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estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 10, n. 2, (jun. 2022), p. 78-95
Paradiplomacia da Cidade de Dourados
- MS: Um Estudo sobre os Desafios da
Internacionalização dos Municípios de
Médio Porte na Faixa de Fronteira1
Paradiplomacy in the City of Dourados - MS (Brazil):
A Study on the Challenges of Internationalization of
Medium-Sized Municipalities in the Border Band
Tomaz Espósito Neto2
Aida Mohamed Ghadie3
DOI: 10.5752/P.2317-773X.2022v10.n2.p78
Recebido em: 05 de junho de 2020
Aprovado em: 10 de janeiro de 2022
R
O objetivo do presente artigo é descrever a atuação paradiplomática do mu-
nicípio de Dourados-MS, buscando identicar variáveis que inuenciaram o
processo de inserção internacional, bem como as (des)continuidades nesse pro-
cesso, desde seu início em 2001 até seu abandono, em 2016. O estudo de caso foi
conduzido conforme a proposta de Robert Yin (2015), por meio da descrição das
ações internacionais e de uma análise qualitativa de uma bibliograa seleciona-
da, documentos ociais e entrevistas semiestruturadas, e fundamentado teorica-
mente pelo modelo de Soldatos (1990) e Salomón (2012). No caso de Dourados,
o processo de internacionalização malogrou em função das seguintes variáveis:
alteração da liação política partidária dos mandatários municipais, agravada
pela crise político-econômica após a deagração da operação Uragano pela
Polícia Federal; ausência de uma estrutura especíca e quadros permanentes; e
o afastamento paulatino da sociedade em relação à política municipal.
Palavras-chave: paradiplomacia; Dourados; cooperação descentralizada; fronteira.
A
The purpose of this article is to describe the paradiplomatic performance of the
municipality of Dourados - MS (Brazil), seeking to identify the variables that in-
uenced the process of international insertion, as well as the (dis)continuities in
this process, from its beginning in 2001 until its abandonment in 2016. The case
study was conducted according to the proposal of Robert Yin (2015), by means
of the description of international actions and a qualitative analysis of a selec-
ted bibliography, ocial documents and semi-structured interviews, and was
theoretically based on Soldatos (1990) and Salomón (2012) model. In this case,
the internationalization process failed due to the following variables: change in
political aliation of municipal representatives, aggravated by the political and
economic crisis after the outbreak of the Uragano operation by Federal Police;
absence of a specic structure and permanent sta; and the gradual estrange-
ment of society from municipal politics.
Keywords: paradiplomacy; Dourados; decentralized cooperation; border.
1. Esse texto é fruto das ações da
Cátedra Jean Monnet da UFGD, projeto
financiado pela Comissão Europeia.
Outrossim, este trabalho está inserido
nas atividades do projeto Defesa Na-
cional, Fronteiras e Migrações: Estudos
sobre Ajuda Humanitária e Segurança
Integrada (Edital PROCAD-Defesa 2019)
com apoio da Coordenação de Aperfei-
çoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES) e do Ministério da Defesa.
2. Doutor em Ciências Sociais pela
Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (PUC-SP). Atualmente é professor
adjunto da Universidade Federal da
Grande Dourados (UFGD). Tem experi-
ência na área de Ciência Política, com
ênfase em Integração Internacional,
Conflito, Guerra e Paz, atuando princi-
palmente nos seguintes temas: política
externa brasileira, relações bilaterais
entre o Brasil e o Paraguai. Desde 2014,
é membro da REPRI- Rede de Pesquisa
em Regionalismo e Política Externa
(REPRI) que congrega pesquisadores
de várias universidades brasileiras e
instituições de pesquisa. E-mail: toma-
zeneto@gmail.com.
3. Mestre em Fronteiras e Direitos
Humanos pela Universidade Federal de
Grande Dourados (UFGD). Especialista
em Magistério do Ensino Superior pela
Universidade Federal do Mato Grosso
(UFMT). Possui graduação em Relações
Internacionais pela Universidade
Federal da Grande Dourados (UFGD) e
Engenharia Civil, habilitação: Produção
Civil pela Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC). Atuação Profissional:
Docente do curso de graduação em En-
genharia Civil no Centro Universitário da
Grande Dourados - UNIGRAN, gestora
de obras e projetos da Prefeitura Muni-
cipal de Dourados. Tem experiência na
área de Engenharia Civil, com ênfase
em Orçamentos e Fiscalização de Obras,
atuando principalmente nos seguintes
temas: estrutura de concreto armado,
inovação, software, projeto legal, cons-
trução, habitabilidade e gerenciamento
de obras, canteiros, planejamento.
E-mail: a.beirute@gmail.com. ORCID:
https://orcid.org/0000-0002-3714-0643.
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Tomaz Espósito Neto, Aida Mohamed Ghadie
Paradiplomacia da Cidade de Dourados - MS: Um Estudo sobre os Desaos da Internacionalização dos Municípios de Médio Porte na Faixa de Fronteira
Introdução
Na segunda metade do século XX, a emergência do regionalismo
(como a União Europeia); a expansão dos uxos globais de pessoas, in-
formações e comércio (bens e serviços) conhecida como globalização; a
ascensão de novos atores (empresas e organizações não governamentais
e transnacionais) e temas (como meio ambiente e direitos humanos); e a
insuciência de capacidade dos Estados centrais em lidar com os proble-
mas globais tiveram um profundo impacto local (CASTELLS,1999; SAS-
SEN, 2002; KEOHANE; NYE, 2001). Diante desse cenário, observou-se
uma paulatina descentralização política do poder em favor de entidades
subnacionais, como províncias e municípios (BORJA; CASTELLS, 1996),
sendo que alguns destes passaram a protagonizar novos papéis, como a
condução de processos de internacionalização próprios, também conhe-
cidos como paradiplomacia (PRADO, 2013) e cooperação descentralizada
(PRADO, 2019). Por paradiplomacia entende-se:
[...] pode ser denida como o envolvimento dos governos subnacionais nas relações in-
ternacionais, através do estabelecimento de contatos formais e informais, permanentes
ou ad hoc, com públicos estrangeiros ou com entidades privadas, com o objetivo de pro-
mover questões socioeconômicas ou políticas, assim como qualquer outra dimensão
externa de suas próprias competências constitucionais [...] (SALOMÓN, 2012, p. 274).
A cooperação descentralizada consiste em “um instrumento de atua-
ção internacional dos governos locais com outros atores internacionais, vi-
sando ao desenvolvimento e à participação mais ativa das comunidades
locais nos ganhos mútuos das partes cooperantes” (CNM, 2009, p. 38).
Esse sistema de cooperação pode também ser explicado como: “[...]
um conjunto de ações, atividades e programas de intercâmbio que são esta-
belecidos entre atores subnacionais pertencentes a dois ou mais estados na-
cionais” (BUENO, 2010), ou, segundo Gilberto Rodrigues (2009, p. 6), “tra-
ta-se da possibilidade de entes subnacionais ou não centrais, como Estados
e Municípios, desenvolverem ações internacionais, no âmbito de suas com-
petências, sob o amparo de molduras internacionais bilaterais ou multilate-
rais”. Essas ações dependem das características de cada entidade subnacional
e de suas estratégias, no nível doméstico e internacional, e das competências
que os mesmos possuem no marco político nacional, como no caso do Brasil
(SALOMÓN, 2011; PRADO, 2016; MARIANO; MARIANO, 2005)4.
