental terms
Small states National development
Source: own elaboration
The dynamics of power concentration/de-concentration in the in-
ternational system tend to be less stable than those of polarity (MANS-
FIELD, 1993). Let’s say, a multipolar order could be, at the same time, one
with a high concentration of power, which would imply that, although
there are many poles, these would concentrate the majority of material
capabilities. Inversely, a uni- or bipolar international constellation could
be far from being a hegemonic system if it is also deconcentrated, or in
other words, if the gaps of power are unimportant or diminishing. An
international system in de-concentration creates conditions for autono-
my insofar as it undermines the material primacy of the great powers.
3
The process of compensatory economic growth facilitates the diusion
of technologies, while confronting trade and security hegemonies.
At the regional level, emerging powers could be inclined to take ad-
vantage of the improvement in their capabilities to guard their own zones,
thus assuring their hegemony in international subsystems. However, they
could face challenges on two fronts. Firstly, that of external powers, both
established and emerging, trying to enter the region through bilateral
contacts and avoiding the regional power, and secondly, that of secondary
regional powers which could support the project of regional autonomy for
utilitarian purposes, wanting to take advantage of the pluralist order and
preserve both their national autonomy and their own development plan.
Chart 2 - Interaction of Polarity/Concentration:
typology of International (Sub-)Systems
Polarity
Concentration (CON)
High (>.4) Medium (.4-.3) Low (<.3)
Unipolar Hegemony Primacy Pre-eminence
Bipolar Diarchy Dyadic System Dialogical System
Tripolar Triumvirate Triadic System Trialogical System
Multipolar Polyarchy Pluricentric System Anarchy
Source: own elaboration
Regional autonomy and national autonomies coincide harmonious-
ly for the elites of central regional powers, but not for those of secondary
powers. For the latter, regional autonomy implies a concession in free-
3. Regarding that, chart 2 presents an
own elaboration proposal of a typology
of international (sub-)systems.
102
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 89 - 106
dom of action and the acceptance of external limitations. The paradox
of autonomy takes place at the regional level under global conditions of
de-concentration of power. This implies the conict between the central
regional power, which seeks to construct a bloc to guarantee regional
autonomy, and for its own hegemonic role, and the secondary regional
powers, which would partially support regional autonomy while this is of
use for their national autonomy and own development. The dilemma is
presented for the latter, as for their elites there is the possibility of a func-
tional separation between regional autonomy and national autonomies.
In other words, the elites of the secondary powers in a deconcentrated
system will try to encourage as much national autonomy as possible and
regional autonomy as is necessary, always with the aim of not empowering
the central regional power beyond what is manageable.
Effects of the paradox on security regionalism
The security dilemma predicts potential contradictions between
national security and defense policies, and international security, due
to the possibility of provoking arms races within action-reaction ratio-
nale (JERVIS, 1978). Regional autonomy could be considered an essential
national objective for a central regional power (MEARSHEIMER, 2001;
NOLTE, 2010). This is particularly true in the South American interna-
tional subsystem, due to the gap in capabilities of Brazil and its potential,
but not eective, regional hegemony. Like other (re)emerging regional
powers, Brazil had problems in making its relative power a true hegemo-
ny. Such powers experience a problem of state capacity—in the extraction
and mobilization of resourcesgiven the interaction of its physical and
human dimensions, and its unequal industrial and bureaucratic develop-
ment, in addition to regional counterbalancing policies from neighbors,
anxious to preserve their national autonomies, whether through intra-
regional cooperation or inviting external powers.
The paradox of autonomy is problematized given that the main
condition, which facilitates the collective search for regional autonomy,
is the same that conditions the search for national autonomy: the inter-
national power concentration pattern. For the majority of South Ameri-
can governments in the early 21
st
century, keeping the region out of the
direct inuence of the US was a shared interest. Brazilian regional hege-
mony would be unachievable if Washington played a hegemonic role in
the sensitive areas of security and defense policy. The limits of regional
security cooperation began to become evident with the open opposition
of Uribe’s Colombia to the original institutional design of the CDS, based
on the special Colombia-US relationship in the defense and security sec-
tor (TICKNER, 2008).
Less obvious, but not less eective, obstacles were put forward by
the secondary powers that embraced the original Brazilian project. Ar-
gentina, Chile and Venezuela supported the CDS, and assumed it as part
of their political priorities. However, a security and defense agreement
openly led by Brazil would have been a restriction on the objectives of
the national elites. The delicate balance between regional autonomy and
103
Víctor M. Mijares Paradox of Autonomy: Explaining Flaws in South American Security Regionalism
national autonomies plays an important role for South American sec-
ondary powers given that national autonomy is a necessary condition
for soft-balancing policies towards Brazil (FLEMES; WEHNER, 2015),
and thus, keeping regional hegemony at bay while preserving freedom
of action in terms of security and defense. Similarly, the idea of regional
autonomy was considered in order to block and soft-balancing US global
pre-eminence and its overwhelming hemispheric hegemony.
Another equally important goal for some secondary powers was
to pacify border disputes and avoid militarized escalations. This is par-
ticularly true in the cases of Chile and Colombia, and more recently
Peru, whose economic policy strategies demonstrate clear guidelines
for opening and whose governments are liberal democracies, but who
bear the weight of unresolved territorial conicts and have a relatively
high military spending as percentage of gross domestic product (GDP)
(SIPRI, 2019) and important arsenals (IISS, 2019). A regional security
agreement is likely to promote regional autonomy and limit the nation-
al, taking as a counterweight the reduction of border tensions, which
would permit the strengthening of regional integration and redirect
part of the national defense budget towards economic and social invest-
ment, for example. In this sense, the paradox of autonomy ts in with
the old dilemma of opportunity cost, illustrated with the dichotomy
of “guns versus butter” model of the production possibility frontier.
Thus, regional autonomy could partially benet the interests of nation-
al elites, although it could negatively aect the primary objective of
secondary powers: national autonomy.
The dismemberment of UNASUR, and with it the CDS, took place
in May 2018, when half of its members, including some of the most prom-
inent, decided to participate. The changes have become factors for this
regional disintegration, linked to the ideological tensions originated in
the changes of government, to an extremely lax institutional design, but
also to the paradoxical eect of the autonomy tensions (BARACALDO
ORJUELA; CHENOU, 2018; MIJARES, 2018; MIJARES; NOLTE, 2018).
Conclusion
The development of the research agenda on the theory of auton-
omy must be taken through challenges. This article has referred to two
of those, contributing to the encouragement of further progress. The
main challenge is the conceptual denition of autonomy, to overcome
the lack of agreement on what this means in the broad context of inter-
national politics, and in particular, in the study of regional security and
security regionalism. The denitions of national autonomy and regional
autonomy, proposed in parallel, reveal the possibility of a paradox with
dilemmatic potential, undoing the Gordian knot of the debate between
decisional autonomy and relational autonomy. However, while solving
the conceptual problem, this shows an analytical and political problem
which, until now, has not been dealt with.
Thus, the second challenge presented and confronted by this work
is the problematization of the theory of autonomy. In fact, that was the
104
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 89 - 106
main task of the article. The rst step towards a compilation and reor-
ganization of ideas about autonomy was taken by Rivarola Puntigliano
and Briceño-Ruiz (2013), connecting autonomy with regionalism and de-
velopment, and relating it to ideological orientations and foreign policy
strategies (GARDINI; LAMBERT, 2011). In this work, steps were taken
in both directions, developing the research program on autonomy. First-
ly, it proposed a distinction between national, or individual, autonomy
and regional autonomy, or collective, autonomy. Secondly, it explained
their potentially conictive relationship. Therefore, the paradox of au-
tonomy and its dilemma does not contravene current advances in the
theory of autonomy; on the contrary, it expands the research agenda and
increases its complexity, instrumentalizing it as a conceptual tool to un-
derstand security regionalization processes under conditions of global
power deconcentration.
What the recent South American experience indicates is that the
dilemma produced by the paradox of autonomy, in the case of security
regionalism, is not unsolvable. The circumstantial evidence suggests that
in the case of the creation of the CDS the paradox was present, being
resolved through the rational and multilateral manipulation of the insti-
tutional design. The paradox that the diusion of power encourages both
national and regional autonomy was reinforced by the limits on regional
leadership, an eect that could also have among its causes the de-concen-
tration of capabilities. These lessons continue to be preliminary ndings,
which must be explored to establish the existence of causality. Howev-
er, the relationships between the consequences and the assumed causes
stand out, and this study opens a path which the research agenda can
follow in the future.
References
ADLER, E.; GREVE, P. When security community meets balance of power: overlapping re-
gional mechanisms of security governance. Review of International Studies , v. 35, issue S1,
p. 59-84, feb. 2009.
AYOOB, M. Inequality and theorizing in international relations: the case for subaltern realism.
International Studies Review, v. 4, n. 3, p. 27-48, fall, 2002.
BARACALDO ORJUELA, D.; CHENOU, J. M. Regionalism and presidential ideology in the
current wave of Latin American integration. International Area Studies Review, v, 22, n. 1, p.
41-63, dez. 2018.
BATTAGLINO, J. M. The coexistence of peace and conict in South America: toward a new
conceptualization of types of peace. Revista Brasileira de Política Internacional, v. 55, n. 2, p.
131-151, jun./dec. 2012
BOERSNER, D. Relaciones Internacionales de Arica Latina: breve historia. México: Edi-
torial Nueva Imagen. 1982.
BRICEÑO-RUIZ, J.; SIMONOFF, A. (eds). Integracn y cooperación regional en Arica
Latina. Una relectura a partir de la teoría de la autonomía. Buenos Aires: Biblos. 2015.
BRICEÑO-RUIZ, J.; MORALES, I. (eds). Post-Hegemonic Regionalism in the Americas: to-
ward a Pacic–Atlantic Divide? New York: Routledge. 2017.
BURGES, S. W. Brazil as regional leader: meeting the Chávez challenge. Current History v. 109,
n. 724, p. 53-59, feb. 2010
BUZAN, B.; WÆVER, O. Regions and Powers: the Structure of International Security. Cam-
bridge: Cambridge University Press. 2003.
105
Víctor M. Mijares Paradox of Autonomy: Explaining Flaws in South American Security Regionalism
CLAPHAM, C. Sovereignty and the Third World state. Political Studies, v. 47, n. 3, p. 522-537,
aug. 1999.
DENYER, D; TRANFIELD, D. Producing a Systematic Review. In: BUCHANAN, D. A. AND
BRYMAN, A. (eds). The Sage Handbook of Organizational Research Methods. Thousand
Oaks, CA: Sage, 2009, p. 671-689.
DOMINGUEZ, J. I. Boundary Disputes in Latin America. Washington, DC: United States
Institute of Peace, 2003.
FLEMES, D.; WEHNER, L. Drivers of Strategic Contestation: the case of South America. Inter-
national Politics, v. 52, n. 2, p. 163-177, fev. 2015.
FRANCHI, T.; MIGON, E. X. F. G.; JIMÉNEZ VILLARREAL, R. X. Taxonomy of interstate con-
icts: is South America a peaceful region? Brazilian Political Science Review, v. 11, n. 2, ago. 2017.
GARDINI, G. L.; LAMBERT, P. (eds). Latin American Foreign Policies: between Ideology and
Pragmatism. New York: Palgrave Macmillan, 2011.
GUERRA, F.-X. Modernidad e independencias: ensayos sobre las revoluciones hisnicas. Ma-
drid: Encuentro, 2011.
HARDIN, G. The Tragedy of the Commons. Journal of Natural Resources Policy Research,
v. 1, n. 3, p. 243-253, jul. 2009
HERZ, J. H. Idealist Internationalism and the Security Dilemma. World Politics, v. 2, n. 2, p.
157-180, jan. 1950.
IISS. The Military Balance 2019. The International Institute for Strategic Studies, feb. 2019.
Available in: https://www.iiss.org/en/publications/military-s-balance. Accessed: 20 mar. 2019.
