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estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 10, n. 2, (jun. 2022), p. 96-117
Maquiavel e as Relações Internacionais:
tradução aberta, para o português, da
palestra “Machiavelli,” de Martin Wight
(1959-60).
Machiavelli and the International Relations: Portuguese
translation of the lecture “Machiavelli,” by Martin Wight
(1959-60).
Maquiavelo y las Relaciones Internacionales: traducción
al portugués de la conferencia “Maquiavelo”, de Martin
Wight (1959-60).
Leonardo Dutra1
DOI: 10.5752/P.2317-773X.2022v10.n2.p118
Recebido em: 11 de abril de 2022
Aprovado em: 17 de outubro de 2022
R
As ideias de Martin Wight sobre a ligação da teoria política clássica com o com-
portamento dos agentes internacionais inuenciaram decisivamente as teorias
sobre a política internacional. São exemplos deste reexo a perspectiva constru-
tivista proposta por Alexander Wendt, a proposta de uma sociedade de estados
de Hedley Bull, entre outras. O presente artigo oferece alguma das ideias pro-
posta por Wight nos seminários proferidos por ele na London School of Economics
entre 1959 e 1960 (publicados em forma de livro na edição de Gabriele Wight e
Brian Porter em 2005). Os pensamentos de Wight estão presentes neste artigo
na forma de uma tradução comentada do primeiro capítulo da obra2 deste autor
sobre o pensamento e a inuência de Maquiavel nas Relações Internacionais. A
presente tradução para a língua portuguesa proporciona o acesso ao pensamen-
to de Wight para o publico não falante da língua inglesa, contextualiza o pensa-
mento de Wight pela inserção original de comentários explicativos a respeito de
assuntos relacionados à década de 1950, bem como, verica os argumentos do
texto de Wight oriundos da obra Il Principe, de Maquiavel, escrito em italiano e
editado por L. Arthur Burd em 1891.
Palavras-Chave: Teoria Política, Relações Internacionais, Martin Wight, Ma-
quiavel.
A
Martin Wright’s thoughts about the inuence of the classical Political Theory
on the behaviour of the international actors had a strong eect on several
1. Doutor em Teoria Jurídico- Política
e Relações Internacionais pela
Universidade de Évora, em Portugal.
E-mail: dutra@aeroboero.com
2. WIGHT, Martin. Four Seminal Thinke-
rs in International Theory: Machiavelli,
Grotius, Kant, and Mazzini. New York:
Oxford University Press, 2005, 166 p.
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Leonardo Dutra Maquiavel e as Relações Internacionais: tradução aberta, para o português, da palestra “Machiavelli,” de Marn Wight (1959-60)
theories about International Relations. Alexander Wendt’s Constructivism and
Hedley Bull’s ideas about an International Society are examples of the impact
of Wight in the theory of International Relations. This essay presents some of
the ideas of Martin Wight that were delivered at the London School of Economics
between 1959 and 1960. These lectures were registered in form of a book in
2005 (edited by Gabriele Wight and Brian Porter) and a commented translation
of the rst chapter of this book1 is the central theme of this essay. The present
translation into Portuguese provides access to Wight’s thought for the non-En-
glish-speaking public; contextualizes Wight’s thought by the original insertion
of explanatory comments on issues related to the 1950s; and veries the argu-
ments of the Wight’s essay from Machiavelli’s Il Principe, written in Italian and
edited by L. Arthur Burd in 1891.
Keywords: Political Theory, International Relations, Martin Wight, Machiavelli.
R
Los pensamientos de Martin Wright sobre la inuencia de la Teoría Política
clásica en el comportamiento de los actores internacionales tuvieron un fuerte
efecto en varias teorías sobre Relaciones Internacionales. El constructivismo de
Alexander Wendt y las ideas de Hedley Bull sobre una sociedad internacional
son ejemplos del impacto de Wight en la teoría de las relaciones internacionales.
Este ensayo presenta algunas de las ideas de Martin Wight que fueron entrega-
das en la London School of Economics entre 1959 y 1960. Estas conferencias se re-
gistraron en forma de libro en 2005 (editado por Gabriele Wight y Brian Porter)
y la traducción comentada del primer capítulo de este libro1 es el tema central
de este ensayo. La presente traducción al portugués ofrece acceso al pensamien-
to de Wight para el público no angloparlante, contextualiza el pensamiento de
Wight mediante la inserción original de comentarios explicativos sobre temas
relacionados con la década de 1950, así como verica los argumentos del texto
de Wight a respecto del Il Principe de Maquiavelo, escrito en italiano y editado
por L. Arthur Burd en 1891.
Palabras clave: Teoría Política, Relaciones Internacionales, Martin Wight,
Maquiavelo.
Maquiavel
03 de maio de 1469 – 22 de junho de 1527
Introdução3
De toda a obra de Maquiavel apenas uma pequena parte é usual-
mente conhecida. Pode-se dizer que todos os grandes pensadores trans-
cendem qualquer tipologia, e em Ciências Sociais, generalizações podem
ser descritas como um tipo de abstração, de conveniência mental, conse-
quentemente, um conceito irreal.
Tipologias ou generalizações precisam ser contrastadas com o real,
com toda a complexidade das pessoas a que se atribui uma teoria e com
as suas possíveis contradições. E aparentemente quando um nome passa a
ser usado adjetivamente como uma Escola ou uma linha de pensamento,
o adjetivo acaba adulterando o pensamento original do titular.
Grócio não era um Grociano, nem Keynes um Keynesiano; Freud
não era Freudiano e nem Marx um Marxista. Maquiavel não era sim-
plesmente Maquiavélico4. A expressão ‘Maquiavélico’ tornou-se um
adágio durante o século XVI signicando alguém lisonjeiro, um tipo
3. Na presente tradução comentada
da obra de Martin Wight é realizada a
conferência dos argumentos oriundos da
obra Il Principe, de Maquiavel, escrito
em italiano (edição de L. Arthur Burd).
Ainda, foi realizada a inserção de algu-
mas contextualizações sobre assuntos
relacionados à década de 1950 (original
neste artigo), referentes à história
britânica, entre outras questões. Estas
inserções estão identificadas entre
[colchetes] no texto.
A presente tradução também contou
com a gentil colaboração da tradutora
britânica Julie Dutra, que efetuou a re-
visão do texto com vistas à confirmação
do exato significado das ideias originais
de Martin Wight.
Por fim, sobre as notas de rodapé, ‘No-
tas da edição em português’ referem-se
às anotações do deste tradutor sobre
o texto original publicado em 2005, e
‘Notas da edição em inglês’ referem-se
aos comentários dos editores da obra
em língua inglesa.
4. Nota da edição em português: Foi
utilizada neste ponto a expressão ‘Ma-
quiavélico’ pela real popularidade da
palavra como um adjetivo a uma linha
de pensamento na língua portuguesa.
Entretanto, é importante salientar a
intenção de Wight em caracterizar
a palavra ‘Maquiavélico’ como um
adjetivo a um tipo de perversidade, em
contraponto ao adjetivo Maquiaveliano,
de pouca popularidade em português,
mas que poderia indicar pessoas com
um ideal político descrito pela obra de
Maquiavel. Para Wight, o que se aproxi-
mar da expressão Maquiaveliano, pode
ser mais bem descrito em suas três
tradições ou categorias políticas: Rea-
lismo, Racionalismo e Revolucionismo;
respectivamente fazendo referência à
Maquiavel, Grócio e Kant, entre outros.
Cf. Martin Wight, Four Seminal Thinkers
in International Theory (Oxford: Oxford
University Press, 2005), Anexo I, p.122.
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de impostor, uma pessoa sem princípios na política, uma denição para
um tipo de assassino sorrateiro, ou para um mestre na diplomacia para
se obter o sucesso.
Naturalmente que a origem deste pensamento pode ser encontrada
em Maquiavel, mas existe muito mais que isso em seu pensamento. Se
Maquiavel pode ser qualicado como Maquiavélico, ele era um ‘Maquia-
vélico plus’. Além disso, é possível apontar uma pequena passagem de sua
obra como argumento contrário ao Maquiavelismo popularmente conhe-
cido: “Não se pode chamar de habilidade política [ou virtù] a supressão de
seus concidadãos, a traição de seus aliados, a deslealdade, a crueldade ou
as ações sem nenhum escrúpulo. Métodos como estes podem construir
um império, mas não podem conduzir alguém à glória.5
Considerando que em linhas gerais uma regra prudente da política
do poder é o não-alinhamento com uma grande potência que pode vir a
tratá-lo da forma como a Rússia tratou a Romênia em 1878, ou como a
Alemanha tratou a Ilia durante a Segunda Guerra Mundial, ou como
Stálin tratou a antiga Tchecoslováquia em 1948, contrasta Maquiavel:
“Mas quando um estado [príncipe] declara-se francamente a favor
de um dos lados em uma guerra, a tempo de ajudá-lo a vencer, e em uma
situação em que o vencedor se torna tão poderoso a ponto deste seu alia-
do car ao seu critério, ele, o estado vencedor, ainda terá uma obrigação
para com este comparte, assim como, um laço de respeito. E os homens
nunca são tão desonestos a ponto de cometer tal ingratidão oprimindo
seu aliado. Além disso, as vitórias nunca são tão absolutas que o vencedor
possa não demonstrar consideração ao seu comparte, especialmente com
respeito à justiça.6
Ainda, um exemplo de um Maquiavel ‘não Maquiavélico:
Que a Itália possa nalmente ver o seu libertador! Não se pode
descrever o afeto com que ele seria recebido em todas as províncias que
sofreram sob as invasões estrangeiras, com que sede de vingança, com
que obstinada fé, com que devoção, com que lágrimas o receberão. Quem
se negaria a abrir-lhe a porta? Quem iria recusar-lhe apoio? Que inveja se
oporia à sua ação?... Este domínio bárbaro é abominável para todos nós.7
Esta é a linguagem da paixão que, como em Bandung8 e Accra9 du-
rante a década de 1950, é utilizada com pouco ou nenhum senso de razão
por seus agentes. 10
O Método Indutivo
Em sua obra, Maquiavel se absteve do uso do método a priori utili-
zado em seu tempo e o substituiu pelo método indutivo, colocando a sua
alise a partir do ser, dos fatos, e não de um dever-ser ou do que seria um
ideal.
