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estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 10, n. 2, (jun. 2022), p. 118-135
Uma marca da expressão ‘virtù’ e da eciência política é não se-
guir o caminho do meio. Repetidamente em Discursos Maquiavel escre-
ve: “Indubitavelmente o meio termo seria o melhor, se fosse possível a
sua adoção. Como, porém, eu estou convencido que este meio termo é
impraticável...” é melhor não estar comprometido inteiramente com um
príncipe nem fazer guerra abertamente a ele. 90
A Guerra de Suez é um bom exemplo de um meio termo mal esco-
lhido. Um julgamento Maquiavélico deste fato seria que a escolha de um
caminho intermediário era tudo o que estava errado com esta situação.
Existe uma tendência Maquiavélica a favor do extremismo e da cruelda-
de, da ação rme e decisiva, ao passo que a tendência Grociana neste caso
seria a favor da moderação. 91
O segundo princípio de Maquiavel é ‘fortuna’. Existem duas formas
de ascensão para se tornar um príncipe, disse Maquiavel – através da ha-
bilidade ou através de um favor ou sorte (per virtù o per fortuna).92
‘Fortuna’ expressa à ideia que a causalidade na complexidade políti-
ca é tão grande que acaba por ofuscar o cálculo completo, e assim, somen-
te as probabilidades podem ser calculadas. Como Maquiavel registrou
em O Príncipe: “Nunca deixe que qualquer Governo imagine que possa
escolher cursos perfeitamente seguros; preferencialmente deixe que ele
tenha expectativas de ter muitas dúvidas nestes caminhos, porque isto
é provado em assuntos comuns, que nunca se procura evitar problemas
sem correr em direção a outro problema.” 93
E novamente na obra Discursos:
...em todos os assuntos humanos se nota, quando se examina de
perto, que é impossível remover uma inconveniência sem o aparecimen-
to de outra... Por isso em todas as discussões se deve considerar qual al-
ternativa envolve menos inconveniências e se deve adotar esta alternativa
como o melhor caminho, porque nunca se encontra um assunto que é
claro e que não seja passível de questionamentos. 94
No capítulo XXV de O Príncipe Maquiavel registra que às vezes,
tendo em consideração as resoluções políticas de seu tempo, é tentado a
acreditar que os assuntos humanos estão além do controle do homem, e
ainda, tende a acreditar que estas questões são conduzidas somente por
Deus ou por sorte: “Apesar disso, para não extinguir nossa liberdade de
escolha, eu acho que na verdade a fortuna é o arbitro da metade das nos-
sas ações, no entanto, ela ainda nos deixa conduzir a outra metade, ou
talvez, pouco menos que isso.” 95
Isto expressa uma experiência universal da política, embora com
uma curiosa estimativa quantitativa sobre o papel da decisão dentro da
estrutura das necessidades. Fortuna pode ser descrita como um rio inun-
dado, destruindo tudo, no entanto, diques e barreiras podem ser levan-
tados contra ele. Como A. J. Taylor cita o próprio Bismarck na biograa
dele: “O homem não pode criar a corrente de eventos. Ele pode apenas
utuar nela e se conduzir,” e igualmente: “um estadista não pode criar
nada sozinho. Ele deve esperar até escutar os passos de Deus ressonando
através dos eventos, e então saltar e agarrar a ponta do manto dele.” 96
“Eu acredito” disse Maquiavel em O Príncipe “que nós obtemos su-
cesso quando nossos caminhos são adequados ao tempo e às circunstân-
90. The Discourses, livro III, disc. 2, vol.
I, pp. 464-465; veja também livro II, disc.
23, p. 425, e vol. II, p. 129.
91. Nota da edição em inglês: Durante a
Guerra de Suez, [Robert Anthony] Eden
consultou Montgomery, que mais tarde
recontou a ocasião em uma entrevista
de um canal de televisão da seguinte
forma: Montgomery – “Primeiro-Minis-
tro. O que você está tentando fazer?”
Eden – “Derrubar Nasser.” Montgomery
– “Então você precisa ir para o Cairo.
Esqueça o Canal e consiga Cairo!” Isto
é uma ilustração das recomendações
de Maquiavel. Os objetivos de Eden
eram Maquiavélicos, mas seus instintos
era Grocianos, como convinha a um
político liberal do ocidente. Os instintos
de Montgomery eram diretamente
Maquiavélicos.
92. The Prince, cap. VII, Ev. p. 54, Burd
p. 213.
Nota da edição em inglês: Para
Shakespeare, “alguns nascem grandes,
alguns conseguem grandeza, e a alguns
a grandeza lhes é imposta.” (Twelfth
Night, Ato 2, Cena 5).
93. The Prince, cap. XXI, Ev. p. 181, Burd
p. 344-345.
94. The Discourses, livro I, disc. 6, vol.
I, p. 255.
95. The Prince, cap. XXV, Ev. p. 203, Burd
p. 358.
96. A. J. Taylor, Bismarck: The Man and
Statesman (London: Hamish Hamilton,
1955), pp. 70, 115.
Nota da edição em inglês: Existe
um exemplo mais recente vindo da
Alemanha, disse Hitler, em um discurso
em Munique em março de 1936: “Eu
vou com a certeza de um sonâmbulo
ao longo do caminho traçado para mim
pela Providência”. Cf. Ian Kershaw,
Hitler (London: Allen Lane, The Penguin
Press, 1998), vol. I, p. 591.
O próprio Wight chamou a atenção
para isso em seu ensaio ‘Germany’ em
The World in March 1939, observando
que aquilo era “talvez a mais terrível
sentença que ele [Hitler] já proferiu,
expressando a ameaça de um passo
irresistivelmente revolucionário, que
era propriamente uma das causas da
desmoralização em seus adversários.
Martin Wight, ‘Germany’, in Arnold
Toynbee and Frank T. Ashton-Gwatkin,
eds., The World in March 1939 (London:
Oxford University Press, 1952), p. 347.
Para a referência citada: Hitler, Discur-
sos (N. H. Baines, ed.)ii, l307.