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Elias Jabbour, Alexis Dantas, Javier Vadell Da nova economia do projetamento à globalização instuída pela China
nosso propósito, a retomada do conceito de formação econômico-social
tem sido fundamental. Neste sentido a contribuição de Sereni (1971 [2013])
deve ser assinalada por trazer à tona uma totalidade histórica muito cara
a marxistas como Lênin, Mao Zedong, Milton Santos, Althusser e Ignacio
Rangel. Concordamos com Silva (2009, p. 1), para quem a categoria de
formação econômico-social teve em Emilio Sereni “a sua mais acabada e
rica compreensão”, citando a seguinte passagem: (...) a noção (...) se coloca
inequivocamente no plano da história, que é (...) o da totalidade e unidade
de todas as esferas (estruturais, supra estruturais e outras) da vida social
na continuidade e ao mesmo tempo na descontinuidade do seu desenvol-
vimento histórico (SERENI, 2013 p. 316).
A retomada do conceito de formação econômico-social é apenas
a ponta do iceberg que nos permitiu observar a totalidade e suas partes,
percebendo a unidade de contrários que marca o surgimento e o desen-
volvimento histórico de uma formação econômico-social, assim como as
tendências em desenvolvimento em seu modo de produção dominante,
que também é o mais avançado. Desta maneira, abre-se a possibilidade
de outra disruptura intelectual com a percepção de novas regularidades
internas ao núcleo produtivo e de planejamento da China, as GCEE.
Essas novas regularidades às quais nos referimos estão diretamente
relacionadas às políticas industriais mais proativas em matéria de inovação
tecnológica que tem tomado lugar na RPC desde o lançamento do 10º
Plano Quinquenal6. Ao lado disso, a formação da SASAC em 2003 foi fun-
damental na consolidação do processo de corporatização das antigas em-
presas estatais e sua transformação em GCEE altamente ecientes e ino-
vadoras7. Elas estão diretamente relacionadas com pelo menos três fatores:
1) o surgimento de novas e superiores formas de planicação econômica:
que é causa e consequência do progresso técnico percebido nas GCEE e da
incorporação à economia real de todas as possibilidades abertas, à elevação
da capacidade de planicação, pela plataforma 5G, a Inteligência Articial
e o Big Data; 2) a China completou a construção de um poderoso setor
produtivo, amplamente baseado na geração de valor, criando condições de
gerar o que Marx chamou de setor improdutivo da economia8 e; 3) pres-
sões sociais e a emergência de uma combativa classe trabalhadora urbana
levou o governo chinês a ser mais responsivo em relação às demandas
populares e as imensas contradições sociais e ambientais acumuladas ao
longo das reformas econômicas9. Nesse rumo a China parece estar transi-
tando de uma economia voltada à construção de valores de troca a outra
baseada nos chamados valores de uso sob forma de imensos bens públicos.
O aparecimento de um imenso setor produtivo na economia chi-
nesa ladeado por uma série de instrumentos políticos, nanceiros e ins-
titucionais têm possibilitado mais um salto qualitativo dessa dinâmica
sociedade. Por um lado a predominância do planejamento estatal sobre
os gânglios vitais da grande produção e da grande nança ao lado de
uma soberania monetária particular permite ao Estado gerir um proces-
so que entrelaça tanto uma maior restrição à ação da lei do valor quanto a
transição de uma planicação orientada à geração de valor e ao mercado
para o que chamamos de planejamento baseado no projeto (GABRIELE
E JABBOUR, no prelo).
6. Sobre isso ler Lo e Wu (2014).
7. A última lista Forbes das 500 maiores
companhias do mundo aponta para
uma, ainda lenta, transição de poder
sistêmico no mundo: pela primeira vez
na história desde seu lançamento em
1990 a referida lista não tem mais os
Estados Unidos como o país com o
maior número de empresas na lista; foi
ultrapassado pela China que conta com
129 companhias na lista (sendo delas
seis de Taiwan) contra 121 dos Estados
Unidos
8. Marx, como Smith, separava todas as
atividades econômicas entre produtivas
e improdutivas. As atividades produtivas
estão relacionadas aos setores de bens
e equipamentos geradores de valor, en-
quanto as atividades improdutivas estão
relacionadas à manutenção da ordem
social. A nosso ver o desenvolvimento
recente do capitalismo deve nos obrigar
a rever estes dois conceitos. Por outro
lado, a fim de compreender o socialismo
em nosso tempo, estendemos ao setor
improdutivo aquele apontado por Marx
em “A Crítica ao Programa de Gotha”
(1891) como parte dos chamados “fun-
dos de consumo”, para onde deveriam
ser dirigidos crescentes excedentes
do setor produtivo da economia. Tais
fundos de consumo teriam expressão
no desenvolvimento dos setores como
de educação, saúde, cultura, esporte,
recreação etc.
9. Yu (2015) discorre sobre a formação e
desenvolvimento de um amplo sistema
de saúde pública na China. O Global
Wage Report 2018 da Organização
Internacional do Trabalho atesta a
duplicação dos salários médios na China
entre 2008 e 2017.