Como minha intenção é escrever algo útil para quem estiver inte-
ressado, pareceu-me mais apropriado abordar a verdade efetiva das coi-
sas, e não imaginar o que poderia ser um ideal. Muitos já conceberam
estados [repúblicas e principados] jamais vistos, e de cuja existência real
nunca se soube. Entretanto, considerando que o modo como vivemos é
tão diferente daquele como deveríamos viver, quem despreza o que se faz
5. Niccolò Machiavelli, The Prince, cap.
VIII.
Nota adaptada da edição em inglês:
Esta citação e as outras subsequentes
de O Príncipe foram retiradas das notas
pessoais de Martin Wight. Em sua
maior parte, as citações parecem ter
sido livremente adaptadas da Edição da
Everyman’s Library de 1908 (tradução
para o Inglês de W. K. Marriott, Londres:
J. M. Dent) embora algumas vezes as
palavras parecem ser claramente de
Wight.
Nota da edição em português: Assim
como na edição original, as citações
foram verificadas no texto original em
italiano, editado por L. Arthur Burd com
introdução do Lorde Acton, Il Principe
(Oxford: Clarendon Press, 1891). Para
esta citação, cf. Burd. p. 233.
Nota da edição em inglês: Para Wight,
‘habilidade política’ pode ser caracte-
rizada como virtù, uma palavra usada
por ele de muitas formas. A expressão
é usada frequentemente no sentido de
influência, condução, habilidade ou bra-
vura, todavia nesta citação possui co-
notação de ‘virtude moral’. Cf. Quentin
Skinner e Russell Price, Ed., The Prince
(Cambridge: Cambridge University Press,
1988) p. 31n.
6. Maquiavelli, The Prince, cap. XXI, Ev.
p. 180, Burd pp. 342-343.
8. Nota da edição em português: Entre
18 e 24 de abril de 1955 reuniram-se
na Conferência de Bandung (Indonésia)
os líderes de vinte e nove estados
afro-asiáticos, quase todos recentemen-
te descolonizados. Cf. Philippe Moreau
Defarges, As Relações Internacionais
desde 1945 (Lisboa: Gradiva, 1997), p.
37.
7. Ibid., cap. XXVI, Ev. p. 216, Burd p.
371.
9. Nota da edição em português: Pri-
meira Conferência de Estados Africanos
Independentes (1958), Accra (Gana).
10. Nota da edição em inglês: lingua-
gem também utilizada posteriormente a
respeito da Guerra Civil Irlandesa, bem
como, nos conflitos da Cisjordânia ou
Margem Ocidental.
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Leonardo Dutra Maquiavel e as Relações Internacionais: tradução aberta, para o português, da palestra “Machiavelli,” de Marn Wight (1959-60)
e se atém ao que deveria ser feito aprenderá a maneira de se arruinar, e
não de se preservar.11
Este ponto salienta uma proposital e decisiva separação do método
escolástico, a qual Maquiavel divide o mérito com Guicciardini e Vettori.12
O aparecimento do Humanismo Renascentista na política trouxe
consigo a suposição fundamental de que ‘o homem é a medida de todas as
coisas’. O Príncipe de Maquiavel foi a primeira obra sobre política a rejeitar
o transcendentalismo até então em costume, e no ensaio Discursos Sobre a
Primeira Década de Tito Lívio, ele chega a argumentar que um governante,
mesmo que revolucionário, precisa sustentar as aparências das antigas
instituições: “Ele precisa fazer isso porque os homens em geral são mais
inuenciados pelo aspecto das coisas do que pelo que elas realmente são,
ou seja, são frequentemente mais afetados pelas aparências do que pela
própria realidade.13 Isso é o mesmo que armar que as massas seguem
ilusões em sua maioria e assim, buscam quimeras como o desarmamento
nuclear 14, porém, um governante ao contrário do povo, precisa ser um
realista.
O Método Histórico
Apesar da singularidade no uso do método indutivo, não foi a par-
tir dele que Maquiavel autoarmou sua originalidade. No prefácio da
obra Discursos ele inicia com uma de suas mais elevadas demonstrações
de originalidade, expressando uma das mais sublimes autopercepções de
estar fazendo algo realmente novo na história do pensamento político,
ao comparar a si próprio a Cristóvão Colombo no descobrimento de um
novo continente: “Ainda que, devido à inveja inerente à natureza huma-
na, seja tão perigoso descobrir novos métodos e caminhos quanto partir
em busca de novos mares e terras desconhecidas, eu decidi embarcar em
uma nova linha de pensamento ainda não explorada por nenhuma outra
pessoa.15
Este novo caminho traçado por Maquiavel foi registrar pela primei-
ra vez os princípios da política a partir de precedentes históricos. A Anti-
guidade, escreveu ele, realizou obras com grande distinção nos campos
da arte, jurisprudência e medicina; deste modo, estátuas antigas puderam
ser copiadas, as decisões de antigos juristas civis foram conrmadas, e an-
tigos experimentos e prescrições médicas foram repetidas, no entanto em
política, “não houve nenhum príncipe ou república que conduzisse seu
comando a partir de algum exemplo da antiguidade”. 16 Assim, Maquiavel
adotou o extraordinário recurso de escrever comenrios sobre o histo-
riador romano Tito Lívio. “Estas anotações consistem nas conclusões que
eu cheguei comparando eventos antigos com modernos... de modo que as
pessoas que as leem possam mais facilmente obter ensinamentos práticos
a partir do estudo da história.17
Como armado por Maquiavel, a História pode ser descrita como
um grande celeiro de importantes antecedentes, uma vez que consiste
em um mecanismo periódico de recorrências.18 Os estados são governa-
dos por leis predestinadas à ascensão e a decadência, e desta forma, os en-
sinamentos retirados da experiência política histórica são valiosas lições,
11. Ibid., cap. XV, Ev. p. 121, Burd. pp.
283-284.
12. Francesco Guicciardini (1483-1540),
Francesco Vettori (1474-1539), historia-
dores e amigos de Maquiavel.
13. Maquiavelli, The Discourses of
Niccolò Maquiavelli, tradução Leslie
J. Walker (London: Routledge & Kegan
Paul, 1950) livro I, disc. 25, vol. I, p. 272.
14. Nota da edição em português: O tex-
to apresentado por Wight em meados
de 1959-60 faz referência ao problema
clássico da Guerra Fria nos anos 60 em
uma época conhecida como ‘o degelo’
(1953 – 62). O contexto internacional
pode ser ilustrado por eventos como a
morte de Stalin, o armistício na Coréia
em 53, a questão de Suez em 56, a
ruptura sino-soviética consumada em
60, a acentuada competição econômica
Leste-Oeste, entre outros. Cf. Philippe
Moreau Defarges, As Relações Inter-
nacionais desde 1945 (Lisboa: Gradiva,
1997), pp. 25-33.
15. Ibid., livro I, disc. 25, vol. I, p. 205.
16. Ibid., p. 206.
17. Ibid.
18. Cf. Herbert Butterfield, The State-
craft of Machiavelli (London: G. Bell and
Sons Ltd, 1940), pp. 28, 30, 71.
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apresentadas como preceitos de uma natureza quase que cientíca. As
diversas situações políticas podem ser classicadas a partir de um núme-
ro recorrente de problemas que são passíveis de um número de soluções
teóricas adequadas. Esta é a característica do método de pensamento dos
seguidores de Maquiavel, e como escreveu Bolingbroke, “penso que His-
tória é a Filosoa ensinando por meio de exemplos.19
Crítica Metodológica
A metodologia utilizada por Maquiavel pode ser comparada ao mé-
todo dedutivo em Kant e em Rousseau e com a combinação do método
inicialmente dedutivo e posteriormente indutivo encontrado em Grócio.
Maquiavel apresentou um procedimento baseado no método histórico,
o mesmo que em Grócio é algumas vezes censurado por seus inúmeros
casos de dependência às autoridades sem o emprego de um sentido críti-
co, contudo, note a importante ressalva anotada por Grócio a respeito de
Aristóteles:
Aristóteles merecidamente detém um lugar de destaque entre os
lósofos, se tivermos em conta a ordem como ele aborda os assuntos,
a sutileza de suas distinções, ou o peso de suas razões. Quem dera que
esta superioridade não tivesse sido transformada, alguns séculos ats,
em algum tipo de tirania que fez com que a verdade, que Aristóteles de-
votou tão éis serviços, fosse mais reprimida do que o próprio nome de
Aristóteles!
De minha parte... (não juro lealdade a nenhum lósofo) porque...
(o existe) seita losóca alguma que a visão tenha compreendido toda
a verdade, assim como, nenhuma que não tenha percebido algum aspecto
da verdade...
