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estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 11, n. 3, (out. 2023), p. 50-71
A economia política internacional da
questão agroalimentar na Rússia
The international political economy of the agrifood
question in Russia
La economía política internacional de la cuestión
agroalimentaria en Rusia
Fabiano Escher1
DOI: 10.5752/P.2317-773X.2023v11n3p50-71
Recebido em: 21 de outubro de 2023
Aprovado em: 22 de março de 2024
R
O artigo analisa as transformações, tendências e contradições do sistema
agroalimentar russo e suas implicações globais de longo alcance. A análise
emprega o arcabouço teórico-metodológico da economia política internacional
da agricultura e da alimentação. O argumento é que as recentes dinâmicas eco-
nômicas, sociais e políticas na Rússia respondem, em larga medida, aos desaos
desencadeados pelo deslocamento da “questão agrária” clássica para a “questão
agroalimentar” contemporânea. A questão agroalimentar abrange três grandes
problemáticas: acumulação de capital, reprodução social e poder político. A pes-
quisa recorre a uma abrangente revisão da literatura especializada e qualicada,
bem como a documentos e dados estatísticos ociais relevantes, tanto de fontes
russas como internacionais. A análise da questão agroalimentar mostra-se bas-
tante fértil para examinar a recente trajetória de desenvolvimento e projeção de
poder da Rússia e a sua inserção no regime alimentar internacional contempo-
râneo, chamando atenção para a abertura de uma formidável, mas ainda pouco
explorada, agenda de pesquisas em economia política internacional.
Palavras-chave: Rússia. Agronegócio. Agricultura Familiar. Segurança Alimen-
tar. Geopolítica.
A
The article analyses the transformations, trends, and contradictions of the
Russian agrifood system and its far-reaching global implications. The analysis
employs the theoretical-methodological framework of international political
economy of agriculture and food. The argument is that recent economic, social,
and political dynamics in Russia largely respond to the challenges triggered
by the shift from the classic ‘agrarian question’ to the contemporary ‘agrifood
question’. The agrifood question encompasses three major problematics: capital
accumulation, social reproduction, and political power. The research draws on a
comprehensive review of specialized and qualied literature, as well as relevant
1. Professor do Departamento de De-
senvolvimento, Agricultura e Sociedade
(DDAS) e do Programa de Pós-Gradua-
ção de Ciências Sociais em Desenvolvi-
mento, Agricultura e Sociedade (CPDA),
Universidade Federal Rural do Rio de
Janeiro (UFRRJ). Doutor em Desenvol-
vimento Rural pelo Programa de Pós-
-Graduação em Desenvolvimento Rural
(PGDR), Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS), com doutorado
sanduíche no College of Humanities and
Development Studies (COHD), China
Agricultural University (CAU). Mestre
em Desenvolvimento Rural pelo PGDR/
UFRGS. Graduado em Ciências Econô-
micas pela Universidade Estadual do
Oeste do Paraná (UNIOESTE). Pós-Dou-
torado no CPDA/UFRRJ, em parceria
com o Instituto Nacional de Ciência e
Tecnologia em Políticas Públicas, Estra-
tégia e Desenvolvimento (INCT PPED),
Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ) (2017-2018). Pós-Doutorado no
COHD/CAU, Beijing, China (2019), pelo
Programa Pós-Doutorado no Exterior da
CAPES. Pós-Doutorado no CPDA/UFRRJ,
pelo Programa Pós-Doutorado Nota 10
da FAPERJ (2020). É membro do Grupo
de Estudos sobre Mudanças Sociais,
Agronegócio e Políticas Públicas
(GEMAP/UFRRJ), do Grupo de Estudos e
Pesquisas em Agricultura, Alimentação
e Desenvolvimento (GEPAD/UFRGS), do
Grupo de Pesquisas Mercados, Redes
e Valores (MRV/UFRRJ) e do Grupo de
Pesquisas BRICS Initiative for Critical
Agrarian Studies (BICAS/Interinstitucio-
nal). Possui experiência e interesse nas
áreas de Economia Política Internacional
e Comparada, Sociologia Econômica,
Economia Institucional, Desenvolvimen-
to Socioeconômico, Desenvolvimento
Rural, Agricultura Familiar, Sistema
Agroalimentar, China contemporânea
e BRICS.
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Fabiano Escher A economia políca internacional da questão agroalimentar na Rússia
ocial documents and statistical data, both from Russian and international
sources. The analysis of the agrifood question proves to be quite fertile to ex-
amine the recent trajectory of development and power projection of Russia and
its insertion in the contemporary international food regime, calling attention to
the opening of a formidable, but still little explored, research agenda in interna-
tional political economy.
Keywords: Russia. Agribusiness. Family Farming. Food Security. Geopolitics.
R
El artículo analiza las transformaciones, tendencias y contradicciones del
sistema agroalimentario ruso y sus implicaciones globales de longo alcance. El
análisis emplea el marco teórico-metodológico de la economía política inter-
nacional de la agricultura y la alimentación. El argumento es que las dinámicas
económicas, sociales y políticas recientes en Rusia responden, en larga medida,
a los desafíos desencadenados por el paso de la “cuestión agraria” clásica a la
“cuestión agroalimentaria” contemporánea. La cuestión agroalimentaria abarca
tres grandes problemáticas: acumulación de capital, reproducción social y poder
político. La investigación se basa en una amplia revisión de literatura especiali-
zada y calicada, así como en documentos y datos estadísticos ociales rele-
vantes, tanto de fuentes rusas como internacionales. El análisis de la cuestión
agroalimentaria resulta bastante fértil para examinar la reciente trayectoria de
desarrollo y proyección de poder de Rusia y su inserción en el régimen alimen-
tario internacional contemporáneo, llamando la atención sobre la apertura de
una formidable, pero aún poco explorada, agenda de investigación en economía
política internacional.
Palabras clave: Rusia. Agronegocio. Agricultura Familiar. Seguridad Alimenta-
ria. Geopolítica.
Introdução
A invasão da Ucrânia pela Rússia exacerba a rna da ordem mun-
dial neoliberal deagrada pela crise nanceira global de 2008, aprofunda-
da pela guerra comercial e tecnogica entre EUA e China, acelerada pela
pandemia de Covid-19 e agora escancarada pela guerra Israelense contra
os Palestinos. São múltiplas as incertezas e preocupações que surgem em
todo o mundo com as consequências da guerra na Ucrânia e das duras
saões econômicas impostas à Rússia (Cheng, 2022). A Organização das
Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) chama especial
atenção para os riscos e impactos do conito sobre os mercados agrícolas
e a segurança alimentar global.
Em 2021, a Federação Russa ou a Ucrânia (ou ambas) caram entre os três princi-
pais exportadores globais de trigo, milho, colza e sementes e óleo de girassol,
enquanto a Federação Russa também se destacou como maior exportador mun-
dial de fertilizantes nitrogenados, segundo maior fornecedor de fertilizantes po-
tássicos e terceiro maior exportador de fertilizantes fosfatados. Essa concentração
pode expor tais mercados a uma maior vulnerabilidade a choques e volatilidade.
[Vários países] que se enquadram nos grupos de países menos desenvolvidos
(PMD) e países de baixa renda com décit alimentar (PBRDA), dependem de
suprimentos alimentares ucranianos e russos para atender às suas necessidades
de consumo. Muitos desses países, já antes do conito, vinham enfrentando
os efeitos negativos dos altos preços internacionais de alimentos e fertilizantes
(FAO, 2022, p.1).
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Na imprensa brasileira, analistas alertam para as repercussões do
contencioso sobre o aumento dos custos de produção agrícola decorren-
tes do choque na oferta e nos preços dos fertilizantes, dos índices de pre-
ços dos alimentos ao consumidor, particularmente dos derivados de tri-
go, e dos indicadores de insegurança alimentar no Brasil, que se agravam
desde 2018, muito antes da pandemia, depois do país ter saído do Mapa
da Fome da FAO, em 2014 (DBO, 2022; ESTADÃO, 2022; BBC, 2022; IFZ,
2022). Salta aos olhos, entretanto, a carência de conhecimento e produção
acadêmica especializada no Brasil sobre questões ligadas à agricultura,
alimentação e ruralidade na Rússia contemponea.