JAGUARIBE, H. Autonomía peririca y autonomía céntrica. Estudios Internacionales, v. 12,
n. 46, p. 91-130, apr./jun. 1979
JERVIS, R. Cooperation under the security dilemma. World politics, v. 30, n. 2, p. 167-214. jan. 1978
KATZENSTEIN, P. J. A World of Regions: Asia and Europe in the American Imperium. Ithaca:
Cornell University Pres, 2015.
KELLY, R. E. Security theory in the ‘new regionalism’. International Studies Review, v. 9, n. 2,
p. 197-229, Summer 2007
KRASNER, S. D. Sovereignty: Organized Hypocrisy. Princeton: Princeton University Press, 1999.
LAKE, D. A. Hierarchy in International Relations. Ithaca: Cornell University Press, 2009.
LAKE, D. A.; MORGAN, P. Regional Orders. Building Security in a New World. University
Park, PA: Penn State University Press, 2010.
LEMKE, D. Dimensions of Hard Power: Regional Leadership and Material Capabilities. In: FLE-
MES, D. (ed). Regional Leadership in the Global System: Ideas, Interests and Strategies of
Regional Powers. Farnham: Ashgate, 2010.
MALAMUD, A. A leader without followers? The growing divergence between the regional and
global performance of Brazilian foreign policy. Latin American Politics and Society, v. 53, n.
3, p, 1-24, Fall 2011
MANSFIELD, E. D. Concentration, polarity, and the distribution of power. International Stud-
ies Quarterly, v. 37, n. 1, p. 105-128, mar. 1993
MARES, D. R. Violent Peace: Militarized Interstate Bargaining in Latin America. New York:
Columbia University Press, 2001.
MARTÍN, F. Militarist Peace in South America: Conditions for War and Peace. New York:
Palgrave Macmillan, 2006.
MEARSHEIMER, J. J. The Tragedy of Great Power Politics. New York: W. W. Norton and
Company, 2001.
MIJARES, V. M. Consejo de Defensa Suramericano: obstáculos para una alianza operativa. Po-
liteia, v, 34, n. 46, p. 1-46, aug. 2011
MIJARES, V. M. Performance of the South American Defense Council under Autonomy Pres-
sures. Latin American Policy, v. 9, n. 2, p. 258-281, nov. 2018
MIJARES, V. M.; NOLTE, D. Regionalismo posthegemónico en crisis. ¿Por qué la Unasur se
desintegra? Foreign Aairs Latinoarica, v. 18, n. 3, p. 105-112, jun. 2018
MORGENTHAU, H. J. Politics Among Nations. The Struggle for Power and Peace. Mc-
Graw-Hill Education: New York, 2005.
106
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 89 - 106
NOLTE, D. How to compare regional powers: analytical concepts and research topics. Review
of International Studies, v. 36, n. 4, p. 881-901, nov. 2010
NWEIHED, K. G. Frontera y límite en su marco mundial: una aproximación a la fronter-
ología. Caracas: Equinoccio, 1992.
OLSON, M. Logic of Collective Action: Public Goods and the Theory of Groups. Cambridge,
MA: Harvard University Press, 1965.
OSTROM, E. Governing the Commons. Cambridge: Cambridge University Press, 2015.
PRESSMAN, J. Warring friends: alliance restraint in international politics. Ithaca: Cornell Uni-
versity Press, 2008.
PUIG, J. C. Integración y autonomía de América Latina en las postrimerías del siglo XX. Inte-
gración Latinoamericana , v. 11, n. 109, p. 40-62, jan./feb. 1986
RATHBUN, B. C. Uncertain about Uncertainty: Clarifying a Crucial Concept for International
Relations Theory. International Studies Quarterly, v. 51, n. 3, p. 271-299, sep. 2007
RIGGIROZZI, P.; TUSSIE, D. The Rise of Post-hegemonic Regionalism. The Case of Latin
America. New York: Springer, 2012.
RIVAROLA PUNTIGLIANO, A.; BRICEÑO-RUIZ, J. Resilience of Regionalism in Latin Amer-
ica and the Caribbean: Development and Autonomy. New York: Palgrave Macmillan, 2013.
ROBINSON, P. Dictionary of International Security. Cambridge: Polity, 2008.
RUSSELL, R.; TOKATLIAN, J. G. De la autonomía antagónica a la autonomía relacional: una
mirada teórica desde el Cono Sur. Perles Latinoamericanos, v. 10, n. 21, p. 159-194, dec. 2002
RUSSELL, R.; TOKATLIAN, J. G. Arica Latina y su gran estrategia: entre la aquiescencia y la
autonomía. Revista Cidob d’Afers Internacionals, v. 104, p. 157-180, dec. 2013
SANAHUJA, J. A. Del regionalismo abierto al regionalismo post-liberal. Crisis y cambio en la in-
tegración regional en América Latina. Anuario de la Integración Regional de América Latina
y el Gran Caribe, v. 7, p. 12-54, 2009.
SCHENONI, L. L.; ESCU, C. Peripheral Realism Revisited. Revista Brasileira de Política
Internacional, v. 59, n. 1, e002, may. 2016
SCHWELLER, R. L. Neoclassical realism and state mobilization: expansionist ideology in the
age of mass politics. In: LOBELL, S. E.; RIPSMAN, N. M.; TALIAFERRO, J. W. (eds). Neoclassical
Realism, the State, and Foreign Policy. London: Cambridge University Press, 2009. p. 251-279.
SIPRI. Military Expenditure Database. Stockholm International Peace Research Institute, 15
feb. 2019. Available in: https://www.sipri.org/databases/milex. Accessed: 20 mar. 2019.
SNYDER, G. H. Alliance Politics. Ithaca: Cornell University Press, 1997.
SÖDERBAUM, F. Rethinking Regionalism. London: Palgrave Macmillan, 2016.
SOLINGEN, E.; MALNIGHT, J. Globalization, Domestic Politics, and Regionalism. In: BÖR-
ZEL, T. A.; RISSE, T. (eds). The Oxford Handbook of Comparative Regionalism. Oxford:
Oxford University Press, 2016. p. 64-86.
TALIAFERRO, J. W. State Building for Future Wars: Neoclassical Realism and the Resource-Ex-
tractive State. Security Studies, v. 15, n. 16, p. 464-495, aug. 2006
TEIXEIRA, C. G. P. Brazil, the United States, and the South American Subsystem: Regional
Politics and the Absent Empire. Lanham, MD: Lexington Books, 2012.
THIES, C. G. The construction of a Latin American interstate culture of rivalry. International
Interactions, v. 34, n. 3, p. 231-257, nov. 2008
TICKNER, A. Colombia y Estados Unidos: una relación ‘especial. Foreign Aairs Latinao-
mérica, v. 8, n. 4, p. 65-72, 2008
VAN KLAVEREN, A. América Latina: hacia un regionalismo abierto. Estudios Internaciona-
les, v. 30, n. 117, p. 62-78, jan./mar. 1997
VIEIRA, M. A.; ALDEN, C. India, Brazil, and South Africa (IBSA): South-South cooperation and
the paradox of regional leadership. Global Governance, v. 17, n. 4, p. 507-528, dec. 2011
WOHLFORTH, W. C. The Stability of a Unipolar World. International Security, v. 24, n. 1, p.
5-41, Summer 1999
ZACHER, M. W. The territorial integrity norm: International boundaries and the use of force.
International Organization, v. 55, n. 2, p. 215-250, spring 2001
107
Os desafios humanitários e novas práticas
de great power management: uma
comparação entre as posições da França e
da Alemanha frente à “crise de refugiados”
Humanitarian challenges and new practices of great
power management: a comparison between French and
German positions towards the so-called refugee crisis
Los desafíos humanitarios y nuevas prácticas de great
power management: una comparación entre las posiciones
de Francia y de Alemania frente a la “crisis de refugiados”
Cláudia Alvarenga Marconi
1
Anna Paula Ramos
2
DOI: 10.5752/P.2317-773X.2020v8.n1.p107
Recebido em: 14 de maio de 2019
Aceito em: 05 de novembro de 2019
R
O presente artigo visa entender como se dá a gestão das grandes potências,
França e Alemanha, frente à assumida crise de refúgio atual no contexto euro-
peu. Para tanto, partimos da noção mais ampla de “instituições primárias”, parte
do léxico da denominada Escola Inglesa (EI) de Relações Internacionais (RI), e,
mais especicamente, da candidata a instituição primária que parece ter maior
poder de constranger as demais – o great power management. A partir da com-
paração entre duas importantes potências europeias – Alemanha e França – a
primeira fora, no que tange ao poder de veto, da institucionalidade internacional
core de great power management – o Conselho de Segurança da ONU (CSONU) - e
a segunda inserida nessa mesma institucionalidade -, busca-se vericar de que
forma ambas traduzem o denominado “novo humanitarismo” como meca-
nismo de gestão internacional ao responderem, ainda que diferentemente, à
percepção crescente de que a Europa enfrenta contemporaneamente uma crise
de refugiados.
Palavras-chaves: Instituições primárias. Great power management. Novo humani-
tarismo. França. Alemanha.
A
This article aims at understanding how France and Germany articulate a great
power management strategy while facing the contemporary refugee crisis
1. Doutora em Ciência Política pela USP
(2013). Professora da Graduação e do
Mestrado Profissional em Governan-
ça Global e Formulação de Políticas
Internacionais (GGFPI) da PUC-SP.
Professora Colaboradora do Programa
de Pós-Graduação San Tiago Dantas
(UNESP/UNICAMP/PUC-SP). É também
professora e titular da Cátedra Jean
Monnet de Estudos Europeus na FECAP.
Orcid iD: https://orcid.org/0000-0001-
9394-6724
2. Bacharel em Relações Internacionais
pela FECAP. Orcid iD: https://orcid.
org/0000-0003-1924-8500
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 107 - 124
108
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 107 - 124
involving the European context. In this sense, we depart from the general
concept of primary institutions, part of the vocabulary of the English School of
International Relations, and, more specically, we adopt the candidate of prima-
ry institution capable of constraining others: the great power management in
this analysis. Through the comparison between two central European powers
– Germany and France – the former an outsider in terms of veto power of the
main international institutionality of great power management – the United
Nations Security Council (UNSC) and the latter inserted in such an institution-
ality, we strive to verify how both of them translate the so-called new humani-
tarianism as a great power management mechanism to the extent they respond,
even though dierently, to the rising perception that Europe has been facing a
contemporary refugee crisis.
Keywords: Primary Institutions. Great power management. New Humanitari-
anism. France. Germany.
R
El presente artículo pretende comprender como ocurre la gestión de las grandes
potencias, Francia y Alemania, frente a la asumida crisis de refugio actual en
el contexto europeo. Para ello, iniciamos de la noción del más amplia de las
“instituciones primarias”, parte del léxico de la nombrada Escuela Inglesa (EI)
de Relaciones Internacionales (RI), y, más especícamente, del candidato a la
institución primaria que parece haber mayor poder de restringir las demás – el
great power management. Basado en la comparación entre las dos potencias euro-
peas más importantes – Alemania y Francia – la primera fuera, acerca del poder
de veto, de la institucionalidad internacional core de great power management – el
Consejo de Seguridad de la ONU (CSNU) - y la segunda insertada en la misma
institucionalidad -, busca vericarse a cual molde los dos traducen el denomi-
nado “nuevo humanitarismo” como mecanismo de gestión internacional al
respondieren, aunque de manera diferente, la creciente percepción de que la
Europa enfrenta contemporáneamente una crisis de refugiados.
Palabras clave: Instituciones primarias. Great power management. Nuevo humani-
tarismo. Francia. Alemania.
Considerões iniciais
O presente artigo procura dar conta do conceito “instituições pri-
rias” apresentando a denição dada pela literatura da Escola Inglesa
(EI)
3
e analisando especicamente a instituição great power management
(GPM), pois numa lógica assimétrica entre os Estados, as denominadas
grandes potências sempre tentaram controlar os movimentos e a expan-
são da sociedade internacional, constituindo-se no que Hedley Bull (2002),
principal expoente dessa abordagem, determina de o “gerenciamento” ou
gestão das grandes potências”.
