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estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 11, n. 1, (fev. 2023), p. 7-24
A busca por unidade sociopolítica – particularmente entre as maio-
res cidades equatorianas: Quito, Guayaquil e Cuenca – se mostrou intrin-
cada e incerta desde o início (Andrien, 1995; Mora, 2002). A animosidade,
especialmente entre as duas primeiras, era antiga. Quito fora o centro
político da audiência12 sob o governo espanhol, enquanto Guayaquil –
por ser uma cidade portuária – cumpria a função de escoar a produção
interna. Cuenca se encontrava distante geogracamente e, desse modo,
exercia funções periféricas nesse contexto. Essas diferenças foram apro-
fundadas no decorrer dos conitos, intensicando as hostilidades entre as
três cidades.
Nas questões produtivas também não foi diferente. Não houve al-
terações substantivas no curto e médio prazo (Deas, 1985; Mora, 2002;
Acosta, 2006). A diversicação de culturas fez com que, no decorrer dos
anos 1800, Guayaquil assumisse participação relevante na economia re-
gional, tanto por suas plantações de cacau quanto pela presença do porto.
Segundo Deas (1985), mesmo no período posterior à emancipação, a ex-
portação de cacau de Guayaquil continuou representando de 50% a 65%
do total de exportações. O incremento demográco foi resultado, assim,
“do crescimento natural mais rápido e da migração advinda da serra”13
(Deas, 1985, p. 513).
Já Quito, possuía um histórico na confecção de têxteis de lã e, em
menor medida, no forjamento de ferrarias e na mineração (Cardoso;
Brignoli, 1983). Ao longo da década de 1810, a serra manteve certo po-
der político e administrativo, mas viu sua representatividade econô-
mica ser suplantada, em especial, por duas razões: o fortalecimento
do mercado exportador de cacau da costa, impactado pelas medidas
liberais do nal do século XVIII; e pelo distanciamento da agora au-
tônoma porção sul da Colômbia, principal parceira dos comerciantes
quiteños (Moreno, 1998). Não obstante a crise econômica local, isso
não signicou que Quito tivesse se tornado inexpressiva do ponto de
vista comercial, senão que voltara seus produtos para o abastecimento
do mercado doméstico.
No que se refere aos movimentos revolucionários hispano-ameri-
canos, foram três os focos iniciais: Caracas, Buenos Aires e Cidade do
México. A primeira, especialmente, se tornou um dos núcleos, visto que
experimentou um crescente apreço por parte da coroa à época colonial,
dados seu clima propício à agricultura e sua posição estratégica privilegia-
da (Morse, 1990). Essa estima se transformou na constituição de Caracas
como um dos centros políticos e burocráticos das colônias hispano-ame-
ricanas. Na segunda metade da década de 1800, todavia, os interesses de
colônias e metrópole chegaram a um impasse denitivo. Para alguns
autores, esse curto espaço temporal foi o mais importante para a Ibero
América desde sua conquista (Stein, S.; Stein, B. 1977).
Para além da ocupação napoleônica à Espanha, o ano de 1808 é
paradigmático também para as economias e trocas comerciais das colô-
nias hispânicas na América. Com o bloqueio naval imposto por Napoleão,
à Inglaterra coube a tarefa de procurar novos mercados fornecedores e
consumidores. As então colônias hispano-americanas foram alguns dos
alvos que, há algum tempo, já comercializavam com os ingleses, mesmo
12. As Reais Audiências foram institui-
ções criadas pelos espanhóis no século
XIV e relacionadas ao cumprimento da
Justiça em seus territórios europeus
e em suas possessões ultramarinas.
Conforme Rodríguez (1998, p. 7) “as
unidades territoriais mais duradouras
foram aquelas áreas administradas
pelas audiências (altas cortes),
frequentemente chamadas de reino.
[...] As outras audiências da América
Espanhola consistiam em Guatemala
(América Central), Santa Fé de Bogotá
(Nova Granada), Caracas (Venezuela),
Quito, Charcas (Alto Peru), Lima (Peru),
Santiago (Chile), Buenos Aires (Rio de
la Plata), e Santo Domingo (o Caribe)”.
No que diz respeito, especificamente, à
Audiência de Quito é interessante notar
que “Foi somente em 1563 que a coroa
estabeleceu uma alta corte (audiên-
cia) na cidade de Quito para chefiar a
recém implantada burocracia imperial”
(ANDRIEN, 1995, p. 15).
13. Traduzido do original: “from faster
natural increase and from migration
from the sierra”.