Soldatos (1990) classica a relação entre o governo federal e a en-
tidade subnacional em dois tipos distintos: ações internacionais do tipo
cooperativas e ações paradiplomáticas paralelas ou substitutivas. As coo-
perativas são aquelas coordenadas pelo governo federal, enquanto as pa-
ralelas podem ocorrer de duas maneiras: de forma harmoniosa, com ou
sem monitoramento do governo central, ou de conito, o que evidencia
a objeção do Estado perante a atuação de uma entidade subnacional no
contexto internacional: “Co-operation (supportive) action in foreign po-
licy is possible when subnational actions on the part of federated units
are co-ordinated by the federal government” (SOLDATOS, 1990, p. 38).
Assim, os entes subnacionais conseguem promover seus interesses inter-
nacionalmente – embora subordinados aos interesses de Estado –, dividir
os custos, somar forças e recursos com o governo federal e buscar com-
plementariedades (SOLDATOS, 1990, p. 42).
4. Nesse sentido, destaca-se a
contribuição de autores do cenário
internacional como Panayotis Soldatos
(1990), que descreve a paradiplomacia
como “uma atividade de política externa
de uma unidade federativa”, enquan-
to na perspectiva de Noé Cornago
Prieto (2004, p. 251) a paradiplomacia
é definida como sendo “o envolvimento
de governo subnacional nas relações
internacionais, por meio do estabeleci-
mento de contatos, formais e informais,
permanentes ou provisórios (ad hoc),
com entidades estrangeiras públicas
ou privadas, objetivando promover
outra dimensão externa de sua própria
competência constitucional”.
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Por sua vez, as ações paradiplomáticas substitutivas, também conhe-
cidas como paralelas, são aquelas desenvolvidas pelos entes subnacionais
sem a participação direta do governo central, podendo ou não apresentar
conitos e podendo evoluir com ou sem a supervisão do poder Central e/
ou outros entes federativos (SOLDATOS,1990, p. 38; RIBEIRO, 2009, p. 47).
Brian Hocking (1993, p. 200) apresenta alguns determinantes (como
burocracia, acesso a recursos, entre outros) do processo de internaciona-
lização dos atores não centrais, como municípios e estados subnacionais,
a diplomacia multinível e a governança multidimensional dos processos
de integração.
Os estudos sobre paradiplomacia ganharam evidência na América do
Norte e na Europa através de pesquisas dedicadas a compreender a atuação
de regiões como Quebec e Catalunha (RIBEIRO, 2009). Segundo Débora
Prado (2018, p.139-40), caracteriza as relações exteriores antagônicas entre
entes subnacionais, como a Catalunha, e o poder central, como a Espanha,
de “protodiplomacia”. Essas relações antagônicas visam, por parte do ator
subnacional, obter o reconhecimento da independência, dessa feita trans-
formar protodiplomacia em diplomacia pura de um novo Estado. Prado
(2018, Passim) apresenta a inadequação dos conceitos para a complexidades
dos fenômenos paradiplomáticos, em especial do Sul Global.
No Brasil, os estudos paradiplomáticos é algo recente. Foram im-
pulsionados pelo processo de redemocratização, cujos marcos principais
foram a Constituição de 1988 e as eleições diretas de 1989, deu uma maior
autonomia aos órgãos subnacionais (CASTELO BRANCO, 2011; ARAÚ-
JO, 2012; RIBEIRO, 2009), e muitos começaram a aumentar sua presença
internacional, como aconteceu com Rio de Janeiro-RJ e Porto Alegre-RS.
Paulatinamente, essas ações foram reproduzidas entre municípios meno-
res; ademais, várias dessas iniciativas estavam em consonância com as
experiências de integração regional, como o Mercosul (SALOMÓN, 2012;
PRADO, 2016; VIGEVANI et al, 2004).
De acordo com alguns autores, a ação paradiplomática pode ser
considerada uma atividade legal, isto é, encontra-se dentro do rol de com-
petência dos governos não centrais estabelecidos, determinando assim o
contexto constitucional do país (ARAÚJO, 2012; PRIETO, 2004).
Muito embora a falta de institucionalização da paradiplomacia na
Constituição Federativa do Brasil de 1988, que manteve a centralidade da
competência pelo exercício das atividades internacionais exclusivamen-
te a cargo da União, a realidade demonstra que este fato não impediu
a atuação das cidades brasileiras nas relações internacionais (CASTELO
BRANCO, 2011; PRADO, 2013; RIBEIRO, 2009).
O pacto federativo institucionalizado na Carta Magna estabeleceu
condições de autonomia que permitem aos estados federados e municí-
pios5 mobilizarem-se no campo das atividades paradiplomáticas. Castelo
Branco (2011) assevera que a autonomia das entidades federativas do Bra-
sil pressupõe uma divisão de competências legislativas, administrativas e
tributárias e que a Constituição Federal brasileira, ao estabelecer “as ma-
térias especícas de cada um dos entes federativos, [...] poderá acentuar a
centralização do poder, ora na própria Federação, ora nos demais entes
não centrais” (CASTELO BRANCO, 2011, p. 86).
5. Competências dos entes federados
segundo a Constituição Federal de
1988: União: Artigos 21 e 22; Distrito
Federal: Artigo 32, § 1º. competência de
Estado e de Município. Estados: Artigo
25 competência residual, isto é, tudo o
que não lhe é vedado pela Constituição;
Municípios: Artigo 30 (CNM, 2009).
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Tomaz Espósito Neto, Aida Mohamed Ghadie
Paradiplomacia da Cidade de Dourados - MS: Um Estudo sobre os Desaos da Internacionalização dos Municípios de Médio Porte na Faixa de Fronteira
Pode-se depreender desta exposição que, por seu lado, o Governo
central dene as pautas de interesse nacional global no sistema interna-
cional, enquanto os demais entes federados, estados e municípios buscam
atividades externas pontuais “de caráter comercial, cultural e econômi-
co” – prossegue Castelo Branco, que defende ser este o contexto principal
em que ocorre o desenvolvimento da paradiplomacia brasileira (CASTE-
LO BRANCO, 2011, p. 87).
Os estudos brasileiros sobre a paradiplomacia municipal acompa-
nharam esse movimento (BARRETO, 2004). Inicialmente, como em São
Paulo-SP e Rio de Janeiro-RJ, foram analisadas as ações internacionais
de capitais (MILANI; RIBEIRO, 2011; VIGEVANI, 2006a) e, a seguir, pas-
saram a ser averiguadas cidades médias, como Uberlândia-MG (YAHN
FILHO, 2019; FRÓIO, 2015). Mais recentemente, as pesquisas perquiri-
ram munícipios da faixa de fronteira6, em especial as cidades-gêmeas7
(BAUMGRATZ ; GHERLANDI, 2021), como Ponta Porã-MS (PRADO,
2019; GHADIE, 2019)8.
Usualmente, o foco desses trabalhos é no sucesso dessas inserções
internacionais; os (in)sucessos são relegados a um segundo plano, negli-
genciando-se as valiosas lições que esses casos não tão bem-sucedidos
possam conter. Esse é o caso de Dourados, cidade média no sul do Mato
Grosso do Sul e próxima ao Paraguai, cuja estratégia paradiplomática não
prosperou. Portanto, o presente texto busca responder à seguinte pergun-
ta de pesquisa: Por que o processo de internacionalização da cidade de
Dourados foi descontinuado?