Essa gestão é constantemente colocada em xeque por movimen-
tos que escapam do controle dos Estados, como por exemplo, a crise dos
refugiados
4
que atinge a Europa desde 2014, ocasionada por conitos em
regiões como a do Grande Oriente Médio, principalmente na Síria e sua
realidade de guerra civil, e que forçou milhões de pessoas a se descolarem
para a Europa em busca de refúgio
5
.
De acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Re-
fugiados (ACNUR) (EUROPARL, 2018), em 2014, a chegada de refugiados
3. É uma abordagem de via média das
RI que trabalha com a ideia de que há
uma sociedade de Estados caracterizada
pela existência de interesses comuns e
valores compartilhados entre os insiders
dessa mesma sociedade inter-estatal.
Ademais, a EI valoriza três formas
complementares de se debruçar sobre o
internacional: uma que valoriza o estudo
da história, outra que confere zoom a
aspectos normativos e outra ainda que
enaltece a dimensão empírica dessa for-
ma de organização social internacional.
Para mais detalhes, Cf. Dunne, 1998.
4. Há o questionamento por parte de
alguns estudiosos de que o fato desse
fenômeno ter se hipervisibilizado na me-
dida em que incidiu sobre a Europa faz
com que não seja um critério suficiente
para determiná-lo como “crise”. Exem-
plos de contribuições que levantam
esse aspecto são: Sohlberg; Esaiasson;
Martinsson (2018) e Gregurovic; Zupari-
c-Iljic (2018).
5. Faz-se importante salientar que a
Europa enquanto destino dos migrantes
também é explicada pelo saturamento
de vários países vizinhos da própria
região do Grande Oriente Médio. O
caso do Líbano, por exemplo, ilustra
bem a questão dos limites intraregio-
nais. De acordo com dados da Anistia
Internacional (online), “Lebanon hosted
more than 1 million refugees from Syria,
in addition to several hundred thousand
long-term Palestinian refugees and
more than 20,000 refugees from other
countries. The authorities maintained
restrictions that effectively closed Leb-
anon’s borders to people fleeing Syria”
(AMNESTY INTERNATIONAL, 2018).
109
Cláudia Alvarenga Marconi e Anna Paula Ramos Os desaos humanitários e novas prácas de great power management:
uma comparação entre as posições da França e da Alemanha frente à “crise de refugiados”
quadruplicou, com um total de 280 mil. Em 2015, quando a crise atingiu
aparente o ápice, com a estagnação da guerra na Síria e a deterioração das
condições de vida nos campos de refugiados, foram mais de um milhão
de solicitações de refúgio. Estima-se ainda que dos 175.800 cidadãos sírios
que receberam proteção internacional na União Europeia, mais de 70%
se concentrou apenas na Alemanha, país que mais acolheu os refugiados
(EUROPARL, 2018).
Dada a centralidade do espaço europeu na questão, o artigo se
propõe a comparar de que forma a Alemanha e a França, que na con-
juntura internacional são as duas grandes potências europeias que mais
se pronunciam acerca da crise, estão utilizando-se do discurso do “novo
humanitarismo”, uma concepção atualizada da ajuda humanitária e
que visa ao imperativo político sobre o humanitário, como uma nova
prática da sociedade internacional que se traduz sob o GPM frente à
questão migratória.
A comparação será feita a partir de um mapeamento das propostas
em relação às políticas de acolhimento desses dois Estados frente à aná-
lise dos documentos das reuniões do Conselho de Segurança da ONU
(CS), instituição secundária central e responsável por traduzir a priria
great power management no âmbito institucional internacional. Buscou-se
levantar e organizar os registros de todas as reuniões do CS entre os anos
de 2015 e 2016, período em que se registraram os maiores índices de re-
fugiados chegando na Europa, e observando como se deu a abordagem
desse tema nas discussões, assim como levantando as medidas tomadas
pelos demais membros para auxiliar as vítimas e os países atingidos.
Mais adiante, o artigo levanta a hipótese de se a presença da França como
membro permanente do CS– com poder de veto – e a ausência da Alema-
nha neste órgão interfere nas posições adotadas por esses Estados no dito
contexto, já que o Conselho é visto como monopolizador da tomada de
decisão internacional das grandes potências.
A m de cumprir com o que se propõe, o artigo está estrutura-
do em três seções. Em uma primeira seção, é contemplada a discussão
teórica acerca das instituições pririas e secundárias, revelando as con-
cepções clássicas e contemporâneas dessas concepções e como a Escola
Inglesa articula a relação entre essas institucionalidades. Aqui, o objetivo
será explorar esse conceito com ênfase na instituição priria denomina-
da de great power management, pois é a partir da crença e controle sobre
os meios do GPM que as grandes potências desenvolvem as diretrizes de
suas políticas.
Na segunda seção, será tratado brevemente o agravamento da “cri-
se dos refugiados”, apresentando de que forma a concepção de novo hu-
manitarismo
6
aparece como resposta das grandes potências a esse dilema.
Aqui, assumimos o novo humanitarismo como uma espécie de prática
emergente da sociedade internacional, dotado de muitas das caracterís-
ticas associadas às instituões primárias. A m de sustentar empirica-
mente esse argumento, faz-se a alise das políticas francesa, alemã e do
posicionamento do Conselho de Segurança frente a esse fenômeno, en-
fatizando como fazem uso do discurso do “novo humanitarismo” como
forma de gerenciamento da questão.
6. Mark Duffield é o teórico crítico que
conceitua o novo humanitarismo a
partir do nexo entre desenvolvimento
e segurança. Para maior conhecimento
em relação a esta noção, central no
desenrolar do argumento do presente
artigo, ver DUFFIELD, 2001.
110
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 107 - 124
A partir dos conceitos apresentados, expõe-se, na terceira e última se-
ção, a relação entre as instituições pririas e secundárias a partir da referida
temática e da argumentação de que se tem no novo humanitarismo a criação
de uma nova instituição, e que o Conselho de Segurança exerce uma inuên-
cia direta e excessiva sobre as decisões de seus membros e não membros.
Bull e a lógica de poder na sociedade internacional: o conceito de
instituições internacionais.
Instituições primárias e secundárias
O conceito de “instituições pririas” constitui um elemento cen-
tral na Escola Inglesa, sendo entendidas como práticas sociais compar-
tilhadas entre os membros da sociedade internacional
7
e denidoras do
caráter básico e dos padrões de comportamentos legítimos estatais. Mar-
tin Wight
8
(2002), o primeiro autor dessa teoria a dar contorno a essa no-
ção, dene as instituições pririas como representações das relações
habituais dos Estados no cenário internacional, trazendo, como exemplo
delas, o comércio, a diplomacia, a guerra, a neutralidade, a arbitragem, o
equilíbrio de poder, o direito internacional e a soberania.
Posteriormente, Hedley Bull expandiu essa discussão buscando trazer
uma formulação do que seriam propriamente ditas as instituições pririas:
Podemos chamar de “instituições da sociedade internacional”: o equilíbrio de po-
der, o direito internacional, os mecanismos diplomáticos, o sistema administrativo
das grandes potências, a guerra. Por “instituição” não queremos referir-nos neces-
sariamente a uma organização ou mecanismo administrativo, mas a um conjunto
de hábitos e práticas orientados para atingir objetivos comuns. (BULL, 2002, p. 88)
De acordo com esse autor, as instituições são “[...] uma expressão do
elemento de colaboração entre os Estados no desempenho de suas fun-
ções e, ao mesmo tempo, um meio de sustentar essa colaboração” (BULL,
2002, p. 163). Mais do que apenas ser uma organização formal, Bull (2002)
argumenta que as instituições são os elementos que tornam a sociedade
internacional possível, oferecendo práticas padronizadas, conjuntos de
ideias e crenças num sentido de reetir as normas e regras presentes nes-
se meio. Em outras palavras, as instituições não têm o sentido de retirar a
soberania dos Estados e sim de ordenar e sustentar suas relações, expres-
sando a existência de uma sociedade internacional.
Barry Buzan (2004, p. 164), um dos principais autores contemporâ-
neos da Escola Inglesa, faz uma releitura dos signicados mais cssicos
desse conceito armando que as instituições possuem as características
de serem fundamentais e duráveis legitimando as relações estatais, além
de assumirem também as peculiaridades de serem dimicas e maleáveis
a essas instituições, o que na visão do autor permite se adequarem aos
novos movimentos internacionais. Essas duas últimas particularidades
são sustentadas por Buzan pela falta de clareza presente na concepção
clássica desse conceito. Para o autor (BUZAN, 2012), Bull, ao estudar esse
fenômeno, não expressa uma preocupação em descrever com precisão o
que são as instituições primárias e quais são critérios necessários para que
se possa considerar algo como se enquadrando ou não como tal.
7. Sociedade internacional é entendida
por um grupo de estados, conscien-
tes de certos interesses e valores
semelhantes, que se interligam por
um conjunto de regras e instituições
comuns. (BULL, 2002)
8. Martin Wight foi o grande prercursor
da Escola Inglesa, tendo Hedley Bull como
o seu “constant borrower”, já que foi
professor desse autor e responsável por
apresentar a visão inicial dessa teoria.
111
Cláudia Alvarenga Marconi e Anna Paula Ramos Os desaos humanitários e novas prácas de great power management:
uma comparação entre as posições da França e da Alemanha frente à “crise de refugiados”
A consequência direta dessas lacunas está reetida na enorme va-
riedade
9
de candidatas a essa colocação, variando somente de acordo com
o sentido e hierarquização dados por cada autor. Com isso, o autor descri-
mina alguns pontos que necessitam de uma maior reexão, pois há uma
diferença no tratamento que recebem de cada Estado, o que gera uma
pluralidade nas interpretações das políticas adotadas por esses atores.
Outro conceito importante para se compreender a dimica das ins-
tituições pririas na sociedade internacional é o de instituições secundá-
rias, vistas como as apoiadoras das pririas (BUZAN, 2004). A Escola In-
glesa parece, então, assumir que elas são simplesmente manifestações orga-
nizacionais concretas e projetadas conscientemente para lidar com questões
especícas e colocar em prática as preocupações das pririas, não se tendo
assim um interesse dentro dessa literatura de analisá-las como autônomas.
Com isso, as instituições pririas são especícas porque apontam
os atores da sociedade internacional e as relações entre eles, enquanto
que as secundárias são constitutivas porque fornecem papeis diferen-
ciados aos atores, fortalecendo o engajamento entre eles e denindo as
identidades, interesses e capacidades no âmbito empírico, além de serem
responsáveis por traduzir o contexto em que as pririas existem, dan-
do-lhes forma e substância (SPANDLER, 2015).
A relação entre a instituição primária, great power management, e a
secundária, Conselho de Segurança, é um típico exemplo de como uma
secundária é essencial para a manutenção de uma priria. Hoje, os
membros permanentes do CS sustentam os seus poderes na conjuntura
internacional por meio do fato de estarem nessa posição. Dessa forma, o
status de grande potência e o gerenciamento desse poder são dependentes
da posição de serem membros permanentes do Conselho de Segurança.
Great power management
O conceito de grandes potências é apresentado por Hedley Bull
(2002) como a instituição priria que limita a autonomia relativa dos
demais Estados, pois são essas as responsáveis por controlar o nível de
desigualdade entre as instituições e os atores estatais, e são sustentadas
a partir de três elementos: a existência de duas ou mais potências de
status comparável que formam um “clube fechado” com todos os mem-
bros ocupando o mesmo plano de capacidade militar; a existência de
alguns direitos e obrigações concebidos por seus povos e vistos como
válidos pelos outros Estados; e o reconhecimento de que possuem certa
responsabilidade de modicarem as suas políticas para se adequarem
as suas obrigações de gerenciar o meio internacional. Dessa forma, o
fato de haver certos direitos e obrigações implícitos no papel das gran-
des potências faz com que a existências dessas só se dê em uma socie-
dade internacional em que haja o compartilhamento de regras, valores
e instituições em comum.