São poucas e aprecveis as exceções. Requião e Gonçalves (2021)
apresentam um panorama da evolução do mercado agrícola russo ao lon-
go das últimas décadas no intuito de avaliar desaos e oportunidades e
oferecer sugestões para a melhor inserção das exportações do agronegó-
cio brasileiro nesse mercado. Niederle et al (2018) fazem uma alise com-
parada das monoculturas da soja e do trigo nas estratégias de inserção
internacional das economias brasileira e russa, destacando os padrões de
intervenção estatal subjacentes, de caráter mais liberalizante e subordi-
nado no Brasil e mais protecionista e autônomo na Rússia. Lima e Dias
(2018) argumentam que ao centrar-se na diminuição das importações de
alimentos e na produção de excedentes agrícolas exportáveis, o Kremlin
visa reduzir a vulnerabilidade econômica do país em um contexto geo-
político hostil, a m de projetar poder e inserir-se internacionalmente de
maneira mais soberana.
Esses trabalhos oferecem contribuições pertinentes, mas não se
propõem a analisar o conjunto das recentes transformações, tendências
e contradições do sistema agroalimentar russo e suas implicações globais
de longo alcance. O objetivo do artigo é justamente fazer isso a partir
do arcabouço teórico-metodológico da economia política internacional.
Como as dinâmicas observadas no sistema agroalimentar e nas relações
sociais rurais russas afetam a sua trajetória de desenvolvimento e a sua
projeção internacional de poder? Argumento que as recentes dimicas
econômicas, sociais e políticas na Rússia respondem, em larga medida,
aos desaos desencadeados pelo deslocamento da “questão agrária” clás-
sica para a “questão agroalimentar contemporânea. Esses desaos dizem
respeito à articulação de um novo regime de acumulação de capital na
agricultura e no sistema agroalimentar, aos novos padrões de reprodução
social dos meios de vida das classes urbanas e rurais e ao caráter do esta-
do e sua política nacional de segurança alimentar em meio a crescentes
tensões geopolíticas.
Metodologicamente, a pesquisa recorre a uma abrangente revisão
da literatura especializada e qualicada, bem como a documentos e dados
estatísticos ociais relevantes de fontes russas e internacionais. A próxi-
ma seção situa historicamente a Rússia na evolução dos regimes alimen-
tares internacionais. As três seções seguintes tratam das problemáticas da
questão agroalimentar contemporânea na Rússia: acumulação de capital,
reprodução social e poder político. A seção nal sumariza conclusões e
aponta direções de pesquisa.
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Fabiano Escher A economia políca internacional da questão agroalimentar na Rússia
A inserção russa nos regimes alimentares internacionais: teoria e história
Byres (1986) oferece uma síntese do intrincado debate sobre a
questão agria no pensamento marxista clássico. Marx superou as
teorias da renda da terra de Smith e Ricardo e interpretou a transição
para o capitalismo na Inglaterra a partir da assim chamada acumulação
primitiva. Mas foram somente seus continuadores na Alemanha e na
Rússia que vieram a tratar das especicidades teóricas da questão agria.
Em Engels, a questão assume um sentido primordialmente “político”, so-
bre as contradições entre campesinato e latifundrios e sua articulação
com o conito fundamental entre proletariado e burguesia nos proces-
sos de construção do estado moderno e nas lutas pelo socialismo. Para
Kautsky e Lenin, a questão era essencialmente “sociogica, sobre as for-
mas de desenvolvimento do capitalismo na agricultura a partir do predo-
mínio da propriedade privada da terra, do trabalho assalariado e da gran-
de indústria e as suas implicações para a diferenciação social rural. Para
Bukharin e Preobrazhensky, a questão era prioritariamente “econômica,
sobre a extração, apropriação e transferência de excedentes agrícolas (tra-
balho, alimentos, matérias primas, recursos nanceiros) para sustentar a
acumulação de capital, a transformação estrutural e a industrialização
em condões de desenvolvimento tardio (Byres, 1986).
Friedmann e McMichael (1989), todavia, inauguraram uma nova
economia política internacional da questão agroalimentar ao proporem
uma abordagem teórica e histórica sobre o lugar da agricultura e da ali-
mentação na evolução da economia mundial e do sistema de estados, ten-
do como núcleo analítico o conceito de “regime alimentar”.
A denição de regimes alimentares inclui constelações de relações de classe,
especialização geográca e poder interestatal, articulando ‘relações internacio-
nais de produção e consumo alimentar’ a ‘períodos de acumulação de capital’
(Friedmann, 2009, p.335).
[O conceito possibilita] identicar os fundamentos agroalimentares de períodos
históricos, ciclos ou mesmo tendências seculares do capitalismo (McMichael,
2009, p.148).
Apesar de algumas controvérsias, possui amplo respaldo a periodi-
zação que concebe três regimes alimentares na história do capitalismo,
onde a Russia sempre teve lugar de destaque (Escher, 2021). O primeiro
regime (1870-1914/30) foi erigido sob a hegemonia do Império Brinico,
o padrão ouro, a ideologia do livre comércio e a subordinação das perife-
rias coloniais ou dependentes como fornecedoras de alimentos e matérias
primas para a indústria dos centros imperialistas. Graças à obschina e ao
mir garantindo o acesso à terra aos camponeses, a emancipação dos ser-
vos em 1861 pouco favoreceu a formação de uma reserva de mão de obra
para a indústria nascente russa. E dada a vasta disponibilidade de uma
força de trabalho barata no rural, a nobreza latifundiária tampouco de-
monstrou interesse em introduzir inovações e aumentar a produtividade
da agricultura (Gerschenkron, 2015). Mas isso não impediu que as ex-
portões de grãos entre 1860 e 1905 quintuplicasse, alcançando metade
das exportações totais do país, com a agricultura camponesa espremida
respondendo por 3/4 de toda a produção (Shanin, 1986). Entre 1850 e 1914,
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quando estoura a Primeira Guerra Mundial, 80% do trigo comercializado
internacionalmente provinha de Rússia, EUA e Canadá, sendo a Rússia
responsável por cerca de metade do total, servindo de esteio do regime
alimentar (Krausmann; Langthaler, 2019).
O segundo regime (1945-1973/85) foi construído sob a hegemonia
dos EUA, o sistema monerio de Bretton Woods, a ideologia anticomu-
nista da Guerra Fria e a subordinação das periferias através da difusão
dos programas de “ajuda alimentar” e dos pacotes tecnológicos da “re-
volução verde. O rompimento da aliança operário-camponesa com o
m da Nova Política Econômica (NEP) e a coletivização forçada da agri-
cultura resultaram na formação de grandes fazendas estatais (sovkhozy)
e coletivas (kohlkhozy) mecanizadas, de onde eram extraídos os recursos
para a industrialização sovtica (Niederle et al, 2018). A URSS partici-
pou de Bretton Woods, mas não aderiu ao Acordo Geral sobre Comércio
e Tarifas (GATT), senão criou o Conselho de Assistência Econômica
tua (COMECON) para promover o comércio intrabloco, protegendo
seus consumidores e produtores das turbulências do mercado mundial.
Durante as décadas de 1960 e 1970, a URSS se viu várias vezes obrigada a
recorrer à importações de grãos, levantando críticas nos EUA, seu princi-
pal fornecedor. E nos anos 1980 tornou-se um cliente regular do Ocidente,
importando também carne, frutas, legumes, óleo vegetal e açúcar além
de grãos, mas sem cumprir um papel muito relevante no regime alimen-
tar (Wegren; Nilssen, 2022).
O terceiro regime (1995-hoje) foi erguido sob a atualizada hege-
monia dos EUA, o sistema monetário do dólar exível, a ideologia neo-
liberal e o predomínio das corporações transnacionais do agronegócio.
Mas a adesão da China à Organização Mundial do Comércio (OMC) e
ao Acordo sobre Agricultura (AoA), em 2001, ao lado do maior protago-
nismo dos BRICS, tem contribuído para aumentar o poder de barganha
dos países periféricos e semiperiféricos frente às imposições dos países
centrais, intensicando os impasses da OMC. As reformas pró-mercado
implementadas nos anos 1990 por Boris Yeltsin incluíram a privatização
da terra e dos ativos dos kolkhozy e sovkhozy. A “terapia de choque” de-
sorganizou a agricultura, fez a produção desabar e desmontou o sistema
de bem-estar existente, deixando as falias em condições vulneráveis
(Niederle et al, 2018). A dependência de importações massivas de alimen-
tos para compensar a queda da produção doméstica acompanhou a libe-
ralização comercial após 1992, que reduziu barreiras taririas em anteci-
pação a adesão à OMC, em 2012. A crise nanceira russa e a subsequente
desvalorização do rublo em 1998 tornaram a situação insustentável, aler-
tando sobre as ameaças à segurança alimentar nacional e a necessidade
de o governo assumir um papel mais ativo na regulação e proteção do
mercado doméstico. Esse doloroso processo de integração ao regime ali-
mentar pavimentou o caminho para a mudança de rumo iniciada por
Putin (Wegren; Nilssen, 2022).