A partir desse contexto, o escopo do presente artigo é descrever a
atuação paradiplomática das cidades médias localizadas na faixa de fron-
teira. Para tanto, faz-se um estudo de caso do município de Dourados-MS
para apresentar o processo de formulação e execução de uma estratégia de
inserção internacional, bem como as (des)continuidades nesse processo de
internacionalização, do seu início em 2001 até o seu abandono em 2016.
A hipótese do presente trabalho é: (i) o processo de internacionali-
zação do munícipio de Dourados-MS, como a de outros municípios mé-
dios, se iniciou na gestão de Laerte Tetila (2001-2008), liado ao Partido
dos Trabalhadores. Essa inserção seguia as iniciativas nacionais propostas
pelo Partido dos Trabalhadores, como a ativa participação no Mercocida-
des e no consórcio das Cidades Educadoras. No entanto, as iniciativas pa-
radiplomáticas douradenses foram descontinuadas em função da mudan-
ça da elite política na gestão, com a ascensão de Ari Artuzi (2008-2010) do
Partido Democrático Trabalhista (PDT) e pela grave crise política, após a
eclosão dos escândalos de corrupção, como a Operação Owari (2009) e a
Operação Uragano (2010). Por m, na administração Murilo Zauith (2011
– 2017), a Prefeitura adotou uma estratégia reativa à internacionalização
de Dourados, isto é, com o menor envolvimento possível da administra-
ção pública;
(ii) concorreu, para esse processo de descontinuidade, a falta de
uma estrutura organizada e servidores públicos municipais capacitados
e dedicados ao processo de paradiplomacia. Outrossim, o distanciamento
das entidades da sociedade civil organizada da gestão municipal, após às
denúncias de corrupção, fez com que as iniciativas públicas não fruti-
6. O artigo 20 da Constituição Federati-
va do Brasil define como faixa de fron-
teira os 150 km da área paralela à linha
de fronteira. Nessa área, existe uma
legislação específica que a diferencia do
restante do território brasileiro, e a ela
corresponde 10 % do território nacional.
7. “São adensamentos populacionais,
cortados pela linha de fronteira, seja
esta seca ou fluvial, articulada ou não
por obra de infraestrutura, e apresen-
tam grande potencial de integração
econômica e cultural assim como ma-
nifestações localizadas dos problemas
característicos da fronteira. Aí adquirem
maior densidade, com efeitos diretos
sobre o desenvolvimento regional e a
cidadania. Por esses motivos é que as
cidades-gêmeas devem constituir-se em
um dos alvos prioritários das políticas
públicas para a zona de fronteira”
(MACHADO, 2005, p. 12).
8. Os autores reconhecem a existência
de inúmeros trabalhos importantes de
autores brasileiros renomados sobre a
temática da paradiplomacia. No entan-
to, não é objeto esse trabalho fazer uma
revisão bibliográfica ampla sobre essa
temática.
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cassem. Persiste, em parte da elite econômica (empresariado do agrone-
gócio) douradense, que o processo de internacionalização ocorreria so-
mente pelas forças do mercado. Não sendo necessário, e nem desejável, a
participação do poder público municipal.
Aqui optou-se pelo método histórico-descritivo (LAKATOS, MAR-
CONI, 2001). O estudo de caso foi conduzido conforme o modelo de Ro-
bert Yin (2015), que sinaliza a relevância da descrição das ações interna-
cionais, e contou com uma alise qualitativa de uma bibliograa sele-
cionada e documentos ociais. De acordo com Pascal Vennesson (2008, p.
226), um estudo de caso envolve um fenômeno, ou um evento, escolhido,
conceitualizado e analisado empiricamente como a manifestação de uma
classe mais ampla de fenômenos e eventos. Vennesson (2008, p. 226-227)
apresenta ainda uma variedade de possibilidades de uso do estudo de
caso, tais como: (i) descrição, (ii) interpretação, (iii) construção de hipóte-
ses, (iv) teste de teorias.
O desenvolvimento do presente estudo de caso seguiu a seguin-
te trajetória: em primeiro lugar, foram selecionados alguns setores re-
lacionados ao incentivo ao processo de internacionalização douradense,
como a Secretaria Municipal de Finanças (SEMFI), Secretaria Municipal
de Planejamento (SEPLAN), Secretaria Municipal de Desenvolvimento
Econômico (SEMADE), Secretaria de Governo (SEGOV), entre outros. A
seguir, durante as visitas, houve entrevistas semiestruturadas com fun-
cionários públicos que tivessem alguma ligação com a prática das ativi-
dades paradiplomáticas. Em terceiro lugar, foram realizadas consultas ao
sítio eletrônico do Município de Dourados em busca de dados primários,
como atos ociais tais como convocações para reuniões, decretos e no-
meações publicadas no Diário Ocial do Munícipio (DOM), e, por m,
foram consultados jornais regionais com o objetivo de identicar a divul-
gação e o alcance do processo de internacionalização.
A despeito da Lei de Acesso à Informação, os pesquisadores tive-
ram enorme diculdade em encontrar documentos tais como atas, ofí-
cios expedidos e acordos, os quais se acreditava estariam depositados nos
arquivos da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico (SE-
MADE) ou Gabinete do Prefeito – estruturas administrativas mais recor-
rentes quando não se tem uma estrutura institucional especíca (CNM,
2009) –, e que seriam essenciais para reconstruir um registro histórico
mais dedigno. Outrossim, os funcionários que participaram das ativi-
dades de internacionalização foram contratados temporariamente, sendo
exonerados ao nal do mandato; portanto muitos não foram encontrados
e/ou se recusaram a conceder entrevistas.
Os dados obtidos no sítio eletrônico da Prefeitura de Dourados-MS9
abrangendo o período temporal selecionado para estudo, conforme in-
dicado anteriormente, permitiu apenas identicar atos ociais tais como
Extratos de Termo Aditivo do Programa Habitar Brasil HBB-BID (Convê-
nio nº 4234/2004-AGEHAB), Decretos de nomeação e/ou exoneração de
membros para comporem Unidade Executora Municipal dos programas
identicados, como PNAFM (Decreto nº 1.490/2010), Rede Cidade Educa-
dora, Rede Mercocidades, Convênios de Cooperação, cópia de Comunica-
ção Interna nº 128/2015, entre Procuradoria Geral do Município e SEMA-
9. Site da Prefeitura de Dourado. http://
www.dourados.ms.gov.br, 19 de feverei-
ro de 2019.
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Paradiplomacia da Cidade de Dourados - MS: Um Estudo sobre os Desaos da Internacionalização dos Municípios de Médio Porte na Faixa de Fronteira
DES, entre outros. Não foi possível o acesso a documentos relevantes cita-
dos por entrevistados, tais como passagens aéreas, despesas para inserção
nas Redes Cidade Educadora e Mercocidades e dívidas geradas (TETILA,
2016), o que impossibilitou a tabulação e criação de um banco de dados.
Além da introdução e das considerações nais, o presente artigo
divide-se em duas partes: a primeira visa contextualizar a evolução da pa-
radiplomacia no Brasil, em especial seus sucessos e desaos, e na segunda
se realiza o estudo de caso das atividades paradiplomáticas em Dourados-
-MS, desde seu início até seu encerramento.
