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Marcelo Fernandes Sam King Imperialism and the development myth: how rich countries dominate in the twenty- rst century
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 10, n. 3, (out. 2022), p. 104-110
Segundo King, Lenin teria enfatizado a dominação monopolista
do processo de trabalho; isto é, a produtividade do trabalho na produção
de mercadorias por meio da sistemática aplicação da pesquisa e desenvol-
vimento cientíco (P&D), isto é a intensicação monopolista por meio
da revolução nos meios de produção. A mão-de-obra de alto nível e o
trabalho cientíco estariam cada vez mais concentrados nos Estados im-
perialistas. Assim, a superioridade técnica do monopólio é fundamental
na análise. Pois, seria assim que ele consegue usurpar parte do lucro de
outras empresas. Esse seria o sentido do porque o capital monopolista é
parasitário, conforme King.
Na quarta parte, ‘Monopoly and non- monopoly capital: the econo-
mic core of imperialism’, King buscará aplicar a teoria desenvolvida por
Lenin e sua interpretação ao atual período denominado neoliberal. Con-
forme o autor, o eixo econômico mais essencial no neoliberalismo seria o
monopólio imperialista sobre o processo de trabalho. Os avanços tecno-
lógicos teriam permitido às multinacionais se especializarem apenas nos
processos de trabalho mais avançados e explorar a mão de obra barata
que entrou na oferta mundial desde os anos 1980, em particular da China.
A divisão do trabalho entre capital monopolista e capital não mo-
nopolista seria tanto cooperativa quanto complementar. Entretanto, sua
característica distintiva seria que ela é hierárquica e polarizada. A espe-
cialização do Terceiro Mundo na fabricação de mercadorias faria com que
os países ricos se direcionassem para criação de conhecimento e inven-
ção. Isso signicaria dizer, e King chama a atenção para um estudo da
UNCTAD de 1999, que mesmo países do Terceiro Mundo que exportam
mercadorias manufaturadas estariam numa situação desvantajosa.
King aponta também que a modernização e especialização na pro-
dução de alta tecnologia nos países ricos tem sido auxiliada pelos insumos
baratos nas economias do Terceiro Mundo. Isso reduziria o valor da força de
trabalho nos países imperialistas, além de fornecer todos os tipos de compo-
nentes e serviços baratos, aumentando seus lucros e ajudando a nanciar a
atualização tecnológica nos países ricos. King assume que a chinesa Huawei
seria uma empresa capaz de se transformar em uma empresa nos moldes
dos países imperialistas, mas seria uma exceção. Ademais, os monopólios
conseguem resistir à pressão baixista sobre seus preços. O mesmo não ocor-
re com as empresas do Terceiro Mundo, em qual avanços tecnológicos pres-
sionariam pela redução de preços. (p.165) Os capitais do Terceiro Mundo,
isto é capital não monopolista, poderiam atingir certa forma de monopólio,
porém, ainda assim estariam numa posição “dependente e subordinada”.
Quanto ao Estado, King acredita que este cresceu em importância,
ao contrário do que pensam os teóricos da “globalização” que tendem a
omitir a importância do poder estatal. Atualmente o processo de produ-
ção alcançou uma escala e complexidade tão elevadas que para atender
suas necessidades e manter seu desenvolvimento seria necessária uma
quantidade de recursos que somente podem ser satisfeitos com a lideran-
ça do Estado imperialista.
Na parte V, “China: Third World capitalismo par excellence”, King
vai enfrentar a questão que considero mais inglória. Não é tarefa fácil
provar que a China não apenas não é socialista – socialismo de mercado,
nômica centrada na necessidade de exportação de capital. King arma
que, embora a exportação de capital seja importante, não seria o “the
lynchpin” na teoria de Lenin. O autor lembra que dentre a lista das cinco
“características básicas” do imperialismo, é o monopólio, como o próprio
Lenin destacou, que aparece como a principal. Outra caricatura seria que
Lenin apresentou o imperialismo como sinônimo de colonialismo ou que
o colonialismo seria vital ao imperialismo. Lenin enfatizou esse ponto,
pois existiam diversas colônias no momento em que ele escrevia. Porém,
das cinco características mencionadas por Lenin, o colonialismo nem se-
quer é mencionado. A quinta característica apresentada por Lenin, ‘(5) the
territorial division of the whole world among the biggest capitalist po-
wers is completed’, engloba mais do que as colônias. De fato, ao contrário
de Bukharin, Lenin se opôs à ideia de que a autodeterminação das nações
seria impossível sob o imperialismo.
A obra possui um capítulo discutindo (capítulo 6) o que Lenin
entendia como “estágio superior do capitalismo”. King vai mostrar que
ele não estaria assumindo o colapso iminente do capitalismo, porque foi
assim que alguns autores entenderam o conceito de “parasitic decaying
capitalism” (p.96). Segundo ele, Lenin se referia a um conceito especí-
co exposto por Marx no volume 3 do Capital quando escreveu “‘highest
stage’ of capitalism” (p.97). Nesta obra Marx analisa características do ca-
pitalismo que se tornariam dominantes no começo do século XX. Carac-
terísticas como a sociedade por ações, percussora das multinacionais; a
separação da propriedade do capital das funções gerenciais no processo
imediato de produção; os monopólios; o surgimento de uma “aristocracia
nanceira” e; parasitismo na forma de rentistas. A caracterização de “ca-
pitalista nanceiro” não estaria relacionada com o fato de tal propriedade
estar ou não no setor nanceiro.
Lenin irá mostrar que o capitalismo em sua época já teria alcan-
çado um grau de socialização que trouxe consigo características que se
tornaram marcantes. Portanto, o “estágio superior” refere-se ao mais alto
desenvolvimento possível das relações sociais de produção antes da revo-
lução social. A oligarquia nanceira, que vive do rentismo, alcançou um
poder inédito no estágio imperialista. Este seria o sentido histórico, diz
King, do rentier citado por Lenin.
Um ponto importante destacado na obra é que os termos “capital nan-
ceiro”, “capital monopolista” e “capital nanceiro monopolista” seriam usados
de forma alternada no Imperialismo. No entanto, os oponentes marxistas de
Lenin normalmente selecionam o termo “capital nanceiro” para o criticar.
A predileção pelo termo “capital nanceiro” se relacionaria a uma caricatura
comum: a de que o “capital nanceiro” seria entendido da forma mais usual
como o termo é entendido, isto é, com os bancos, nanças, seguradoras etc.
Porém, isso deixaria nebuloso o que Lenin queria dizer com o conceito de “es-
tágio superior do capitalismo”. Por exemplo, suas palavras sobre o parasitismo
seriam normalmente interpretadas como pertencentes a apenas uma parte da
burguesia ligada ao setor nanceiro. Entretanto, diz King, “to attribute this
position to Lenin contradicts what Lenin actually wrote. He unambiguously
endorses Hilferding’s observation of the increasing closeness of banking and
industry. He denes nance capital as their ‘coalescence’”. (p.103).