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Natalia dos Reis Cruz Aleksandr Dugin, o Projeto Neoeurasianista e a Narrava sobre a Nova Ordem Mundial
Dugin absorve e reelabora parte do pensamento guenoniano e evo-
liano. No caso de Guenon, ele rejeita a sua compreensão do Cristianismo,
armando que as críticas guenonianas só cabiam ao Catolicismo ociden-
tal, e não à Igreja Ortodoxa, pois esta não haveria perdido sua “vitalidade
iniciática”. O Tradicionalismo duginiano conduz, não ao susmo islâmi-
co – como Guenon -, mas à ortodoxia russa como prática esotérica e exo-
térica (Sedgwick, 2020, p. 397).
Dugin discorda da visão evoliana da religião cristã como igualitária
e universalista, por ver o Cristianismo ortodoxo como hierárquico, basea-
do nas práticas iniciáticas de uma elite espiritual. Algo próximo ao que
Guenon acreditava ter existido no Cristianismo ocidental e que se perdeu.
O Tradicionalismo inspira a crítica de Dugin às inuências do
Ocidente sobre a a cultura e os modos de vida de outras sociedades. Ele
combina Tradicionalismo e neoeurasianismo, construindo um discurso
antiocidental em defesa da civilização eurasiana, do coletivo e do holís-
tico, como fundamento de um projeto de fortalecimento da Rússia no
cenário internacional.
4 DUGIN E A NOVA ORDEM MUNDIAL
Para compreendermos por que o neoeurasianismo tornou-se uma
alternativa à Rússia do pós-Guerra Fria, é importante salientar o enfra-
quecimento econômico e geopolítico russo nos anos 1990, após a disso-
lução da URSS. O governo Boris Yeltsin foi um período de subordinação
russa aos interesses do Ocidente. Adotava o neoliberalismo e estava de-
pendente econômica e nanceiramente dos países ricos ocidentais. Na
política externa, priorizava as relações com a Comunidade de Estados
Independentes (CEI), então formada por 12 ex-repúblicas soviéticas, em
detrimento da segurança russa frente à OTAN e aos EUA, acreditando-se
em uma estreita interação com o Ocidente (Zhebit, 2019, p. 423 e 424).
Ao assumir o Ministério da Defesa e das Relações Exteriores,
Evguêni Primakov3 criticou a política pró-ocidental do antigo ocupan-
te da pasta, Andrei Kozyrev, e centralizou a condução da diplomacia no
Ministério das Relações Exteriores, mudando a política externa russa
(Larrabee; Karacik, 1997 Apud Zhebit, 2019, p. 424). Saint-Pierre (2024)
fala de uma inexão da história, pois um conjunto de atores se organizava
para reagir às tentativas de controle unipolar do mundo pelos EUA, consi-
derando seus próprios interesses geopolíticos, econômicos e estratégicos.
Primakov foi o artíce da articulação russa junto a países em desen-
volvimento. Visitou a América Latina4, a Índia e a China, almejando uma
política russa multivetorial e um trilateralismo russo-sino-indiano, devi-
do à permanência da OTAN e à atuação norte-americana como “superpo-
tência”. Lançou a ideia do “triângulo estratégico” com a Índia e a China,
em 1998, para uma nova arquitetura multipolar da política internacional,
embora não houvesse a proposta de uma aliança militar (Primakov, 2015
apud Zhebit, 2019, p. 440). Antes, houve a declaração russo chinesa so-
bre o mundo multipolar e a formação de uma nova ordem internacional
(abril de 1996) e, posteriormente, a declaração sobre a parceria estratégica
com a Índia (outubro de 2000) e o Tratado de Boa Vizinhança, Amizade
3. Foi Presidente do Conselho da União
do Soviete Supremo durante o governo
de Gorbachev (1989-1990) e dirigente do
Serviço Central de Inteligência soviético
em 1991. Nos anos 1992-1995, dirigiu o
Serviço de Inteligência Externa da Fede-
ração da Rússia (1992-1995), foi ministro
das Relações Exteriores (1996-1998), pri-
meiro-ministro do Governo da Federação
da Rússia (1998-1999), deputado da Duma
(2000-2001), presidente da Câmara de Co-
mércio e Indústria da Rússia (2001-2011).
4. Na segunda metade da década de
1990, Primakov visitou México, Cuba e
Venezuela em 1996 e Brasil, Colômbia e
Costa Rica em 1997. Quanto ao Brasil,
uma aproximação mais estreita iniciou-se
no governo FHC, com a criação de uma
plataforma de cooperação na política
internacional e a assinatura de um
comunicado conjunto sobre a criação da
Comissão de Alto Nível de Cooperação,
lançando os alicerces de uma parceria
estratégica bilateral. (Zhebit, 2019, p. 440)