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Economia política da integração regional:
uma comparação entre Índia e Brasil
The political economy of regional integration: a
comparison between Brazil and India
Recebido em: 18 de maio de 2018
Aprovado em: 06 de julho de 2018
DOI: 10.5752/P.2317-773X.2019v7.n1.p41
Fabio Luis Barbosa dos Santos
1
R
O objetivo deste artigo é comparar a política externa indiana no seu entorno re-
gional durante a administração do partido do Congresso Nacional Indiano (INC)
entre 2004 e 2014, com a política do governo do Partido dos Trabalhadores no
Brasil para a América do Sul entre 2003 e 2016. Minha hipótese é que, a despeito
do empenho das gestões petistas em modular favoravelmente a integração inter-
nacional, ou da tentativa congressista de dosar o alcance da abertura econômica,
em ambos casos aceitaram-se como inexoráveis os termos da globalização, e a
articulação estrutural entre dependência e desigualdade social não foi desaada.
Embora o enfoque da análise seja o caso indiano sob a administração do INC, o
texto é permeado por referências à situação brasileira, nos marcos de um recorte
temporal dilatado, instigando a comparação em uma perspectiva histórica
ampliada. O artigo realiza o seguinte movimento: inicialmente, reconstitui-se
as linhas gerais da inexão indiana na direção do neoliberalismo, que tem como
marco original a New Economic Policy adotada em 1991. Em seguida, analisamos a
dimensão política do processo, em que o distanciamento em relação aos valores
associados à política nehruviana cultivados pelo partido do Congresso Nacional
Indiano desde a independência, correspondeu à corrosão da sua legitimidade
política, e ao ascenso da política comunal. Na terceira seção, abordamos a orien-
tação geral da política externa indiana desde os anos 1990, focalizando o período
em que o INC voltou ao poder (2004-2014). Esta análise destaca as diversas
iniciativas no plano regional, estabelecendo paralelos e contrastes com a política
externa das gestões petistas para a América do Sul (2003-2016). A quarta seção
aborda o signicado da eleição de Narenda Modi em 2014, que trouxe de volta
ao poder o nacionalismo hindu. O texto encerra-se com reexões nais, em que
explicitam-se convergências mas também diferenças entre a política de integra-
ção regional seguida por Índia e Brasil, nos marcos da globalização.
Palavras-chave: Índia; Brasil; Integração Regional; globalização.
A
This article compares India´s foreign policy towards its regional surroundings
under Indian National Congress (INC) administrations between 2004 and 2014
with policies undertaken by Worker´s Party (PT) administrations in South America
between 2003 and 2016. My hypothesis is that despite eorts of PT administration
to negotiate international integration in its favour, or Congress party attempt
to restrain the scope of economic liberalisation, in both cases globalization was
1. Doutor em História Econômica pela
Universidade de São Paulo. Professor da
UNIFESP (Universidade Federal de São
Paulo), atuando no curso de Relações
Internacionais no campus Osasco.
Tem experiência na área de História e
Relações Internacionais com ênfase em
História da América Latina e História
Contemporânea, atuando principal-
mente nos seguintes temas: História
Contemporânea; História Econômica;
História da América Latina; Relações
Internacionais na América Latina; Pen-
samento Brasileiro e Latino-Americano.
São Paulo/Brasil ORCID: https://orcid.
org/0000-0002-5493-9633
estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 7, n. 1, (abr. 2019), p.41 - 62
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taken as inexorable and the structural articulation between dependecy and social
inequality sas not challenged. Although the text focuses the Indian case under
INC, references to the Brazilian situation are made throughout the text, recurring
to a time frame that invites comparisons on a broader historical perspective. The
article undertakes the following path: at rst, the general lines of India´s inection
towards neoliberalism are reconstituted, which have as its hallmark the “New
Economic Policy” adopted in 1991. The political dimension of the process is
then analysed, as the dwindling of INC´s political legitimacy hs corresponded to
the rise of communalism. In the third section the general orientation of Indian
foreign policy since the 1990´s is analyses, focusing on the period when INC was
back to power (2004-2014). This analyse highlights initiatives in the regional realm,
and parallels and contrasts with PT´s South America´s policies is established.
