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estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 11, n. 2, (jun. 2023), p. 24-37
China e as mutações da Ordem
Internacional Liberal: evidências do AIIB e
NDB
China and the changing Liberal International Order:
evidence from the AIIB and NDB
China y la cambiante Orden Liberal Internacional:
evidencias del AIIB y el NDB
Octávio Henrique Alves Costa de Oliveira1
DOI: 10.5752/P.2317-773X.2023v11n2p24-37
Recebido em: 12 de fevereiro de 2024
Aprovado em: 15 de março de 2024
RESUMO
O surgimento do Asian Infrastructure Investment Bank (AIIB) e o New Develo-
pment Bank (NDB) nos anos 2010 suscitou análises sobre as possíveis mutações
da Ordem Internacional Liberal (OIL), sendo o AIIB a primeira instituição
internacional liderada pela China e o NDB a primeira instituição multilateral
não-ocidental, representando, aparentemente, um potencial contra-hegemôni-
co. Dentro das discussões sobre as mudanças na ordem, este artigo questiona
se estas duas instituições representam uma ameaça, reforma ou perpetuação da
OIL. Para tanto, analisamos a estrutura de governança, perl do seu quadro de
colaboradores e os padrões de empréstimos empregados. A hipótese é de que
o ímpeto inovador deste bancos é amortecido por processos de ‘isomorsmo
institucional’, onde diferentes instituições se tornam homogêneas em nível
estrutural e comportamental ao longo do tempo. A primeira seção utiliza o
conceito de institutional statecraft como mobilizador teórico para discutir o papel
destes bancos na OIL. A segunda desenvolve as bases teóricas do conceito de
isomorsmo institucional. A última seção se dedica a analisar a maneira pela
qual estes dois bancos atuam, indireta e diretamente, como perpetuadores da
OIL. Conclui-se que estes bancos representam complementos a Ordem Liberal
Internacional, demonstrando sua resiliência em incorporar novos atores do
Sistema Internacional.
Palavras-Chave: Ordem Internacional Liberal; China; AIIB; NDB; Isomorsmo
Institucional.
ABSTRACT
The emergence of the Asian Infrastructure Investment Bank (AIIB) and the New
Development Bank (NDB) in the 2010s has prompted analysis of the possible
mutations of the Liberal International Order (LIO), with the AIIB being the
1. Doutorando no Instituto de Relações
Internacionais da Pontifícia Universi-
dade Católica do Rio de Janeiro (IRI /
PUC-Rio). Pesquisador associado ao
Grupo de Estudos sobre os BRICS (GE-
BRICS - USP); ao Laboratório de Estudos
da Ásia (LabÁsia/CNPq/UERJ); ao La-
boratório de Estudos de Mídias, Cultura
e Relações Internacionais (LEMCRI/
CNPq/UERJ); e ao Núcleo de Estudos
Internacionais Brasil-Argentina (NEIBA/
CNPq/UERJ). Coordenador Acadêmico
do GECHINA – ASIALAC / UnB. Orcid:
https://orcid.org/0000-0002-1743-9365.
E-mail: octavioco98@gmail.com.
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Octávio Henrique Alves Costa de Oliveira China e as mutações da Ordem Internacional Liberal: evidências do AIIB e NDB
rst international institution led by China and the NDB the rst non-Western
multilateral institution, apparently representing a counter-hegemonic poten-
tial. Within the framework of discussions on changes in the order, this article
questions whether these two institutions represent a threat, reform or perpe-
tuation of the LIO. To this end, we analyzed their governance structure, the
prole of their sta and the lending patterns employed. The hypothesis is that
the innovative impetus of these banks is dampened by processes of ‘institutional
isomorphism’, where dierent institutions become homogeneous at a structural
and behavioral level over time. The rst section uses the concept of institutio-
nal statecraft as a theoretical mobilizer to discuss the role of these banks in the
LIO. The second develops the theoretical basis of the concept of institutional
isomorphism. The last section is dedicated to analyzing the way in which these
two banks act, indirectly and directly, as perpetuators of LIO. The conclusion
is that these banks represent complements to the International Liberal Order,
demonstrating their resilience in incorporating new actors into the Internatio-
nal System.
Keywords: Liberal International Order; China; AIIB; NDB; Institutional Isomorphism.
RESUMEN
La aparición del Asian Infrastructure Investment Bank (AIIB) y del New Develo-
pment Bank (NDB) en la década de 2010 ha suscitado el análisis de las posibles
mutaciones del Orden Liberal Internacional (OLI), siendo el AIIB la primera ins-
titución internacional liderada por China y el NDB la primera institución multi-
lateral no occidental, lo que aparentemente representa un potencial contrahege-
mónico. En el marco de los debates sobre los cambios en el Orden, este artículo
se pregunta si estas dos instituciones representan una amenaza, una reforma o
una perpetuación de la OLI. Para ello, analizamos su estructura de gobierno,
el perl de su personal y los modelos de préstamo empleados. La hipótesis es
que el ímpetu innovador de estos bancos se ve amortiguado por procesos de
“isomorsmo institucional”, en los que diferentes instituciones se homogenei-
zan a nivel estructural y de comportamiento con el paso del tiempo. La primera
sección utiliza el concepto de ‘statecraft institucional’ como movilizador teórico
para discutir el papel de estos bancos en la OLI. La segunda desarrolla la base
teórica del concepto de isomorsmo institucional. La última sección se dedica
a analizar la forma en que estos dos bancos actúan, indirecta y directamente,
como perpetuadores de la OLI. La conclusión es que estos bancos representan
complementos del Orden Liberal Internacional, demostrando su resistencia a la
hora de incorporar nuevos actores al Sistema Internacional.
