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Douglas Novelli, Alexsandro Eugênio Pereira Los“Nosso mais valioso recurso”:
mensurando o impacto dos programas de intercâmbio estadunidenses sobre o comportamento internacional de outros Estados
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 10, n. 3, (out. 2022), p. 7-20
social e adaptam seu comportamento para se adequar as expectativas ad-
vindas do mesmo. Nas palavras de Stryker e Statham (1985, p. 325, tradu-
ção nossa)7 , “socialização é o termo genérico utilizado para designar os
processos pelos quais o recém-chegado – seja ele o recém-nascido, o novato
ou o estagiário, por exemplo – se incorpora nos padrões organizados de
interação”. Sua função básica é criar um senso de pertencimento social,
pelo qual os entendimentos intersubjetivos dessa sociedade são interna-
lizados e tomados como fatos (JOHNSTON, 2001). Implica que o agente
socializado evolua de uma lógica de consequências para uma lógica de
adequação, com suas ações sendo tomadas independentemente de qual-
quer estrutura de incentivos ou sanções em particular, sendo a aceitação
das normas e expectativas socialmente impostas internalizadas como “a
coisa certa a ser feita” (CHECKEL, 2005, p. 804, tradução nossa)8 .
O mecanismo causal da socialização, tal qual instrumentalizado
pelos estudos que tratam da socialização democrática promovida por in-
tercâmbios acadêmicos, envolve a alteração de atitudes em relação a de-
terminado tema ou agente, promovido graças a experiências pessoais em
redes políticas criadas e controladas em torno desses temas ou por esses
agentes. Assim, um conceito acessório imprescindível ao de socialização
é o conceito de atitudes, que podem ser entendidas como “disposições
avaliativas” (FREYBURG, 2011; COOPER, BLACKMAN, E KELLER,
2016), que são aprendidas e podem ser alteradas através da comunicação
social ou de experiências pessoais diretas, podendo envolver tanto com-
ponentes afetivos (baseados em emoções) quanto cognitivos (baseados
em crenças). Nas palavras de Perlo (2017, 89–90, tradução nossa)9 :
Ter uma atitude signica que você classicou algo e fez um julgamento do seu
valor. Signica que você já não é neutro em relação ao tema. Isso não signica
que não possa ter sentimentos mistos, mas a sua opinião sobre o assunto já não
é neutra ou isenta de cor. [...] Atitudes (e valores) organizam o nosso mundo
social. Elas nos permitem categorizar pessoas, lugares e eventos rapidamente
e descobrir o que está acontecendo. São como marca páginas, etiquetas para
categorizar uma coleção de livros favoritos, ou formas de organizar aplicativos
para smartphones. As atitudes moldam as percepções e inuenciam os julgamen-
tos. Se você é republicano, provavelmente avalia os líderes políticos republicanos
favoravelmente e tem uma reação negativa, ao nível do instinto, a alguns polí-
ticos democratas. E vice-versa, se for um democrata. Por outro lado, se odeia a
política e descona dos políticos, ltra o mundo político através de um conjunto
de lentes céticas.
Assim, conforme resumido por Lomer (2017), o argumento central,
empregado por trabalhos que analisam o potencial socializador de inter-
câmbios acadêmicos, gira em torno da concepção de que estudantes inter-
nacionais tendem a alterar suas atitudes e se identicar com o país receptor
como um resultado de experiências positivas no processo de socialização.
O intercâmbio acadêmico em instituições de ensino superior seria parti-
cularmente efetivo ao promover a socialização desses estudantes, pois,
conforme apontam Gift e Krcmaric (2017, p. 5, tradução nossa)10 , “o ensino
superior [...] está entre os meios mais importantes através dos quais os indi-
víduos desenvolvem crenças políticas”, sendo “o início da idade adulta [...] o
período mais formativo da vida de uma pessoa”. Ademais, como apontam
autores como Anna Wojciuka, Maciej Michałekb e Marta Stormowskac
(2015), atualmente a educação parece ser “um valor universal”, com aspec-
7. “Socialization is the generic term
used to refer to the processes by which
the newcomer – the infant, rookie,
or trainee, for example – becomes
incorporated into organized patterns of
interaction.”
8. “the right thing to do”.
9. “Having an attitude means that you
have categorized something and made
a judgment of its net value or worth. It
means that you are no longer neutral
about the topic. That doesn’t mean you
can’t have mixed feelings, but your view
on the issue is no longer bland or wi-
thout color. […] Attitudes (and values)
organize our social world. They allow us
to categorize people, places, and events
quickly and to figure out what’s going
on. They are like notebook dividers,
labels to categorize a collection of
favorite books, or ways to organize
smartphone apps. Attitudes shape
perceptions and influence judgments.