Com essa desigualdade sistemática, a contribuição das grandes po-
tências para a ordem internacional ocorre em dois sentidos: o primeiro é
administrando suas relações bilaterais de acordo as suas intenções peran-
te a ordem internacional e quando exploram sua preponderância em re-
9. Por exemplo: não intervenção,
comércio, direito internacional, direitos
humanos, colonialismo e soberania
(BUZAN, 2004, p. 174).
112
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 107 - 124
lação aos outros Estados, respeitando as esferas de inuência e agindo em
conjunto em um sentido de concerto ou condomínio de grandes potências
(BULL, 2002). Porém, esses movimentos das grandes potências em função
de sustentar a ordem, não proporcionam, tal como Bull (2002) arma, uma
justiça entre os Estados, ou seja, tudo é orientado a partir de uma distribui-
ção desigual de poder, já que demais Estados reconhecem a necessidade de
se ter atores superiores que detenham uma capacidade de manter a ordem
internacional. E é justamente a partir desse reconhecimento e aceitação que
o papel das grandes potências se torna legítimo na sociedade internacional.
A legitimidade do papel das grandes potências recebe ênfase tam-
bém nos estudos de Barry Buzan e Shunji Cui (2016). Para esses autores,
devido ao fato de os Estados calcularem suas ações a partir do compor-
tamento dos outros, a instituição priria “equilíbrio de poder” se torna
o princípio-chave na regulação das relações estatais, pois permite que as
grandes potências detenham um nível maior de poder sem que ocorra
um excesso de domínio destas. Vale dizer que a GPM (Great Power Mana-
gement) é considerada distinta de uma hegemonia por possuir um caráter
legítimo, pois todos os Estados são membros da sociedade internacional,
logo concordam com a desigualdade para manter a ordem.
Outro ponto fundamental para a compreensão do papel das gran-
des potências é a abrangência desse gerenciamento sobre os demais Es-
tados. Tendo como exemplo os movimentos gerados pela “crise de refú-
gio”, especicamente a conduta da França e da Alemanha, faz-se possível
desenvolver uma alise de como esses Estados gerenciam o seu poder
sobre suas zonas de inuência.
A França por ser um membro permanente do Conselho de Seguran-
ça, exerce sua inuência em um sentido global com as suas decisões impac-
tando na sociedade internacional como um todo e não somente a sociedade
internacional europeia, como é a gestão da Alemanha. O Estado alemão por
ter como peça chave de seu GPM a União Europeia, exerce o mesmo em
um sentido primeiramente regional, pois o domínio ocorre diretamente
sobre os Estados europeus que compõem esse bloco e aqueles com quem se
relacionam. Mas vale ressaltar que essa classicação é referente à primeira
expressão dessas gestões no ambiente internacional, ou seja, tanto a França
quanta a Alemanha exercem as duas formas de GPM, mesmo que em graus
diferentes. Entretanto, por participarem destas instituições secundárias que
traduzem estes modelos de gerenciamento - CS expressando um GPM glo-
bal e a UE um GPM regional - a alise que se faz em primeira instância é
partindo desse sentido articulado das instituições pririas e secundárias.
O desafio humanitário: great power management reformulado?
Crise dos refugiados
O gerenciamento das grandes potências europeias sobre as suas zo-
nas de inuência foi colocado em xeque com a profunda crise humanitá-
ria que se percebeu como real pela Europa e desaou os mecanismos das
políticas migratórias e de refúgio da UE e a sua competência em atender
a essa demanda tão alarmante.
113
Cláudia Alvarenga Marconi e Anna Paula Ramos Os desaos humanitários e novas prácas de great power management:
uma comparação entre as posições da França e da Alemanha frente à “crise de refugiados”
A dita mobilidade internacional vem sofrendo profundas e rápidas
alterações nas rotas migratórias da bacia do Mediterneo, onde se cru-
zam os trajetos vindos da África e do Oriente Médio e que provocaram a
crise dos refugiados atual, como apontado por Ferreira (2016, p. 88):
Os conitos no Oriente Médio e Norte de África desestabilizam a região e poten-
ciam a mobilidade Sul-Sul e Sul-Norte. O conito na Síria, com a guerra civil e
a organização terrorista do autoproclamado «Estado Islâmico» (Daesh), está na
origem da maior crise humanitária desde a Segunda Guerra Mundial, com mais
de 4,8 milhões de refugiados, a maioria dos quais procurou abrigo nos países
vizinhos. [...] Também a contínua violência no Iraque e Afeganistão e os constan-
tes abusos na Eritreia potenciam migrações forçadas oriundas destes territórios.
Esses movimentos zeram com que milhões de pessoas procuras-
sem abrigos em países vizinhos, ocasionando uma superlotação na Tur-
quia e no Líbano, que com a falta de estrutura e graves problemas inter-
nos, não tiveram a capacidade de responder a essa demanda. Os países
que são porta de entrada da Europa, Itália e Grécia
10
, também começaram
a sofrer graves consequências com o alto uxo de refugiados e passaram
a clamar por assistência aos demais Estados europeus para que pudessem
juntos compartilhar os encargos desse deslocamento sem precedentes e
buscar uma melhor solução para ajudar essas pessoas (FERREIRA, 2016).
Em adição, Trauner (2016, p. 321) arma, de parte da UE, a existên-
cia de uma abordagem de centralização do “ônus” nos hotspots que, se
“[...] fully accepted and implemented, may therefore increase the respon-
sibility of states such as Greece and Italy to provide refugee protection,
while the new relocation scheme risks providing them with only a limit-
ed amount of relief.
Paralelamente, faz-se importante destacar que países europeus, tais
como Hungria e Áustria, mostram-se relutantes em compartilhar qual-
quer política pró-acolhimento dos uxos de refugiados que alcançam o
espaço europeu a partir dos supracitados países do Sul do continente. Se-
guindo os passos norte-americanos, esses países esvaziam esforços mul-
tilaterais em torno da proteção aos migrantes, tal como o Global Compact
for Safe, Orderly and Regular Migration (online), que entrou em vigor re-
centemente – 2018 - no âmbito do Sistema ONU de proteção aos direitos
humanos e inaugurou um primeiro framework integrado para as questões
relativas à migração. Contrariando, por exemplo, certo viés solidarista
atribuído, por vezes de forma não reetida, tanto à Alemanha quanto,
em alguma medida, à UE em relação à migração, Hungria e Áustria
11
reengendram e revigoram o sentido, na contramão do aprofundamento
da globalização, do Fortress Europe (Europa Fortaleza) e de seu poder sim-
bólico e concreto de estabelecer cercas, muros e zonas de contenção.
Nas palavras de Fromm, Jünemann e Sherer (2017, p. 1):
Europe nds itself at a crossroads: Nationalist, anti-migrant parties from Slovakia
over Germany to the UK are gaining increasing support among the electorate,
challenging not only the political “establishment”, but also ideas of an open and
humanitarian society. The political mainstream is under pressure and in search of
viable and durable solutions. While the search for solutions has not yet ended, a
pattern seems to be emerging.
As propostas de soluções desenhadas e articuladas a partir do novo
humanitarismo são as que aqui serão debatidas ao se eleger Alemanha e
10. Ver Trauner (2016).
11. A matéria a seguir do The Indepen-
dent (online) é ilustrativa de muitas
que estamparam os jornais cobrindo
o comportamento de países que são
reconhecidos e também se reconhecem
como anti-imigrações: https://www.
independent.co.uk/news/world/europe/
austria-un-migration-global-pact-agree-
ment-us-hungary-sebastian-kurz-free-
dom-party-a8610161.html.
114
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 107 - 124
França, comparando ambos os Estados a partir de suas atuações no CSO-
NU, como expressões do GPM e de seu potencial para produzir novos
signicados ou ensejar novas práticas da sociedade internacional.
Novo humanitarismo: uma nova prática da sociedade internacional?
A resposta das grandes potências frente a essa crise migratória veio
traduzida a partir do mais recente paradigma da ajuda humanitária: o
novo humanitarismo” (NASCIMENTO, 2013), que ora pode ser traduzi-
do apenas como um instrumento desses Estados para manter um geren-
ciamento ecaz, ora é visto como um forte candidato a instituição pri-
ria por desempenhar um novo perl de comportamento das grandes
potências ao lidarem com a paz e o conito.
A possibilidade de se ter o “novo humanitarismo” como uma ins-
tituição priria parte da noção de que este é um novo elemento de
colaboração entre Estados - vinculado a um âmbito de normas e valores
da sociedade internacional - para responder aos constrangimentos im-
postos. Em outras palavras, surgiu na sociedade internacional a neces-
sidade de atender as emergências humanitárias e para isso os Estados,
especicamente a Alemanha e a França, passaram a utilizar esse discur-
so como um novo comportamento a ser praticado em prol de mante-
rem efetivo seu GPM, já que essa concepção atual da ajuda humanitária
permite um caráter vinculado diretamente com os interesses estatais
e não somente com um imperativo moral-humanitário como em sua
concepção clássica se vericava.
A noção de humanitarismo, em sua formulação clássica, é caracte-
rizada por uma base normativa que garante à ação humanitária um foco
na proteção das vidas daqueles que não fazem parte do conito direto
com o imperativo humanitário justicando a intervenção, como aponta
Daniela Nascimento (2013, p. 96).
Na sua abordagem mais clássica existem, portanto, algumas condições subjacen-
tes à concretização de atividades humanitárias, tais como a provisão de assis-
tência e proteção sem qualquer tipo de distinção de raça, cor, pertença religiosa
ou étnica. Neste sentido, torna-se fundamental que tal ação seja guiada pelo
princípio de imparcialidade, de modo a assegurar que todos são assistidos de
igual modo e apenas com base na sua necessidade imediata. [...].
O nal da década de 90, principalmente devido às limitações im-
postas pela Guerra Fria, foi marcado por mudanças e as novas interpreta-
ções dessa ação. O aspecto de neutralidade foi colocado em xeque com o
surgimento das chamadas “emergências complexas”, que envolviam um
leque de dimensões - política, econômica e social - e exigiam uma solução
que abrangesse todos esses quesitos. As intervenções deixaram de ter um
foco somente em salvar vidas e passaram a ter uma maior preocupação na
reconstrução da sociedade pós-conito (NASCIMENTO, 2013).
E é nesse contexto que se fundamenta a nova abordagem da ajuda
humanitária, denominada de “novo humanitarismo, em que a interven-
ção no conito passou a ter um caráter político com o apoio dos governos
doadores e de Organizações Não Governamentais. Como arma Nasci-
mento (2013), a ideia central dessa visão é ter a ajuda fundamentada a
115
Cláudia Alvarenga Marconi e Anna Paula Ramos Os desaos humanitários e novas prácas de great power management:
uma comparação entre as posições da França e da Alemanha frente à “crise de refugiados”
partir de diretrizes e estratégias de médio e longo prazo visando a prote-
ção dos direitos humanos e projetos de reconstrução pós-guerra nas áreas
de educação, saúde, administração pública e, em última instância, da paz.
Dessa forma, e tal como defende Mark Dueld (2001), em con-
textos de conito e pós-conito a promoção do desenvolvimento se
tornou semelhante ao sentido de segurança. O que é levado em conta
não é mais o imperativo humanitário e sim os processos que se instala-
rão a m de atingir os objetivos estabelecidos pelos Estados doadores.
Portanto, a ajuda humanitária passa a estar condicionada a uma ética
consequencialista: “The consequentialist ethics of the new humanitar-
ianism, however, in holding out the possibility of a better tomorrow
as a price worth paying for suering today, has been a major source
of the normalisation of violence and complicity with its perpetrators”
(DUFFIELD, 2001, p. 106-7).