Palabras clave: Orden Liberal Internacional; China; AIIB; NDB; Isomorsmo
Institucional
1. INTRODUÇÃO
Um dos principais elementos que caracterizou a hegemonia esta-
dunidense desde o pós-Segunda Guerra Mundial (II GM) foi a criação de
uma série de instituições internacionais que viabilizassem o estabeleci-
mento de uma ordem global, objetivando a necessária estabilidade após
duas guerras mundiais seguidas no século XX. Instituições de Bretton
Woods como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial
(BM), bem como a Organização das Nações Unidas (ONU) foram cruciais
para esta empreitada. Este primeiro momento pode ser identicado como
a Ordem Internacional Liberal 1 (OIL I), desde o m da II GM até o m
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da Guerra Fria, caracterizado pelo multilateralismo baseado em regras;
seguido pela Ordem Internacional Liberal II (OIL II), e o seu aumento da
autoridade supraestatal no alcance dos elementos liberais constitutivos da
ordem (Börzel; Zürn, 2021).
Desde então, inúmeras mudanças decorreram no sistema inter-
nacional, levando a múltiplas interpretações acerca do papel que novos
atores passaram a desempenhar nele, sobretudo a China. Neste senti-
do, este trabalho procura adereçar a questão posta por Finnemore et al.
(2021) e os demais autores da edição 75 da tradicional revista International
Organization, no que tange a contestação ou reicação da concepção de
ordem internacional. Especicamente, dada a centralidade que a China
possui enquanto ator com crescentes atribuições no Sistema, este traba-
lho procura traçar os rastros do futuro próximo reservado à esta ordem,
em um cenário crescentemente pós-ocidental (Stuenkel, 2016).
Juntando-se a uma vasta literatura que se imbui da tarefa de en-
tender o papel chinês no Sistema Internacional2, nos situamos na estei-
ra daqueles que observam ‘desao chinês’ à ordem como uma forma de
complementar seus elementos constitutivos, alargando e promovendo a
OIL II, em uma reforma que não representa o surgimento de uma ter-
ceira ordem, neste momento, mas de um aiornamento intermediário, o
qual aqui chamamos de OIL 2.5. O argumento se centra em dois pressu-
postos; o primeiro, de que as contestações à Ordem Internacional Liberal,
tanto na primeira quanto na segunda fase, não demonstram a sua ine-
cácia, mas a sua resiliência (Finnemore et al., 2021); e o segundo, de que a
China, embebida das instituições, normas e regras que possibilitaram sua
própria ascensão, não intenta desmantelá-la, mas complementá-la.
Para tanto, inúmeros aspectos da participação chinesa na ordem
podem ser analisados para traçar seus possíveis rumos, como o papel
chinês nas Operações de Paz da ONU (Yuan, 2022) ou as suas contribui-
ções junto à Organização Mundial do Comércio (OMC) (Weinhardt; Ten
Brink, 2019), para citar alguns. Não obstante, para os termos deste tra-
balho, analisaremos o papel chinês junto ao Financiamento Multilateral
para o Desenvolvimento (FMD), desde a sua participação em dois Bancos
Multilaterais de Desenvolvimento (BMDs), nomeadamente, o Banco dos
BRICS (também conhecido como New Development Bank (NDB) e o Asian
Infrastructure Investment Bank (AIIB). Este desenho de pesquisa se dá pela
centralidade e representatividade que estas duas instituições, estabelecidas
em 2015 e 2016 – respectivamente – exercem analiticamente para enten-
dermos os rumos da atual OIL, sendo o AIIB a primeira instituição inter-
nacional liderada pela China, e o NDB a primeira instituição multilateral
não-ocidental, representando, neste sentido, um aparente racional contra-
-hegemônico. Desta forma, através da alise das normas e padrões de go-
vernança destes dois bancos, procuramos demonstrar que mesmo quando
novas instituições de ímpeto reformista são criadas, com a ideia de promo-
ver mudanças normativas, o isomorsmo institucional atua como um amor-
tecedor dessas inovações, uma espécie de buer que garante a perpetuação
da ordem. Este conceito trata do processo pelo qual diferentes organiza-
ções ou instituições, em um determinado campo organizacional, tornam-
-se comportamental e estruturalmente semelhantes ao longo do tempo.
2. Para uma atualização recente sobre
este debate, ver a lista fornecida no
primeiro e quarto rodapé de Lim e
Ikenberry (2023, p. 2).
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Assim sendo, a primeira seção do artigo discute as diferentes formas
pelas quais instituições podem inuenciar as mudanças de uma ordem,
utilizando o conceito de institutional statecraft como mobilizador teórico
para categorizar tais mudanças. A segunda desenvolve as bases teóricas
do conceito de isomorsmo institucional, chave interpretativa para enten-
der a forma pela qual o AIIB e o NDB, na sua tentativa de promoverem
reformas na ordem vigente, acabam por perpetuá-la. A última seção se
dedica a analisar, de forma especíca, a maneira pela qual estes dois ban-
cos atuam, indireta e diretamente, como perpetuadores da OIL. Conclui-
se que estes bancos não representam inovações ou ameaças à ordem, mas
complementos, demonstrando a resiliência da OIL em incorporar novos
atores do Sistema Internacional.