Nosso objetivo é devotar consideração a Aristóteles, porém, em
respeito ao próprio Aristóteles, reservando a mesma liberdade que em
sua devoção a verdade ele permitiu reservar a si próprio em consideração
aos seus mestres. 20
Ou como foi relatado pelo próprio Aristóteles: “Amicus Plato, sed ma-
gis amica veritas.” (Platão é admirável para mim, porém mais admirável
ainda é a verdade).21
Contudo, Maquiavel utiliza o método histórico sem sentido críti-
co. Seus exemplos são retirados de contextos históricos e aplicados em
sua forma bruta na política de seu tempo. Maquiavel devotou adoração à
Roma e aos seus precedentes. Neste sentido, é possível argumentar que
Maquiavélicos na acepção de uma escola de pensamento tendem a não
utilizar um senso crítico em sua metodologia: Darwinistas aplicados ao
fator social aproveitaram a teoria da evolução da biologia sem nenhum
sentido crítico para a ‘luta pela existência, Freudianos utilizaram a psi-
calise de forma metodogica não-crítica para a civilização e seus pro-
blemas, e analistas linguísticos aplicam a linguística desprovida de senso
crítico na Filosoa Política.
O mesmo instrumento metodológico [foi aplicado] à política inter-
nacional, simplicando tal tema: o artifício utilizado por Edward Carr
em seu livro Vinte anos de Crise, pode ser descrito como pertencente a este
19. Cf. Henry St John Viscount Bolin-
gbroke, Letters on the Study and Use
of History (London: A. Millar, 1752), vol.
I p. 15; veja também David Hume, ‘An
Inquiry Concerning Human Understan-
ding’, Essays and Treatises (Edinburgh:
Bell and Bradfute, 1825), vol. II, seção
VIII, pp. 83-84; e Machiavelli, The Dis-
courses, livro III, disc. 43, vol. I, p. 575.
20. Hugo Grotius, ‘Prolegomena to the
Law of War and Peace’, De Jure Belli ac
Pacis Vol. II The Translation: On the Law
of War and Peace, tradução de F. W.
Kelsey (Oxford: Clarendon Press, 1925),
nº 42, 45, pp. 24, 26.
21. Citação atribuída a Aristóteles no
original em grego, The Oxford Dictionary
of Quotations, 3ª edição (London:
Geoffrey Cumberlege, Oxford University
Press, 1982, nº 12, p. 12.
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Leonardo Dutra Maquiavel e as Relações Internacionais: tradução aberta, para o português, da palestra “Machiavelli,” de Marn Wight (1959-60)
quadro conceitual, especicamente na antítese entre a utopia e a reali-
dade, vontade própria e determinismo, teoria e prática.22 Contudo, Mor-
genthau reproduz a falta de sentido crítico na metodologia utilizada por
Maquiavel, assim como pode ser caracterizado na Santa Aliança como a
forma de garantir a ideologia [do sistema de congresso de Viena], bem
como, Castlereagh atuando sozinho pelos interesses nacionais [do Reino
Unido da Grã-Bretanha e Irlanda].23 Kantianos por outro lado, começam
por repudiar qualquer tipo de autoridade ou qualquer metodologia fora
dos princípios do pensamento puro, porém, se tornam escravos de livros
sagrados: Jacobinos como seguidores dos escritos de Rousseau e os Co-
munistas como seguidores de Marx.
A Natureza ‘Má’ dos Homens
Partindo dos movimentos cíclicos das sociedades históricas em di-
reção ao comportamento dos indivíduos, Maquiavel argumenta que o
homem, isoladamente, tem uma natureza essencialmente má. Existem
algumas famosas armações sobre este assunto na obra O Príncipe: “Por-
que se pode dizer dos homens em geral, que eles são ingratos, instáveis,
falsos, covardes e ambiciosos...24 E um pouco adiante, “E se os homens
fossem totalmente bons, seria desejável conar neles, mas porque eles
são maus, e não conarão em você, você não deve se sentir obrigado a
conar neles.” 25
Ainda, na obra Discursos, Maquiavel registra: “Nada é mais frívolo
e inconstante do que as massas – la moltitudine.”26 E ainda destaca “...como
os homens são facilmente corrompidos e transformam sua maneira de
ser, por mais bem educado que sejam. “27
Mas parece provável que Maquiavel tenha hesitado nesta formula-
ção, uma vez que a palavra ‘mau’ é usada de diferentes formas. Isto pode
ter ocorrido em virtude de ele não estar afastado da discussão sobre a po-
lítica como um espectador ou um juiz, fazendo avaliações morais como
uma simples testemunha, no entanto, Maquiavel está inserido na política
em questão, tentando descrever o lado humano e as possibilidades desta
política.
Para Maquiavel é inútil fazer julgamentos morais sobre a natureza
humana, uma vez que ela é o que é – o elemento supremo da política. A
única armação signicativa a ser feita sobre a natureza humana é o que
pode ser arranjado com esta natureza, ou como ela pode ser moldada e
manipulada. A seguinte armação sobre o assunto foi registrada por um
dos modernos seguidores de Maquiavel, James Burnham, usando para
isso a expressão ‘tragédia:
Haverá aqueles que encontrarão nesta tese (que o capitalismo irá
mudar para uma sociedade gerencial) uma revigorada prova para o que
eles irão chamar de tragédia essencial da situação humana. Entretanto
eu não vejo como este signicado da situação humana em sua totalidade
pode ser chamado de trágico ou cômico. A comédia e a tragédia ocorrem
apenas interiormente às circunstâncias humanas. Não existe contexto
que consiga analisar estas circunstâncias como um todo, pois a situação
humana é meramente como é. 28
22. E. H. Carr, The Twenty Years’ Crisis
1919-1939 (London: Macmillan & Co.,
1939).
23. Nota da edição em português: O
Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda
foi um estado monárquico criado em
1801 a partir de outros dois reinos: Rei-
no da Grã-Bretanha (formado pela fusão
anterior entre os reinos da Escócia e
da Inglaterra em 1707) e o Reino da
Irlanda. Esta formação terminou com a
independência do Estado Livre Irlandês
em 1922.
24. The Prince, cap. XVII, Ev. p. 134,
Burd p. 292.
25. Ibid., cap. XVIII, Ev. p. 142, Burd p.
303.
26. The Discourses, livro I, disc. 58, vol.
I, p. 341.
27. Ibid., p. 310.
28. James Burnham, The Managerial
Revolution (London: Putnam, 1942), p.
271.
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Comparando com Oakeshott como publicado no Cambridge Jornal,
A vida humana não é trágica, mesmo se considerada em seu todo ou em
partes; a tragédia pertence às artes e não à vida.29
Amor-Próprio, Interesse Pessoal e a Luta pelo Poder
Uma importante passagem de Discursos de Maquiavel aponta a exis-
tência de um núcleo para a política:
...sempre que não houver motivos para os homens lutarem, eles
lutarão em decorrência de sua ambição; e tão poderosa é a inuência que
a ambição exerce sobre o coração humano que eles nunca desistiram de
lutar, não importando quão alto eles já tenham chegado. A razão disso
é que a natureza tem constituído homens que, embora todas as coisas
sejam objetos de desejo, nem todas elas são alcançáveis, e então estes de-
sejos sempre excedem o poder de realização pessoal, resultando que os
homens estão sempre insatisfeitos com o que possuem... Daí surge às vi-
cissitudes da fortuna dos homens, pois, tendo em conta que alguns pos-
suem desejo de terem cada vez mais, assim como, outros têm medo de
perder o que já possuem, hostilidades e guerras são iniciadas resultando
na ruína de uma província e na exaltação dos seus rivais. 30
Curiosamente, o argumento aqui é muito parecido com o utilizado
por Thomas Hobbes em sua obra Leviatã:
A Felicidade é composta da progressão contínua do desejo de um
objeto para outro... De modo que em primeiro lugar, sustento como uma
inclinação geral de toda a humanidade um perpétuo e apreensivo desejo
de poder, que se extingue somente com a morte. Isto não ocorre porque
os homens sempre desejam deleites cada vez mais intensos do que já al-
cançaram ou por serem incapazes de se satisfazer com um poder mode-
rado, isso ocorre porque os homens não podem garantir uma quantidade
de poder suciente para viver bem, tendo em conta o que eles têm no
presente, sem a aquisição de mais poder. Disso resulta que reis, que pos-
suem um poder maior que os outros homens, agem para garantir seu
domínio dentro de seus reinados por meio de leis, ou em solo estrangeiro,
por meio de guerras. 31
Assim, os homens atacam outros homens e estados despojam esta-
dos: “Os homens, como costumava dizer o Rei Fernando, comparando-os
com algumas pequenas aves de rapina, possuem um desejo tão forte de
capturar a presa a ponto de a natureza sempre estimulá-los a prosseguir.
o percebendo com isso outras aves ainda maiores que eles, pairando
sobre suas cabeças, prontas para atacar e matar.32
Esta passagem pode ser comparada com o postulado Grociano da
sociabilidade do homem. Embora Grócio surpreendentemente nunca te-
nha mencionado Maquiavel, é possível que ele estivesse com ele em mente
ao argumentar contra Carnéades (215-129 a.C.) e em outra situação contra
Gabriel Vásquez, (1551-1604). Vásquez armou que o homem deseja a se-
gurança do estado como seu próprio interesse, cada um colocando seu
bem-estar acima do conjunto dos homens, no entanto, argumenta Grócio:
Desejamos a partir de nossos próprios interesses, e sobre a seguran-
ça do nosso estado, não a desejamos meramente por motivos próprios,
29. M. J. Oakeshott, ‘Scientific Politics’,
Cambridge Journal, vol. 1, nº 6 (1948),
p. 356.
30. The Discourses, livro I, disc. 37, vol.
I, p. 295.
31. Thomas Hobbes, Leviathan, Ed.
Michael Oakeshott (Oxford: Basil
Blackwell, 1946), pp. 63, 64.