A paradiplomacia municipal no Brasil: agendas e resultados
O processo de globalização, o processo de redemocratização e o
regime federativo no Brasil pós Constituição de 1988 foram essenciais
para a expansão das iniciativas paradiplomáticas no cenário internacional
(PRAZERES, 2009; JUNQUEIRA, 2015), cuja ênfase foi no campo low
politics (como saúde e habitação social) da política internacional dos Es-
tados centrais, mas de grande prioridade para os governos subnacionais
(MORAIS, 2011).
A paradiplomacia municipal brasileira expandiu-se mais rapida-
mente do que a estadual pelos seguintes motivos: (i) a inuência do mo-
vimento internacional de cidades, intensicado em 1996 com a realização
da conferência das Nações Unidas Habitat II e em 2004, com a criação
da Organização Mundial Cidades e Governos Locais (CGLU); (ii) a vitó-
ria nas eleições para governos municipais do Partido dos Trabalhadores
(PT), no nal do século XX em várias cidades, que difundiu um modelo
de inserção para a paradiplomacia municipal (SALOMÓN, 2012.
Em 2008, a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), por meio
do programa Observatório da Cooperação Descentralizada, identicou
cerca de trinta cidades brasileiras caracterizadas como entes subnacionais
de grande ou médio porte, que entre 2005 e 2008 já tinham uma estrutu-
ra institucional na área de relações internacionais (CNM, 2009). A CNM
mapeou outras 116 cidades que desenvolviam atividades paradiplomáticas
sem ter uma estrutura administrativa especíca, mas que possuíam um
responsável para tal atividade. A pesquisa desenvolvida demonstrou que
apenas 2,62% do total dos municípios brasileiros envolviam-se na atuação
internacional, índice que expressa “um baixo nível de estruturas formais
de relações internacionais” (ARAÚJO, 2012, p.77); todavia, essa atuação
envolve mais de 30% da população do país (CNM, 2009).
Portanto, as ações de internacionalização municipal estavam centra-
das em cidades de grande e médio porte (JAKOBSEN, 2009, p. 25). Als,
a CNM e associações internacionais, tais como a Federación Latinoameri-
cana de Ciudades, Municipios y Asociaciones de Gobiernos Locales (FLA-
CMA) e a Organização Mundial de Cidades e Governos Locais Unidos
(CGLU), se empenham na desconstrução da crença de que a atuação inter-
nacional traz benefícios apenas para cidades maiores (CNM, 2009).
Segundo Salomón (2012), as estratégias subnacionais enfatizam os
seguintes eixos: captação de recursos nanceiros, cooperação internacio-
nal, participação em eventos no âmbito internacional e em conferências
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de organizações internacionais, atuação ativa por meio de redes interna-
cionais de cidades, viagens e missões comerciais no exterior e visitas de
representantes ociais de outros países, entre outros.
No Brasil, Rio de Janeiro (1987) e Porto Alegre (1994) foram pio-
neiros na internacionalização institucionalizada. Em 2001, a cidade de
São Paulo estabeleceu a Secretaria Municipal de Relações Internacionais
(SMRI). Essa estrutura se transformou em modelo para a maioria dos
órgãos de relações internacionais no Brasil, principalmente no caso da-
queles governados pelos partidos de centro-esquerda, como o Partido dos
Trabalhadores (PT) e o Partido Democrático Trabalhista (PDT). Nesse
modelo, as SMRI possuem o objetivo de captar recursos e atrair investi-
mentos, além de representação institucional (RODRIGUES, 2009).
Muitos municípios brasileiros, principalmente os de porte médio, rmam
acordos de cooperação internacional de irmanamento (cidades irs). Usual-
mente, os objetivos desses acordos são a cooperação técnica entre os municí-
pios envolvidos, troca de informações e experiências em diversas áreas como a
cultura e educação e a participação em redes transnacionais de governos locais
(SALOMÓN, 2012a; YAHN FILHO, 2013; PRADO, 2016). A realização de boas
práticas de gestão pública, além de incrementar a qualidade de vida da popula-
ção, melhora a imagem internacional, podendo até mesmo atrair investimentos
econômicos e comerciais (SALOMÓN, 2012a; PRADO, 2019; RIBEIRO, 2009).
A representação institucional, em reuniões de organizações e redes
internacionais, tem um papel importante na paradiplomacia, pois permi-
te a divulgação e a advocacy pelos interesses da cidade. Existe, ainda, o
esforço de atrair e hospedar missões ociais, como forma de fortalecer os
laços entre os entes federados.
As cooperações descentralizadas internacionais têm contribuído
para o desenvolvimento da paradiplomacia brasileira (SALOMÓN, 2012b;
PRADO, 2019), e exercem grande inuência na maneira dos governos
municipais organizarem suas estratégias e estruturas paradiplomáticas.
Dentre as redes, destacam-se a AICE, o Centro Internacional para o De-
senvolvimento Estratégico Urbano, Cidades e Governos Locais Unidos, o
Conselho Internacional para as Iniciativas Locais Ambientais (ICLEI) e a
Rede Mercocidades. As redes de cidades são organizadas de forma hori-
zontal e em torno de um interesse comum.
Por m, não existe um padrão homogêneo de paradiplomacia, mas
sim uma pluralidade de modelos, os quais abrangem uma gama diversa
de ações, características e fatores que podem ser analisados sob vários
prismas e circunstâncias (ARAÚJO, 2012).
Vigevani (2006a) aponta, como um dos principais problemas da para-
diplomacia, a dimica do stop and go, ou seja, ocorrem por vezes desconti-
nuidades de ações, seja pela alteração da elite governante e as consequentes
alterações das prioridades e forma de conduzir a agenda política, seja pela dis-
persão das atividades no cotidiano governamental (JUNQUEIRA, 2015, p. 79).
Do mesmo modo, a falta de uma estrutura permanente, composta por fun-
cionários de carreira, afeta a inserção internacional dos municípios; anal, a
despeito do desenvolvimento institucional e das inovações no campo da ges-
tão da paradiplomacia regional, “capacity-building and institutional-building
at local level play a key role in the process” (MILANI; RIBEIRO, 2011, p. 34).
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Paradiplomacia da Cidade de Dourados - MS: Um Estudo sobre os Desaos da Internacionalização dos Municípios de Médio Porte na Faixa de Fronteira
Ao realizar o estudo de caso da cidade de São Paulo, Vigevani e
Prado (2010, p. 47) corroboram a hipótese aqui apresentada de que a ação
paradiplomática municipal depende da imporncia dada por cada gover-
nante à agenda internacional:
Esta característica relaciona-se a três elementos principais: a) a dinâmica stop and
go; b) as diculdades de institucionalização da atividade internacional dos entes
federativos no Brasil e c) a inuência partidária na determinação das ações inter-
nacionais, ainda que esta não seja unidirecionada.
Leonardo Mèrcher e Alexsandro Pereira (2018), ao analisar caso da
Cidade do Rio de Janeiro, propõe um modelo de análise da paradiploma-
cia brasileira, a partir das seguintes dimensões: gestão política, mercado,
institucional, internacional. No entanto, inexistem outros estudos, com
modelo citado.