O foco recai sobre os governos doadores, pois serão eles que de-
cidirão quem receberá a ajuda, retirando das organizações o papel de
mobilização e fazendo com que sejam esquecidos os princípios que guia-
vam o humanitarismo cssico, substituindo-os por objetivos de desen-
volvimento e de resolução do conito, sucedendo em um tipo de política
que desvaloriza as normas dos direitos humanos em nome de objetivos
relevantes (NASCIMENTO, 2013) e tangíveis para o gerenciamento do
âmbito internacional. Além de colocar em xeque também o princípio da
imparcialidade, já que agora não é mais respeitado o imperativo da neces-
sidade humana e sim são considerados os interesses dos Estados (DUF-
FIELD, 2001).
Com esse novo conteúdo, as grandes potências passaram a ver o
novo humanitarismo” como uma ferramenta de resgate da capacida-
de de gerenciar as situações em que a sua administração está em risco,
como a crise dos refugiados, pois a interferência dos agentes nesse con-
ito muda de um caráter pontual para um vinculado com a noção de
se instalar no país alvo. Dessa forma, Dueld (2001) arma que a ajuda
humanitária passou a ter uma dimensão assumidamente política, com
vistas a estimular processos políticos e sociais e não apenas ir ao encontro
de atender as necessidades e o sofrimento das vítimas.
Em complementaridade ao teor crítico introduzido por Dueld,
Zetter (2005), em interessante debate sobre as normas internacionais de
proteção relativas às diferentes categorias da mobilidade, reconhece uma
paisagem normativa fragmentada nessa matéria, apontando que: “[...] pro-
tection space and the quality of protection [...] have diminished, and that
international norms and standards have been sacriced to operational
and political imperatives, creating a fragmented landscape of protection”.
Nessa mesma tônica crítica, o autor arma muito mais a existência de
uma gestão da proteção (protection management) do que o robustecimento
de uma norma internacional protetiva (ZETTER, 2005). Argumenta-se
aqui que a gestão da proteção pode soar e por vezes parecer despolitizada.
Entretanto, ela colabora justamente na produção de novos espaços – in-
clusive institucionais - para os sentidos mais verticais do político se reco-
locarem desde o internacional.
116
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 107 - 124
Conselho de Segurança da ONU e a ajuda humanitária: aproximações
preliminares entre França e Alemanha
Devido a esse contexto, a pressão sobre Alemanha e França no que
cabe à responsabilidade de acolher os refugiados que chegam à Europa,
traduziu-se no fato de que são na conjuntura do equilíbrio de poder os
grandes players europeus, e necessitam atender as reivindicações impos-
tas pela sociedade internacional mais abrangente em função de manter
suas gestões fortes e legítimas.
Contudo, com vistas a compreender como ocorre a articulação
desses Estados perante a esse fato, devem ser levadas em consideração
não somente as semelhanças que elas apresentam entre si - como o nível
de desenvolvimento e aspectos culturais e econômicos - mas principal-
mente a diferença de se ter a França como membro permanente do Con-
selho de Segurança e a Alemanha
12
fora da condição tanto de membro
permanente quanto de membro não permanente do referido órgão no
período aqui recortado
13
.
O Conselho de Segurança é o órgão responsável pela manutenção
da paz e segurança internacional, formado por quinze membros: sendo
cinco permanentes, que possuem o direito a veto e são Estados Unidos,
Rússia, Reino Unido, França e China e dez membros não permanentes,
eleitos pela Assembleia Geral por dois anos. Esse órgão é o único da ONU
que possui poder decisório, ou seja, todos os membros das Nações Unidas
devem aceitar e cumprir as decisões do CS. Por esse motivo, o veto é visto
como uma regra que formaliza e explicita o GPM.
Partindo da estrutura desse órgão e de como se dá os seus mo-
vimentos, para se defender a hipótese de que a participação da França
como membro permanente interferiu em sua postura no tocante à crise
humanitária, foram analisadas todas as reuniões do CSONU dos anos
de 2015 e 2016
14
- anos em que a crise atingiu o seu ápice - dando ênfase
aos encontros em que se foi discutido como principal o tema das insta-
bilidades derivadas do uxo migratório na Europa. E no sentido de ter
uma compreensão mais harmonizada da percepção internacional frente
a esse dilema e de se ter mecanismos para comparar a postura dessas
duas grandes potências, averiguou-se além da posição francesa, a con-
duta da Alemanha e da União Europeia
15
no mesmo espaço institucional
do Conselho de Segurança da ONU e, portanto, nas reuniões das quais
esses atores participaram.
Com isso, observa-se que mesmo com o agravamento dessa cri-
se, essa não foi uma das questões mais recorrentes nas reuniões durante
os dois anos
16
. Nota-se, então, que quando se discutem os conitos no
Oriente Médio, o foco recai para a tomada de decisões em relação às so-
luções que possam cessar os conitos em si, na proteção dos civis que
estão nesses países e no m das ameaças terroristas que estão fortemente
conectadas pelos atores com esses eventos. Dessa forma, o CS fez movi-
mentos mais preocupados com a segurança dos territórios conituosos e
12. Foi em 2012 que a Alemanha
cumpriu o seu último mandato como
membro não permanente do referido
órgão. Vale ressaltar ainda que o
Estado alemão é um dos principais
atores que reivindica uma restruturação
do Conselho para que novos Estados
possam ter a possibilidade de ocupar o
cargo de membro permanente. Para uma
cronologia completa da participação
alemã no CSONU, ver: https://www.
un.org/securitycouncil/search/country?-
field_member_state_value=DEU.
13. A partir desse contraste entre
Alemanha e França, levanta-se a
hipótese de se é esse o fator crucial
para se compreender o porquê de uma
distinção nas políticas de acolhimento
adotadas pelos dois Estados frente à
crise migratória atual.
14. No ano de 2015 foram realizados
241 encontros, sendo que 10 apresen-
taram a temática da crise migratória
como foco. Já em 2016, o número de
encontros total foi de 255, sendo que
somente 3 apresentaram a questão
migratória como foco. Assim, foram
objeto da análise do presente artigo os
registros de 13 encontros nos dois anos
aqui compreendidos. A documentação
pode ser acessada, por ano, em: http://
research.un.org/en/docs/sc/quick/mee-
tings/2016 e http://research.un.org/en/
docs/sc/quick/meetings/2015.
15. O objetivo aqui não compreendeu
analisar as soluções solidárias da UE e
sim entender como França e Alemanha,
os dois principais Estados desse arranjo
integrativo, buscam no GPM global
do CSONU atenuar os efeitos desse
episódio. Entretanto, vale indicar que
não se negligenciou a UE enquanto
global player. O fato de o artigo não
se debruçar sobre a UE enquanto
instituição secundária da sociedade
internacional não foi impeditivo para
vê-la e reconhecê-la como ator dessa
mesma sociedade. Representativo disso
foi destacar posições da UE no que
tange às reuniões aqui analisadas, cf.
nota de rodapé 13.
16. Pode-se afirmar que as questões
mais recorrentes nas reuniões durante
o período de 2015 e 2016 foram os con-
flitos nas regiões da África e do Oriente
Médio, as operações de peacebuilding
e peacekeeping, a não-proliferação de
armamento nuclear e o combate ao
terrorismo. Para maiores informações,
ver indicações na nota de rodapé 13.
117
Cláudia Alvarenga Marconi e Anna Paula Ramos Os desaos humanitários e novas prácas de great power management:
uma comparação entre as posições da França e da Alemanha frente à “crise de refugiados”
em como conseguir combater o terrorismo do que evidentemente com a
crise humanitária, deixando esse papel para o ACNUR
17
e para a UE.
Duas linhas de pensamento podem ser formuladas para tentar ex-
plicar essa lacuna do órgão. A primeira vai ao encontro de que a maioria
dos membros permanentes não estão localizados nas regiões de entradas
desses refugiados, ou seja, não estavam sendo “afetados” por esse uxo di-
retamente e, desse modo, não tinham interesses nacionais em evidenciar
essa pauta nas discussões. A outra linha se formula baseada na ideia de
que o Conselho atuou de maneira pontual nas regiões de conitos ape-
nas no intuito de evitar um estado de emergência que poderia dicultar
ainda mais as suas ações na região. Em outras palavras, a ajuda humani-
ria vinda do órgão não ocorreu de forma a minimizar o sofrimento dos
indivíduos atingidos por esses conitos - aqui se considera tanto aqueles
que fugiram desses países quanto os que ainda permaneceram nas regiões
conituosas – mas sim, no sentido de ajudar apenas aqueles que estavam
no cessar fogo, pois a condição de insegurança desses impactaria direta-
mente a gestão de seus interesses nacionais na área.
A partir dessa alise, observa-se que há alguma categorização de
prioridades
18
nas ações do Conselho. Ou seja, a intervenção nos coni-
tos era a prioridade máxima do órgão, pois é nesse âmbito que os seus
interesses estavam efetivamente em risco, enquanto a questão migratória
se torna uma questão secundária por não atingir diretamente a gestão
internacional mantida por esses. Com isso, o CS passou a exercer esforços
somente em direção a conter os conitos no Oriente Médio, inuencian-
do diretamente nas respostas dos membros permanentes a esse caos hu-
manitário, como é notado na política de acolhimento francesa.
Política de acolhimento francesa: omissão frente ao caos europeu?
Analisar a postura da França frente à crise dos refugiados traz a
necessidade de observar quatro pontos importantes que, interligados, ex-
plicam como se dá o seu posicionamento frente a essa questão: seu cargo
de membro permanente no Conselho de Segurança, ter que lidar com o
estabelecimento da Alemanha como principal grande potência da União
Europeia, ser um país com alto índice de xenofobia e a insegurança gera-
da pelos ataques terroristas que são associados à chegada de refugiados
19
.
Como um membro permanente do CS, a França possui uma “certa
restrição” no quesito de formular suas políticas num sentido coerente ao
que é prioridade e discutido nesse órgão, o que é comprovado quando
analisada a conduta francesa nas reuniões em que foramdiscutidos assun-
tos ligados à crise dos refugiados nos anos de 2015 e 2016. Nota-se uma
posição francesa muito preocupada com os casos de ataques terroristas
que se alastraram pela Europa - já que entre esses dois anos o país sofreu
cerca de catorze atentados (14 ATENTADOS..., 2017). Em uma das reu-
niões o representante francês, Laurent Fabius, acusou o próprio Conselho
de ser omisso frente a essas barbaridades do Estado Islâmico, o denindo
como “[...] the Council of impotence [...]” (UN, 2015a). Já em outra reunião,
que ocorreu também em 2015, o país chegou a propor uma mudança na
regulamentação do veto em casos de atrocidades humanitárias, arman-
17. Aqui não se pretende tratar o
ACNUR, importante institucionalidade
humanitarista, pois é um órgão de outra
natureza que não traz um protagonismo
para as grandes potências e não se
estrutura de acordo com a lógica do
GPM destas.
18. Nesse sentido, o Conselho parece
sustentar essa categorização de
prioridades a partir da justificativa de
que não é de sua competência atuar
diretamente nas questões humanitárias,
mas tão somente atuar militarmente
nos conflitos ou na administração de
eventuais Missões de Peacekeeping e
Peacebuilding. Por categorização, en-
tende-se aqui o conjunto hierarquizado
de importantes temas da então agenda
do CSONU. Não está no topo da lista de
prioridades, frente a essa categorização,
a assistência às vítimas de conflitos e a
reparação a danos humanitários.
19. De acordo com dados colhidos e
apresentados pela BBC Internacional, no
ano de 2016 eram computados cerca de
dez ataques/dia a imigrantes, e que vão
de incêndios criminosos a alojamentos
específicos até ataques a organizações
que prestam apoio ao grupo vulnerável
em questão. Ver BBC, 2017.
118
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 107 - 124
do que o papel de membro permanente lhes dava uma responsabilidade
com a sociedade internacional e não apenas um “[...] symbol of status [...]