32. The Discourses, livro I, disc. 40, vol.
I, p. 309.
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Leonardo Dutra Maquiavel e as Relações Internacionais: tradução aberta, para o português, da palestra “Machiavelli,” de Marn Wight (1959-60)
mas também para o bem dos outros... (alguns argumentam que a ami-
zade tem origem só nas necessidades, no entanto) somos levados espon-
taneamente pela nossa própria natureza às amizades. A consideração aos
outros frequentemente me adverte, ou às vezes até me conduz a depositar
os interesses de todos acima dos meus próprios interesses individuais. 33
Ele ainda sustenta que a maioria das pessoas estaria mais satisfeita
evitando um desastre para o seu país do que para si mesma, e que a maior
parte dos homens, se tivessem escolha, iria preferir perder seus próprios
lares a mantê-los pelo preço de uma catástrofe geral. 34
Para Grócio, o altruísmo é um impulso autônomo da natureza hu-
mana, o que para Maquiavel, tem o signicado de um amor-próprio pro-
jetado em outras situações. Para os seguidores de uma Teoria Utilitarista
(J. S. Mill) o altruísmo é o amor-próprio inteligentemente expandido.35
A Primazia da Contradição
Subjacente a discussão sobre uma visão política a partir da luta pelo
poder, existe um assunto pertencente à Filosoa pura que pode ser carac-
terizado por dois níveis distintos: o primeiro está relacionado ao critério
negativo – e logo não positivo da política. Como exemplo, é possível fazer
um questionamento sobre uma denição de ‘segurança. Maquiavélicos
armarão que a experiência essencial da política internacional é a insegu-
rança, ou seja, dirão que não existe de fato uma condição de ‘segurança’,
mas somente diferentes níveis de insegurança. Logo, denem ‘segurança
em relação aos eventos de insegurança e a partir da relativa ausência de
insegurança. De forma parecida, ‘paz’ pode ser denida somente em rela-
ção à guerra, ‘bom’ em relação ao ‘mau, e a satisfação em relação à frus-
tração. Na cção, James Bond argumenta que a boa vida de um cidadão
pacato e patriótico possui forma e signicado somente se comparada aos
bandidos internacionais que ele persegue. Na trama após ter matado ‘Le
Chire’ – o agente comunista e maoso francês, James Bond reete: “Em
sua existência maldosa que tolamente eu ajudei a destruir, [Le Chire]
criou um modelo de maldade, pelo qual, e somente em razão do qual um
arquétipo oposto de bondade pôde existir. 36
Por esta perspectiva, os critérios e as normas possuem um cará-
ter negativo, e ainda neste padrão lógico, podemos usar um conhecido
exemplo de um louco, que bate em sua própria cabeça com um bastão
acreditando que isso servirá como um alívio quando ele parar de bater.
No entanto, existe um nível mais profundo de pura metafísica no
que tange a este assunto: ‘A Primazia da Contradição. Qual seria a natu-
reza derradeira das coisas? Qual seria a essência do universo? Aparente-
mente Pitágoras manifestou a seguinte resposta: harmonia, melodia, e
ritmo – ou números, pela razão que os números misteriosamente ree-
tem a mais profunda harmonia da natureza. Contudo, isso é uma lo-
soa religiosa, e se a pergunta acima for respondida pela palavra ‘Deus’,
estaríamos comprometidos com a harmonia como a realidade última das
coisas. Também, se a resposta fosse harmonia, então por que tudo cresce,
modica e decresce? Mexe, colide e conita? Por que não existe uma esta-
bilidade perpétua e inalterada?
33. Hugo Grotius, On the Law of War
and Peace, livro II, cap. I. ix, p. 177.
34. Ibid.
35. John Stuart Mill, Utilitarianism,
Liberty, and Representative Government
(London: Dent, 1929), pp. 47-48.
36. Ian Fleming, Casino Royale (London:
Pan, 1955) p. 145.
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estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 10, n. 2, (jun. 2022), p. 118-135
Heráclito, aproximadamente uma geração antes de Pitágoras, apre-
sentou outra resposta: A essência das coisas é a mudança, o movimento e
o uxo. Parecem existir duas principais ideias para Heráclito: em primeiro
lugar que “Πάντα εῖ καὶ οδὲν μένει(A única coisa que não muda é que
tudo muda).37 Não se pode pisar duas vezes nas mesmas águas de um rio.
(Como seria possível pisar uma vez no mesmo rio? Pois, ele muda a cada ins-
tante. Como é possível ter conhecimento sobre alguma coisa) [já que tudo
muda]. Questão abordada por Platão, aluno de um aluno de Heráclito. 38
A segunda ideia de Heráclito é o conito e a tensão mútua. Sob esta
perspectiva tudo é um campo de batalha composto de forças opostas –
caracterizado fundamentalmente por uma instabilidade – e desta forma,
há apenas uma estabilidade relativa quando é formada uma balança de
poderes opostos, ou seja, “a guerra é a mãe de todas as coisas.39 Tradi-
cionalmente Heráclito era conhecido como um lósofo ‘choroso’ em de-
corrência de sempre encontrar uma razão emotiva para a vida humana.
Mas o que isso tudo tem a ver com Maquiavel? Nada: Maquiavel
não era um metafísico, apesar disso, alguns de seus seguidores aborda-
ram o assunto em questão. Neste sentido, Hegel pode ser metaforicamen-
te descrito como uma ‘grande estação de trem’ da losoa política, aonde
a linha principal vinda de Maquiavel encontra os trilhos de Kant, partin-
do daí apenas um caminho conjunto advindo destas duas origens.
Nesta metáfora, nem todos que vem de Kant passam por Hegel,
bem como, nem todos que partem de Maquiavel o fazem, mas a estação
principal que junta estas duas linhas – Hegel, possui um tco fantasti-
camente alto.
Na obra Science of Logic 40 Hegel trabalha com a teoria da contradi-
ção: é um preconceito da imaginação ordiria que a contradição tenha
menos essência e imanência do que a identidade, mas de qualquer forma,
a contradição [em disposição de essência e imanência] deve ser entendi-
da como a mais profunda e essencial. Porque identidade só determina
o ‘imediato e simples’ ou o ‘Ser-morto’, “enquanto a contradição é a raiz
de todo o movimento e vida, o que existe somente na medida em que
contém a contradição de que tudo muda e possui impulso e atividade.41
Esta ideia fascinou revolucionários do século XIX, como Ferdinand
Lassalle (1825 – 1864), lho de um comerciante Judeu na Breslávia. 42 Ed-
mund Wilson o descreveu da seguinte forma:
(Na) Universidade de Berlin, ele saturou a si próprio com Hegel, a
ponto de se levantar às quatro da manhã para ler suas obras, (e então) foi
levado pelo sentimento de que ele estava se realizando com a Ideia Hege-
liana do Mundo dos Espíritos. “Através da losoa, ele escreveu para seu
pai, “Eu me tornei a razão autocompreendida, ou seja, Deus consciente
de si mesmo.43
Ele passou anos escrevendo um livro sobre Heráclito (publicado
em 1858), a quem ele entendeu ser o precursor de Hegel. Lassalle fundou
a Associação Geral dos Trabalhadores Alemães em 1863, tratou Bismarck
como principal alvo de uma grande potência rival e ainda foi precursor
do fascismo. Ferdinand Lassalle morreu em um duelo no ano de 1864. 44
Outra gura igualmente intoxicada pelas ideias de Hegel foi
Mikhail Bakúnin (1814-1876). Ele foi para Berlim procurando provar atra-
37. Citado por Platão em Cratilus (402a)
The Oxford Dictionary of Quotations, 3ª
ed. (London: Geoffrey Cumberlege, Ox-
ford University Press, 1982, n. 5p. 246.
38. Cf. Clement C. J. Webb, A History
of Philosophy (London: Thornton Butte-
rworth Ltd, 1937), pp. 16-17.
39. Benjamin Farrington, Greek Science
(London: Penguin Books, 1949), vol. I,
pp. 35ff.
40. Nota da edição em português: A
obra Science of Logic (Ciência da Lógi-
ca) foi publicada originalmente em duas
partes no idioma alemão. A primeira em
1812 sob o título Die objektive Logik, e a
segunda em 1816 como Die Subjektive
Logik, formando posteriormente a obra
Wissenschaft der Logik (Ciência da
Lógica).
41. Friedrich Hegel, Science of Logic,
tr. W. H. Johnston and L. G. Struthers
(London: George Allen and Unwin Ltd,
1929), vol. II, p. 67.
42. Nota da edição em português:
Breslávia é uma cidade da Polônia,
conhecida como Wrocław em Polonês
43. Edmund Wilson, To the Finland
Station (London: Martin Secker and
Warburg Ltd, 1941), p. 233.
44. Veja também Isaiah Berlin, Karl
Marx (London: Thornton Butterworth
Ltd, 1939), pp. 188-9.
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Leonardo Dutra Maquiavel e as Relações Internacionais: tradução aberta, para o português, da palestra “Machiavelli,” de Marn Wight (1959-60)
vés da diatica a primazia do negativo sobre o positivo. Bakúnin na-
lizou um famoso ensaio para um periódico Hegeliano no ano de 1841:
“Deixe-nos colocar a nossa conança, por este motivo, no espírito eterno
que quebra e destrói somente porque é a incomensurável e a eterna fon-
te criativa de tudo o que vive. O desejo de destruir é propriamente um
desejo criativo.45 Bakúnin teve visões da conagração em êxtase: “toda
a Europa, incluindo São Petersburgo, Paris e Londres, transformada em
uma enorme montanha de lixo.46
Herzen registrou uma história de Bakúnin em uma de suas viagens
de Paris para Praga, onde ele se deparou com a Revolta dos Camponeses
Alemães que andavam em volta de um castelo fazendo muito barulho
sem saber exatamente como agir. Bakúnin saiu de sua carruagem sem
desperdiçar seu tempo fazendo perguntas, e prontamente enleirou os
revoltosos (ele tinha sido um ocial de artilharia na Rússia), que acaba-
ram por colocar fogo nos quatro cantos do castelo. Então, Bakúnin se-
guiu sua viagem,47 o que foi literalmente um gesto de soberba aos moldes
de Heráclito.