O processo de internacionalização da Prefeitura de Dourados-MS:
atores, estrutura e agenda
A cidade de Dourados tem uma população de aproximadamente
222 mil pessoas e está localizada no cone sul do estado do Mato Grosso do
Sul, próxima à fronteira com o Paraguai. É considerada uma cidade mé-
dia, sendo a segunda maior do estado e polo regional de servos, como
educação superior e saúde. O agronegócio, em especial o cultivo de soja
e milho, é a força motriz preponderante da economia regional. Por suas
características, Dourados possui elementos para a estruturação de uma
estratégia paradiplomática, “sobretudo no ambiente fronteiriço brasileiro
e do Mercosul” (PRADO, 2016, p. 70).
No período analisado, a cidade viveu um momento de desconti-
nuidades políticas, com as mudanças na administração municipal e, prin-
cipalmente, com a eclosão da operação Uragano em 2010 e a prisão do
prefeito, do vice-prefeito, de oito vereadores e parte do alto Secretariado
Municipal. Houve também alteração no espectro político da administra-
ção municipal, da centro-esquerda (Partido dos Trabalhadores-PT) para
a centro-direita (Democratas-DEM).
Pode-se dividir a atuação internacional de Dourados em dois pe-
ríodos. O primeiro (2001-2008) corresponde à fase inicial das ações para-
diplomáticas, quando as práticas municipais foram conduzidas de forma
coordenada e paralela à proposta do governo federal, muito próxima ao
modelo apresentado por Soldatos (1990). O alinhamento político partidá-
rio entre prefeito, governador e presidente, todos do Partido dos Traba-
lhadores, reetiu na união dos entes federados em torno de temas de in-
teresse comum, tais como acesso a nanciamentos internacionais, inclu-
são social, integração regional, fortalecimento da economia local, entre
outros. O segundo período (2009-2016) foi marcado por uma retração das
iniciativas de internacionalização e uma ação externa reativa, provocada
por atores (como municípios) de outros países.
O segundo período da atuação internacional douradense se inicia
com a eleição de Ari Artuzi, do PDT, para a prefeitura municipal, o que
causou uma ruptura no processo de alinhamento entre as três hierar-
quias de governo: federal, regional e local (2001-2008). Outrossim, os fun-
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cionários comissionados foram exonerados, e a ausência de uma estrutu-
ra e mesmo da participação ativa de servidores de carreira fez com que as
iniciativas fossem relegadas a um segundo plano.
Na sequência de fatos, entre os anos de 2009 e 2010, houve duas
operações deagradas pela Polícia Federal para investigar esquemas de
corrupção e fraudes em licitações, com o envolvimento de empresários,
agentes políticos e funcionários públicos do Executivo e Legislativo muni-
cipal. A operação denominada Uragano, já referida anteriormente, resul-
tou na prisão dos governantes, entre outros, e culminou na renúncia do
prefeito Artuzzi e do seu vice-prefeito (TCU, 2018), e houve intervenção
direta do Poder Judiciário na gestão municipal, nomeando o juiz Eduardo
Machado Rocha como prefeito interino, em setembro de 2010 (DOURA-
DOS, 2010). A consequente incerteza político-orçamentária fez com que
praticamente todas as políticas públicas de médio e longo prazo fossem
paralisadas, quando não abandonadas.
Entre 2011 e 2016, após a renúncia de Artuzzi, Murilo Zauith assu-
miu a prefeitura de Dourados. No entanto, o novo prefeito não priorizou
a paradiplomacia como uma das variáveis para enfrentar a difícil situa-
ção orçamentária após a gestão Artuzi e a crise econômica brasileira, e
tampouco foi criada uma estrutura institucional para cuidar dos assuntos
internacionais. Assim, a inserção internacional se deu de forma reativa e
não propositiva (GHADIE, 2019).
Claramente, o partido dos governantes exerceu inuência nas es-
tratégias paradiplomáticas da cidade, provocando a descontinuidade das
políticas municipais da área além de modicar objetivos e eixos de atua-
ção (PRADO, 2013).
Voltando à primeira fase de internacionalização (2001-2008), a Prefei-
tura de Dourados procurou captar recursos por meio de organismos multila-
terais, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), e ampliou
a representação ocial com visitas a parceiros externos, recepção de missões
estrangeiras e a assinatura de acordos de “irmanamento” e cooperação téc-
nica com cidades de perl econômico-social similar. além disso, a cidade
participou em programas de redes e associações internacionais, como Cida-
des Educadoras e Mercocidades, conforme pode se observar no Quadro 01.
Quadro 01 – Ações pontuais desenvolvidas no primeiro período (2001-2008).
Atividades Ações Ganhos pontuais
Captação de recursos junto a Organis-
mos Internacionais (BID)
Programa Habitar Brasil BID - Contribuir para elevar os padrões de habitabi-
lidade das famílias, em especial daquelas com
renda mensal de até três salários mínimos.
Participação em Associações de
cidades
Projeto Cidade Educadora Melhorar a qualidade de vida de seus habi-
tantes.
Participação em Redes transnacionais
de cidades
Mercocidades Canal de influência e participação relevante.
Prêmios Boa Prática Destaque em educação;
Destaque em gestão pública municipal.
Marketing internacional
Acordo de Cooperação Técnica Interna-
cional com outro país (Portugal)
Participação do prefeito Laerte Tetila
em treinamento de gestão pública de
estágio em gestão pública.
Melhoria da gestão pública que impacta
diretamente na administração da cidade e
visibilidade política.
Fonte: Elaborado pelos autores.
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Tomaz Espósito Neto, Aida Mohamed Ghadie
Paradiplomacia da Cidade de Dourados - MS: Um Estudo sobre os Desaos da Internacionalização dos Municípios de Médio Porte na Faixa de Fronteira
Ou seja, a agenda internacional municipal foi, em grande medida,
pautada pelo programa federal. Pode-se explicar o “envolvimento dos
prefeitos petistas no movimento internacional das cidades, por um lado,
pela preponderância dos líderes de esquerda nesse movimento e, por con-
seguinte, pela sintonia política entre este e o PT” (SALOMÓN, 2012, p.
279). Existiu, portanto, pouco espaço para iniciativas fora da pauta ocial
(GHADIE, 2019).
No tocante a captação de recursos destaque para o Programa Ha-
bitar Brasil BID-HBB, criado a partir do contrato de repasse de recursos
nanceiros celebrado entre a União Federal, por intermédio do Minis-
tério das Cidades, e o município de Dourados. Com interveniência do
Estado do Mato Grosso do Sul, objeto do Convênio 007/2002, celebrado
por intermédio da Secretaria de Estado de Infra-estrutura e Habitação e
o município de Dourados, assinado e raticado na data de 29 de maio de
2002, entre outros (AGEHAB, 2019).
O Projeto HBB trouxe alguns benefícios para o município, tais
como a revisão da Política Habitacional de Interesse Social (PHIS), cria-
ção de um Banco de Dados em sistema digital, além da concretização
da remoção de famílias em situação de vulnerabilidade social, que resi-
diam em assentamentos caracterizados como subnormais, proporcionan-
do-lhes moradia e melhores condições de vida, entre outros (AGEHAB,
2019).