Fourth section analyses the electoral triumph of Narenda Modi in 2014, which
has brought hindu nationalism back to power. The articles ends with concluding
remarks, where convergences but also dierences between the regional integration
policies followed by India and Brazil under globalisation are stressed.
Keywords: India; Brazil; Regional Integration; globalisation.
Introdução
O objetivo deste artigo é comparar a política externa indiana no seu
entorno regional durante a administração do partido do Congresso Na-
cional Indiano (INC) entre 2004 e 2014, com a política do governo do Par-
tido dos Trabalhadores no Brasil para a América do Sul entre 2003 e 2016.
Embora o enfoque da alise seja o caso indiano sob a administração do
INC, o texto é permeado por referências à situação brasileira, nos marcos
de um recorte temporal mais amplo, instigando a comparação em uma
perspectiva histórica ampliada. O artigo realiza o seguinte movimento:
inicialmente, reconstitui-se as linhas gerais da inexão indiana na direção
do neoliberalismo, que tem como marco original a New Economic Policy
adotada em 1991. Em seguida, analisamos a dimensão política do proces-
so, em que o distanciamento em relação aos valores associados à política
nehruviana cultivados pelo partido do Congresso Nacional Indiano desde
a independência, correspondeu à corrosão da sua legitimidade política, e
ao ascenso da política comunal. Na terceira seção, abordamos a orienta-
ção geral da política externa indiana desde os anos 1990, focalizando o
período em que o INC voltou ao poder (2004-2014). Esta alise destaca
as diversas iniciativas no plano regional, estabelecendo paralelos e con-
trastes com a política externa das gestões petistas para a América do Sul
(2003-2016). A quarta seção aborda o signicado da eleição de Narenda
Modi em 2014, que trouxe de volta ao poder o nacionalismo hindu. O
texto encerra-se com reexões nais, em que explicitam-se convergências
mas também diferenças entre a política de integração regional seguida
por Índia e Brasil, nos marcos da globalização.
Neoliberalismo
Brasil e Índia são dois países que avançaram substantivamente em
uma direção industrial durante a Guerra Fria no Terceiro Mundo. Entre-
tanto, contrastes históricos que remetem aos respectivos padrões de co-
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Fabio Luis Barbosa dos Santos Economia políca da integração regional
lonização e descolonização incidiram na constituição das classes sociais,
resultando em evoluções socioeconômicas comparáveis, mas diferentes.
No caso indiano, segundo Adithia Mukherjee, constituiu-se nas
frestas da dominação inglesa uma burguesia nativa, cujos interesses
evoluíram, de maneira geral, em oposição à dominação britânica (MU-
KHERJEE, 2002). Esta burguesia apoiou a luta anticolonial liderada pelo
Congresso Nacional Indiano (INC) e também incidiu na orientação polí-
tica e no programa desta organização. Como decorrência, se a Índia in-
dependente não subverteu a propriedade privada nem revolucionou as
relações de produção, foi o país que mais longe foi na direção do planeja-
mento econômico e da intervenção do Estado no Terceiro Mundo, sem
romper com o capitalismo. Ou nos termos de Mukherjee, foi o país que
mais avançou na direção de um “desenvolvimento econômico não-colo-
nial, nos marcos do capitalismo (MUKHERJEE, 2017).
O desenvolvimento de uma indústria nacional, o compromisso
com um Estado e uma política secular, e a defesa do não-alinhamento na
Guerra Fria, foram pilares fundamentais do horizonte político que se ar-
mou no país sob a liderança de Jawaharlal Nehru (1947-1964), e prevale-
ceu na Índia desde a independência em 1947 até a inexão neoliberal nos
anos 1990. Por outro lado, um arranjo político que costurou o apoio dos
latifundiários à política congressista bloqueou a reforma agria, e com
isso, a possibilidade de mudanças estruturais. De modo geral, o horizonte
nehruviano previa que o desenvolvimento e a modernização resolveriam
problemas diversos como a miséria, a desigualdade, a divisão de castas e
o comunalismo.
No nal dos anos 1960 a Índia, assim como o Brasil, confrontou-se
com os limites do nacional-desenvolvimentismo, genericamente identi-
cado com a constituição de uma base industrial referida ao espaço eco-
mico nacional (KEMP, 1983; BIELSCHOWSKY, 1995; FONSECA, 2004).