A discussão precedente deixa claro que a questão agria clássica
sofreu deslocamentos históricos e teóricos e adquiriu novos signica-
dos. Mesmo assim, seguindo os três sentidos da questão no pensamento
marxista clássico, sugere-se que a questão agroalimentar contemponea
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Fabiano Escher A economia políca internacional da questão agroalimentar na Rússia
também comporta três grandes “problemáticas”. A primeira é a “acumu-
lação de capital, que trata do lugar da agricultura e do sistema agroali-
mentar na dimica econômica, especialmente as ligações intersetoriais
das empresas de agronegócio e seu desempenho nos mercados interno e
externo. A segunda é a “reprodução social, que trata dos níveis de transi-
ção nutricional e suas implicações nas dietas dos consumidores urbanos,
bem como da mercantilização da agricultura e seus efeitos nos meios de
vida rurais. A terceira é o “poder político”, que trata das contradições,
conitos, alianças e compromissos entre as classes rurais e as demais clas-
ses sociais na denição do caráter do estado e das políticas públicas para
agricultura e segurança alimentar, entre outras (e.g., econômica, social e
externa). É claro que essa distinção entre as três problemáticas é somente
analítica, uma vez que, na prática, elas encontram-se profundamente co-
nectadas e entrelaçadas na realidade concreta russa.
Acumulação de capital: expansão das agroholdings e abertura de mercados
Através da liberalização nanceira e da privatização de ativos esta-
tais, as reformas de mercado da década de 1990 ensejaram a restauração
do capitalismo na Rússia, com a ascensão do capital nanceiro na forma
de grandes conglomerados industriais controlados por grandes bancos na
extração mineral, na construção civil e na mídia. Mas desde a subida de
Putin ao poder, em 2000, passou-se a articular um novo regime de acu-
mulação ancorado em um projeto nacionalista de reorganização do esta-
do russo que combina a expansão da indústria de petróleo e gás, voltada
à exportação, do complexo industrial-militar, das nanças e do mercado
interno (Medeiros, 2011).
A agricultura e o sistema agroalimentar, entretanto, não foram ar-
ticulados de imediato ao novo regime de acumulação. A partir de 1992, os
antigos kolkhozy e sovkhozy foram assumindo novas formas jurídicas (socie-
dades anônimas, sociedades limitadas, etc.) e seus ex-membros e funcioná-
rios receberam certicados em papel, tornando-se uma espécie de “acio-
nistas”. Apenas uma minoria converteu seus certicados em parcelas reais
de terra, registrando-as como propriedades camponesas. Em comparação
com as privatizações em outros setores, a privatização da propriedade
agria mostrou-se menos excitante. Gigantes da energia como Gazprom
e Lukoil chegaram adquirir terras agrícolas de devedores inadimplentes,
mas acabaram por revendê-las. Em 2002, entrou em vigor a Lei Federal
de Transações de Terras Agrícolas especicando os procedimentos para
a venda ou transferência de terras para o capital das empresas agrícolas
reestruturadas em troca de compensações monetárias. Mas foi somente
durante o segundo mandato de Putin (2004-2008), com o forte crescimento
econômico, o boom dos preços das commodities e o aquecimento da deman-
da interna e externa, que a terra veio a ser percebida como um ativo valori-
zado, atraindo capitais vindos de outros países e setores para o agronegócio
russo (Visser; Mamonova; Spoor, 2012).2 Teve início então um processo
de formação de megafazendas, em geral consolidadas sob a propriedade e
o controle de “agroholdings” pertencentes à oligarcas conhecidos – razão
pela qual ganharam o apelido de “oligarkhozy” (Nikulin, 2011).
2. A maior parte dos investimentos na
agricultura russa era capital “repatria-
do” de seus oligarcas, mas também
incluía fundos soberanos do Bahrein,
Emirados Árabes Unidos e Arábia
Saudita, Líbia, Coreia do Sul e China,
bem como uma variedade fundos de
pensão, fundos de hedge e fundos de
private equity dos EUA, Canadá, Israel,
Dinamarca, Alemanha, Luxemburgo,
Suécia e Suíça, etc. (Wengle, 2021).
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O Censo Agropecuário Russo 2016 classica 19,592 das 36 mil “or-
ganizações agropecuárias” registradas como “grandes empresas agro-
pecuárias” (ROSSTAT, 2018). Agroholdings são grupos econômicos que
congregam várias dessas entidades legalmente independentes, controla-
dos por uma empresa matriz ou por uma pessoa física com participa-
ção majoritária, que podem incluir produtores agrícolas, processadores,
prestadores de serviços e outros operadores vinculados com atividades
agrícolas. São basicamente grandes corporações agroindustriais horizon-
tal e verticalmente integradas, não muito distintas das existentes no agro-
negócio brasileiro. Em 2016, foram identicadas 1,063 agroholdings que
controlam 3,204 empresas, detém 24,3 milhões de hectares e empregam
502 mil pessoas. Desse total, 85 são estatais e 978 privadas. As estatais
controlam 20,3% das empresas, detém 14,4% das terras e comandam 14%
dos empregos, enquanto as privadas controlam 79,7% das empresas, de-
tém 85,6% das terras e empregam 86% dos trabalhadores. Considerando
o total das agroholdings privadas, apenas 6,3% delas são de propriedade
estrangeira, mas controlam 9,9% das empresas, detém 21,6% das terras
e comandam 22,2% dos empregos. Investidores internacionais entram
no mercado de terras por meio da criação de subsidiárias russas, pois a
aquisição direta de terras por estrangeiros não é ocialmente permitida.
Entretanto, uma empresa estrangeira pode ser registrada em oshores por
cidadãos russos ou ter sócios russos, enquanto empresas de processamen-
to e distribuição podem ser simplesmente liais de multinacionais. Em
2016, as agroholdings geraram aproximadamente metade dos lucros e das
vendas totais das grandes empresas agropecuárias que somaram RUB$
2,6 trilhões. As 100 maiores agroholdings, cujas receitas superam RUB$
2 bilhões por ano cada, abocanharam sozinhas 37% de todo esse valor
(Uzun; Shagaida; Lerman, 2021).
A concentração de poder econômico das agroholdings é evidente
no fato de que, em 2016, os cinco maiores proprietários controlavam 3,7
milhões de hectares de terras agrícolas na Rússia: Miratorg com 1 milhão
de ha; Prodimeks/Agrokultura com 865 mil ha; Agrocompleks com 653
mil ha; Rusagro com 643 mil ha; e EkoNiva com 599 mil ha. Prodimeks,
de propriedade majoritária de Igor Khudormov, é a maior produtora de
açúcar e beterraba, fornecendo para Coca-Cola e Pepsi, além produzir
trigo, cevada, girassol, milho e soja. Rusagro, controlada por Vadim
Moskovich, é a maior fabricante de margarina, a segunda maior fabri-
cante de maionese e óleos vegetais, a terceira de açúcar e um dos maio-
res produtores de soja e milho. Miratorg, controlada pelos irmãos Viktor
e Aleksandr Linnik, é a maior produtora de carne suína e a segunda
maior produtora de aves. Cherkizovo, de propriedade majoriria de Igor
Babaev e sua esposa Lidia Mikhailova, é a segunda maior produtora de
carne sna e a terceira maior produtora de aves. Ambas plantam terras e
fabricam ração para suas operões pecuárias verticalmente integradas e
são as maiores processadoras e distribuidoras de carne para o consumidor
nal. EkoNiva, fundada pelo empresário de origem alemã Stefan Dürr,
é a maior produtora de leite. Com as próprias vacas, fábricas de ração e
plantas de processamento, abastece a Danone e outros grandes laticínios
e vende leite uído e produtos lácteos sob marca própria. Agrokompleks,
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Fabiano Escher A economia políca internacional da questão agroalimentar na Rússia
de propriedade da família do ex-ministro da agricultura e ex-governador
de Krasnodar, Aleksandr Tkachev, é outra gigante na indústria de carnes
e laticínios. Os capitalistas donos dessas agroholdings pertencem à classe
dos “super ricos” na Rússia (Wengle, 2021).