No âmbito das Cidades Educadoras, em 2005, o Prefeito José Laerte
Tetila deu início ao projeto para a liação da cidade na Associação In-
ternacional das Cidades Educadoras (AICE)10. O objetivo era reunir os
melhores projetos para melhorar a qualidade de vida, para que, a partir
daí, fossem divulgados e servissem de incentivo para, posteriormente,
formarem um círculo virtuoso para a reprodução de novas ideias.
A coordenação política cou a cargo de um comitê gestor do proje-
to Cidade Educadora, capitaneado pelo assessor especial do governo por
Wilson Valentim Biasotto. Além de um comitê central, foram estabele-
cidos vários comitês locais ou setoriais para tratar de temas como saúde,
educação, cultura, esporte, tnsito e meio ambiente.
Conforme o coordenador do projeto, William Biasotto (2012, p.1),
a ideia inicial era transformar a cidade em uma grande escola. Assim,
todos os seus habitantes seriam, simultaneamente, educandos e educado-
res, a m de fortalecer a compreensão da sua relação e responsabilidade
individual com o espaço público. Segundo Biasotto (2012, p. 2), de 2005 a
2008 foram iniciados vários projetos, como seminários e ocinas, sob o
lema “Dourados: Cidade Educadora” para se discutir problemas como a
educação para o trânsito e a conservação do meio ambiente, entre outros.
O esforço reuniu até 89 representantes de órgãos públicos e entidades da
sociedade civil douradense11, e mais de 100 projetos desenvolvidos, alguns
dos quais foram inclusive apresentados em congressos internacionais e
protocolados no site ocial da AICE, o que trouxe certo prestígio para a
cidade de Dourados (BIASOTTO 2012).
Segundo Ghadie (2019, p.104). dentre as ações empreendidas, desta-
cam-se: a) o 1° Congresso Dourados Cidade Educadora (11 a 15 de junho
de 2007), “Desenvolvimento Regional Sustentável: a economia focada em
10. Segundo Ghadie (2019, p. 105),
o conceito de Cidades Educadoras
foi criado na cidade de Barcelona na
Espanha, a partir de 1990, quando re-
presentantes de governantes da região
estabeleceram o objetivo comum de
trabalhar em projetos e atividades para
melhorar a qualidade de vida de seus
habitantes. Quatro anos mais tarde,
durante a realização do III Congresso em
Bolonha, foi formalizada a Associação
Internacional das Cidades Educadoras
(AICE), que mantém a sede até hoje
em Barcelona. Constituída como uma
estrutura permanente para a colabora-
ção entre os governos locais que têm
como compromisso a Carta de Princípios
das Cidades Educadoras, até o ano de
2016 já possuía 488 cidades membros,
localizadas em 36 países de diferentes
continentes.
11. Uma das reuniões realizadas pelo
Comitê Central no ano de 2006 contou
com a presença dos membros de
órgãos públicos e representantes de
83 entidades da sociedade civil, entre
os quais estão: Centro de Formação de
Condutores, Embrapa, Fundação Tercei-
ro Milênio, Departamento de Trânsito
do Mato Grosso do Sul (DETRAN), 2º.
Grupamento de Bombeiros de Dourados,
Sindicato dos Moto-taxistas, Exército
Brasileiro, Coordenadoria Municipal da
Defesa Civil, e outros.
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direitos humanos e cidadania, que discutiu o papel das Universidades na
construção da Cidade Educadora, rearmando o propósito da adesão de
Dourados junto à Associação Internacional das Cidades Educadoras; b)
aquelas relacionadas à comunidade indígena, seja na educação ambiental,
seja na luta contra o preconceito presente na região; e, entre estas, o pro-
jeto Cultivando o Verde, realizado nas escolas da rede municipal da aldeia
indígena Bororó (BIASOTTO, 2012).
Por conseguinte, teve início o processo para participação de Doura-
dos na rede Mercocidades, que partiu de um convite do governo federal
para fortalecer a rede (TETILA, 2016), em consonância com os esforços
da diplomacia do governo Lula para aumentar a integração regional mul-
tidimensional e pós-liberal (RIBEIRO, 2009; RÍOS, VEIGA, 2007).
Fundada em 1995, a partir de uma visão política, fundamentada na
proposta de criação de uma associação de cidades do processo integracio-
nal do Mercosul, a Mercocidades é uma rede de cooperação horizontal
que proporciona a inclusão dos municípios no processo de integração,
A rede é formada atualmente por 349 cidades membros de dez países do
continente sul-americano: Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai, Vene-
zuela, Chile, Bolívia, Equador, Peru e Colômbia. Dessas, mais de 100 ci-
dades são brasileiras e que, unidas, formam um universo de mais de doze
milhões de habitantes, empenhados em encontrar soluções para proble-
mas mais locais (ARAÚJO, 2012).
Apesar de existir a preocupação também com o âmbito econômi-
co, o principal intuito da Rede é a integração cultural e social, de modo
que o foco se dá na troca de informações e experiências entre as cida-
des membro, bem como no desenvolvimento, em parceria, de projetos
para a melhoria das cidades, preservação do meio ambiente, estímulo à
participação da população na política, na economia e no convívio social,
visando à constituição de cidades integradas, inclusivas e participativas
(MERCOCIUDADES, [s. d.]). A imporncia da participação de entidades
subnacionais na integração regional decorre do fato de que estas encon-
tram-se mais próximas à realidade local, ou seja, conhecem as demandas
da população melhor do que os próprios governantes nacionais, estando
mais aptas a atendê-las.
Nesse viés, a inserção internacional das cidades tem papel relevante
no estímulo à integração regional, que por sua vez tem como objetivo
fortalecer os Estados por meio da cooperação econômica, política, social
e cultural. Isso se dá por meio da articulação da Rede no sentido de pro-
mover o desenvolvimento e a melhoria da qualidade de vida das suas po-
pulações – como no caso do Mercosul – para assim inserir-se nos debates
e tomadas de decisões que ocorram no interior do bloco, o que possibilita
um canal de ação e inuência relevante para os governos locais. Dessa
maneira, o que por um lado permite à Rede estabelecer um “dlogo com
o Mercosul, enviando-lhe recomendações” (GOMES, 2016, p. 242), por
outro lado a legitima como ator no processo integracional, coadunando
para que os governos municipais tornem-se protagonistas deste processo,
adquirindo voz e espaço de atuação (GOMES, 2016).
Mesmo não atuando diretamente na estrutura institucional do blo-
co, a Rede visa cumprir sua função de articulação, organização e desen-
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Paradiplomacia da Cidade de Dourados - MS: Um Estudo sobre os Desaos da Internacionalização dos Municípios de Médio Porte na Faixa de Fronteira
volvimento da cooperação entre as cidades da região em torno de progra-
mas e projetos de interesse comum. Para tanto, conta com a coordenação
de uma das cidades associadas e a subcoordenação de outras, que devem
organizar e realizar reuniões periódicas e atividades pertinentes às suas
temáticas.
Para que um município se torne associado é necessário que os che-
fes de governo das cidades membros aprovem a entrada do novo parcei-
ro, que deve emitir uma carta assinada pelo prefeito à Secretaria Execu-
tiva da Rede, sediada em Montevidéu, além de atender e se enquadrar às
normas e exigências do Estatuto das Mercocidades (GHADIE, 2019, p.55)
Esse foi o procedimento seguido pelos agentes públicos municipais
de Dourados, a partir do convite para se associar à Rede Mercocidades,
contemplando assim uma das ações internacionais da entidade subnacio-
nal identicada durante a pesquisa.