2. Institutional Statecraft: estratégias institucionais
para mudanças na OIL
Desde a Queda do Muro de Berlim, em 1989, uma série de aconteci-
mentos interferiram na Ordem Internacional Liberal, levantando debates
acerca da sua necessidade, credibilidade e funcionalidade, caracterizan-
do a transição de um multilateralismo liberal (OIL I) para um liberalismo
s-nacional (OIL 2)3, no qual as frágeis instituições liberais do pós II GM
se tornaram mais autoritárias. Esta maior intromissão causou uma série
de contestações à ordem, que tem de enfrentar a proliferação dos nacio-
nalismos, fundamentalismos religiosos e a ascensão de potências como
Rússia e China (Börzel; Zürn, 2021; Lake; Martin; Risse, 2021). Estes dois
últimos atores possuem crescente inuência nos rumos desta ordem.
Enquanto o primeiro sempre teve protagonismo como revisionista – tan-
to enquanto União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) na OIL
I, quanto como Federação Russa, na OIL 2 −, desaando os pressupostos
mais básicos da ordem, o segundo atingiu apenas recentemente um posto
de centralidade em espaços multilaterais os quais anteriormente não pos-
suía relevância e, em vezes, nem mesmo acesso.
Separativamente, e em seus próprios termos, a URSS representou
desaos especícos para a OIL I, assim como a China representa para a
OIL 2. Enquanto a primeira gerava uma disputa de visões de mundo,
eventualmente não sendo bem-sucedida na tentativa de bifurcação ao li-
beralismo do seu tempo (Börzel; Zürn, 2021), a segunda desaa a ordem
a partir da própria ordem, não visando competir, mas sim reformular
e complementar o liberalismo da ordem internacional (Ikenberry; Lim,
2017; Johnston, 2019; Jones, 2018).
Diferentemente das incursões materiais russas no caso de Guerra
da Ucrânia (2014 - ), a China reivindica sua voz no sistema a partir do seu
Institutional Statecraft (Ikenberry; Lim, 2017; Liang, 2021). Por statecraft
estadística, em tradução livre −, podemos entender “o uso de instrumen-
tos a disposição da autoridade política central para servir a ns de política
externa. Os instrumentos de statecraft normalmente são divididos em três
categorias: diplomática, militar e econômica” (Mastanduno, 2016, p. 222,
tradução nossa). Se tratando da alise de dois BMDs, focaremos na ter-
ceira forma de statecraft.
3. As interpretações acerca da divisão
entre as diferentes mutações da Ordem
Internacional Liberal não são consensu-
ais. Ikenberry (2009), embora também
se encontre na discussão sobre o que
seria esta transição da OIL 2 para 3,
identifica duas ordens anteriores dife-
rentes, sendo a OIL I caracterizada pelo
‘wilsonianismo’ pós Primeira Guerra
Mundial, e a OIL 2, identificada pelo
internacionalismo liberal desde o pós
II GM até o fim da Guerra Fria. Embora
nos aproximemos de Johnston (2019) ao
não entender a OIL como uma entidade
singular, mas como uma junção de
diferentes ordens de diferentes esferas
(como a militar, de comércio, direitos
humanos etc), ainda nos atemos a
divisão de Börzel e Zürn (2021) como
forma de entender a macro configuração
do Sistema, de forma transversal às
diferentes configurações e domínios
existentes.
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Como o próprio nome sugere, o conceito de institutional statecraft se
limita aos instrumentos institucionais disponíveis para o Estado atingir seus
objetivos. Ikenberry e Lim (2017, p. 7) analisam as diferentes possibilidades
de estadística institucional chinesa, identicando cinco diferentes estraté-
gias possíveis. Pela primeira, status-quo stakeholder, ocorre apenas o aceite
das normas e regimes existentes. Subindo nos níveis de inuência, temos a
authority-seeking stakeholder, na qual se busca maior voz dentro de uma ins-
tituição, como o desejo chinês por um número maior de votos no FMI. A
terceira, institutional obstruction, onde o ator procura obstruir diretamente as
normas de uma instituição. Enquanto as três primeiras estratégias envolvem
a participação em instituições que já existem, a quarta – external innovation −
denota uma atuação mais independente e direta, envolvendo a construção
de uma nova instituição, como no caso do AIIB e NDB. Por m, a forma
mais brusca de institutional statecraft, na visão dos autores, pressupõe uma
oposição direta, ou não-participação em um arranjo institucional. Sob esta
última forma, eles entendem que a atuação chinesa no Mar do Sul da China
construindo ilhas articiais e bases militares congura uma oposição direta
às normas e regimes internacionais concernentes às disputas da região.
É importante mencionar que a transição chinesa da sua atuação
como participante da OIL 2, até se tornar uma criadora de instituições
próprias, não se dá no vazio. Ao realizarmos um paralelo da ascensão ma-
terial chinesa com as suas estratégias de institutional statecraft, se torna evi-
dente a crescente assertividade chinesa, conforme exemplica a tabela 1.
Tabela 1 - O crescente Institutional Statecraft chinês na Ordem Internacional Liberal
Período Exemplos
Participação
em instituições
multilaterais
Reforma das
instituições
multilaterais
Busca ao
multilateralismo
e regionalismo
Estabelecimento de novas
instituições multilaterais e
regionais
Anos 1980 - 2000 Entrada no FMI, Banco Mundial e OMC X
2000 - 2010 Reforma do FMI e OMC X X X
2010 - 2019 AIIB, NDB, RCEP, CMIM4X X X X
Fonte: Liang, 2021, p. 4, tradução nossa.