Durante a década de 1990, a maioria dos segmentos agrícolas era
organizada em torno de complexos agroindustriais altamente integrados
(combinats) que normalmente incluíam vários ex-kolkhozy e sovkhozy su-
pervisionados por uma grande processadora, a qual utilizava máquinas e
tecnologias herdadas da era soviética. Essa situação vem mudando, com
apoio à importação de tecnologias mais ecientes a partir dos anos 2000 e
à recuperação da indústria nacional de bens de capital para a agricultura
desde 2010 (Grouiez, 2018; Wengle, 2021). O Ministério da Agricultura es-
tima que 10% das 12 mil maiores fazendas da Rússia utilizam tecnologia
avançada do tipo “agricultura digital, incluindo internet das coisas, ro-
bótica, drones, sensores a laser e colheitadeiras sem piloto (Wegren, 2018).
As tecnologias associadas à “agricultura de precisão”, com equipamentos
de informática embarcados em tratores e maquinários, são geralmente
importadas. Mas algumas rmas russas de tecnologia agrícola estão ga-
nhando mercado, como a Rostsel’mash, a maior fabricante de colheita-
deiras do país. Ademais, as agroholdings estão começando a desenvolver
centros nacionais de reprodução genética. A instituição mais importante
na reprodução de suínos na Rússia hoje é o Centro de Seleção Genética
de Znamensk, que recebeu investimentos dos gigantes da carne Miratorg
e Cherkizovo (Wengle, 2021).
A Rússia tem por volta de 128 milhões de hectares de terras agríco-
las realmente utilizados e 94 milhões de hectares não utilizados (em sua
maioria terras de baixa qualidade em áreas inóspitas). Estima-se que 19,3
milhões de hectares de terras abandonadas possam ser recuperados para
o uso produtivo. A população rural russa diminuiu ligeiramente de 38,9
milhões em 1990 para 37,6 milhões em 2018, permanecendo estável em
torno de 26% de um total de 144 milhões de habitantes. Mas a parcela de
trabalhadores agrícolas no emprego total caiu de 14,2% para 5,9% entre
1990 e 2018. Já a produção agropecuária russa cresceu 55% entre 1999
e 2017, após uma queda de 43% entre 1990 e 1999. E a participação do
PIB agropecuário no PIB total aumentou de 3,5% em 2012 para 4,4% em
2017. Entre 1990 e 2017, a produção de trigo, beterraba e hortaliças quase
dobrou, enquanto a produção de girassol triplicou e a de milho sextupli-
cou. A produção de suínos recuperou o nível de 1990 em 2017 e a de aves
cresceu 2,5 vezes no mesmo período. Apenas a produção de carne bovina
e de leite estagnou em cerca de 50% do nível de 1990 (Uzun; Shagaida;
Lerman, 2019).
Se em 2000 as grandes fazendas agropecuárias respondiam por ape-
nas 45% do valor de produção apesar de ocuparem mais de 75% das áreas
de terra, em 2016 elas respondem por 52,8% do valor de produção con-
trolando 68% das áreas de terra. As agroholdings, que expandiram suas
áreas de terra em quase 8 milhões de hectares entre 2006 e 2016, estão na
dianteira desse processo. Elas hoje concentram mais de 30% das terras
controladas pelo total das grandes empresas agropecuárias e 11% do total
das terras agrícolas do país. Embora pouco relevantes na produção de
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estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 11, n. 3, (out. 2023), p. 50-71
vegetais, carne bovina e leite, a sua dominância é absoluta nos ramos mais
lucrativos, concentrados e intensivos em capital, que além de atenderem
o mercado interno têm forte peso nas exportações. As agroholdings sozi-
nhas concentram a produção de 77% da carne suína, 73% das aves, 69%
da beterraba e, junto com as grandes empresas agropecuárias, 70% dos
grãos e 64% das oleaginosas na Rússia (Uzun; Shagaida; Lerman, 2019).
Atualmente as 20 maiores rmas concentram 60% de toda a indústria de
carne sna e 49% da ração animal, enquanto as 25 maiores concentram
43% do abate e distribuição de carne bovina no país (Wegren, 2018).
Essas mudanças estão reposicionando a Rússia no regime alimen-
tar internacional. Entre 2000 e 2020, as importações totais russas cres-
ceram de USD$ 34 para USD$ 240 bilhões e as suas exportações totais
de USD$ 103 para USD$ 336 bilhões, enquanto a proporção de produtos
agroalimentares nas importações totais caiu de 21,5% para 12,2% e nas ex-
portões totais subiu de 1,5% para 9% nesse período. De um importador
alimentar líquido histórico, com décit recorde de USD$ 27 bilhões em
2013, pela primeira vez em mais de meio século a Rússia tornou-se um
exportador alimentar líquido em 2020, com um superávit de USD$ 1,3
bilhão. O ano de 2014 é o ponto de virada, quando a Rússia contrapõe um
embargo alimentar” em reação às sanções impostas pelas nações ociden-
tais depois da anexação da Criméia (Wegren; Nilssen, 2022).
As agroholdings cumprem um papel chave nesse reposicionamen-
to. Previsões pessimistas sobre a expansão da capacidade de produção e
exportação agrícola da Rússia revelaram-se equivocadas (Visser; Spoor;
Mamonova, 2014). Entre 2000 e 2020, a área colhida de trigo aumentou
de 21 para 28 milhões de hectares e a produção de 35 para 85 milhões de
toneladas. Em 2015, a Rússia ultrapassou o Canadá e os EUA, tornando-
-se o maior exportador de trigo do mundo. Com 19% do mercado mun-
dial em 2020, essa posição deve manter-se na próxima década (USDA,
2022). Apesar dos preocupantes impactos negativos da guerra na Ucrânia
em 2022, os principais mercados para o trigo russo – Turquia, Egito,
Bangladesh, Arabia Saudita, Irã e outros países da Ásia, Oriente Médio e
Norte da África – não aderiram às sanções ocidentais, à exceção de alguns
países da Europa, que não obstante seguem recebendo carregamentos
(USDA, 2022a). Embora traders globais de commodities, como a Cargill,
operem sob estritas regulões no mercado russo, players domésticos
dominam o ramo, principalmente agroholdings estatais (Lander, 2018),
sendo que as 15 maiores rmas no ramo exportam 75% dos grãos russos
(Wegren, 2018).
Mesmo na soja, onde a Rússia ocupa posição de menor destaque, a
produção e a exportação têm crescido, respectivamente, a taxas de 14% e
169% entre 2012 e 2020 (USDA, 2022). A China já anunciou uma “aliança
da soja” com a Rússia, para que dos menos de 1% atuais o parceiro ve-
nha a responder por 10% das suas importações totais na próxima década
(Wesz; Escher; Fares, 2023). A trader agrícola Sodrujestvo, propriedade de
Alexandr Lutsenko, parece ser estratégica nessa empreitada. Registrada
em Luxemburgo, a empresa é a maior esmagadora de soja e outras oleagi-
nosas da Rússia, tem operações de originação, processamento e logística
no Paraguai, Brasil, Turquia e Bielorssia e distribui seus produtos por
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Fabiano Escher A economia políca internacional da questão agroalimentar na Rússia
todo Norte, Centro e Leste da Europa, Estados Bálticos e CEI (Escher;
Wilkinson; Pereira, 2018).
A Rússia também fornece quantidades não negligencveis de carne
bovina e lácteos para China, Vietnã, Ucrânia, Cazaquistão e Bielorrússia,
alimentos processados para a CEI, peixes e frutos do mar para Coréia do
Sul, China e Holanda, aves para o Oriente Médio, África, Ásia e Europa
(Dzhancharoval; Ilyasov; Romadikova, 2022). Ainda, agroholdings líde-
res como Miratorg, Cherkizovo, Prioskolye, GAP Resurs, Belgranskorm,
Agrocompleks e Damate, entre outras, apesar da acirrada concorrência
global, em particular com as rmas brasileiras, estão ansiosas para ex-
pandir suas exportações de carnes de aves e suínos para o gigantesco e
promissor mercado chinês (Dzhancharoval; Bolaev; Murtazova, 2021).
Todas essas realizações e expectativas estão rmemente ancoradas no
arcabouço institucional da política nacional de segurança alimentar do
estado russo.
Reprodução social: transição nutricional e agricultura familiar heterogênea
As reformas da década de 1990 resultaram na queda da produção
e no aumento das importações de alimentos, na redução dos níveis de
consumo da população e na maior atenção à relevância da agricultura fa-
miliar. Desde os anos 2000, a mercantilização da agricultura e a expano
das agroholdings, bem como asceno do grande varejo e a difusão das
refeições fora de casa, têm transformado tanto as dietas dos consumido-
res urbanos, que experimentam um processo de transição nutricional,
como os meios de vida dos produtores rurais, que sofrem um processo de
marginalização (Wegren; Nikulin; Trotsuk, 2021).