Um dos aspectos positivos que se vislumbra para uma cidade as-
sociada é a possibilidade de participar de seleções de nanciamento de
projetos, que são realizados com fundos próprios da Mercocidades, com
apoio econômico e técnico do Banco Interamericano de Desenvolvimen-
to (BID) e da AUCI. Como exemplo cita-se o Programa de Cooperação
Sul-Sul, que em 2018 selecionou quatro projetos de iniciativas coordena-
das pelas cidades de Santa Fé, San Justo, Rosário e Montevidéu, em pa-
receria com Córdoba, Concepción, Peñanolén e Santiago de Chile, com
recurso de até U$ 7.000 (dólares americanos) para sua realização (GHA-
DIE, 2019, p.56)
Como se evidencia nesta abordagem, diversas são as oportunida-
des e motivações para que uma entidade subnacional fronteiriça, portal
do Mercosul como no caso de Dourados, adote uma perspectiva que se
contrapõe à cssica exclusividade do Estado central no domínio pleno
da política internacional, abrindo caminho na seara crescente de atuação
internacional dos governos subnacionais. Em algumas situações, inclusi-
ve, essa iniciativa pode seguir o incentivo do governo central e regional,
como foi o caso da inserção de Dourados na Rede Mercocidades (TETI-
LA, 2016).
A partir dessa premissa, em 2007, o prefeito Laerte Tetila solicitou
ao assessor Wilson Biasotto, total empenho para a liação da cidade tam-
bém junto à Rede, e no ano seguinte Dourados foi aceita como cidade-
-associada. Dentre as vantagens obtidas, pode-se sublinhar sua participa-
ção em unidades temáticas e atividades de interesse do município, como
cooperação internacional descentralizada (ARAÚJO, 2012). No entanto,
o ex-prefeito, em entrevista a um dos autores, mencionou como exemplo
o êxito de uma empresa do ramo de confecções que, a partir de partici-
pação ativa na rede, deixou de ser “fundo de quintal” de venda de porta
em porta para se tornar uma empresa exportadora (TETILA, 2016). Isso
demonstra o desconhecimento dos stakeholders sobre a importância da
rede Mercocidades.
A cidade continua como membro associado, embora sua atuação
permaneça inativa (MERCOCIUDADES, [s. d.]), e sua desvinculação se-
quer foi efetuada. A tesouraria do Município não soube informar a situa-
ção real de inadimplência frente à Rede (SEMFI, 2018). Assim como no
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caso “Cidade Educadora, aqui também a mudança de gestão municipal
afetou o andamento das ações internacionais junto à Mercocidades.
Apesar de breve, a experiência douradense com as atividades pa-
radiplomáticas rendeu reconhecimento internacional de boas práticas;
inclusive, a Prefeitura de Dourados recebeu o título de destaque em edu-
cação, concedido pela Lebrum Cultural de Portugal, em 2005 (TETILA,
2016). Nesse mesmo ano, a cidade recebeu também o título de destaque
em gestão pública municipal pelo Instituto Ambiental Biosfera de Portu-
gal e pelo Instituto Brasileiro de Estudos Especializados, de repercussão
nacional e internacional, conforme publicado no Diário Ocial do Mu-
nicípio na data de 30 de junho de 2008. Por m, o Prefeito Laerte Tetila
realizou estágio de dez dias em gestão pública na cidade de Coimbra, a
convite da municipalidade portuguesa (TETILA, 2016).
Entre 2009 e 2016 ocorre a segunda fase da internacionalização, que
se caracteriza por ações mais reativas, isto é, o poder público munici-
pal passa a responder a demandas externas. Destaca-se o recebimento de
visitas ociais estrangeiras, como a vinda em 2012 do vice-ministro de
Indústria e Comércio do Paraguai, Sr. Oscar Stark Robledo, na “Missão
Técnico-Empresarial do Paraguai a Dourados”, para tratar de experiên-
cias de industrialização e cooperação técnica.
Com a mudança de gestão, o município não deu continuidade ao
processo. O projeto Cidade Educadora sofreu uma retração até nalmen-
te ser interrompido. Em 2011, o prefeito Murilo Zauith (que assumiu após
a renúncia de Artuzi) nomeou a vice-prefeita Dinaci Vieira Marques Ran-
zi para a Coordenadoria do Programa Cidade Educadora, com a missão
de buscar recompor as comissões e reestabelecer o elo com a sede da rede
em Barcelona. No entanto, não se registrou nenhum avanço no programa
para além da recomposição do Comitê Local Central e do Comitê Temá-
tico de Tnsito.
Em 2014, Murilo Zauith recebeu uma comitiva presidida pelo go-
vernador da cidade japonesa de Wakayama com a nalidade de estreitar
e fortalecer os laços entre os dois países. No mesmo ano foi rmado o
acordo entre as cidades de Kearney e Dourados, com apoio da Universi-
dade Federal da Grande Dourados (UFGD) e da Universidade Estadual do
Mato Grosso do Sul (UEMS). Assinado pelas autoridades, o pacto versa
sobre o estabelecimento de uma Relação Internacional para Amizade e
Cooperação, que tem por objetivo ampliar as relações bilaterais.
Conforme os aspectos legais estabelecidos na Constituição de 1988,
os acordos de irmanamento não têm valor de lei; todavia, representam o
interesse das cidades irmãs em desenvolver ações conjuntas no cenário
internacional (CNM, 2009). Por valorizar o potencial dessa parceria, esse
instrumento jurídico pode se tornar um o indutor para o desenvolvi-
mento local (JAKOBSEN, 2009, p. 25-6). A articulação e a participação
conjunta dos entes federativos (União, Estado e Municípios) são de suma
importância para dinamizar a paradiplomacia e a cooperação descentrali-
zada. Uma “cidade com vocações para tal” não deve ser “isolada, é preciso
contar com a visão estratégica de outras esferas de governo, que perce-
bam nesta vocação uma possibilidade de ampliar suas vantagens compe-
titivas” (YAHN FILHO, 2013, p. 70).
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No caso de Dourados, no entanto, os acordos de irmanamento12
não são aproveitados e permanecem sem ações efetivas. Não há plano
ou estratégia paradiplomática; tampouco existe articulação sólida com
as outras esferas da administração pública. Há, desse modo, uma situa-
ção pendular e de descontinuidade da atuação internacional por causa da
mudança de gestão política, isto é, com uma “carência de alinhamento
político entre os diversos órgãos e insncias” (RIBEIRO, 2009, p. 129).
Do mesmo modo, os órgãos da sociedade civil, como a Associação
Comercial e Empresarial de Dourados (ACED), se afastaram do poder
municipal em função dos escândalos de corrupção generalizada e dos ser-
viços precários prestados pelas instituições públicas municipais. Assim,
se reforça o “dilema do governante, em conciliar objetivos individuais
de sobrevivência político-eleitoral com os interesses coletivos”, que se faz
presente na tomada de decisão de qualquer política pública, seja ela do-
méstica ou externa (LIMA, 2000, p. 278-279).