Bakúnin ainda se desentendeu com Marx sobre o controle da Pri-
meira Internacional Socialista. E igualmente, o sucesso da Comuna de
Paris de 1871 vislumbrou Bakúnin: Ele entrou em passos rápidos na sala
do grupo... bateu na mesa com seu bastão e gritou: “Bem meus amigos,
Tulherias está em chamas. Bebidas por minha conta para todos!” 48
Em seus últimos dias na Itália, velho e doente durante o ano de
1876, um amigo tocou Beethoven para ele. “Tudo passará, e o mundo
perecerá, mas a Nona Sinfonia irá permanecer.49
Talvez isso seja somente uma expressão da primazia da harmonia
e do revolucionismo romântico. No entanto, “Bakúnin se diferencia de
Marx assim como a poesia se diferencia da prosa.50
Quando Proudhon (1809 – 1865) publicou sua ‘Filosoa da Miséria’
(La Philosophie de la Misère) oferecida à Marx, ele [Marx] pensou que o so-
cialismo burguês poderia ser perigoso: “Não refutar os erros é o mesmo
que encorajar a imoralidade intelectual.51 Marx redigiu um grande ataque
à Proudhon: a ‘Miséria da Filosoa’ (1847), que foi a primeira exposição
da losoa Marxista ao mesmo tempo que “o mais amargo ataque de um
pensador sobre outro desde as celebradas polêmicas do Renascimento.52
Esta situação ainda é imensamente engraçada, uma vez que Marx
estava preocupado em mostrar que Proudhon não entendia exatamente a
dialética Hegeliana. Proudhon compreendia a questão como a luta entre
bem e o mal, formulando a seguinte problemática: preserve o lado bom
e elimine o mal.
Entretanto, disse Marx, desta forma o processo dialético teria o seu
m. “O que constitui o processo dialético é a coexistência de dois lados
contraditórios, os quais se conitam e se fundem em uma nova categoria.
As muitas formulações deste problema, a partir do entendimento de que
um lado pode eliminar o outro lado, destrói o processo dialético.53
Isto sugere a primazia da contradição. “O progresso genuíno não
é constituído pelo triunfo de um lado sobre a ruína do outro lado, mas
devido à luta propriamente dita, que acaba resultando necessariamente
na destruição de ambos os lados.54
45. Mikhail Bakúnin in Gustav A. Wetter,
Dialectical Materialism, tr. Peter Heath
(London: Routledge & Kegan Paul,
1958), pp. 335-336.
46. Wilson, To the Finland Station, p.
267.
47. Ibid.
48. Ibid., p. 281.
49. Ibid., p. 283.
50. Isaiah Berlin, Karl Marx, p. 105.
51. Karl Marx in Isaiah Berlin, Karl
Marx, p. 113.
52. Ibid., p. 113; veja também Wilson,
To the Finland Station, p. 115.
53. Karl Marx, ‘The Poverty of Philoso-
phy’, in Emile Burns, ed., A Handbook of
Marxism (London: Victor Gollancz Ltd,
1935), p.358.
54. Berlin, Karl Marx, p. 113.
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Nos estudos Filosócos de Lênin durante a Primeira Guerra Mun-
dial no período em que ele permaneceu na Suíça, bem como, em suas
Anotações Filosócas’ publicadas em 1933, existem passagens de Hegel,
Feuerbach, Lassalle sobre Heráclito, e Aristóteles.55
No texto, Lênin cita uma passagem de Science of Logic de Hegel, co-
locando pesadas anotações à margem do texto e sublinhando a referência
da contradição como a fonte de todos os movimentos.56
Isso foi necessário para o materialismo de Lênin. A metafísica com-
preende o movimento como um elemento oriundo de um impulso exte-
rior, o que implica na existência de uma causa primeira [anterior]. Lênin
armou que esta questão possui movimento próprio e que uma real con-
tradição é inerente às coisas: “A dialética em sentido próprio é o estudo da
contradição na natureza dos acontecimentos como eles são.57
No entanto, Hegelianos e Marxistas não são os únicos descenden-
tes de Maquiavel, e a doutrina da primazia da contradição, que é a contra-
partida metafísica da doutrina política da luta pelo poder, pode ser veri-
cada em sua forma crua no niilismo das rapsódias bárbaras do Fascismo e
do Nazismo. (Que talvez representem a aproximação do revolucionismo
kantiano com um Maquiavelismo passional).
Mas para o Marxismo a primazia da contradição é conscientemente
percebida como um princípio básico, o que ilustra em um nível metafísi-
co a tenacidade e a exibilidade da Teoria Marxista.
O Poder como Antecedente às Leis, aos Costumes e à Justiça
Maquiavel argumenta que a maldade da natureza humana, a insen-
satez da população, e a tendência das sociedades a se degenerar podem
ser reguladas ou até controladas em certos níveis através das leis, as quais
uma vez estabelecidas, perduram em virtude de provocarem a imitação
nos homens
...os homens nunca fazem o bem a menos que a necessidade os con-
duza para isso; mas quanto eles são livres para escolher e podem fazer
tudo o que querem a confusão e a desordem se instala excessivamente em
todos os lugares. Consequentemente, é dito que a fome e a pobreza fazem
os homens trabalharem, assim como, as leis os fazem bons... e quando
estes bons costumes se desmembram, as leis... se tornam necessárias.58
Neste ponto aparentemente os costumes são anteriores às leis, con-
tudo, costumes e leis não são propriamente distintos: “as leis são necessá-
rias apenas para a manutenção dos bons costumes, logo, se as leis existem
para serem observadas, elas necessitam dos bons costumes.59 Am dis-
so, elas pressupõem algum poder:
Os principais pilares de todos os estados... são boas leis e boas armas;
e como não pode haver boas leis onde o estado não está bem armado, segue
que onde os estados estão bem armados eles possuem boas leis. Eu deixarei
de lado a discussão sobre leis e vou começar a falar das armas. 60 A segurança
de todos os estados está baseada na boa disciplina militar, e... onde esta dis-
ciplina não existe, não podem existir boas leis ou nada que possa ser bom. 61
Desta forma, o entendimento de Maquiavel sobre a origem da no-
ção de justiça é puramente político. No início, quando os homens eram
55. Cf. Wetter, Dialectical Materialism,
p. 119.
56. Ibid., p. 335.
57. V. I. Lenin, ‘Philosophical Notebooks’
in Wetter, Dialectical Materialism, p. 146.
58. The Discourses, livro I, disc. 3, vol.
I, p. 217.
59. Ibid., livro I, disc. 18, vol. I, p. 258.
60. The Prince, cap. XII, Ev. p. 97, Burd
pp. 253-255.
61. The Discourses, livro III, disc. 31, vol.
I, p. 551.
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poucos, eles viviam espalhados; quando eles se multiplicaram, com vistas
a se defenderem melhor, eles “começaram a procurar um homem mais
forte e mais corajoso que o resto deles, zeram deste homem seu líder, e
passaram a obedecê-lo.
E então os homens aprenderam a distinguir o que é honesto e bom
daquilo que é perverso. Assistir alguém ferir seu benfeitor provocou ódio
e simpatia nos homens, uma vez que eles viram que as mesmas injúrias
colocadas contra seu benfeitor poderiam ter sido feitas para eles próprios,
e desta forma, leis e formas de punição foram desenvolvidas. “A noção de
justiça passou a existir.62
Isto é a repetição da ideia de Políbio e igualmente é muito Hobbe-
siano: “antes que os nomes dos justos e injustos possam existir, deve ha-
ver algum poder coercitivo capaz de obrigar os homens... para a execução
de seus pactos. 63
É ainda possível fazer uma comparação com Edward Carr em seu
capítulo sobre o estabelecimento das leis no livro Vinte anos de Crise. Após
a supercial abordagem sobre o naturalismo contra a Teoria Realista,
Carr propõe uma síntese – novamente uma expressão da Teria Realista:
O Direito Internacional é uma função da comunidade política das
nações, e a lei existe em função de uma ordem política dada. Antes de
todas as leis há um imprescindível pano de fundo político, e a derradeira
autoridade das leis deriva da política. Desta forma, qualquer ordem moral
derivada do cenário internacional precisa estar baseada em alguma hege-
monia de poder. 64
De maneira semelhante Hans J. Morgenthau em seu livro In Defen-
se of the National Interest escreveu: “existe uma profunda e negligenciada
verdade escondida em um ditado extremo de Hobbes, de que os estados
criam a moralidade da mesma forma que as leis, logo, não existem nem
leis nem moral exterior ao estado. “ 65 Já na obra Dilemmas of Politics ele
modica este comenrio, e recua devido as crítica: 66
Revendo o assunto no periódico International Aairs, escrevi que
em seu primeiro livro Morgenthau aprovou a doutrina Hobbesiana. 67
Ele então revidou escrevendo que não aprovara tal teoria: Morgenthau
chamou tal armativa de ‘ditado extremo, ou seja, colocou o peso de
sua própria explicação na palavra ‘extremo’ ao contrário de ‘profunda e
negligenciada verdade’.