Embora a criação de novas instituições possa não somente repo-
sicionar atores com cambiantes capacidades de poder normativo, como
também promover mudanças nas normas e regimes internacionais, se
trata de um processo moroso, que enfrenta inúmeros entraves institucio-
nais. Sobretudo, as novas instituições criadas enfrentam a pressão que as
antigas exercem sobre elas, capazes de causar processos isomórcos que
impedem a totalidade das suas ambições originais.
Isomorsmo institucional e difusão de normas
Um elemento chave acerca da função das instituições internacionais
é a sua capacidade de criar as concepções do que será tido como normal,
o chamado poder normativo (Manners, 2002, p. 239). Por normal, entende-
mos os comportamentos, padrões e normas5 que vistos como exemplos,
como o padrão de comportamento esperado a ser executado pelos atores
4. A Iniciativa Chiang Mai (CMIM) é um
mecanismo de swap cambial entre os
membros da Associação das Nações
do Sudeste Asiático (ASEAN), a China,
Japão e Coreia do Sul, firmado em 2000
(Cunha, 2004).
5. Segundo Finnemore (1996), as normas
são “expectativas compartilhadas sobre
o comportamento apropriado mantido por
uma comunidade de atores. Ao contrário
das ideias que podem ser mantidas priva-
damente, as normas são compartilhadas
e socializadas; eles não são apenas
subjetivas, mas intersubjetivas” (p. 22,
tradução nossa). O que não significa dizer
que elas “são juridicamente vinculativas
ou podem ser sancionadas.” (Koch;
Stetter, 2013, p. 8, tradução nossa).
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Octávio Henrique Alves Costa de Oliveira China e as mutações da Ordem Internacional Liberal: evidências do AIIB e NDB
envolvidos. Dentro dos estudos institucionalistas, uma corrente dos anos
80 e 90 buscou estudar de maneira crítica essas instituições, valores e as
relações de poder que elas incorporam, não tomando sua existência como
um fato dado – tal qual era feito entre os anos 30 e 70, sob o chamado
Antigo Institucionalismo” −, mas como subproduto da ação humana,
evoluindo e se transformando de acordo com a agência dos atores en-
volvidos. Esta corrente cou conhecida como “Novo Institucionalismo”,
possuindo diferentes lentes, como os institucionalistas normativos, histó-
ricos, das escolhas racionais, empíricos, internacionais, feministas, cons-
trutivistas e sociológicos (Lowndes; Roberts, 2013, p. 28 - 39)6. Embora
cada uma destas lentes forneça instrumentais úteis para a compreensão
das instituições, focaremos especicamente nas duas últimas.
Os institucionalistas construtivistas dão atenção não apenas
as relações interestatais, mas as condutas internas das Organizações
Internacionais (OIs), bem como suas dimicas organizacionais e como
elas reproduzem signicados intersubjetivos entre os atores envolvidos
(Koch; Stetter, 2013). Eles consideram “o Estado em termos das ideias e
do discurso que atores usam para explicar, deliberar e/ou legitimar a ação
política no contexto institucional de acordo com a “lógica da comunica-
ção” (Schmidt, 2006, p. 99, tradução nossa).
Os institucionalistas sociológicos, por sua vez, enxergam as insti-
tuições como atores que oferecem e restringem oportunidades de acordo
com o contexto organizacional (DiMaggio; Powell, 1983; 1991). Para eles,
existe uma “lógica de apropriação” dentro do universo das instituições,
no qual as normas são seguidas pois são tidas como naturais, justas, es-
peradas ou legitimas, mesmo que estas não sejam, necessariamente, as
normas mais ecientes ou moralmente aceitas (March; Olsen, 2004, p. 4).
Ambas as abordagens tratam de como as “ideias constituem as
normas, narrativas, discursos e quadros de referência que servem para
(re)construir a compreensão dos interesses dos atores e redirecionar suas
ações nas instituições do Estado” (Schmidt, 2006, p. 112, tradução nossa).
Elas têm o foco no aspecto normativo do discurso, indagando como e por-
que as ideias reproduzem ou reavaliam valores nacionais dentro de uma
gica de apropriação, ou seja, de normalização de certas ideias (March;
Olsen, 1989; Schmidt, 2000). A diferença entre as duas abordagens reside
no objeto de explicação. Enquanto construtivistas focam nas ideias, no
discurso e na comunicação de um modo geral, os sociológicos dão mais
atenção às normas, a cultura organizacional, e como são criadas OIs cada
vez mais similares entre si (Schmidt, 2006).
Sobre este último aspecto, dois autores da vertente sociológica do
Novo Institucionalismo valem ser mencionados, Paul DiMaggio e Walter
Powell. Em seu artigo de 1983, “The Iron Cage Revisited: Institutional
Isomorphism and Collective Rationality in Organizational Fields, os autores
revisitam a ideia da “jaula de ferro” da “Ética Protestante e o Espírito do
Capitalismo” de Max Weber, na qual a sociedade estaria presa no sistema
capitalista até “que cesse de queimar a última porção de combustível fóssil.