A fragilidade da inserção internacional da Prefeitura de Dourados
pode ser percebida pela inexistência de uma estratégia, ou mesmo de um
plano institucional, de paradiplomacia, com engajamento de outros ato-
res, com estrutura, meta e ações. Não enseja, portanto, qualquer compro-
misso ou obrigatoriedade do governante sucessor em prosseguir com a
ação internacionalizada preconizada pelo seu antecessor (MORAIS, 2011).
O processo de internacionalização de Dourados teve uma forma
passiva, atrelado aos objetivos do governo federal, principalmente aos in-
teresses do Partido dos Trabalhadores (PT), caracterizado pelo “caráter
subalterno, imposto e frágil” (RIBEIRO, 2009, p. 48).
Verica-se a existência da dimica stop and go, isto é, alterncia de
períodos de progresso e outros de paralização ou retração, na paradiplo-
macia douradense (VIGEVANI et al, 2004; SALÓMON, 2012a, p. 280). Essa
descontinuidade é patente na paralização e ruptura das interlocuções com
as redes Mercocidades e Cidade Educadora, após a mudança de gestão.
A internacionalização foi relegada a um segundo plano da gestão
municipal, tornando-se uma simples prática esporádica e pontual, em lu-
gar de ser tratada como uma política pública que abre novos horizontes
para os atores subnacionais. Isso denota a baixa compreensão dos benefí-
cios e vantagens da paradiplomacia.
Considerações finais
No nal do século XX assistiu-se ao crescimento da paradiploma-
cia e da cooperação descentralizada de entes subnacionais brasileiros, a
partir dos processos de globalização, da emergência do regionalismo, do
m da bipolaridade e da redemocratização dos países da América Latina.
Os estudiosos desse fenômeno começaram a analisar as iniciativas
de internacionalização nas grandes metrópoles brasileiras, como Porto
Alegre e Rio de Janeiro. Posteriormente, as investigações se centraram
nas cidades médias e de regiões metropolitanas, como Santo André e
Uberlândia, e, mais recentemente, os municípios situados na faixa de
fronteira passaram a ser objeto de pesquisas, como Ponta Porã e Doura-
dos (PRADO, 2019; GHADIE, 2019).
12. Acordos de irmanamento são inicia-
tivas paradiplomáticas entre entidades
subnacionais com vistas a incentivar a
aproximação e a cooperação técnica nas
mais diversas esferas. Normalmente, é
um estágio prévio à realização de proje-
tos de interesses comuns e cooperação
descentralizada (GHADIE, 2019, p. 85).
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estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 10, n. 2, (jun. 2022), p. 78-95
São instrumentos paradiplomáticos para a inserção no cenário glo-
bal, entre outros: a participação em redes internacionais, associações de
cidades e governos locais; o desenvolvimento de programas de coopera-
ção técnica descentralizada entre localidades; acordos de irmanamento
entre cidades com o mesmo perl; o intercâmbio de informações e de
melhores práticas; a promoção de missões comerciais (SALOMÓN, 2012).
Outrossim, a literatura especializada apresenta uma série de ações
no mesmo sentido: alinhamento com as diretrizes internacionais do
governo federal; constituição de estruturas e alocação de servidores do
quadro permanente; envolvimento da sociedade civil organizada com o
projeto.
O presente estudo abordou a evolução da paradiplomacia do muni-
cípio de Dourados entre 2001 e 2016, constatando dois grandes períodos
de sua inserção internacional: o primeiro, de 2001 a 2008, marca o início
e o ápice da inserção paradiplomática douradense, com participação ativa
em redes internacionais e a tentativa do envolvimento das organizações
da sociedade civil; o segundo, de 2009 a 2016, caracteriza-se pelo declínio
e pela perda de empuxo das inciativas de inserção internacional muni-
cipal. Por conseguinte, a cidade, a despeito de se encontrar na faixa de
fronteira e de ser um dos epicentros da integração regional, tornou-se
cada vez mais reativa.
Foram identicadas algumas variáveis que contribuíram para a
descontinuidade do processo de internacionalização douradense, como:
a alteração da liação política partidária dos mandatários municipais,
agravada pela crise político-econômica após a deagração da operação
Uragano pela Política Federal, que revelou um complexo esquema de cor-
rupção; a ausência de uma estrutura especíca de quadros permanentes;
e o afastamento paulatino da sociedade em relação à política municipal.
Conclui-se que a cidade de Dourados passou por um processo de
internacionalizão stop and go. A primeira fase foi impulsionada pelo ali-
nhamento político-partidário entre as diversas esferas federativas (Mu-
nicípio, Estado e União), como se pode perceber pelo convite formulado
pelo governo federal para que a cidade se associasse à rede Mercocidades.
A mudança do perl político da elite governante municipal, no entanto,
fez com que a agenda paradiplomática fosse colocada em segundo plano.
O ápice da crise política foi a Operação Uragano, com a divulgação do
esquema de corrupção generalizada e a consequente prisão da alta cúpula
da administração do Poder Executivo e Legislativo douradenses e seus
desdobramentos, como a grave crise político-econômica municipal que
se arrasta até os dias atuais.
Outra constatação foi de que não houve uma estrutura burocráti-
ca institucionalizada, ou mesmo uma equipe de funcionários do quadro
permanente responsável pela gestão das atividades paradiplomáticas, e
tampouco vericou-se um plano de médio prazo e um orçamento perene
para as ações de internacionalização. Consequentemente, a troca de ges-
tão acarretou a perda de todo conhecimento e contatos acumulados ao
longo da administração Tetila.
Isso dicultou sobremaneira o trabalho de pesquisa, já que os do-
cumentos e dados referentes às iniciativas da paradiplomacia em Doura-
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Paradiplomacia da Cidade de Dourados - MS: Um Estudo sobre os Desaos da Internacionalização dos Municípios de Médio Porte na Faixa de Fronteira
dos, quando os há, se encontram dispersos e difusos em diferentes órgãos
governamentais do Município. Isto denota o descaso ou falta de conhe-
cimento sobre a atuação internacional por parte dos gestores públicos.
Anal, há que se frisar que os interesses comuns dos cidadãos podem
ser fortalecidos por intermédio das relações internacionais municipais, a
partir de dois princípios: “complementação à política externa do governo
central e diplomacia pública” (JAKOBSEN, 2009, p. 26).
Por m, houve um desapontamento geral em relação ao processo
de internacionalização que motivou o afastamento da sociedade civil or-
ganizada, seja pela falta de retorno de toda energia e tempo investidos,
seja pelo abandono e falta de continuidade das ações devido à mudança
de gestão, seja pelos grandes casos de corrupção, ou, ainda, pela crença
por parte do empresariado do agronegócio de que a internacionalização
ocorreria somada a forças do mercado.
Foram apresentadas aqui as diculdades e as variáveis que redun-
daram na descontinuidade do processo de internacionalização de Dou-
rados, mas, a despeito disso, os autores acreditam que existe um enorme
potencial para a paradiplomacia municipal. Diversos elementos, como
recursos humanos, naturais e econômicos estão presentes. No entanto,
é preciso que a Prefeitura, por meio de um dlogo franco e permanente,
consiga engajar as forças políticas e organizações públicas, como as uni-
versidades e instituições privadas locais, e associações de classe, tais como
a Associação Comercial e Empresarial de Dourados (ACED), em torno
de um projeto. Ademais, deve-se constituir um órgão na estrutura muni-
cipal capaz de garantir recursos humanos e nanceiros para esse plano.
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