Segue que um Maquiavelismo mais sosticado pode em alguns ca-
sos admitir a existência de valores morais, contudo, irá compreender tais
valores como relativos à própria natureza destes valores.
A moralidade é referente à natureza da segurança. Isto não é exata-
mente a sobreposição do poder, como dito por Grócio, no entanto, signi-
ca que o poder permite o aparecimento até mesmo da moralidade.
É possível ainda fazer uma comparação do assunto com a expres-
são clássica do princípio básico do materialismo talhado por Karl Marx:
“Não é a consciência do homem que determina a sua existência, mas ao
contrário, é a sua existência social que determina a sua consciência.68
Neste caso, se a Grã-Bretanha tivesse sido Grociana, seria unica-
mente devido a um incorrigível senso de segurança ou falta de temor.
Pela ausência de uma fronteira continental e pela razão de nunca ter sido
62. Ibid., livro I, disc. 2, vol. I, pp. 212-
213.
63. Hobbes, Leviathan, p. 94.
64. Carr, The Twenty Years’ Crisis, pp.
228, 229, 231 e 213.
65. Hans. J. Morgenthau, In Defense of
the National Interest (New York: Alfred
J. Knopf, 1951), p.34.
66. Hans. J. Morgenthau, Dilemmas of
Politics (Chicago: University of Chicago
Press, 1958), pp. 81-83.
67. Martin Wight, ‘Philosophy and
Politics’, International Affairs, vol. 35, nº
2 (Abril de 1959), pp. 199-200.
68. Marx, ‘A Contribution to “the
Critique of Political Economy”, 1859, in
A Handbook of Marxism, p. 372; veja
também Wetter, Dialectical Materia-
lism, p. 32.
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estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 10, n. 2, (jun. 2022), p. 118-135
invadida desde que a Inglaterra se tornou uma nação, Chamberlain pôde
dizer: “É possível uma grande nação fazer o que um país pequeno ou fra-
co não pode sempre se permitir fazer – mostrar nobreza.69
Ainda, como observou Rebecca West: “... negociação é uma arte
segura de ser praticada somente em anos de abundância, quando existe
um excesso que pode ser confortavelmente barganhado pela participação
dos elementos envolvidos. Em tempos de pobreza uma nação deve esta-
belecer as condições necessárias para sua própria preservação, e assim,
aniquilar todos que não outorguem tais condições.70
Esta passagem retoma Tucídides: “...durante a paz e a prosperidade,
estados e indivíduos possuem sentimentos suaves porque os homens não
são forçados a aguentar condições de terrível necessidade, no entanto,
durante a guerra, que rouba dos homens o fácil fornecimento de suas
necessidades drias, é criado na maioria das pessoas um temperamento
que corresponde a tais situações, logo, a guerra pode ser caracterizada
como rígido professor.71
Aparentemente a verdade existencial deste assunto parece ser a
grande diculdade que a alise Grociana tem em interpretar a política
internacional, especialmente no contexto da guerra nuclear. O que le-
vanta a questão: Grocianos podem apenas resguardar seus princípios se
abandonarem seu tradicional campo de batalha e retirarem-se para a as
vizinhanças de Gandhi?
A Causalidade na Complexidade Política
A mais profunda compreensão que fundamenta a Filosoa Maquia-
vélica é o ‘senso de proporção. Isso corresponde ao que para os Grocianos
é a percepção da complexidade moral na política. Porém, não se incomo-
de com o assunto, e de qualquer forma, também não me incomode com
isso. 72 Maquiavel aparentemente fala sobre a problemática da atribuição
de responsabilidade moral na política, porém, considera apenas uma des-
medida complexidade para este assunto: as múltiplas causas, as correntes
cruzadas, os acidentes, os resultados não intencionais e as ironias da polí-
tica – os desvios. Note que ele ainda sustenta o argumento sobre a quanti-
dade de linhas de causalidade que convergem para a produção de um sim-
ples resultado, e como um simples evento ou ato irá irradiar, produzindo
resultados divergentes. Maquiavel fala de como os homens pretendem
atingir um efeito e produzem um resultado oposto, e como o mesmo ato,
em circunstâncias diferentes, irá produzir muitos efeitos diferentes. Este
é o cenário especial da vida política que se obtém da leitura de Maquiavel,
e a ‘ironia’ pode ser caracterizada como a categoria em que se enquadram
os lósofos Maquiavélicos. Creio que a palavra ‘ironia’ não é propriamen-
te encontrada na obra de Maquiavel, no entanto, ironia política é de fato
o que ele estudou com muito afeto.
A ironia é a categoria de Maquiavel ao mesmo tempo em que a tra-
gédia é a categoria de Grócio. ‘Tragédia’ implica um ponto de vista fora
do drama político, no qual experimentamos, por exemplo, admiração
pela nobreza de Otelo, pena pelos fracos, e terror pela maldade de Iago73.
Traduzindo para a história, é possível admirar os principais objetivos de
69. Neville Chamberlain em discurso
na Casa dos Comuns, 22 de fevereiro
de 1938, Hansard’ s Parliamentary
Debates, vol. 332, col. 223.
70. Rebecca West, Black Lamb and Grey
Falcon (New York: The Viking Press,
1944), p. 883.
71. Thucydides, History of the Pelopon-
nesian War, tr. Charles Forster Smith
(London: W. Heinemann Ltd, 1953), livro
iii, cap. LXXXII, Loeb vol. ii, p. 143.
72. Nota da edição em português: A
informalidade da sentença neste caso
deve-se ao texto fazer referência a um
seminário proferido por Wight, assim
como o restante do livro.
73. Nota da edição em português: Wight
faz referência à obra Otelo, o Mouro de
Veneza (originalmente Othello, the Moor
of Venice) de William Shakespeare,
escrita por volta do ano 1603. A história
gira em torno de quatro personagens:
Otelo (um general mouro que serve o
reino de Veneza), sua esposa Desdê-
mona, e outros dois militares, Cássio
e Iago; abordando uma variedade de
temas, como racismo, amor, ciúme e
traição.
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Leonardo Dutra Maquiavel e as Relações Internacionais: tradução aberta, para o português, da palestra “Machiavelli,” de Marn Wight (1959-60)
Atenas ou da Liga das Nações, sentir pena pela derrota dos ideais de Lor-
de Cecil na questão da Etiópia, 74 experimentar o terror da destruição de
Melos75 ou nas enormidades de Hitler e Stalin.
Admiração pela nobreza e terror da crueldade implica pontos de
vista morais, enquanto pena pelos fracos e sofrimento, sugere identica-
ção própria. Portanto, é difícil adotar uma opinião trágica sobre a políti-
ca, porque a ‘política’ está relacionada a uma situação em que nós esta-
mos envolvidos, onde ainda podemos atuar e afetar os resultados. E de
qualquer maneira, é o lugar onde não conhecemos os resultados porque
o drama ainda não foi terminado. Para se tornar completamente trágica,
a política precisa ser uma ‘política morta’ – a história, como a tragédia de
Atenas e a Liga das Nações.
De tal modo, a ironia é de fato o esqueleto da tragédia despojada
da sua moral e da sua roupagem transcendental. Na literatura ela é o
empenamento de uma opinião em decorrência de seu contexto. Uma per-
sonagem possui um signicado a partir de uma fala, mas para nós, tendo
em conta o contexto e os desfechos que a personagem não sabe, percebe-
mos suas falas com um sentido diferente. Como no passeio arranjado por
MacBeth para Banquo ser assassinado, onde ele disse genialmente: “Não
deixe de vir a nossa festa – Milorde, eu não irei.76
Isto é uma ironia aos moldes de Sófocles entre outras mais comple-
xas que existem. A ironia pode ser entendida na política quando homens
de estado perseguem nais e depois recuam sobre eles, indo para o lado
oposto. Hugh R. Wilson na obra Diplomat between Wars, arma que a
política norte-americana era de ‘enorme imporncia’ para a Liga das Na-
ções durante a crise na Manchúria, 77 o que torna irônico o receio norte-
-americano de compromisso e envolvimento, no entanto, ao se recusar a
qualquer empenho naquele momento, a política norte-americana se viu
envolvida e tornou o próprio envolvimento na luta contra Japão ainda
mais acentuado.
É igualmente irônico que a Grã-Bretanha e a França tenham en-
trado na guerra em 1939 para restaurar a balança de poderes na Europa,
destruindo o Nazismo Alemão e se unindo a União Soviética para este
propósito. O irônico nisso tudo é que o desfecho da guerra resultou em
uma Europa ainda mais desbalanceada pelo poder de Stalin como tinha
acontecido com Hitler.
Em seu livro The Irony of American History, Reinhold Niebuhr colo-
ca “a necessidade de utilizar a ameaça de destruição atômica como um
instrumento para a preservação da paz... (como) um elemento trágico em
nossa situação contemporânea.78
Isso não é tgico, mas unicamente irônico. Não é trágico porque
nós estamos envolvidos nesta situação e não podemos nos separar deste
problema. Uma visão trágica necessariamente possui um movimento, ou
um ritmo: em primeiro lugar um ponto de vista externo ao drama – dis-
tanciado, e então uma proteção própria no drama – uma identicação. E
por último, o descobrimento da relevância universal do drama, o reco-
nhecimento de possuir uma verdade sobre toda a humanidade, incluindo
nós mesmos. Isto é a puricação, o reconhecimento próprio que acaba
por trazer um profundo entendimento da espécie humana.
74. Cf. F. P. Walters, A History of the
League of Nations (London: RIIA and
Oxford University Press, 1952), vol. II,
pp. 648ff.