(Weber, 2004, p. 165). A partir dela, eles discutem a noção de burocratização
em Weber (1978), tida como a manifestação do espírito organizacional ir-
reversível do capitalismo. Para Weber, a burocratização possui ts causas:
6. Schmidt (2006, p. 115 – 116) realiza
uma divisão mais sintética destas cor-
rentes, separando os novos institucio-
nalistas em somente quatro categorias:
os da escolha racional; históricos;
sociológicos e discursivos – também
conhecidos como construtivistas.
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a competição entre rmas capitalistas em um mercado; a competição inte-
restatal, de modo a aumentar o número de governantes para controlar seus
funcionários e sua cidadania; e as demandas burguesas pelos direitos iguais
perante a lei. Os autores argumentam que as causas da burocratização do
tempo de Weber mudaram, sugerindo que, na atualidade
[...] a mudança estrutural nas organizações parece cada vez menos impulsionada
pela concorrência ou pela necessidade de eciência. Em vez disso, iremos argumen-
tar, a burocratização e outras formas de mudança organizacional ocorrem como
resultado de processos que tornam as organizações mais semelhantes sem necessa-
riamente torná-las mais ecientes. (DiMaggio; Powell, 1983, p. 147, tradução nossa)
Isso ocorre sobretudo por uma lei quase que geral nas teorias orga-
nizacionais e que tem a ver com a experiência adquirida em um campo
organizacional7. A criação de um campo organizacional novo promove
a emergência de diversas estruturas que, ao adquirirem experiência no
meio ao qual se inserem, se burocratizam e aperfeiçoam cada vez mais,
perdendo sua diversidade ao ponto de se tornarem homogêneas. Como
Rothstein (1996, p. 152) argumenta, os custos, incertezas e riscos atrelados
à mudança institucional fazem com que, mesmo que existam soluções
mais ecientes para certos problemas, os bônus da mudança pereçam em
detrimento da estabilidade institucional. DiMaggio e Powell (1983, p. 157)
utilizam inúmeros exemplos para ilustrar esse argumento, como o de-
senvolvimento de formas dominantes e homogêneas de organização na
indústria do rádio, das escolas públicas e dos hospitais nos Estados Unidos
no século XX. Segundo os autores, a inovação institucional, que inicial-
mente era motivada pelo aumento da eciência, atinge um limite, a partir
do qual a legitimidade prepondera:
Estratégias que são racionais para organizações individuais podem não ser racio-
nais se adotadas em grandes números. O próprio fato de que elas são normativa-
mente sancionadas aumenta a probabilidade de sua adoção. Assim, as organi-
zações podem tentar mudar constantemente; mas, depois de um certo ponto
na estruturação de um campo organizacional, o efeito agregado da mudança
individual é de diminuir a extensão da diversidade dentro do campo. (DiMaggio;
Powell, 1983, p. 148 – 149, tradução nossa).
Quanto maior a experiência colhida dentro de um campo organiza-
cional, maior o domínio e a homogeneização dentre os atores envolvidos
nele. Para entender, então, de que forma este processo se materializa,
os autores utilizam o conceito de “isomorsmo, que deriva do campo
da ecologia humana, e diz respeito a restrição que força uma unidade
em uma população a se assemelhar a outras unidades que enfrentam o
mesmo conjunto de condições ambientais (Hawley, 1968 apud DiMaggio;
Powell, 1983). Segundo DiMaggio e Powell (1983, p. 149), existem duas
formas de isomorsmo, o competitivo e o institucional.
O isomorsmo competitivo pressupõe um ambiente de livre e aberta
concorrência, onde os atores adotam políticas de modo a competir com
a maior eciência possível. Esta é a visão mais simplista dos processos de
mudanças organizacionais, como Weber observava na disputa original en-
tre capitalistas pelo alcance dos mercados. Ao aplicarmos esta perspectiva
para as OIs contemporâneas − como os BMDs −, a explicação puramen-
te econômica, da disputa de livre-mercado entre competidores buscando
a eciência máxima, não leva em consideração fatores como a luta pelo
7. “Por campo organizacional, enten-
demos aquelas organizações que,
em conjunto, constituem uma área
reconhecida da vida institucional: for-
necedores, consumidores de recursos e
produtos, agências reguladoras e outras
organizações que produzem serviços
ou produtos semelhantes” (DiMaggio;
Powell, 1983, p. 148, tradução nossa).
O Financiamento Multilateral para o
Desenvolvimento seria o exemplo de um
campo organizacional, sendo os BMDs
as organizações que o compõem.
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poder político ou a legitimação institucional (Park, 2014). Enquanto as
causas da burocratização weberiana derivavam, sobretudo, da busca pela
eciência, as mudanças nas estruturas organizacionais contemporâneas
ocorrem pela necessidade de homogeneização, o que não pressupõe, ne-
cessariamente, as práticas mais ecientes (DiMaggio; Powell, 1983, p. 147).
Contemplando as mudanças sistêmicas no campo organizacional,
o conceito de isomorsmo institucional se insere no que diz respeito a for-
ma pela qual as operações das OIs são normalizadas, onde sua cultura
organizacional se torna cada vez mais similar umas às outras, por conta
da inuência social, coercitiva, persuasiva e de socialização dessas organi-
zações entre si (Bazbauers; Engel, 2021; Acharya, 2004; 2009; Finnemore;
Sikkink, 1998; 2001; Park, 2006; 2014).