Entretanto, o país asiático respondeu intensicando o controle estatal so-
bre a economia: os principais bancos do país foram nacionalizados (1969),
assim como o setor de seguros (1971-72) e a indústria de caro (1973),
enquanto restrições ao investimento estrangeiro foram refoadas. Como
consequência, a participação do capital estrangeiro no começo dos anos
1980 era relativamente pequena, e respondia por cerca de 10% do valor
agregado nos setores manufatureiro e de mineração. A participação es-
trangeira no setor nanceiro também era marginal (CHANDRA; MU-
KHERJEE; MUKHERJEE, 2008, p. 462).
Neste contexto, o país não experimentou recessão, hiperinação,
nem uma crise da dívida análoga aos países latino-americanos. Ao con-
trário, na década de 1980 registrou-se uma taxa de crescimento indus-
trial em torno de 8%, distanciando-se da mal-afamada Hindu rate of growth
prevalente nas duas décadas anteriores, que não ultrapassava 3,5%. En-
tretanto, o principal motor da expansão foi o gasto público, que derivou
em ascendentes décits scais, cobertos com empréstimos internacionais
em condões cada vez mais onerosas. Em uma década, o superávit de
U$ 1,5 bi registrado na balança de pagamentos em 1977-78 (1,4% do PIB),
converteu-se em um décit de U$ 9,9 bi em 1990-91 (3,5% do PIB), apesar
de uma evolução favorável na balança comercial na segunda metade da
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década (1985-1990), período em que a economia cresceu em média 5,5% ao
ano. Porém, as despesas nanceiras do país aumentavam em ritmo expo-
nencial, de modo que, no nal do decênio, as despesas com juros aboca-
nhavam cerca de 1/3 do orçamento estatal. Em 1988, a Índia era o maior
devedor da Ásia (NEERAJ, 2006; CHANDRASEKHAR, GOSH, 2011).
A vulnerabilidade face a empréstimos de curto prazo era um fe-
nômeno novo na economia indiana, que se expressou com violência na
crise nanceira em 1991. Encarando décits scais e comerciais em um
momento de escassez de liquidez internacional para renanciar a dívi-
da, o Estado confrontou-se com uma crise da balança de pagamentos, e
esteve à beira da moratória. Neste momento, apesar da ambivalência de
capitalistas indianos diante da globalização, as pressões liberalizadoras
prevaleceram e a Índia ingressou em um programa de ajuste estrutural,
visando reduzir o décit da balança de pagamentos e estabilizar a eco-
nomia. Neste processo, a rúpia foi desvalorizada e o controle de capitais
foi progressivamente liberalizado, bem como as importações. Gastos pú-
blicos foram reduzidos, subsídios cortados e privatizações operadas. Em
2000, no mesmo ano em que aprovou-se a lei de responsabilidade scal no
Brasil, a versão indiana da lei foi pautada no parlamento (Fiscal Responsa-
bility Act), sendo aprovada em 2003.
Ainda que a profundidade das reformas estruturais no país fosse
menos extrema em comparação com programas alogos na América
Latina e em outras partes, a orientação neoliberal prevalece na condução
do Estado desde então, a despeito de sucessivas alternâncias políticas
2
.
O neoliberalismo indiano avança de forma intermitente, mas constante.
As diferenças que marcam a evolução econômica do país em contraste
com outros experimentos nacional-desenvolvimentistas tende a se homo-
geneizar sob a égide da globalização.
No caso brasileiro, a economia política neoliberal objetivou a inser-
ção do espaço econômico nacional nos movimentos do capitalismo con-
temporâneo, como plataforma de valorização do capital nanceiro, base
para a expansão do capital multinacional e exportador de matérias-pri-
mas. No caso indiano, o sentido geral é comparável, mas concretiza-se de
modo diferente: o setor bancário ainda é dominantemente nacional e pú-
blico; a penetração multinacional ambiciona principalmente o mercado
interno; as commodities não constituem o cerne das exportações do país.