As possibilidades de consumo alimentar são estruturalmente con-
dicionadas pelos níveis e as desigualdades de renda da população do lado
da demanda e pelas estratégias dos grandes oligopólios na indústria e na
distribuição de alimentos do lado da oferta, o que é normalmente regu-
lado por certas formas de intervenção estatal. A diferenciação das dietas
e tipos de alimento consumidos por distintos segmentos de classe é es-
pecíca de cada país, mas a carne é um item central em qualquer lugar.
Denomina-se “transição nutricional” o conjunto de mudanças nos hábi-
tos alimentares, decorrente do aumento da renda e da urbanização, em
direção a maiores níveis de consumo de proteína animal e produtos ul-
traprocessados em detrimento do consumo de grãos e vegetais in natura
ou minimamente processados, tendo como efeito colateral a maior inci-
dência de obesidade e sobrepeso, doenças crônicas relacionadas e riscos
ambientais (OTERO et al, 2018).
Tal processo encontra-se bastante avançado e possui certas espe-
cicidades na Rússia. No período pós-guerra, a fome deixou de ser um
problema crônico na URSS. Em 1988, a ingestão calórica dria na Rússia
era similar a dos EUA. Mas um alto percentual do orçamento doméstico
era gasto em alimentos, a disponibilidade de muitos itens era irregular e
as longas filas tornaram-se mais frequentes com a introdução dos cupons
de racionamento de comida no inverno de 1990-1991. Entre 1990 e 1999,
a renda per capita caiu de USD$ 3,492 para USD$ 1,330, o número de
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estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 11, n. 3, (out. 2023), p. 50-71
pessoas ocupadas caiu de 74,9 para 64,7 milhões e a ingestão carica diá-
ria média per capita caiu 9%. Em 1991, mais de 40 milhões de pessoas
viviam abaixo da linha da pobreza nacional e na década seguinte o con-
sumo de carnes e lácteos caiu mais de 40%, o de cereais, vegetais e frutas
diminuiu 5% e o de batatas aumentou 11% à medida que os consumido-
res se adaptaram comprando alimentos mais baratos. Essas são médias
nacionais, mas para a população urbana a situação era mais grave, já que
não podia contar com a produção para o autoconsumo como a população
rural (Wegren; Nikulin; Trotsuk, 2021).
A situação mudou depois que Putin se tornou presidente. A econo-
mia russa cresceu a uma taxa média de 7% ao ano entre 2000 e 2008 e a
uma taxa de apenas 1% entre 2009 e 2019. De USD$ 1,771 em 2000, a renda
per capita atingiu USD$ 15,974 em 2013 e caiu para USD$ 11,536 em 2019
(World Bank, 2022). Esse desempenho possibilitou que entre 2000 e 2019
o número de desempregados diminuísse de quase 7,7 para 3,4 milhões e
de pessoas na pobreza pela linha nacional csse de 42 para 17 milhões
(ROSSTAT, 2020). O poder de compra da renda familiar disponível para
uma cesta básica de 23 produtos quase quadruplicou entre 1999 e 2010,
mas voltou a cair na medida em que os preços dos alimentos sofreram
uma elevação de 41% entre 2013 e 2018 (Uzun; Shagaida; Lerman, 2019).
Os gastos com alimentação em relação à renda familiar total despendi-
da em consumo – o chamado “coeciente de Engel” – são elevados na
Rússia em comparação com outros países desenvolvidos ou mesmo mui-
tos emergentes. O coeciente de Engel cresceu de 44% em 1992 para 52%
em 1999, caiu para o mínimo histórico de 26% em 2013 e voltou a subir
para 28% em 2019. Em 2019, enquanto o coeciente de Engel foi de 43%
para o quintil de renda inferior, 40% para o segundo quintil mais baixo
e 35% para o terceiro, foi de 19% para o quintil de renda superior e 31%
para o segundo quintil mais alto (ROSSTAT, 2020).
A ingestão calórica diária per capita da população russa cresceu de
2,394 calorias em 2000 para 2,626 em 2013 e 2,644 em 2019. Como previs-
to pela tese da transição nutricional, na composição das dietas reduziu-se
em 1,5% o consumo de carboidratos e aumentou em 11% o consumo de
proteínas e em 10% o de gorduras, com pouca variação entre domicílios
urbanos e rurais (ROSSTAT, 2020). Como resultado, a prevalência de des-
nutrição no total da população russa passou de 6% em 1996-1998 para
menos de 2,5% desde 2004-2006. Contudo, em 2019-2021 ainda se veri-
ca a prevalência de 5,5% de insegurança alimentar moderada no país,
que afeta as famílias de menor renda. Na atual conjuntura, portanto, a
disponibilidade e o acesso aos alimentos já não constituem mais um pe-
rigo. Hoje a principal preocupação de segurança alimentar para a Rússia
é a sobrenutrição e a obesidade, que acomete mais de 23% da população
(FAO, 2022). Pesquisadores russos encontraram dados ainda mais preocu-
pantes a esse respeito: uma prevalência de obesidade de 30,8% entre mu-
lheres e 26,9% entre homens, intimamente associada ao abuso de álcool
e a incidência de diabetes, distúrbios metabólicos e hiperteno arterial
(Balanova et al, 2018).
Na URSS, grandes lojas estatais gerais e especializadas, coope-
rativas de consumo, feiras organizadas por agricultores membros dos
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Fabiano Escher A economia políca internacional da questão agroalimentar na Rússia
kolkhozy, cafeterias públicas e cozinhas comunitárias eram a base do sis-
tema de distribuição de alimentos. Não era um parso do consumidor,
mas a estabilidade social era garantida pelo controle direto do estado so-
bre o armazenamento e distribuição no atacado e a oferta de produtos e
denição de preços no varejo. Hoje, o estado permite que rmas priva-
das, publicidade e marcas nacionais e estrangeiras moldem a cultura ali-
mentar e os hábitos de consumo na Rússia. A média de gastos dos consu-
midores urbanos com refeições fora de casa subiu de 2,5% do orçamento
familiar em 2002 para 3,7% em 2013, caiu para 3,5% em 2016 e voltou para
3,7% em 2018. Os principais segmentos do varejo de alimentos são lide-
rados pelas rmas russas Magnit, X5 Retail Group, Lenta, Diksi, Azbuka
Vkusa e O’Key, a francesa Auchan e a alemã Metro. Em 2018, as quatro
maiores lojas de desconto controlavam 86% do mercado, as três maiores
redes de supermercados tinham 59% das vendas e os três maiores hiper-
mercados capturaram 30% das receitas. Algumas agroholdings também
têm diversicado seus negócios. A gigante Miratorg, por exemplo, tinha
45 supermercados, dois hipermercados, 11 hamburguerias e 14 açougues
em 2018. Por m, duas agências federais supervisionam diferentes aspec-
tos da segurança dos alimentos: o mandato da Rospotrebnadzor é pro-
teger os consumidores da falsicação de alimentos processados; e o da
Rosselkhoznadzor é prover serviços veterinários e padrões tossanitá-
rios para produtos agrícolas in natura (Wegren; Nikulin; Trotsuk, 2021).
Embora mais intensas entre a população urbana, essas mudanças
também afetaram as relações de produção e os meios de vida rurais. A
reforma agrária da década de 1990 não resultou em direitos fundiários
bem denidos e segurança na posse da terra. A maioria dos ex-membros
das fazendas coletivas considerava os procedimentos cadastrais compli-
cados e burocráticos e os altos custos de registro das suas parcelas como
as principais diculdades para o estabelecimento de pequenas proprie-
dades familiares. Além disso, um dos principais legados dos mais de 60
anos de coletivização foi a erosão da identidade camponesa e a crença na
superioridade das fazendas de grande escala. A maioria dos moradores
rurais russos raramente se autodenomina “camponês” e sim “trabalha-
dor” (Mamonova, 2016). Em vez de formar unidades camponesas, a sua
expectativa no pós-coletivização era que as autoridades públicas atraís-
sem “bons investidores” capazes de recapitalizar as grandes operações
e manter os postos de trabalho e outros benefícios para a comunidade
(Groiez, 2018; Vorbrugg, 2019).