75. Nota da edição em português: Aqui
a referência do autor é ao Diálogo
Meliano, uma passagem da obra de
Tucídides sobre a Guerra do Peloponeso
(History of the Peloponnesian War).
76. William Shakespeare, Macbeth, Ato
3 Cena 1.
77. Hugh R. Wilson, Diplomat between
Wars (London: Longmans, Green & Co.,
1941), p. 260.
78. Reinhold Niebuhr, The Irony of
American History (London: Nisbet & Co.
Ltd, 1952), prefácio, pp. ix-x.
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estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 10, n. 2, (jun. 2022), p. 118-135
Nós admiramos a compaixão de Édipo, de Otelo, ou de Lorde Ce-
cil e dos homens da Liga das Nações 79, porque nós nos identicamos nas
pessoas deles, reconhecemo-nos neles. No entanto, não existe este movi-
mento de tgico entendimento em relação a nossa situação contempo-
nea. A única emoção que podemos sentir sobre a ameaça de destruição
atômica como um instrumento para a paz é pena de nós próprios, o que
não é uma emoção trágica. Entre todas as emoções é notoriamente a mais
impura e não puricante, exatamente o oposto do reconhecimento pró-
prio como parte da humanidade. Niebuhr, um Maquiavélico cristão (veja
o Anexo I) em seu livro Irony of American History (1952), falsica a relação
entre ironia e a tragédia, mostrando a falta de habilidade Maquiavélica
para entender a natureza da tragédia.
Se um conhecedor da ironia na vida política é solenemente deslum-
brado com o assunto, se ele fala sobre a ironia trágica, ele pode ser carac-
terizado como um Maquiavélico ‘fraco’ – um cristão. Se ele é fascinado e
intelectualmente interessado por isso, ele é caracterizado como um Ma-
quiavélico central, assim como o próprio mestre. Mas se ele se diverte
com a ironia da vida política ele é um Maquiavélico extremista, um cíni-
co, um homem que aprecia os sofrimentos e as diculdades dos outros.
Maquiavélicos não entendem a natureza da tragédia da mesma for-
ma Grocianos são incapazes de entender a estrutura ou a textura da iro-
nia, a qual possui uma série de vertentes.
A primeira delas é a respeito da ironia ser um mero acidente. Cé-
sar Bórgia tomou várias precauções antes da morte de Alexandre VI: ele
exterminou seus inimigos na medida do possível, conquistou a nobreza
de Roma, conquistou o Colégio dos Cardiais80 e começou a adquirir um
poder territorial autossuciente (que ele não chegou a conquistar comple-
tamente).
Ele pode também ter produzido o novo Papa, ou ao menos vetado
um Papa não satisfatório para o contexto. Maquiavel recorda: “No dia que
Julio II foi eleito, ele me contou que tinha pensado em tudo que poderia
acontecer no acontecimento da morte de seu pai, e havia encontrado a
solução para tudo, exceto que ele não havia previsto que, ao acontecer a
morte de seu pai, ele próprio estaria a ponto de morrer.81
Igualmente neste século ocorreu uma incerteza na posse do vice-
-presidente dos Estados Unidos, quando Truman foi escolhido no lugar
de Wallace em 1944 82, bem como, a doença não esperada de [Robert An-
thony] Eden, no auge da Guerra de Suez no ano de 1956.
Outra vertente da ironia histórica é a múltipla ou a cumulativa cau-
salidade para um único resultado. Desta forma, existem muitos equívo-
cos na política de Luis XII na Itália, uma vez que ele destruiu as pequenas
forças, engrandeceu um grande poder – o papado, e atraiu uma potência
estrangeira – a Espanha. Ainda, ele próprio não se instalou na Ilia e
nem colonizou o território, além disso, enfraqueceu o povo de Veneza.
Qualquer efeito pode acontecer devido à pluralidade de causas”, registra
Maquiavel, “de maneira que, se qualquer uma destas causas faltarem, o
efeito não acontecerá.83
A colocação acima é verdadeira? Existem muitas causas para o
acontecimento da Primeira Guerra Mundial: o nacionalismo dos Eslavos
79. Discurso de Lorde Robert Cecil: “A
Liga está morta, longa vida às Nações
Unidas”. Durante a última Assem-
bleia da Liga no Palácio das Nações,
Genebra, Abril de 1946. Cf. Walters, A
History of the League of Nations, vol.
II, p. 815.
80. Nota da edição em português: Tam-
bém conhecido contemporaneamente
como Sacro Colégio Pontifício.
81. The Prince, cap. VII, Ev. pp. 61-62,
Burd pp. 226-227.
82. Nota da edição em inglês: Cf. Roy
Jenkins, Truman (London: Collins, 1986),
p. 62; Richard Lawrence Miller, Truman:
The Rise to Power (New York: McGraw-
-Hill Book Co., 1986), pp. 383-384; e
William E. Pemberton, Harry S. Truman
(Boston: Twayne Publishers, 1989), pp.
33-34.
83. The Discourses, intro. IX, axioma VII,
vol. I, p. 98.
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Leonardo Dutra Maquiavel e as Relações Internacionais: tradução aberta, para o português, da palestra “Machiavelli,” de Marn Wight (1959-60)
do Sul, o militarismo Austríaco, a rivalidade Russo-Austríaca nos Bálcãs,
o desejo francês de recuperar a Alsácia-Lorena, assim como, a rivalidade
naval Anglo-Gernica. Talvez se alguma destas causas não tivesse ocor-
rido, uma guerra mundial poderia não ter acontecido.
Uma terceira via [da ironia] é a causalidade única capaz de formar
resultados opostos, ou o paradoxo. Os seguidores das ideias Marxistas
são simpáticos a esta vertente: a burguesia criou simultaneamente uma
economia mundial única e a extrema anarquia internacional. A Guerra
dos Sete Anos deu o Canadá para a Grã-Bretanha, retirou a urgência da
defesa das Treze Colônias, no entanto, produziu uma situação para a exis-
tência de um exército permanente no território e aumentou o problema
constitucional dos impostos, o que acabou por resultar na revolução e na
independência [dos Estados Unidos].
A perseguição aos Judeus por Hitler ajudou à formação do estado
de Israel, bem como, resultou no predomínio do realismo e do pensa-
mento geopolítico nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, e na proeza
Soviética na pesquisa e desenvolvimento no campo militar – resultados
que não eram as intenções de Hitler.
Uma quarta linha de pensamento sobre a ironia é a auto frustração,
ou o fracasso. Os homens ao perseguirem um resultado acabam por pro-
duzir outros. Assim, observou Maquiavel na obra O Príncipe: a invasão
francesa na Itália produziu a grandeza da Igreja e a ascensão da Espanha,
assim como, a ruína italiana pode igualmente ser atribuída a estes fatos.
84 O mesmo argumento serve para o Japão, que ao tentar conquistar a
China, fez muito para torná-la a grande potência do Oriente, ao invés do
próprio Japão.85
Ainda, uma quinta vertente na ironia histórica é que a mesma polí-
tica em diferentes circunstâncias irá produzir efeitos diferentes.86
Por último, a sexta linha de pensamento é que políticas contrárias
em diferentes circunstâncias podem produzir o mesmo efeito. Este argu-
mento é discutido em um sentido divertido e sem intenção na obra Dis-
cursos (livro III), quando Maquiavel discute o que seria mais ecaz, se os
árduos métodos ou se alguma metodologia mais suave. Ele cita exemplos
onde humanidade, bondade, decência comum e generosidade pagaram
os dividendos da política, mencionando o caso em que Fabrício rejeitou a
proposta para oferecer veneno à Pirro.87
Apesar disso, Aníbal obteve fama e vitória por métodos exatamen-
te opostos: crueldade, violência, rapinagem e traição, o que confundiu e
fascinou Maquiavel: “Portanto, eu concluo que não importa realmente
como um general se comporte, desde que sua eciência seja tão grande
que compense a maneira como ele age, independente se é desta ou daque-
la maneira... em ambos os modos existem defeitos e perigos, a menos que
estes sejam corrigidos por uma notável eciência. 88
Duas doutrinas estão implícitas nesta passagem formando o prin-
cípio central do pensamento de Maquiavel. O princípio inicial é denomi-
nado ‘virtù, que pode ser tecnicamente chamado de virtuosismo – ‘e-
ciência’ na citação acima – com amplos limites de lealdade ao estado ou
a um líder. A palavra é derivada do Latim ‘virtus’, o caráter apropriado
para ‘vir’.89
84. The Prince, cap. III, Ev. p. 27, Burd
p. 199.
85. Nota da edição em inglês: A
intervenção Anglo-Francesa na guerra
de Suez em 1956 é um grande exemplo
deste tipo de ironia, assim como muitos
outros. Com a intenção de destruir o
nacionalismo Árabe de Nasser, a inter-
venção acabou por fortificar enorme-
mente esta ideologia.
86. Nota da edição em inglês: Martin
Wight não registrou em seus manuscri-
tos exemplos sobre esta vertente, dei-
xando um espaço em branco nas suas
anotações. Contudo, podemos mais uma
vez citar o malfadado caso de Suez,
contrastando os efeitos da intervenção
de [William Ewart] Gladstone no Egito
em 1882 com a de [Robert Anthony]
Eden em 1956.
87. Cf. The Discourses, livro III, disc. 20,
vol. I, p. 524.
Nota da edição em português: Pirro
(318–272 a.C.) rei de Épiro e da Mace-
dônia foi um dos principais opositores
a Roma em seu tempo. Caio Fabrício
Luscino, foi um político e militar da Re-
pública romana, que após a derrota dos
romanos ao rei Pirro de Épiro na batalha
de Heracleia, negociou a paz com Pirro.