(UN, 2015b). Porém, o que se observa é que todas essas críticas são mo-
tivadas pelo objetivo de cessar o conito e os ataques terroristas e não
especicamente medidas que solucionem a crise, o que reforça o caráter
de um discurso humanitário puramente retórico.
Além da questão do terrorismo, a França teve como preocupação
secundária – igualmente como observado no Conselho como um todo -
a resolução do conito na Síria, indicando que a paz no Oriente Médio
traria o m do terrorismo na Europa, conforme se explicita na fala do
representante francês, Laurent Fabius, após os ataques terroristas de 13
de novembro de 2015:
Syria had become the “greatest factory manufacturing terrorists”, he said, asking
stakeholders to launch a political process in which Bashar Al-Assad was not part
of the solution. Finally, the current refugee crisis was one of the most direct
results of the Syrian conict, he said, warning that if it continued, it would
become a major destabilizing force. (UN, 2015c)
E, a despeito da crise ser citada na fala, essa é apresentada em um
sentido secundário em relação ao conito da Síria, além que se arma
que “ainda poderá se tornar uma grande força desestabilizadora” (UN,
2015c), ou seja, o representante desconsiderou os índices alarmantes
20
que
esse uxo de pessoas já tinha atingindo em meados de novembro de 2015
e defendia que o foco deveria continuar recaindo exclusivamente no com-
bate ao terrorismo.
Essa solução que tanto a França como o Conselho defendem está
baseada em implementar uma governança nos territórios de conito que
prevenisse novas hostilidades e promovesse o desenvolvimento. Arma-
vam, portanto, a necessidade de uma resposta desenvolvimentista, indo ao
encontro do conceito de “novo humanitarismo” na tentativa de acabar com
essa guerra e manter o GPM efetivo e não propriamente ajudar as pessoas
que chegavam à Europa, transferindo essa responsabilidade para a ACNUR.
Outro aspecto primordial para se entender a política de acolhimen-
to francesa, é a comparação com a Alemanha. Enquanto o Estado alemão
no ano de 2015 recebeu mais de um terço de todos os requerentes de asilo
na Europa - cerca de 476 510 solicitantes -, a França não teve que enfrentar
o desao, já que apenas cerca de 6% de todos os solicitantes apresentaram
o seu pedido inicial ao país (KOENIG, 2016).
Na opinião dos franceses, essa diferença pode ser explicada devido à
política de acolhimento formulada por Angela Merkel ter um forte incen-
tivo para que os refugiados fossem por vontade própria para Alemanha.
Argumenta-se ainda que essas medidas sejam uma exibição de altruísmo,
mas também um mecanismo de facilitar o desenvolvimento demogco
e melhorar a defasagem da mão de obra barata. Em contra-argumento,
os alemães armam que esse movimento não se justifica somente como
consequência da política adotada pela chanceler, mas também pela situação
econômica favorável que o país apresenta ultimamente (KOENIG, 2016).
Outra diferença que esses dois países apresentam são as percepções
que a população tem sobre as pessoas que chegam em busca de auxílio.
Na Alemanha, os nativos falam sobre uma “crise de refugiados” suge-
20. O ano de 2015 foi aquele em que a
crise teria atingido o seu ápice, com um
total de 1.321.600 pedidos de asilo na
UE (EUROPARL, 2018).
119
Cláudia Alvarenga Marconi e Anna Paula Ramos Os desaos humanitários e novas prácas de great power management:
uma comparação entre as posições da França e da Alemanha frente à “crise de refugiados”
rindo uma ligação empática com a situação - sentimento que pode ser
explicado pelo passado alemão com os movimentos de refúgio provoca-
dos pela Segunda Guerra Mundial em 1945. Já os franceses se referem a
uma “crise migratória” englobando diferentes categorias de migrantes
21
,
demonstrando certa relutância em abrigar essas pessoas, pois se tem uma
percepção de risco associada a possível “[...] tomada de empregos [...]” dos
trabalhadores europeus (KOENIG, 2016, p. 3). A partir dessa diferença
é possível notar outro ponto para o entendimento da relação da França
com os refugiados: a questão da xenofobia
22
, muito presente nessa socie-
dade. Alimenta-se ali a crença de que os estrangeiros seriam um “encar-
go” para as autoridades e representariam uma ameaça à população, não
devendo o governo francês ser receptivo.
O foco central francês recaiu então sobre a questão de segurança
devido aos ataques terroristas e a prevalência da defesa de seus nacionais,
justicando que papel ativo em países estrangeiros e política de seguran-
ça -principalmente em relação à luta militar contra o Estado Islâmico- são
a sua contribuição nas causas dos refugiados. Em outras palavras, tem-se
uma tentativa de atender as demandas internacionais sem modicar em
grande escala os seus próprios interesses. É dessa forma que a França se-
gue conectando à manutenção de sua segurança nacional o GPM efetivo.
Política de acolhimento alemã: solidária ou oportunista?
A ascensão alemã como o grande ator da União Europeia pode ser
entendida como um processo que se iniciou após a Guerra Fria com o
surgimento de uma nova dinâmica de distribuição do poder econômico
e político que reorientou as relações internacionais, gerando, sobretudo,
uma reconguração da ordem europeia no sistema regional, com o pro-
cesso transição da Alemanha como potência central da Europa no novo
cenário mundial.
No comando do Estado alemão, a chanceler Angela Merkel conse-
guiu atender as reivindicações internacionais nos três grandes desaos
de política externa a partir de 2015 - o conito Ucrânia, a crise do euro
na Grécia, e a crise dos refugiados - defendendo uma resposta europeia
em conjunto na tentativa de afastar a ideia de que a política externa ale-
tinha um caráter mais unilateral (JANNING; MOLLER, 2015, p. 1).
Contudo, foi durante o último desses eventos que se teve um abalo nessa
postura e começou a estremecer a liderança da Alemanha, pois a política
refugees welcome impediu uma concentração de refugiados nos Estados-
-membros do sudeste, mas causou um colapso no Regulamento Dublin
II (JANNING; MOLLER, 2015, p. 2)
23
, visto que mesmo pedindo solida-
riedade e apoio com essa causa que, deveria ser partilhada por todos os
Estados-membros, Merkel não obteve a assistência necessária tendo que
negociar uma solução com a Turquia, pois a impressão que se tinha era
essa “resposta em conjunto” defendida pela Alemanha era uma tentativa
desse governo de corrigir assimetria de poder presente dentro do bloco
(JANNING; MOLLER, 2015, p. 3).
Poucos membros se opuseram claramente às propostas da Comis-
são Europeia para a solução dessa crise, porém mostraram pouco inte-
21. Imigrantes são pessoas que se
descolam de forma voluntária de seu
país de origem, com intenção de se
estabelecer por algum tempo no Estado
de acolhida. Já os refugiados estão fora
de seu país devido a fundados temores
de perseguição relacionados a questões
de raça, religião, nacionalidade e à gra-
ve e generalizada violação de direitos
humanos e conflitos armados.
22. Essa é uma questão histórica da
sociedade francesa ligada ao processo
de colonização, em que a França foi
uma das grandes colonizadoras do
território africano, fazendo com que a
sua população tivesse um alto índice
de miscigenação, o que acarretou num
sentimento xenofóbico incentivado pelo
nacionalismo extremista presente numa
parte dos cidadãos.
23. Aponta que os refugiados devem
pedir asilo ao primeiro país da UE em
que chegarem. Cf. EUROPEAN COMIS-
SION, 2003.
120
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 107 - 124
resse em executar rapidamente essas decisões, o que tornou mais difícil
a concretização de uma solução mais efetiva. Deste modo, a Alemanha
viu a gestão desse uxo imigratório sendo lidada como uma disputa de
interesses nacionais de cada Estado. Pode-se dizer que até o próprio go-
verno alemão, apesar de toda a sua tentativa de se mostrar totalmente so-
lidário, tentava defender os seus interesses em primeiro lugar- em que os
Estados-membros do Sul e do Oeste insistiam em uma resposta conjunta
(FERREIRA, 2016, p. 92), pois estavam sendo confrontados com o au-
mento de pessoas irregulares em seus territórios; enquanto que os países
destinos resistiam em fornecer mais recursos nanceiros ou em aceitar
um número maior de refugiados.
Por consequência de todas essas contradições em torno da discussão
com os membros da UE, a impotência da Alemanha perante o uxo migra-
tório foi aumentando, o que levou à adoção de um acordo polêmico entre
a UE- que serviu como “peça jurídica” da Alemanha nessa celebração- e a
Turqu ia
24
, o principal país de tnsito da rota do Mediterrâneo Oriental. O
acordo celebrado em março de 2016 tinha como objetivo reduzir a intensi-
dade do uxo nesta rota através das seguintes medidas: por cada sírio que
chegasse ilegalmente a Grécia seria devolvido à Turquia, outro sírio vindo
diretamente da Turquia seria reinstalado num Estado-membro, com base
numa regra de um-por-um. Com esse acordo, a Turquia se tornou um
elemento-chave na gestão da crise migratória europeia, comprometendo-
-se a evitar a abertura de novas rotas de imigração enquanto que a UE se
comprometeu a retomar as negociações para adesão deste país no bloco.
Contudo, este acordo não fez mais do que deslocar o problema para um
país vizinho, através da externalização da fronteira europeia, deixando a
questão nas mãos da Turquia (FERREIRA, 2016, p. 94-95).
A inuência do poder alemão na UE é tão grande que ca evidente
até mesmo nos discursos desses dois atores perante o Conselho de Segu-
rança em que se notam as opiniões semelhantes e associadas. Em uma reu-
nião de 2015, os dois se mostram bem críticos ao posicionamento do CS em
relação às atrocidades humanitárias que estavam acontecendo, armando
que embora o papel desse órgão seja especicamente a manutenção da paz
e da segurança internacionais, também tinha a responsabilidade em rela-
ção à proteção dos direitos humanos, não podendo car omisso aos casos
que ocorriam no mundo. O representante alemão foi até mais duro res-
saltando que nesse contexto “[...] the way forward could not be to pursue
national interests only, or simply to ‘close our eyes’” (UN, 2015b).
O posicionamento analítico da UE referente ao Conselho não se
conteve somente na omissão deste em relação às atrocidades aos direitos
humanos, mas também no processo da paz que defendiam, armando
que a prioridade europeia era sempre salvar vidas, mas que sozinha não
iria conseguir solucionar essa crise, havendo a necessidade de se ter um
conjunto de questões” que abordassem além dos países de origem e dos
países de trânsito e acolhimento, para que assim se tivesse uma redução
no uxo dos refugiados na região (UN, 2015d). Nesse mesmo sentido, a
Alemanha armou
25
que era uma obviedade o pensamento do CS de que
a segurança e o desenvolvimento estivessem interligados e que se estives-
sem realmente preocupados em garantir a paz também teriam interesse
24. Cf importantes considerações acerca
do Acordo Turquia-União Europeia em
LEHNER, 2018.
25. Cf o. posicionamento alemão no
documento UNITED NATIONS 7561st
meeting, online.
121
Cláudia Alvarenga Marconi e Anna Paula Ramos Os desaos humanitários e novas prácas de great power management:
uma comparação entre as posições da França e da Alemanha frente à “crise de refugiados”
em resolver a crise dos refugiados, que tinha um caráter de desao global
e não somente europeu.
Se Alemanha continuar empenhada com a sua promessa de liqui-
dar a crise migratória na Europa e obtiver sucesso, Merkel terá a imagem
da grande benfeitora, mas se falhar nessa missão terá que arcar com as
consequências além já ter que enfrentar os danos colaterais com a depen-
dência da UE em relação à Turquia e com as críticas de que a Alemanha
fez uso das instituições europeias para perseguir seus interesses nacionais.