A partir desta forma de isomorsmo, três forças motivam a institu-
cionalização e os processos de isomorsmo institucional: o isomorsmo
coercitivo, que deriva de pressões formais – como regulações –, exercidas
para que os atores aceitem um comportamento especíco; o isomors-
mo mimético, onde os novos atores tendem a se modelar a partir das ins-
tituões pré-estabelecidas; e o isomorsmo normativo, associado com a
prossionalização e o alcance de padrões ocupacionais que reproduzam
conformidade dentro do campo organizacional (DiMaggio; Powell, 1983;
Bazbauers; Engel, 2021).
O isomorsmo coercitivo pode ocorrer de maneira formal ou infor-
mal, pela força ou persuasão. Para o institucionalismo sociológico, a mu-
dança organizacional pode ser efeito direto da pressão expressa de um
ator, como uma manifestação da sociedade civil e outras OIs, ou de uma
mudança de regime, como nas políticas públicas de controle de poluição
para as indústrias. Por exemplo, apesar dos países industrializados e as
empresas consumidoras de combustíveis fósseis não desejem alterar suas
políticas ambientais por vontade própria, elas são legalmente obrigadas a
fazê-lo. Mesmo que estas deliberações, muitas vezes, pareçam ser apenas
cerimoniais, elas não são inconsequentes (DiMaggio; Powell, 1983, p. 150).
O isomorsmo mimético deriva da incerteza. Isso tende a ocorrer
com novas instituições com escassa experiência, atores incertos sobre o
melhor curso de ações, procedimentos e objetivos dentro do campo sob
qual está inserido. Por este motivo elas tendem, então, a imitar, se mode-
lar a partir das instituições tradicionais (Zhu; Hu, 2021, p. 9):
A modelagem, como usamos o termo, é uma resposta à incerteza. A organização
modelada pode desconhecer a modelagem ou pode não ter o desejo de ser copia-
da; ela serve apenas como uma fonte conveniente de práticas que a organização
pode usar. Os modelos podem ser difundidos involuntariamente, indiretamen-
te, através da transferência de empregados ou rotatividade, ou explicitamente,
por organizações como empresas de consultoria ou associações comerciais da
indústria. Até a inovação pode ser explicada pela modelagem organizacional.
(DiMaggio; Powell, 1983, p. 151, tradução nossa)
O isomorsmo normativo possui um caráter prossionalizante, de
denição de normas e condições básicas de trabalho. Diz respeito ao es-
tabelecimento das bases cognitivas para que o trabalho seja normalizado
entre os envolvidos. Para isso, dois aspectos são fundamentais: a educação
formal e legitimada por especialistas universitários; e a criação de redes
prossionais (DiMaggio; Powell, 1983, p. 152). Isso é muito importante ao
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estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 11, n. 2, (jun. 2023), p. 24-37
observarmos o sta das principais OIs existentes. Como será abordado no
âmbito dos BMDs, comumente, funcionários de um BMD mudam para
outro, ocupando posições similares, levando seu know-how e inuencian-
do seu funcionamento interno.
A depender do caso analisado, instituições novas podem estar su-
jeitas a estes processos por múltiplas formas de isomorsmo, em vezes
ocorrendo simultaneamente. Entender a forma sob a qual um novo ator
dentro de um campo organizacional será atraído para seguir um agru-
pamento de normas diz muito a respeito da estrutura de poder presente
neste campo, permitindo com que se compreenda o grau de coesão e
homogeneidade em que um campo organizacional se encontra.
AIIB e NDB: contestações, reformas ou reicações da OIL 2?
O contexto de criação destes dois bancos liderados pela China decorre
da ideia de representar as transformações ocorridas no âmbito da economia
política global, em um contexto do surgimento dos BRICS, além de facili-
tarem o acesso à crédito para países do Sul Global por não terem as mes-
mas condicionalidades de BMDs ocidentais (Wang, 2017). Criado em 2016,
o AIIB foi proposto pelo presidente Xi Jinping em outubro de 2013, no en-
contro da Cooperação Econômica Ásia-Pacíco (APEC), em Bali, Indonésia
(China, 2013a). Na ocasião, o presidente chinês abordou a necessidade de se
[...] mudar o padrão de desenvolvimento econômico, promover reformas e
inovações, liberar o potencial da demanda doméstica, poder de inovação e a
vitalidade do mercado, aprofundar a integração das cadeias industriais e de valor
e ajudar a região da Ásia-Pacíco tomar a liderança global na formação de novos
clusters industriais para crescimento (China, 2013b, tradução nossa).
Inicialmente, sua criação foi alvo de críticas dos EUA, que desincen-
tivou a participação de aliados como a Alemanha, Itália e França no banco,
argumentando que os seus prováveis padrões de governança e salvaguar-
das socioambientais não estariam de acordo com as melhores práticas
do meio, além de verem a entidade como um rival do BM (Sobolewski;
Lange, 2015). Como resultado, o banco adotou as salvaguardas do BM,
medida com relação direta a necessidade de adesão de membros europeus
à instituição, como forma de legitimar a existência do banco perante o
Sistema Internacional (Serrano Oswald, 2019).