O espaço rural russo é povoado por um vasto conjunto de “unidades
rurais familiares”. O Censo Agropecuário Russo 2016 registra 23 milhões
dessas unidades: 174 mil classicadas como “fazendas camponesas”, 17,5
milhões como “fazendas subsidiárias” e 5,9 milhões como “domicílios ru-
rais”. A última categoria agrega terrenos destinados a residência, casas de
veraneio, jardins e hortas, entre outros ns, ao passo que as duas primei-
ras categorias constituem o que se pode chamar de “agricultura familiar.
Mas cada uma delas é em si mesma heterogênea e possui suas próprias
especicidades. A categoria fazendas camponesas é composta por 136 mil
empreendimentos familiares” e 38 mil “empreendimentos individuais”,
ocupa 377 mil pessoas (57% membros das falias, 25% trabalhadores
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estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 11, n. 3, (out. 2023), p. 50-71
permanentes e 18% trabalhadores temporários), detém 28% das áreas de
terra agrícola e responde por 12,5% do valor de produção total (18,2% da
pecuária e 5,1% da agricultura). Já a categoria fazendas subsidrias ocupa
quase 30 milhões de pessoas (todos membros das famílias), detém 4% das
áreas de terra agrícola e responde por 34,7% do valor de produção total
(38% da pecuária e 32,1% da agricultura). Assim, a agricultura familiar
em seu conjunto realiza 47,2% da produção utilizando somente 32% das
terras (ROSSTAT, 2018). No entanto, enquanto as fazendas familiares de-
dicam o grosso da sua força de trabalho para a produção agropecuária,
operam orientadas para o mercado e obtém a maior parte da sua renda
da venda dos produtos, as fazendas subsidiárias dedicam a sua força de
trabalho apenas parcialmente à produção agropecuária, buscando em ati-
vidades assalariadas a sua principal fonte de renda e produzindo predomi-
nantemente para o autoconsumo, embora também vendam excedentes
de produção no mercado (Pallot; Nefedova, 2007).
Apesar de a coletivização da agricultura ter quebrado o campesina-
to como classe, não se pode imaginar a agricultura sovtica sem o papel
dos “lotes privados” na produção de alimentos para o autoconsumo dos
coletivos e o abastecimento das áreas urbanas. No período pós-soviético,
as expectativas dos reformadores neoliberais de que a descoletivização
e privatização da terra resultariam automaticamente no surgimento de
uma agricultura familiar pujante em moldes europeus foram amplamen-
te frustradas. Com o colapso econômico da década de 1990, a produção de
alimentos por pequenos produtores passou de uma atividade subsidiária
à uma estratégia vital para a sobrevivência das falias rurais e urbanas
diante da grave situação de desemprego, inação e insegurança alimen-
tar, pois compensou em parte o decnio da produção das antigas fazen-
das estatais e coletivas, contribuindo para prevenir a agitação de massas
(Wegren, 2021).
Nos últimos anos, porém, a produção das fazendas subsidiárias,
que de fato representam uma forma social tipicamente camponesa, tem
cado aquém não só das agroholdings, mas também das fazendas cam-
ponesas, que apesar do nome são mais bem descritas como uma forma
de produção comercial. Dados de survey informam que, em 2019, a par-
ticipação das fazendas subsidiárias caiu para 28,6% do valor total de pro-
dução, enquanto as participações das grandes empresas agropecuárias e
das fazendas camponesas subiram para 57,7% e 13,7%, respectivamente
(ROSSTAT, 2020). Em razão das diculdades de acessar crédito, integrar-
-se com processadores e entrar em mercados exigentes e das restrições
legais e burocráticas e falta de apoio do estado, para Wegren (2021) as
fazendas subsidiárias tendem a ser cada vez mais marginalizadas em ter-
mos produtivos.
Outros autores, contudo, ainda que não discordem acerca do favo-
recimento estatal ao agronegócio, enfatizam a notável resiliência e re-
levância da agricultura familiar subsidria. Alexveev e Safronov (2018)
destacam que apesar da redução do peso relativo das fazendas subsidiá-
rias para o valor de produção agropecuária total, a sua contribuição segue
crescendo em termos absolutos e o seu desempenho é diferenciado den-
tro das e entre as regiões, sobretudo por conta de variações geogcas
63
Fabiano Escher A economia políca internacional da questão agroalimentar na Rússia
e naturais, características do padrão de assentamento, estrutura etária e
densidade populacional rural, proximidade de grandes centros urbanos e
presença de agroholdings no território. Evteeva, Rovný, Petriák (2019)
salientam que embora as grandes fazendas e agroholdings dominem na
produção de cereais, oleaginosas, beterraba açucareira, suínos, frango e
ovos, as fazendas subsidiárias produzem 77% das batatas, cerca de 70%
dos vegetais e várias frutas, 57% da carne bovina e 42% do leite, 70% da
carne de ovinos e 94% do mel, enquanto as fazendas camponesas produ-
zem 18% dos vegetais e cerca de 30% dos cereais e das oleaginosas, entre
outros. Yanbykha, Saraikina e Lerman (2020) demonstram que a agricul-
tura familiar contribui com elevados 33,5% das receitas agropecuárias
totais e que, apesar da produção das fazendas subsidiárias ser majoritaria-
mente para o autoconsumo, pouco mais de 3 milhões delas contribuem
com 19% da receita total, mais do que as fazendas camponesas, contra-
riando a visão de que sua participação é marginal no aprovisionamento
dos mercados urbanos.
Esses dados parecem contestar a visão de que as fazendas subsidiá-
rias são, até por denição legal, unidades não comerciais voltadas unica-
mente à subsistência. Mamonova (2016) identica uma permanência de
elementos camponeses na agricultura familiar subsidiária, que se mani-
festa em seu duplo caráter. Por um lado, se tal segmento não consegue
acumular recursos de terra e capital para operar um estilo de agricultura
propriamente comercial, consegue resistir à tendência de proletarização
com base numa estratégia assentada na “pluriatividade”, combinando
atividades agropecrias em seus pequenos lotes com empregos assa-
lariados nas áreas rurais ou em cidades próximas. Por outro lado, se as
fazendas subsidiárias não representam mais o segmento dominante na
produção agropecuária, a sua contribuição para a segurança alimentar
continua essencial, seja por alimentar a si mesma produzindo para o auto-
consumo, seja por ofertar parte signicativa da cesta básica de alimentos
consumidos nas áreas rurais e urbanas.
Em todo o caso, há relativo consenso na literatura que a reprodução
da agricultura familiar subsidiária depende fortemente de suas “relações
simbióticas” com as grandes fazendas. Primeiro, porque é do interesse
das grandes empresas agropecuárias ter as famílias camponesas autôno-
mas funcionando como um “exército rural de reserva”. O que para os
empresários é visto como uma força de trabalho disponível de baixo cus-
to, à qual eles podem recorrer continuamente, para os habitantes rurais é
percebido como uma oferta de empregos perto de casa. Segundo, porque
é comum as famílias e comunidades rurais serem beneciadas com for-
mas de assistência das grandes fazendas, uma obrigação coletivista que
subsiste como herança do chamado “contrato social” soviético. Embora
hoje isso esteja em relativo declínio ou venha sendo repaginado na forma
de programas de responsabilidade social corporativa, é esperado que as
empresas se disponham ou sejam pressionadas a apoiar a manutenção de
infraestruturas e serviços locais, a fornecer serviços de aragem, máqui-
nas e equipamentos, a ceder campos para pastagem e a permitir acesso à
lhotes para criação, fertilizantes, pesticidas, forragem e ração a preços
abaixo do mercado. Subsiste, ainda, uma habitual tolerância a pequenos
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estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 11, n. 3, (out. 2023), p. 50-71
furtos de insumos dos armazéns das fazendas, dando continuidade de
velhas práticas da época socialista baseadas na máxima “tudo é coletivo,
tudo é meu” (Mamonova, 2016; Vorbrugg, 2019; Grouiez, 2018; Visser et
al, 2019; Wegren, 2021).
Poder político: estado e políticas públicas para agricultura e alimentação
Putin emergiu de uma “catástrofe estrutural, no rescaldo do co-
lapso da URSS, como uma gura “cesarista” que suscitou “o aparecimen-
to de uma espécie de solução arbitral [capaz de] despertar e organizar
a vontade coletiva de um determinado bloco histórico, restaurando e
reorganizando o estado russo” (Lima, 2019, p.78). Através de alianças ur-
didas junto ao aparato militar e ao serviço de segurança pública, Putin
mostrou-se capaz de restaurar a autonomia relativa do estado frente aos
interesses oligárquicos que dominavam a Rússia desde 1991. O notável
desempenho da economia russa a partir das reestatizações no setor ener-
gético, das reestruturações no setor nanceiro e do controle no complexo
industrial-militar, permitiu-lhe recompor um estado forte e centralizado,
equipado para monitorar a acumulação de capital. Contudo, apenas com
as consequências da guerra na Ucrânia no comércio internacional de
grãos e de fertilizantes começou-se a dar atenção ao lugar do agrone-
gócio no projeto hegemônico putinista. E quase nada se discute sobre o
papel da população rural como base social na sustentação da sua legiti-
midade política.