88. Ibid., livro III, disc. 21, vol. I, pp.
525, 527.
89. Nota da edição em inglês: Na língua
inglesa a ideia talvez seja mais bem
expressa no poema de Kipling chamado
‘If’ [em português ‘Se’] – com sua última
linha conclusiva. Em seus conselhos
para um jovem aspirante a homem,
seus sábios assessores mundanos
defendem a sua ousadia ao invés da
cautela, assim o poema exala o espírito
Maquiavélico de ‘virtù’.
Nota da edição em português: Em
relação à palavra ‘vir’ em Latim, como
citada na explicação de Wight, ela
possui a tradução de ‘homem’ para o
português.
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Uma marca da expressão ‘virtù’ e da eciência política é não se-
guir o caminho do meio. Repetidamente em Discursos Maquiavel escre-
ve: “Indubitavelmente o meio termo seria o melhor, se fosse possível a
sua adoção. Como, porém, eu estou convencido que este meio termo é
impraticável...” é melhor não estar comprometido inteiramente com um
príncipe nem fazer guerra abertamente a ele. 90
A Guerra de Suez é um bom exemplo de um meio termo mal esco-
lhido. Um julgamento Maquiavélico deste fato seria que a escolha de um
caminho intermedrio era tudo o que estava errado com esta situação.
Existe uma tendência Maquiavélica a favor do extremismo e da cruelda-
de, da ação rme e decisiva, ao passo que a tendência Grociana neste caso
seria a favor da moderação. 91
O segundo princípio de Maquiavel é ‘fortuna’. Existem duas formas
de ascensão para se tornar um príncipe, disse Maquiavel – através da ha-
bilidade ou através de um favor ou sorte (per virtù o per fortuna).92
‘Fortuna’ expressa à ideia que a causalidade na complexidade políti-
ca é tão grande que acaba por ofuscar o cálculo completo, e assim, somen-
te as probabilidades podem ser calculadas. Como Maquiavel registrou
em O Príncipe: “Nunca deixe que qualquer Governo imagine que possa
escolher cursos perfeitamente seguros; preferencialmente deixe que ele
tenha expectativas de ter muitas dúvidas nestes caminhos, porque isto
é provado em assuntos comuns, que nunca se procura evitar problemas
sem correr em direção a outro problema.93
E novamente na obra Discursos:
...em todos os assuntos humanos se nota, quando se examina de
perto, que é impossível remover uma inconveniência sem o aparecimen-
to de outra... Por isso em todas as discussões se deve considerar qual al-
ternativa envolve menos inconveniências e se deve adotar esta alternativa
como o melhor caminho, porque nunca se encontra um assunto que é
claro e que não seja passível de questionamentos. 94
No capítulo XXV de O Príncipe Maquiavel registra que às vezes,
tendo em consideração as resoluções políticas de seu tempo, é tentado a
acreditar que os assuntos humanos estão além do controle do homem, e
ainda, tende a acreditar que estas questões são conduzidas somente por
Deus ou por sorte: “Apesar disso, para não extinguir nossa liberdade de
escolha, eu acho que na verdade a fortuna é o arbitro da metade das nos-
sas ações, no entanto, ela ainda nos deixa conduzir a outra metade, ou
talvez, pouco menos que isso.95
Isto expressa uma experiência universal da política, embora com
uma curiosa estimativa quantitativa sobre o papel da decisão dentro da
estrutura das necessidades. Fortuna pode ser descrita como um rio inun-
dado, destruindo tudo, no entanto, diques e barreiras podem ser levan-
tados contra ele. Como A. J. Taylor cita o próprio Bismarck na biograa
dele: “O homem não pode criar a corrente de eventos. Ele pode apenas
utuar nela e se conduzir,” e igualmente: “um estadista não pode criar
nada sozinho. Ele deve esperar até escutar os passos de Deus ressonando
através dos eventos, e então saltar e agarrar a ponta do manto dele.96
“Eu acredito” disse Maquiavel em O Príncipe que nós obtemos su-
cesso quando nossos caminhos são adequados ao tempo e às circunstân-
90. The Discourses, livro III, disc. 2, vol.
I, pp. 464-465; veja também livro II, disc.
23, p. 425, e vol. II, p. 129.
91. Nota da edição em inglês: Durante a
Guerra de Suez, [Robert Anthony] Eden
consultou Montgomery, que mais tarde
recontou a ocasião em uma entrevista
de um canal de televisão da seguinte
forma: Montgomery – “Primeiro-Minis-
tro. O que você está tentando fazer?”
Eden – “Derrubar Nasser.” Montgomery
– “Então você precisa ir para o Cairo.
Esqueça o Canal e consiga Cairo!” Isto
é uma ilustração das recomendações
de Maquiavel. Os objetivos de Eden
eram Maquiavélicos, mas seus instintos
era Grocianos, como convinha a um
político liberal do ocidente. Os instintos
de Montgomery eram diretamente
Maquiavélicos.
92. The Prince, cap. VII, Ev. p. 54, Burd
p. 213.
Nota da edição em inglês: Para
Shakespeare, “alguns nascem grandes,
alguns conseguem grandeza, e a alguns
a grandeza lhes é imposta.” (Twelfth
Night, Ato 2, Cena 5).
93. The Prince, cap. XXI, Ev. p. 181, Burd
p. 344-345.
94. The Discourses, livro I, disc. 6, vol.
I, p. 255.
95. The Prince, cap. XXV, Ev. p. 203, Burd
p. 358.
96. A. J. Taylor, Bismarck: The Man and
Statesman (London: Hamish Hamilton,
1955), pp. 70, 115.
Nota da edição em inglês: Existe
um exemplo mais recente vindo da
Alemanha, disse Hitler, em um discurso
em Munique em março de 1936: “Eu
vou com a certeza de um sonâmbulo
ao longo do caminho traçado para mim
pela Providência”. Cf. Ian Kershaw,
Hitler (London: Allen Lane, The Penguin
Press, 1998), vol. I, p. 591.
O próprio Wight chamou a atenção
para isso em seu ensaio ‘Germany’ em
The World in March 1939, observando
que aquilo era “talvez a mais terrível
sentença que ele [Hitler] já proferiu,
expressando a ameaça de um passo
irresistivelmente revolucionário, que
era propriamente uma das causas da
desmoralização em seus adversários.
Martin Wight, ‘Germany’, in Arnold
Toynbee and Frank T. Ashton-Gwatkin,
eds., The World in March 1939 (London:
Oxford University Press, 1952), p. 347.
Para a referência citada: Hitler, Discur-
sos (N. H. Baines, ed.)ii, l307.
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Leonardo Dutra Maquiavel e as Relações Internacionais: tradução aberta, para o português, da palestra “Machiavelli,” de Marn Wight (1959-60)
cias, e ainda, que nós não obtemos sucesso quando estas condições não
são estabelecidas.97 Também, esta ideia de ‘fortuna’ pode ser vericada
no comenrio de Napoleão: “Eu quero Marechais com sorte.
Para Maquiavel a chave para o sucesso oportunista é cultivar a ca-
pacidade de julgamento dos eventos, estar preparado, não esperando que
as coisas sempre sejam favoráveis. E ser ousado, não tendo medo no mo-
mento de uma ação decisiva. 98
Então o que é ‘fortuna’, a deusa paΤύχη, ‘sorte’? Para Maquiavel
signicava o casual, o incalculável, ou o acidente nos assuntos humanos.
Anexo I
As Três Tradições no Cristianismo
Maquiavélicos Grocianos Kantianos
São Paulo São Pedro = Marcos Tomismo São João
Santo Agostinho Joaquinismo IV
O estado existe porque os ho-
mens são maus Compelle intrare I
Franciscanos Espirituais
Nominalistas Neo-Escolásticos Calvino
Lutero II Hooker Puritanismo
Niebuhr III Quakers
Erastianismo Evangélicos V
I Nota da edição em inglês: “Obriga-os a entrar” uma frase retirada de Lucas xiv.23 e
usada como um ditado por Santo Agostinho para justificar o recurso da coerção das
autoridades cristãs (igreja ou estado) para aqueles em erro, confusão ou dúvida. A
partir da queda, o homem está moralmente inválido e precisa de um remédio amargo.
II Luteranismo é equivalente ao Maquiavelismo no Cristianismo.
III Niebuhr é um Maquiavélico Cristão.
Nota da edição em inglês: Com uma base Luterana
IV São Joaquim (1145 – 1202) foi um místico italiano que proclamou o reino do Espírito
Santo.
V Nota da edição em inglês: Intensa Atividade Missionária Evangélica de origem
Americana na antiga União Soviética, especialmente na Rússia, lar da histórica Igreja
Ortodoxa por mais de mil anos; deve ser entendida como uma religião contrarrevolu-
cionária.
97. The Prince, cap. XXV, Ev. p. 205, Burd
p. 360. Veja também The Discourses,
livro III, disc. 9, vol. I, p. 496.
98. Nota da edição em inglês: Wight
também registrou a passagem do final
do capítulo XXV de O Príncipe na qual
a submissão da ‘fortuna’ para aqueles
que procuram dominá-la é comparada
ao sucesso de um agressivo cortejo
masculino, praticado pelos jovens.
Aqui novamente Napoleão, natural da
Córsega e de ascendência Toscana,
que possuía o italiano como língua
materna, e que igualmente era de algum
modo um compatriota de Maquiavel
três séculos depois da sua existência,
conseguiu exemplificar o que Maquiavel
significava: todo o início de sua carreira
pode ser visto como o triunfo de um bri-
lhante e ousado oportunista, realizado
no espírito revolucionário de ‘Toujours
de l’audace!