Analisando as diferentes inuências exercidas sobre o AIIB e NDB,
Gransow e Price (2019), Serrano Oswald (2019) e Apolinario Junior e
Jukemura (2022) identicam processos de isomorsmo institucional
sob todas as três diferentes formas abordadas. A formulação do Quadro
Social e Ambiental – Environmental and Social Framework (ESF, na sigla
em inglês) – do AIIB pode ser observada neste sentido (Apolinario Junior;
Jukemura, 2022), uma vez que
[...] houve muitas vozes dos Estados membros fundadores dentro do AIIB e de
ONGs internacionais, prossionais e grupos das Nações Unidas e a sociedade
civil pressionando por salvaguardas ambientais e sociais mais fortes para os proje-
tos do AIIB. Uma vez que essas vozes alertaram para o potencial risco reputa-
cional, o ESF pode ser visto como uma concessão às expectativas da sociedade
e, portanto, como uma expressão de isomorsmo coercitivo (Gransow; Price,
2019, p. 303, tradução nossa, grifo nosso).
o obstante, processos de isomorsmo normativo são claramente
perceptíveis se observarmos o sta do NDB e AIIB comparativamente
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Octávio Henrique Alves Costa de Oliveira China e as mutações da Ordem Internacional Liberal: evidências do AIIB e NDB
aos demais BMDs. Os prossionais que trabalham no AIIB e NDB são,
em sua maioria, alumni de instituições internacionais de grande prestí-
gio dentro do mainstream nanceiro, sendo em sua maioria graduados da
Ivy League estadunidense. Um número signicante destes prossionais
são ex-funcionários do Banco Mundial e outros BMDs (Serrano Oswald,
2019). O próprio presidente do AIIB, Jin Liqun, foi vice-presidente do Asian
Development Bank (ADB), além de ter ocupado o cargo de diretor execu-
tivo alternativo do próprio Banco Mundial (Gransow; Price, 2019; Wan,
2016). No caso do processo de criação do ESF do AIIB, que contou com a
expertise de prossionais do Banco Mundial (Gransow; Price, 2019), pode
se caracterizar uma forma de isomorsmo normativo.
Olhando para o AIIB, pode-se vericar um processo de isomorsmo
mimético, na medida em que a modelagem do banco se inspira hibridamen-
te nas institucionalidades do Banco Mundial e do ADB, como forma de ga-
nhar legitimidade no campo dos BMDs (Wan, 2016; Gransow; Price, 2019).
O NDB possui uma retórica de complementariedade e complacên-
cia governamental semelhante, algo evidente desde a quarta cúpula dos
BRICS na Índia, em 2012, no qual o banco foi pensado para mobilizar
[...] recursos para infraestrutura e projetos de desenvolvimento sustentável nos
BRICS e em outras economias emergentes e países em desenvolvimento, para
complementar os esforços existentes de instituições nanceiras multilaterais
e regionais para o crescimento e desenvolvimento global (India, 2012, tradu-
ção nossa, grifo nosso).
Como Chin (2014) observa, a linguagem diplomática utilizada pelo
NDB, ainda na ocasião da Cúpula de Durban, em 2013, foi cuidadosa ao
não transparecer uma imagem ameaçadora para os demais BMDs, ainda
que casse subentendido uma crítica ao mercado global de capitais e os
BMDs existentes como incapazes de prover os recursos necessários para
investimentos infraestruturais no Sul Global. Esse tom conitante entre
a crítica e a complacência é denidor do NDB, uma vez que esses países
possuem importantes relações com os EUA, não estando em seu interesse
um confronto direto à inuência estadunidense no FMD (Glosny, 2010),
caracterizando uma forma de isomorsmo coercitivo indireto, o qual
impactou no grau de inovação do NDB em relação aos demais BMDs.
Serrano Oswald (2019, p.3) traz ainda outro exemplo de isomorsmo do
NDB, onde um ocial do Itamaraty, ao ser entrevistado sobre a formu-
lação do banco, observou que os Articles of Agreement do Banco Mundial
e de outros BMDs foram utilizados como modelo para o NDB. Ao todo,
o autor realizou entrevistas com 40 ociais em diferentes países e insti-
tuições, conrmando que, mesmo para esses policymakers, tanto o AIIB
quanto o NBD não são vistos como instituições ‘revolucionárias’. Para
um ocial brasileiro do Ministério da Economia, por exemplo,
[...] o AIIB é essencialmente uma cópia do Banco Mundial, só que é dominado
pela China. É uma resposta da China a sua falta de peso nas instituições existen-
tes, mas se você olhar não apenas no desenho institucional, mas também em
outras diretrizes e documentos, estes são todos essencialmente uma cópia dos
que existem (Serrano Oswald, 2019, p. 3, tradução nossa).
As experiências relatadas acerca do AIIB e NDB representam ape-
nas uma pequena fração dentre outros 27 BMDs8 dentro do campo do
8. Segundo Bazbauers e Engel (2021),
existem, ao todo, 31 BMDs, sendo 30
destes funcionais. O único BMD não
funcional é o Development Bank of the
States of Great Lakes (ECGLC), que co-
lapsou em 1993 por conta de um conflito
entre seus membros (Burundi, República
Democrática do Congo e Ruanda). Para
ver a lista completa com todos os 31
bancos, ver figura 1.1.
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estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 11, n. 2, (jun. 2023), p. 24-37
Financiamento Multilateral para o Desenvolvimento que foram inuen-
ciados por processos isomórcos9 decorrentes da inuência que o Banco
Mundial exerce como ator político, intelectual e nanceiro (Pereira, 2016).