O crescimento das agroholdings é incompreensível sem levar em
conta o apoio econômico e político recebido pelos oligarcas que com-
põem essa fração da burguesia, realçando a relação entre interesses de
classe e prioridades da política pública do estado.
O governo do presidente Vladimir Putin se voltou para essas agroholdings como
aliados privilegiados, recrutando-os para um projeto político conhecido como
Agenda de Segurança Alimentar Russa. Os principais objetivos da agenda eram
a recuperação das fazendas russas, a redução da dependência de importação her-
dada dos governos de Yeltsin e mais carne na dieta dos russos. Desde o início dos
anos 2000, uma série de medidas de apoio público, como créditos subsidiados,
incentivos scais e barreiras comerciais, ajudaram as agroholdings a prosperar.
Elas também foram incentivadas a adquirir vastas áreas de terras agrícolas em
troca de suas contribuições para um projeto político de fortalecer a agricultura e
a produção doméstica de alimentos. Mesmo sendo empresas privadas, o governo
Putin mobilizou as agroholdings e rmas de agrotecnologia como instrumentos
indispensáveis para concretizar sua agenda política. As agroholdings prospe-
raram e se tornaram atores econômicos globalmente competitivos porque
produzem com mais eciência e lucratividade do que as fazendas coletivas [da
antiga URSS], mas também porque podem contar com proteção e apoio político
(Wengle, 2021, p.59-60).
As atuais diretrizes da política agrícola na Rússia foram estabelecidas
no Projeto Nacional Prioririo para o Desenvolvimento da Agricultura
2006-2007 e posteriormente ampliadas nos Programas Estatais de Apoio
ao Desenvolvimento da Agricultura 2008-2012, 2013-2020 e 2021-2025. O
valor disponibilizado ronda os 1,3% do orçamento do estado e 0,5% do
PIB. A distribuição dos recursos claramente favorece as grandes empresas
agropecuárias, que abocanham cerca de 85% do total, enquanto as fazen-
das camponesas obtêm 13% e as fazendas subsidiárias apenas 2%. Am
65
Fabiano Escher A economia políca internacional da questão agroalimentar na Rússia
disso, no período 2013-2020, apenas 2% dos grandes beneciários recebe-
ram 50% dos subsídios, sendo que 1% levou mais de 40% do total, com
as maiores agroholdings no topo da lista; ao passo que na extremidade
inferior, 40% dos menores beneciários receberam apenas 1% de todos os
subsídios distribuídos (Uzun; Shagaida; Lerman, 2019).
Entretanto, diferente da “bancada ruralista” no Brasil ou do “agri-
cultural lobby” nos EUA, “no contexto russo, os atores econômicos ge-
ralmente são muito mais dependentes das boas graças dos funcionários
públicos e, apesar de alguns donos de grandes agroholdings serem clara-
mente bem conectados por meio de redes informais, eles não são mem-
bros de longa data das elites do poder” (Wengle, 2021, p.71). O entrelaça-
mento de interesses entre governo e agroholdings decorre principalmen-
te desses oligarcas terem se tornado aliados chave quando Putin almejava
que o país se afastasse da integração incondicional ao mercado mundial
e obtivesse maior independência nacional em relação às principais com-
modities alimentares. A transformação da agricultura e das dietas russas,
facilitada pela articulação das agroholdings ao regime de acumulação,
é saudada como uma conquista política do governo, como demonstra o
alinhamento da retórica de várias rmas – Cherkizovo, Miratorg, United
Grain, EkoNiva, etc. – com a agenda de segurança alimentar nacional
(Wengle, 2021).
Em 2008, a Rússia era o segundo maior importador mundial de ali-
mentos, atrás apenas da China. Nesse contexto, a escalada nos preços dos
alimentos que seguiu a crise nanceira global – apontada entre os fato-
res que motivaram a “primavera árabe” e outros distúrbios sociais pelo
mundo – fez disparar o alarme. Em 2010 foi promulgada a Doutrina de
Segurança Alimentar da Federação Russa, com o objetivo de reduzir a
dependência estrangeira por meio da “substituição de importações” e da
autossuciência” na produção de alimentos. Cotas tarifárias por país ou
região tornaram-se a regra, mesmo após a Rússia ter aderido à OMC em
2012. Mas a virada foi em 2014, quando o decreto do “embargo alimen-
tar” levou à proibição de importação de muitos produtos como retalia-
ção às sanções impostas pelos EUA, União Europeia, Austrália, Canadá e
Noruega após a crise ucraniana e a anexação da Crimeia, incluindo pos-
teriormente o Reino Unido em reação ao Brexit (Wegren; Nilssen, 2022).
A Doutrina de Segurança Alimentar, de 2010, e a Estratégia de
Segurança Nacional da Federação Russa, de 2015, devem ser analisadas em
conjunto. A mensagem crucial nelas contida é que a segurança alimentar
é um componente estruturante da segurança nacional (Lima; Dias, 2018).
A Doutrina determinou limiares para a produção nacional do consumo
de certos grupos alimentares: grãos, 95%; açúcar, 80%; óleo vegetal, 80%;
carnes e derivados, 85%; leite e laticínios, 90%; pescado, 80%; batatas, 95%;
sal, 85%. Uma vez que as medidas “protecionistas” começaram a gerar re-
sultados em termos de aumento da produção doméstica, na nova versão
da Doutrina, promulgada em 2020, alguns percentuais de autossuciên-
cia alimentar foram ampliados – açúcar, 90%; óleo vegetal, 90%; pescado,
85% – e outros adicionados – legumes e cabaças, 85%; frutas e bagas, 60%;
sementes das principais culturas, 75% (Solodova; Sigidov; Ilyasov, 2021). E
uma vez provado o êxito na substituição de importações e no aumento da
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produção doméstica de alimentos, ao protecionismo presente na política
de segurança alimentar nacional logo agregou-se um componente estra-
tégico “neomercantilista” de promoção das exportações agroalimentares
russas. Consequentemente, em 2018 foi aprovado o Programa Nacional
de Exportação de Produtos do Complexo Agroindustrial, com dotação
orçamentária de RUB$ 400 bilhões. O programa previa que o valor das
exportações alimentares russas atingisse USD$ 45 bilhões até 2024. Mas
os efeitos recessivos da pandemia levaram o Ministério da Agricultura
postergar tal meta para 2030 (Wegren; Nilssen, 2021).
A análise revela que a Rússia hoje reúne as condições para utilizar a
produção e o comércio agroalimentar como instrumento de poder nacio-
nal e arma geopolítica. Os líderes russos estão plenamente conscientes de
que o “poder agroalimentar” é uma variável chave para as grandes potên-
cias (Lima; Dias, 2018). Eles sabem muito bem que os EUA, sobre-tudo du-
rante a Guerra Fria, sempre zeram uso político dos uxos de alimentos.
Zhang (2020, p.63) lembra que, em 1974, o então secretário de agricultura
Earl Butz, inspirado no uso do petleo como instrumento de política ex-
terna pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), “se
referia ao uso dos alimentos como arma para avançar os objetivos estra-
tégicos dos Estados Unidos: conquistar amigos, punir inimigos e conter a
propagação do comunismo.” Ironicamente, hoje são os EUA que acusam a
Rússia de usar a segurança alimentar como arma num contexto de “guer-
ra híbrida” frente as crescentes vulnerabilidades advindas das mudanças
climáticas (Summers; Goodman, 2020). O mais irônico, no entanto, é que
tal projeção não é sem cabimento, já que o vice-presidente do Conselho
de Segurança da Federação Russa, Dmitry Medvedev, lhe dá toda razão.
Os produtos alimentícios russos são sucientes para atender plenamente às
nossas necessidades domésticas. A prioridade no abastecimento de alimentos
é o nosso mercado interno e o controle de preços. Ao mesmo tempo, o estado
vai dar continuidade à assistência em larga escala e sistemática aos agricultores.
