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estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 11, n. 3, (out. 2023), p. 126-130
unidimensional1 em que os atores se posicionam em diferentes pontos
e buscam atrair os outros para o mais próximo possível de seu ponto
ideal. O posicionamento dos Estados é estimado a partir das votações na
Assembleia Geral da ONU desde a sua criação até 2016. Portanto, o autor
não está interessado em denir o conteúdo das ideologias, apenas em po-
sicionar os estados num espaço ideológico.2 O autor escolhe os votos na
AGU porque o caráter não vinculativo das decisões da Assembleia permi-
te com que observemos o posicionamento dos Estados de um modo mais
sincero do ponto de vista ideológico.3
O quarto capítulo retoma as abordagens na literatura focadas na
interdependência, e busca demonstrar a relação entre interdependência
e ideologia na constituição de organizações internacionais. Para o autor,
devemos levar em consideração que a interdependência afeta a determi-
nação dos pontos ideais dos atores no espaço ideológico, uma vez que esse
posicionamento é sempre interrelacional. Quando os Estados têm alta in-
terdependência, essa condição geralmente implica em instituições menos
intrusivas e mais técnicas, por outro lado, a criação de instituições entre
um conjunto de Estados afeta a utilidade (ganhos ou perdas) de outros
Estados, que podem, por sua vez, se afastar dessas instituições por não
se sentirem representados nas mesmas. Nesse sentido, a criação de uma
ordem institucionalizada pode ser considerada como uma nova fonte de
conito, não só material, mas também ideológico.
O quinto capítulo é dedicado justamente a entender como as ins-
tituições podem gerar novos conitos, e como a ideologia adentra nesse
problema. Nesse momento, o autor aponta para um ponto importante, a
relação entre conança nos experts e conito ideológico. De modo geral,
a literatura aborda as instituições internacionais como fontes de informa-
ção (cientíca, técnica e legal), e que seu papel em produzir e transmitir
informação legitima parte de sua autoridade. No entanto, essa perspecti-
va pode estar defasada. Muito da informação que as organizações inter-
nacionais produzem e disseminam não necessariamente estariam fora de
alcance de muitos Estados; por outro lado, é a apresentação e interpreta-
ção da informação o principal papel de muitas organizações internacio-
nais, e, nesse aspecto, a ideologia está presente.
Nesse sentido, as organizações internacionais podem estimular o
conito ideológico entre aqueles que concordam ou não com a interpre-
tação e propostas dessas mesmas organizações. Uma vez que os Estados
que nanciam e emprestam grande parte de experts para compor o cor-
po burocrático de uma instituição tem interesse em mover o status quo
para seu ponto ideal no espaço ideológico, e que a principal forma como
essas instituições funcionam é coordenando, compartilhando, e, princi-
palmente, promovendo uma determinada interpretação da informação,
num cenário heterogêneo, até as organizações mais técnicas se tornam
parte da disputa ideológica.
Nesse ponto, o autor nos apresenta um problema cada vez mais
familiar, a crescente desconança em relação à expertise em meio ao con-
ito ideológico. O autor demonstra que esse processo está em curso em
relação às organizações internacionais da mesma forma que no espaço
doméstico, e como as percepções de imparcialidade são vulneráveis
1. Importante lembrar que houve um
período, em meados da Guerra Fria, que
essa disputa foi multidimensional, em
que as disputas dos países do Norte
e Sul se interrelacionavam com as
disputas Leste-Oeste, mas, de modo
geral, é possível pensar a disputa
ideológica como unidimensional. Essa
forma de estimar os pontos ideais se
assemelha ao modo como analistas de
política doméstica se utilizam dos votos
congressuais para estimar o posicio-
namento dos incumbentes em diversas
votações o que ajuda a observar o
processo de polarização política.
2. A abordagem é semelhante ao índice
NOMINATE conforme foi desenvolvido
por Poole e Rosenthau, (1984).
3. Por exemplo, apesar de a Arábia
Saudita ser rival do Irã e grande aliada
dos Estados Unidos, a similaridade dos
votos da Arábia Saudita com o Irã na
AGU historicamente é muito maior do
que em comparação com os Estados
Unidos, (Voeten, p. 30).