Embora estes dois bancos sejam produto de um ímpeto reformista por
parte da China, principalmente, mas também de uma série de países do
Sul Global, eles ainda estão embebidos da inuência que o principal BMD
exerce sobre eles, o Banco Mundial. Não somente o discurso, mas a pró-
pria governança destes bancos é fruto direto deste processo. Ao observa-
mos o grau de isomorsmo institucional recebido por estes dois bancos,
ca evidente a inuência que o Banco Mundial exerce na sua governança,
garantindo a perpetuação da Ordem Internacional Liberal.
A preponderância do Banco Mundial perante os demais BMDs é
representativa da resiliência e perpetuidade que a Ordem Internacional
Liberal detém. Enquanto uma instituição de Bretton Woods, com quase
80 anos de existência, ela continua a inuenciar diretamente os padrões
e normas do FMD, sendo extremamente difícil o seu desmantelamen-
to, pois quaisquer atores que procurem atuar de forma revisionista terão
de enfrentar não somente todo o aparato institucional estabelecido, mas
também as capacidades materiais dos atores que os nanciam e perpe-
tuam (Rothstein, 1996, p. 153).
Logo, é perceptível que existe uma lógica expansionista na difu-
são de normas, na qual organizações internacionais procuram norma-
tizar uma conguração especíca de ideias, valores, regras e normas.
Historicamente, países em desenvolvimento não-ocidentais10 comumente
são alvos da órbita de normas dessas instituições, em um processo quase
catequético de ‘ocidentalização’ desses países (Barnett; Finnemore, 1999).
Dentro desta discussão, o AIIB e o NDB são apontados como bancos ino-
vadores, que podem desaar o sistema do Financiamento Multilateral para
o Desenvolvimento. Todavia, conforme fora brevemente exposto através
dos processos de isomorsmo institucional ocorridos entre os BMDs, este
cenário não aparenta ser tão simples, ainda sendo majoritariamente domi-
nado pelas potências responsáveis pelo estabelecimento da OLI II.
3.CONSIDERÕES FINAIS
As Relações Internacionais, em especial os estudiosos do institucio-
nalismo e da EPI, decorrem de uma crônica ansiedade cartesiana na busca
pelos rumos da ordem internacional. Mesmo antes da ascensão sino-russa,
inúmeros outros atores já ameaçavam a estabilidade dos elementos consti-
tutivos da ordem, caracterizada por fatores como a segurança de coparti-
cipação, hegemonia recíproca, semi-soberania, grandes potências parciais,
abertura econômica e identidade cívica (Deudney; Ikenberry, 1999).
Embora a ascensão sino-russa e o estabelecimento de novas institui-
ções representem, em um primeiro momento, um desao à OIL 2, a es-
trutura normativo-institucional assentada desde a OLI I impõe barreiras
extremamente ecientes em garantir sua perpetuação. Não pretendendo
adentrar no pensamento do lósofo italiano Antonio Gramsci, as sutis
e morosas transformações que ocorrem no Sistema Internacional repre-
sentam este ‘novo que não pode nascer’, pois as concessões realizadas aos
9. Outros casos incluem o estudo
de Park (2014) e Uhlin (2015), que
identificaram processos de isomorfismo
coercitivo e mimético no Banco Asiático
de Desenvolvimento; Bazbauers e
Engel (2021, p. 128) que apontam para
processos semelhantes no African
Development Bank (AfDB), ADB, Inter-
national Bank for Reconstruction and
Development (IBRD) e o Inter-American
Development Bank (IDB), para citar
alguns.
10. Neste caso, assim como no texto ori-
ginal de Barnett e Finnemore, fazemos
referência aos países do Sul Global, em
termos políticos e socioeconômicos, não
nominalmente geográficos.
35
Octávio Henrique Alves Costa de Oliveira China e as mutações da Ordem Internacional Liberal: evidências do AIIB e NDB
atores reformistas garantem que ordem hegemônica se perpetue. Mesmo
que se creia que o ‘velho está morrendo’, ele – a ordem – se mostra re-
siliente, tendo enfrentado uma – ou duas, na visão de Ikenberry (2009)
− guerra mundial, inúmeras crises nanceiras, diversas crises humanitá-
rias, além de uma pandemia.
Analisando a constituição, governança, retórica e normas de duas
instituições criadas com o intuito de trazer reformas à ordem, essa resi-
liência se torna mais evidente. Enquanto discussões acerca da necessidade
de uma atualização da Ordem Internacional Liberal para que ela repre-
sente melhor a conguração atual do Sistema Internacional – racional
constitutivo dos BRICS, por exemplo – levaram a diferentes estratégias
de institutional statecraft por potências emergentes, elas estão sujeitas à
inuência de instituições tão antigas quanto as de Bretton Woods, como
o Banco Mundial.
Em última análise, assim como outras iniciativas aparentemente
contra-hegemonicas’, o AIIB e o NDB não objetivam superar o sistema
institucional existente, mas sim aperfeiçoá-lo para melhor adereçar as de-
mandas globais, intentando-o por meio de um melhor posicionamento
dentro do sistema, aspirando para atuarem como rule-makers, não rule-
-takers (Duggan, 2015). Contudo, desde sua formação e estrutura de go-
vernança, não há elementos de ruptura com a ordem, pelo contrário, há
complementos às limitações que a crescente autoridade liberal possui, de-
monstrando a resiliência que esta OLI II, ou 2.5, possui. Se trata de uma
ordem “easy to join and hard to overturn (Lim; Ikenberry, 2023, p. 2).
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