Fornecemos alimentos e colheitas apenas para nossos amigos. Felizmente temos
muitos deles, e eles não estão na Europa e nem na América do Norte. Vamos
vender tanto por rublos quanto por sua moeda nacional em proporções com-
binadas. Não forneceremos nossos alimentos e produtos agrícolas aos nossos
inimigos e não compraremos nada deles. Lembro que na minha infância a URSS
comprava grãos do Canadá. Era estranho, o maior país comprando trigo por
dólares. Hoje, o quadro é completamente diferente: a Rússia é o maior produtor
de grãos, junto com Índia e China. E nos últimos anos, o maior exportador de
trigo. Acontece que a segurança alimentar de muitos países depende de nossos
suprimentos. Acontece que nossa comida é nossa arma silenciosa. Silenciosa,
mas formidável. Supera a exportação de armas reais. Totalizou mais de US$ 37
bilhões no ano passado [2021] (TASS, 2022).
Além das preocupações com as frações burguesas e a segurança
nacional, a política agroalimentar também se propõe assegurar o con-
sentimento das classes populares. A garantia da segurança alimentar e da
transição nutricional rumo a dietas mais ricas em proteína animal é um
forte argumento para galvanizar o apoio da massa da população urbana,
ainda que a inação nos preços dos alimentos seja um fator perturbador.
Mas se e em que medida a massa da população rural, consubstanciada
na agricultura familiar subsidiária, sente-se contemplada e concede a sua
aprovação ao projeto hegemônico, ou tenta se engajar em projetos políti-
cos alternativos, é algo mais difícil de entender.
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Fabiano Escher A economia políca internacional da questão agroalimentar na Rússia
A literatura especializada levanta dois problemaschave para ana-
lisar o lugar do meio rural na atual situação política russa. A primeiro se
refere ao apoio da população rural ao governo de Putin, caracterizado
como um exemplo de “populismo autoritário”. Liderança autoritária e ca-
rismática, estado forte e disciplinador, apelos tradicionalistas inuencia-
dos pela Igreja Ortodoxa, retórica nacionalista exaltando o passado cza-
rista e stalinista para justicar a política do estado em relação à oposição
interna e inimigos externos e identicação direta entre o povo e o presi-
dente contra as elites gananciosas e corruptas seriam traços denidores
do regime putinista. Os apoiadores de Putin são comumente retratados
de maneira homogênea, como uma maioria silenciosa, passiva, conserva-
dora e manipulável, que age irracionalmente contra seus próprios interes-
ses materiais (Granberg; Sätre, 2016). O segundo problema se refere à au-
sência de movimentos sociais rurais autônomos capazes de propor uma
política agrária articulada a um projeto de desenvolvimento mais amplo
pautado na ideia de soberania alimentar”. O legado socialista e as restri-
ções impostas às organizações da sociedade civil pelo regime inibiriam
a organização de um movimento de base, associado à Via Campesina,
que se oponha à agricultura industrial, ao agronegócio e aos seus im-
pactos socioambientais negativos. O estado tampouco encamparia qual-
quer programa de soberania alimentar. Como corolário, a ascensão das
agroholdings e a marginalização das fazendas subsidiárias atestariam que
a soberania alimentar não tem futuro na Rússia (Wegren, 2021).
Embora ambos os problemas levantados encontrem lastro na rea-
lidade russa contemporânea, eles não contam toda a história. É possível
traçar um diagnóstico mais complexo e nuançado. Na prática, a conso-
lidação de um poder estatal autoritário não é vista pela maioria da po-
pulação rural como contraditória à democracia. Os russos tendem a ver
as eleições como um ato simbólico de expressar lealdade e aprovação ao
governo e associam democracia com um estado forte que cuida do povo,
estabilidade econômica, lei e ordem doméstica, soberania nacional e pro-
teção contra ameaças externas. A imagem de Putin como um “verdadei-
ro muzhik” (um homem do povo) é muito difundida, mas a maioria não
partilha ilusões ingênuas sobre ele. É que a memória amarga do “perío-
do de transição” faz a política econômica atual ser percebida de forma
mais positiva. Além disso, o apoio popular à Putin revela o fracasso da
democracia representativa burguesa frente a corrente crise orgânica do
capitalismo neoliberal, à semelhança de outros países que também teste-
munharam a ascensão de líderes populistas autoritários, como os EUA e
o Brasil (Mamonova, 2019).
O baixo estímulo para a ação coletiva, por sua vez, deve-se ao le-
gado socialista de intervenção estatal permanente em assuntos rurais
e à dependência da agricultura subsidiária as relações simbióticas com
as grandes fazendas. A maioria dos movimentos e organizações so-
ciais rurais existentes na Rússia operam em moldes corporativistas sob
o patrocínio do estado. A única exceção foi a Krestyanskiy Front (Frente
Camponesa), que defendia os moradores rurais da grilagem e apropriação
ilegal de terras, mas que devido às crescentes restrições do estado e à falta
de mobilização social, foi dissolvida em 2013. Mas apesar das fazendas
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subsidiárias serem estigmatizadas como atrasadas e inecientes, em opo-
sição às agroholdings, vistas como modernas e ecientes, elas fornecem
uma parcela substancial dos alimentos básicos. Elas tendem a produzir
com tecnologias tradicionais mais sustentáveis (trabalho manual dedica-
do, rotação de culturas, esterco e compostagem, baixo uso de energia
fóssil, tração animal), adotadas por causa da incapacidade de comprar in-
sumos caros e do desejo de cultivar alimentos saudáveis e de garantir a
fertilidade a longo prazo do solo. Além disso, comercializam seus pro-
dutos majoritariamente em mercados localizados, com uma cadeia ali-
mentar curta e pouca distância do campo ao prato. Mas essa “soberania
alimentar silenciosa” não é uma força social de contestação e resistência
aberta ou um projeto político que disputa o futuro da sociedade. Tais
práticas coexistem com o agronegócio corporativo. Enquanto o direito de
produzir os próprios alimentos não estiver ameaçado, a agricultura fami-
liar parece não ter muito incentivo para se mobilizar. Pode-se presumir
que exista uma convergência tácita entre a manutenção desse contrato
social implícito com as classes populares no campo e a implementação de
uma política de segurança alimentar explicitamente protecionista e neo-
mercantilista para as classes dominantes. Se isso for verdade, ao invés de
esperar um movimento social russo por soberania alimentar próximo ao
proposto pela Via Campesina, o mais previsível é o seguimento de uma
espécie de “Via Kremlina” capturada pelo estado (Mamonova, 2016).
Conclusões
Este artigo analisou a economia política internacional da questão
agroalimentar na Rússia e suas implicações globais de longo alcance. O
surgimento e rápida expansão das agroholdings e seu notável desempe-
nho no mercados doméstico e nas exportações demonstram a articula-
ção do sistema agroalimentar russo a um novo regime de acumulação
de capital. O avanço do processo de transição nutricional e a formação
de uma agricultura familiar mercantilizada e heterogênea atestam a pro-
funda transformação nos padrões de reprodução social dos meios de vida
da população urbana e rural. O recrutamento de um novo segmento da
burguesia oligárquica e o consentimento das classes populares rurais ao
projeto hegemônico de Putin revelam o caráter complexo e nuançado do
seu poder político.
A análise da questão agroalimentar russa empreendida neste ar-
tigo chama atenção para a abertura de uma formidável, mas ainda pou-
co explorada, agenda de pesquisas em economia política internacional.
Três linhas de análise podem se mostrar bastante férteis nessa direção.
Primeiro, as problemáticas da acumulação de capital, da reprodução so-
cial e do poder político são fundamentais para compreender os rumos da
trajetória de desenvolvimento econômico e projeção internacional de po-
der da Rússia no futuro próximo. Segundo, a evolução da política agroali-
mentar praticada pelo estado russo, de uma reação essencialmente prote-
cionista para uma estratégia cada vez mais neomercantilista, indica que
o regime alimentar contemporâneo se está movendo para além do con-
senso neoliberal. Terceiro, esses movimentos estão em conuência com
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Fabiano Escher A economia políca internacional da questão agroalimentar na Rússia
o papel do estado e dos capitais chineses na conguração de um sistema
agroalimentar global mais policêntrico e multipolar, facilitando novos
uxos de comércio, investimentos, tecnologias e nanças impulsionados
pela China por todo o sul global. É difícil imaginar a construção de um
novo projeto nacional de desenvolvimento e inserção externa mais justo,
soberano e sustentável para o Brasil sem a adequada compreensão dessas
grandes transformações da nossa época.
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