estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v.6 n.3 (2018), p.134 - 138
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para dia a saúde das democracias. Como em todos os ecossistemas, o que
fabrica a era da pós-verdade é um todo composto por elementos interde-
pendentes organizados segundo regras, uxos e trocas.
Ao desenhar o tabuleiro do jogo do bullshit, Ball começa pelos ato-
res políticos. Perante uma espiral de descrédito que criou apatia no elei-
torado e o aumento da abstenção, as classes políticas tentam assegurar
o número suciente dos seus apoiantes para garantir a vitória, apresen-
tando, de todas as formas possíveis, o seu rival como uma ameaça aos
elementos fundamentais do seu eleitorado e sugerindo que a eleição a de-
correr é a derradeira possibilidade de os salvar. Do seu lado, os media, ao
manterem-se obedientes ao cânone do jornalismo e do mercado liberal,
seguem a notícia privilegiando as fontes institucionais e os protagonistas
políticos da notícia, reproduzindo, assim, o bullshit que circula no com-
bate político de hoje. Sendo notícia, essa informação irradia pelas casas,
cafés, ruas e redes sociais, dando origem a uma multiplicidade de publi-
cações, reações e novas notícias. O público, estando (na sua grande gene-
ralidade) mal-informado sobre os temas que integram o debate político
atual cam mais permeáveis às notícias falsas, reproduzindo-as amiúde
de forma acrítica. Porém, para Ball, o público não é uma entidade passiva
e apenas vítima da maledicência e dos erros dos outros. Segundo o autor,
tal como se escolhe em quem se vota, também se escolhe o que se vê, lê,
ouve e partilha. A lei da oferta e da procura robustece aqui o argumento:
o público/eleitor recebe os media que pede e, portanto, que merece. De-
pois da identicação das partes, Ball dá coerência ao ecossistema quando
identica a economia política dos media e a psicologia dos consumidores/
eleitores no atual contexto digital, vendo-os como uxos cruciais na en-
grenagem. Se, por um lado, o modelo de negócio dos media está cada vez
mais dependente de receitas publicitárias calculadas apenas com base nas
entradas de utilizadores nas suas páginas web e não na sua qualidade in-
formativa; por outro, à semelhança de outras lógicas de grupo, o ambien-
te das redes sociais potencia necessidades de pertença e aceitação que, por
sua vez, promovem a criação de câmaras de reverberação, o que facilita
a partilha de notícias anedóticas e/ou absurdas, particularmente quando
estas se dirigem contra um adversário comum. Em suma, o bullshit reve-
la-se lucrativo a três níveis: do ponto de vista nanceiro, para os media;
do ponto de vista psicológico para o consumidor/eleitor/utilizador; do
ponto de vista político, para os políticos. Por tudo isso, Ball antevê que a
saída desta nova era será morosa e difícil e exige uma participação ativa e
em várias frentes de todos os envolvidos.
Para desenvolver o seu argumento, Ball divide o livro em quatro
partes, cada uma com vários capítulos repletos de histórias reais, exem-
plicativas, acompanhadas de hiperligações que atestam a veracidade das
diferentes narrativas e contra-narrativas, facilitando a compreensão do
alcance e da rapidez dos processos em causa, assim como o caráter sisté-
mico da era da pós-verdade.
Na primeira parte, intitulada “O poder do bullshit”,
2
Ball apresen-
ta em cada capítulo um dos dois casos que considera simultaneamente
inaugurais e exemplicativos da era da pós-verdade. No primeiro capí-
tulo, fala da eleição de Donald Trump para 45º Presidente dos EUA e,
2. Em inglês: “The power of bullshit”.