If you’re a Republican, you probably
evaluate Republican political leaders
favorably and have a negative, gut-level
reaction to some Democratic politicians.
And vice versa if you are a Democrat.
On the other hand, if you hate politics
and distrust politicians, you filter the
political world through a skeptical set
of lenses.”
10. “Higher education is an especially
powerful form of interpersonal contact
because it is among the most important
ways in which individuals develop politi-
cal beliefs and because early adulthood
is arguably the most formative period of
a person’s life”.
tos como sua qualidade e alcance sendo apreciados independentemente da
cultura e do país, ao passo que é individualmente valorizada como condi-
ção para a prosperidade econômica – tornando-se assim um veículo ideal
para “ganhar corações e mentes” (NYE, 2008). Destarte, tal qual intercâm-
bios acadêmicos apresentam o potencial para estimular a socialização de-
mocrática ao alterar as atitudes dos participantes em relação a democracia,
graças à promoção de experiências pessoais em redes políticas criadas e
controladas por democracias estabelecidas (FREYBURG, 2011), é possível
que esse mecanismo também possa gerar nos participantes atitudes positi-
vas duradouras em relação aos Estados receptores, que podem vir a se con-
verter em ganhos políticos para esses Estados caso esses estudantes um dia
ocupem posições políticas com poder decisório em seus países de origem.
O presente artigo explora essa ideia, focando especicamente em chefes de
Estado que tiveram contato com instituições de ensino norte-americanas.
3. CONSTRUÇÃO DE HIPÓTESES TESTÁVEIS
O artigo testa o argumento base de que um Estado é mais propen-
so a adotar um comportamento internacional favorável aos EUA quando
seu atual chefe de Estado teve contato prévio com instituições de ensino
estadunidenses. Isto posto, denir parâmetros para o que pode ser consi-
derado um comportamento internacional favorável aos EUA é uma pro-
blemática de difícil resolução, tendo em vista a natureza multidimensio-
nal das relações internacionais. Contudo, a literatura tem demonstrado
que existem fortes evidências de que o governo norte-americano atribui
importância real aos resultados das votações na Assembleia Geral das Na-
ções Unidas (AGNU), exercendo pressão política sobre seus pares com
o objetivo de assegurar resultados que lhe sejam favoráveis (DREHER,
NUNNENKAMP, E THIELE, 2008; ANDERSEN, HARR, E TARP, 2006;
BENNIS, 1997; THACKER, 1999). Nas palavras de Bailey, Strezhnev e
Voeten (2015, 2, tradução nossa)11 , “as votações na Assembleia Geral das
Nações Unidas (AGNU) tornaram-se a fonte de dados normalizada para
a construção de medidas de preferências estatais, uma vez que são ações
comparáveis e observáveis tomadas pelos países em determinados mo-
mentos”. Assim, os padrões de votação na AGNU podem ser efetivamen-
te aplicados como uma variável proxy12 para medir o comportamento in-
ternacional de outros Estados em relação aos EUA, pois, ainda que não
contemplem totalmente a complexidade das relações que podem ser es-
tabelecidas entre estes Estados, esses padrões de voto fornecem sólidos
indícios sobre o posicionamento geral de seus atores.
Baseado nesses argumentos, derivamos a primeira hipótese da pes-
quisa:
H1: Um Estado é mais propenso a votar junto com EUA na AGNU
quando seu chefe de Estado teve contato prévio com instituições de ensi-
no norte-americanas.
Um fator relevante que também precisa ser levado em considera-
ção é a ampla variedade de pautas que se tornam objeto de votações na
AGNU. Como apontam Dreher, Nunnenkamp e Thiele (2008), é provável
que nem todos os votos sejam de importância para o governo norte-ame-
11. “Votes in the United Nations Gene-
ral Assembly (UNGA) have become the
standard data source for constructing
measures of state preferences, as they
are comparable and observable actions
taken by many countries at set points
in time.”
12. Uma variável proxy (ou variável
substituta) refere-se a uma variável
que não é diretamente relevante para
o objeto de estudo, mas que é utilizada
em substituição a uma variável não
observável ou de difícil mensuração,
com a qual a literatura indica haver uma
correlação próxima. No caso, os padrões
de voto na AGNU serão utilizados para
substituir o posicionamento internacio-
nal de outros Estados em relação aos
EUA, variável essa de difícil mensura-
ção.