Considerões Finais
O intuito do presente artigo foi resgatar dois conceitos chave da
Escola Inglesa - “instituições pririas” e “great power management-, que,
apesar de terem sido formulados na fase cssica da Escola, apresentam
características notórias que se relacionam com o mundo contemporâneo,
como no caso analisado - a crise de refugiados atual- em que foi possível
fazer paralelos entre as posições adotadas por França e Alemanha com
os atributos denidos por Bull em sua formulação de grandes potências,
além de ponderar quanto à criação de uma nova instituição priria que
ressignica o GPM - o “novo humanitarismo” - e analisar os efeitos da
instituição secundária, Conselho de Segurança, nas decisões desses dois
Estados nessa mesma matéria.
O entendimento de que se pode haver a criação de uma nova insti-
tuição priria e das diferentes percepções dos Estados em relação tanto
às primárias já existentes quanto às secundárias em que atuam, pautou-
-se na formulação de Barry Buzan de que é necessária maior clareza na
denição do que são essas instituições e quais características são indis-
sociáveis delas. Justamente por não se tratar de um conceito rígido, mas
sim de um construto teórico com relativa exibilidade, percebemos es-
paço suciente para, a partir de outros movimentos da sociedade inter-
nacional, sustentar o argumento de que as práticas nomeadas de “novo
humanitarismo” poderiam lançá-lo a um candidato a instituição pri-
ria, ainda que não emancipada do GPM. Ademais, dando eco ao fato de
que as instituições secundárias não possuem um efeito homogeneizador
sobre todos os Estados membros ou mesmo não recebem imporncia
igual por parte desses em suas decisões, buscou-se caracterizar tais osci-
lações como interações especícas entre as instituições secundárias elas
mesmas e as pririas a partir das políticas de atores estatais chave na
matéria em questão.
O posicionamento francês perante essa temática migratória atual
se mostrou ainda vinculado com a perspectiva clássica da ajuda humani-
ria, com o foco em minimizar os efeitos da crise em seu Estado a partir
da justicativa central de manter em primeiro lugar a sua segurança in-
terna. Em outras palavras, a França parece utilizar o discurso do “novo
humanitarismo” como um instrumento quando lhe convém para manter
o seu GPM efetivo, mas, na prática, a sua atuação no que concerne a pres-
tar assistência às vítimas que chegam a Europa é repulsiva e baseada num
discurso xenofóbico por parte de sua população e de medidas que restrin-
gem o acesso dos refugiados ao país por parte do governo.
122
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 107 - 124
A França reforça, assim, a sua gestão com a posição de membro
permanente do CSONU, o que permite se manter como uma das grandes
potências sem ter a necessidade de mudar as políticas para atender a cer-
tas demandas da sociedade internacional. Porém, essa relação reete uma
dependência” dos Estados desse órgão, pois a França parece ter uma res-
trição em como moldar o seu GPM por ter que atender as diretrizes do
Conselho. O caso da crise de refúgio é um exemplo disso: o órgão pouco
se manifestou ou efetuou medidas para ajudar a controlar a matéria, dei-
xando o grosso da questão para a competência da UE e do ACNUR. Com
isso, a França viu a sua gama de recursos minimizados para atuar nessa
questão, e como o fato de ser um membro do Conselho de Segurança
já reforça o seu gerenciamento, não se empenhou ou se envolveu forte-
mente em solucionar esse dilema, tendo o “novo humanitarismo” apenas
como elemento retórico, da mesma maneira que o CS o fez.
A maneira como a Alemanha maneja a instituição priria great
power management difere bastante da francesa. Primeiramente, não com-
por sequer o quadro dos membros não permanentes do CSONU àquela
altura, faz com que esse Estado não esteja ancorado na postura do Con-
selho sobre os fenômenos da sociedade internacional, permitindo que te-
nha mais autonomia em suas decisões. Contudo, a mesma relação que se
estabeleceu para a França com seu GPM sustentado pelo órgão da ONU,
estabelece-se para Alemanha utilizando a União Europeia com instituição
secundária para gerenciar a matéria, ainda que em direções contrárias.
Enquanto o Conselho de Segurança é visto como o grande arquiteto de
como os seus membros irão responder a algumas das demandas interna-
cionais, ou seja, é uma instituição secundária que direciona uma institui-
ção primária, a União Europeia é a peça-chave do great power management
regional da Alemanha, fornecendo a esse Estado o poder de utilizá-la de
distintas formas, inclusive associadas a instituições primárias emergen-
tes, para controlar a sociedade internacional europeia e se mostrar como
uma grande potência mundial. Assim, coloca em xeque até que ponto o
fato de ser parte do CS impõe limites ao exercício de um GPM efetivo.
A Alemanha possui maior exibilidade em sua conduta internacio-
nal tanto que na questão migratória se mostrou como o grande player a
criar e estabelecer medidas que expressavam alguma intenção de alívio
da crise. O discurso do “novo humanitarismo” deixou, nesse caso, de ser
apenas uma retórica instrumental como foi para o Conselho e passou a ser
um comportamento praticado tanto pela Alemanha quanto pela União
Europeia, como por exemplo, no estabelecimento do acordo UE-Turquia.
Com maior enraizamento, o “novo humanitarismo” se mostrou
como uma prática social a orientar os Estados nas questões relativas à paz
e ao conito, surgindo como candidata a nova instituição priria ligada
diretamente com outra primária clássica: o great power management. Em
outras palavras, não houve um esvaziamento do GPM como instituição
priria para Alemanha com a inclusão da prática do “novo humanita-
rismo” e sim a reedição de certos signicados dessa instituição priria
tão tradicional.
Pela pesquisa empreendida, enquanto a França lida com a inuên-
cia do Conselho de Segurança em suas decisões, ancorando-se na cssica
123
Cláudia Alvarenga Marconi e Anna Paula Ramos Os desaos humanitários e novas prácas de great power management:
uma comparação entre as posições da França e da Alemanha frente à “crise de refugiados”
perspectiva dessa administração, a Alemanha para se impor cada vez
mais como uma grande potência da Europa, traz novos comportamentos
para sustentar o seu GPM, e com isso ambas se utilizam das inter-relações
entre as instituições pririas e secundárias em prol da manutenção de
seu poder na sociedade internacional.
A ambição do desenho original do artigo era analisar e comparar
a manutenção do great power management francês e alemão frente à crise
dos refugiados, observando tão somente a inuência do Conselho de Se-
gurança nessa dinâmica. Porém, no desenvolver da pesquisa essa preten-
são foi calibrada, pois a comparação entre esses dois Estados é altamente
complexa e não se esgota na questão da política migratória, fazendo-se
necessário explorar, por exemplo, a inuência da União Europeia sobre o
GPM desses atores estatais.
Ademais, para efeitos de uma agenda de pesquisa sequencial, cre-
mos que explorar mais densamente a literatura sobre a interação entre
variadas institucionalidades secundárias e pririas torna-se essencial
para compreender as respostas dos Estados parte da sociedade interna-
cional frente às questões contemporâneas que exigem a preservação do
GPM: em alguns casos preservando seu sentido original e em outros
atualizando-o em novas direções.
A comparação aqui empreendida permitiu, assim, observar duas
grandes potências europeias e globais ativando signicados diferentes das
duas instituições primárias aqui exploradas: o GPM e o novo humanita-
rismo. A comparação também permitiu observar o quanto dessa (não)
aproximação se relaciona com a posição da França de membro perma-
nente do CSONU enquanto a Alemanha recorre apenas a uma institucio-
nalidade secundária fortemente regional, a da UE.
Referências
14 ATENTADOS e mais de 200 mortos desde 2015. Diário de Notícias. 2017. Disponível em:
https://www.dn.pt/mundo/interior/cronologia-parisatentado-ataques-terroristas-em-franca-
-desde-2015- 6234295.html. Acesso em: 25 abr. de 2018
AMNESTY INTERNATIONAL. Amnesty International Report 2017/18, Lebanon, 22 fev.
2018. Disponível em: https://www.refworld.org/docid/5a9938cc0.html. Acesso em: 10 jul. 2019.
BBC. Germany hate crime: Nearly 10 attacks a day on migrants in 2016, 26 fev. 2017. Disponível
em: https://www.bbc.com/news/world-europe-39096833. Acesso em: 10 jul. 2019.
BULL, Hedley. A sociedade arquica: um estudo da ordem na política mundial. 2ed. São Pau-
lo: Editora Universidade de Brasília, 2002.
BUZAN, Barry; CUI, Shunij. Great Power Management in International Society, The Chinese
Journal of International Politics, v. 9, n. 2, p. 181–210, mai. 2016.
BUZAN, Barry. The primary institutions of international society. BUZAN, Barry. From inter-
national to world society? English School Theory and the social structure of globalization.
Cambridge: Cambridge University Press, 2004.
DUFFIELD, Mark. The New Humanitarianism. In: DUFFIELD, Mark. Global Governance and
the new wars: the merging of development and security. London/New York: Zed Books, 2001.
DUNNE, Tim. Inventing international society: a History of the English School. 1 ed. Great
Britain: Macmillan Press LTD, 1998.
EUROPEAN COMISSION. Dublin II Regulation (2003/343/EC). 18 fev. 2003. Disponível em:
https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/?uri=LEGISSUM%3Al33153. Acesso em: 19
set. 2019.
124
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 107 - 124
EUROPARL. Uma Europa acolhedora? 2008. Disponi ́vel em: http://www.europarl.europa.eu/
external/html/welcomingeurope/default_pt.htm#. Acesso em: 24 abr. 2019.
FERREIRA, Susana. Orgulho e preconceito: a resposta europeia à crise de refugiados. Populis-
mo e Migrações, São Paulo, v. 50, p. 87-107, jun. 2016. Disponível em: http://www.scielo.mec.pt/
scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1645-91992016000200007. Acesso em: 24 mar. 2018.
FROMM, Nicolas; JÜNEMANN, Annette; SHERER, Nikolas (ed). Fortress Europe? Challenges
and Failures of Migration and Asylum Policies. Wiesbaden: Springer VS, 2017.
GREGUROVIĆ, Snježana; ŽUPARIĆ-ILJIĆ, Drago. Comparing the Incomparable? Migrant In-
tegration Policies and Perplexities of Comparison. International Migration, vol. 56, n. 3, p.
105-122, fev. 2018.
JANNING, Josef; MÖLLER, Almut. Leading from the Centre: Germanys’ new role in Europe.
European Council on foreign relations, v. 183, p. 2-11.
KOENIG, Nicole. France and Germany in the refugee crisis: united in diversity? Berlin: Jacques
Delors Institut, out. 2016.
LEHNER, Roman. The EU-Turkey-’deal: Legal Challenges and Pitfalls. International Migra-
tion, v. 57, p. 176- 185, abr. 2018.
NASCIMENTO, Daniela. “Do “Velho” ao “Novo Humanitarismo”: os Dilemas da Ação Huma-
nitária em Contextos de Conito e Pós-Conito Violento”. Repositório Comum. Disponível em:
https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/43911/1/Do%20velho%20ao%20novo%20huma-
nitarismo.pdf. Acesso em: 27 out. 2017
SOHLBER, Jacob; ESAISSON, Peter; MARTINSSON, Johan. The changing political impact of
compassion-evoking pictures: the case of the drowned toddler Alan Kurdi, Journal of Ethnic
and Migration Studies, v. 45, n. 13, p. 2275-2288, 2018.
SPANDLER, Killian. Regional Organizations in International Society: ASEAN, the EU and
the Politics of Normative Arguing. 1 ed. US: Springer International Publishing, 2015.
THE GLOBAL COMPACT FOR SAFE, ORDERLY AND REGULAR MIGRATION. (A/
CONF.231/3). Disponível em: https://undocs.org/A/CONF.231/3. Acesso em: 11 out. 2019.
TRAUNER, Florian. Asylum policy: the EU’s ‘crises’ and the looming policy regime failure,
Journal of European Integration, v. 38, n. 3, p. 311-325, 2016
UN. 2015a. All United Nations Tool Must Be to Reserve Downward Spiral of Instability in
Middle East. Disponível em: https://www.un.org/press/en/2015/sc12064.doc.htm. Acesso em:
12 nov. 2018
UN. 2015b. Prospect in Protecting People Improve When Sovereignty Not Viewed as “Wall or
Shield” Disponível em: https://www.un.org/press/en/2015/sc11793.doc.htm. Acesso em: 12 nov. 2018
UN. 2015c. Protecting Civilians. Disponível em: https://www.un.org/press/en/2015/sc12123.
doc.htm. Acesso em: 12 nov. 2018
UN. 2015d. Preventing Should Be Integral to All United Nations. Disponível em https://
www.un.org/press/en/2015/sc12124.doc.htm. Acesso em: 12 nov. 2018
UN. Search Membership by Country. Disponível em: https://www.un.org/securitycouncil/
search/country?eld_member_state_value=DEU. Acesso em: 11 out. 2019.
UN. Security Council Meetings in 2016. Disponível em: http://research.un.org/en/docs/sc/
quick/meetings/2016. Acesso em: 11 out. 2019.
WIGHT, Martin. A Política do Poder. 2 ed. São Paulo: Editora Universidade de Bralia, 2002.
ZETTER, Roger. A fragmented landscape of protection. Forced Migration Review. vol. 50,
2005. Disponível em: https://www.fmreview.org/dayton20/zetter. Acesso em: 11 out. 2019.
125
Resenha: Trajetória internacional do Brasil:
artigos selecionados
Murilo Chaves Vilarinho
1
DOI: 10.5752/P.2317-773X.2020v8.n1.p125
Recebido em: 07 de setembro de 2019
Aceito em: 09 de dezembro de 2019
A obra Trajetória internacional do Brasil: artigos selecionados (2018),
escrita pelo diplomata brasileiro e docente do Instituto do Rio Branco
Eugênio Vargas Garcia e publicada pela Fundação Alexandre de Gusmão
(FUNAG), apresenta-se como uma compilação de importantes estudos
sobre diversos momentos históricos da política externa do Estado, que foi
possível graças aos diversos trabalhos frutos de pesquisa e investigação
do escritor o qual tem estudado as relações internacionais condicionadas,
principalmente, pelos assuntos história da política externa brasileira, go-
vernança global, paz, segurança, diplomacia.
Eugênio Vargas Garcia tem estado a serviço da chancelaria nacional,
a qual possibilitou a esse signicante experiência no campo das relações in-
ternacionais, que redundou na produção de trabalhos intelectuais conheci-
dos no mundo diplomático, cientíco e acadêmico, por exemplo, Conselho
de Segurança das Nações Unidas, Entre América e Europa: a política externa bra-
sileira na década de 1920; Cronologia das relações internacionais do Brasil.
O livro é dividido em cinco partes as quais contemplam, em seu
conjunto, um perl cronogico da história da sociedade brasileira em
concomitância ao viés da política externa salvaguardado pelo Brasil, des-
de a chegada da Corte portuguesa em 1808, quando da invasão napol-
nica da metrópole lusitana.
Desse modo, nota-se, em geral, que a Parte I intitulada Brasil colô-
nia e império hospeda artigos que versam sobre o contexto diplomático
colonial, pautado pelas orientações políticas de D. João VI, bem como da
Grã-Bretanha na América oitocentista. São artigos que conformam essa
parte Breve panorama do contexto diplomático colonial: das origens a 1808; D.
João VI e a herança lusitana da política externa brasileira; ¿Imperio informal?
La política británica hacia América Latina en el siglo XIX;I have no thought of
returning to Rio”Revendo as notas do Sr. Christie sobre o Brasil.
Nota-se, no primeiro artigo, que o Brasil, no contexto diplomáti-
co colonial, mais sofreu do que interferiu em acontecimentos políticos,
econômicos e sociais, já que a metrópole portuguesa e as vicissitudes da
política externa lusitana conduziam o Brasil. Sua trajetória, nesse sentido,
era de submissão aos interesses reinóis, o que é um aspecto compreen-
sível, em alguma medida, quando se reporta ao pensamento de Cervo,
1. Doutor em Sociologia pela Universi-
dade Federal de Goiás (UFG). É profes-
sor adjunto da Faculdade de Ciências
e Tecnologia na mesma instituição,
Goiânia, Brasil. Temas de pesquisa:
Sociologia, Métodos, Ética e Direitos
Humanos. https://orcid.org/0000-0002-
6511-7926
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 125 - 128
126
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 125 - 128
em História da Política Externa Brasileira, para o qual o país só conduz sua
política com alguma liberdade, após a proclamação da Independência,
mas, mesmo assim, atrelado aos interesses estratégicos e políticos de na-
ções como Estados Unidos, Inglaterra, para não dizer da própria Casa dos
Bragaa, por exemplo.
Nos demais textos que compõe essa parte, observa-se que a polí-
tica externa portuguesa se fazia no Brasil, mas não era brasileira ainda,
portanto os interesses da metrópole e de outras potências eram o lastro
da diplomacia à época. Isso se torna claro, quando se considera o Brasil
sendo palco de -um império informal inglês, muitos mais do que parte
de um império formal lusitano, anal a Inglaterra, uma potência naquele
período, tudo governava nos idos do século XIX, na América Latina. A
Inglaterra, enm, rearmava uma política imperialista, como demonstra
os intentos de Christie no Brasil.
A Parte II designada de República Velha trata de artigos que falam
sobre o panamericanismo na política externa do século XIX até 1961, do
pensamento de Rui Barbosa, Epitáo Pessoa até o ingresso do país na
Sociedade das Nações. Nesse sentido, textos que constituem essa seção
podem ser descritos como El signicado del panamericanismo en la política
exterior de Brasil (18891961); Aspectos da vertente internacional do pensamento
político de Rui Barbosa; Epitácio Pessoa diplomata: de Versalhes ao Catete; An-
gloAmerican rivalry in Brazil: the case of the 1920s; Antirevolutionary diplomacy
in oligarchic Brazil, 19191930; A diplomacia dos armamentos em Santiago: O
Brasil e a Conferência PanAmericana de 1923; O Brasil e o ingresso da Alemanha
na Liga das Nações: a crise de março de 1926.
Em El signicado del panamericanismo en la política exterior de Brasil
(18891961), ro autor ressalta o poder da imagem e das ideologias na política
e na diplomacia. Nesse sentido, o panamericanismo é apresentado como
um grande marco para a diplomacia nacional da Proclamação da Repú-
blica até o ano de 1961. Sentimento comum, destino, resistência ao colo-
nialismo respaldam a concepção pan-americanista. Por m, o período de
1889- 1961 é apontado pelo escritor como momentos em que a concepção
monroísta tornou-se paradigma de política externa, em se tratando da
proximidade nacional com os Estados Unidos.
Os demais trabalhos que conformam essa parte apresentam os prin-
cípios e concepções que balizam a condução diplomática nacional que pri-
ma pelo tradicionalismo político e pela salvaguarda dos interesses do povo.
A obra conta com uma terceira parte chamada de Pós-Segunda
Guerra reete em seus escritos o Brasil na ONU. Nela, o diplomata Eugê-
nio V. Garcia desenvolve as essências política e diplomática nacionais por
meio dos trabalhos De como o Brasil quase se tornou membro permanente do
Conselho de Segurança da ONU em 1945 e O Brasil na Conferência de São Fran-
cisco. Nesse artigo, é discutida a signicância do país para a sociedade in-
ternacional, o que ca mais evidente, por exemplo, quando da criação da
ONU, o Brasil foi cogitado a ter a sexta cadeira do Conselho de Segurança.
Na Parte IV, denominada Defesa e Segurança na Guerra Fria, o intelec-
tual busca aproximar o leitor do pensamento militarista que se estende
do período pós-guerra até o ano de 1989. Os artigos que compõe essa
seção podem ser identicados como O pensamento dos militares em política
127
Murilo Chaves Vilarinho Resenha: Trajetória internacional do Brasil: argos selecionados
internacional (19611989), bem como Questões estratégicas e de segurança inter-
nacional: a marca do tempo e a força histórica da mudança.
Em se tratando do primeiro escrito, o autor fala sobre o pensamen-
to diplomático e principalmente militar que recaem sobre a formulação e
condução política externa brasileira. O período recortado pelo intelectual
é o respaldo que as relações internacionais do Brasil terão em relação ao
ideal nacional-desenvolvimentista. Já o artigo segundo resgata a produ-
ção acadêmica-cientíca sobre assuntos como desarmamento, segurança,
política de defesa do Brasil, dentre outros, à luz de periódicos renomados
e tradicionais nos estudos de relações internacionais, fala-se da RBPI-Re-
vista Brasileira de Política Internacional, que ao longo de sua história con-
cedeu espaço para discussões sobre a temática de segurança.
O livro ainda dispõe da Parte V nominada de A ordem internacional
no pós-Guerra Fria, em que se aborda uma nova contextura a política ex-
terna com destaque para espaços e relações políticas entre povos dantes
não evidenciados com primazia pela diplomacia nacional, como é o caso
da inserção do Leste Asiático nos cálculos estratégicos do Brasil àquela
época. Os textos que fazem parte desse arcabouço são O Brasil e o Leste
asiático: apontamentos para uma análise histórica; Regional powers, UN Se-
curity Council membership and the question of representativeness; World order,
values and the UsThem divide.
O primeiro texto citado traz um balanço da política externa nacio-
nal para Ásia, área, segundo o autor, praticamente ausente das discus-
sões acadêmicas. As temáticas especícas, em geral, carecem de pesquisas
substanciais, conforme o apontamento do diplomata. Por meio da pers-
pectiva brasileira, o artigo busca, em alguma medida, introduzir alguns
aspectos de entendimento da ascensão da Ásia na contemporaneidade.
O segundo trabalho faz uma correlação entre representatividade e
regionalismos, em se considerando o estabelecimento da estrutura Con-
selho de Segurança. O terceiro artigo fala sobre a ordem mundial oriunda
de um sistema heterogêneo, questionando se esse sistema evidentemente
proporciona a estabilidade das sociedades.
Trajetória internacional do Brasil, sem dúvida, apresenta-se como
material valioso para o campo das relações internacionais do país, haja
vista que leva ao público interessado na temática (professores, estudan-
tes, pesquisadores) textos ligados à história diplomática nacional e própria
condução política externa estabelecida pela nação, desde que o Brasil foi
elevado à Reino Unido de Portugal e Algarves em 1808.
O escrito de Eugênio Vargas Garcia dispõe de informações notá-
veis que busca contextualizar e proporcionar alguma essência à trajetória
internacional do Brasil, a qual ainda está sendo construída, conforme os
governos vão se sucedendo e imprimindo diferentes matizes de condução
política à diplomacia.
Além disso, verica-se que o conjunto de artigos presentes no livro
não se conectam como um todo, com a nalidade de sustentar alguma
homogeneidade argumentativa que justique a compilação desses em
uma obra. Ao contrário dessa perspectiva, os artigos escritos, em dife-
rentes momentos da história nacional, buscam indicar as nuances da na-
tureza do Estado brasileiro em suas relações internacionais, que tem, em
128
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 1, (abr. 2020), p. 125 - 128
alguma medida, sofrido mudanças e comportado díspares identidades,
em face das diretrizes da política internacional, ao longo dos tempos.
Enm, Trajetória internacional do Brasil é livro de suma imporncia
para a intelectualidade acadêmica ou para estudiosos interessados no
assunto, porque não apenas mostra a construção da diplomacia nacional,
desde a chegada da Corte em 1808 até o mundo pós- queda da Cortina
de Ferro, ao final do século XX, mas também consegue argumentar de
modo pragmático qual a natureza e vocação diplomática do país, qual
seja, multifacética e pluridimensional.
Referência
GARCIA, Eugênio Vargas. Trajetória internacional do Brasil: artigos selecionados. Brasília:
FUNAG, 2018. a