No plano nanceiro, embora o setor público seja dominante e ain-
da comandasse 75% dos ativos bancários em 2004, ano em que o partido
do Congresso retornou ao poder, as reformas foram sucientes para sujei-
tar as nanças públicas à dimica do capital especulativo internacional.
Assim como ocorreu no Brasil, a liberalização resultou em acentuados
décits comerciais, e a expectativa de que eles seriam provisórios, não
se cumpriu. Nos anos iniciais da abertura, o rombo foi mitigado pelas
remessas dos indianos não residentes, que superaram todas as demais
formas de inuxo de capital somadas. Porém, entre 2001-2 e 2011-12, o
décit comercial saltou de U$ 6 bilhões para U$ 185 bilhões em 2011-12
(BOUILLOT, 2017).
Mais além das remessas dos expatriados, a Índia depende da atra-
ção de investimento estrangeiro para compensar os décits comerciais
2. Neoliberalismo entendido como uma
mudança nas relações sociais em um
contexto de subordinação dos setores
produtivos aos setores financeiros, por
meio de políticas que minam as condi-
ções de trabalho, participação política
e segurança social dos trabalhadores
visando restituir taxas de lucro (Panitch;
Gindin, 2006). O neoliberalismo também
pode ser enfocado como uma visão de
mundo totalizadora, que estende a ra-
cionalidade mercantil a todas as esferas
da existência, afirmando a concorrência
como valor fundante das sociabilidade
(Dardot; Laval: 2010).
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Fabio Luis Barbosa dos Santos Economia políca da integração regional
crescentes. Assim como no Brasil, a conjunção entre a disciplina ma-
croeconômica neoliberal e altas taxas de juros atrai, sobretudo, capital
especulativo. Os investimentos greeneld são minoritários e a expectati-
va de dinamização da exportação industrial, frustrou-se. Apenas o setor
farmacêutico e de serviços tem mostrado competitividade internacional
e a participação das multinacionais nas exportações é inferior a 10% -
enquanto na China, referência emulada entre setores burgueses no país,
respondiam por 52% (Bardhan: 2010; Mohanty: 2018). A maior parte do
investimento estrangeiro direto está voltado a aquisições e fusões, orien-
tadas ao mercado interno indiano. No conjunto, a economia indiana está
cada vez mais vulnerável à especulação nanceira, e portanto, mais sen-
sível aos critérios disciplinadores das agências que mensuram o risco-país
(CHANDRASEKHAR, 2017; MENON, 2017).
Se a participação da indústria permaneceu estancada, a economia de
serviços cresceu signicativamente desde a liberalização. Entre 1997-2008,
serviços de tecnologia da informação (TI) passaram de 1,2% do PIB a 5,8%,
dos quais 80% é para exportação. Trata-se de uma indústria segmentada
entre um setor qualicado, mas que emprega poucos, e uma larga gama
de serviços terceirizados que requerem foa de trabalho barata em língua
inglesa (Business process outsourcing), como a notória indústria do call-center
(ROYCHOWDHURI, 2016). Em 2013-14, estima-se que estes últimos cor-
responderam a 90% das exportões de serviços ligados a TI, enquanto o
desenvolvimento de produtos de software respondeu por apenas 6%.
Portanto, o êxito destas exportações está diretamente ligado ao
movimento em curso de terceirização das grandes transnacionais, vi-
sando cortar custos. Neste contexto, há quem compare a exportação de
serviços realizadas por “cyber-coolies” à emigração de trabalhadores não-
-qualicados (KURUVILLA, 2007). Crescendo em média anual superior a
9% desde o início do século, a atual contribuição indiana às exportações
globais de serviços está estimada em 3,35%, dos quais 45% são serviços de
software, o que constitui o dobro da sua participação mundial na expor-
tação de mercadorias (1,65%) (BOUILLOT, 2017).
Porém, apesar de constituir-se como um setor econômico urbano
assentado na exploração de mão-de-obra barata, há uma lacuna entre o
peso da indústria de serviços na economia indiana e a geração de traba-
lho que lhe corresponde: embora movimente mais da metade do PIB do
país, o setor emprega menos de 30% dos trabalhadores, 2/3 dos quais em
pequenos empreendimentos da economia informal. Apesar da expansão
dos negócios internacionais desde as reformas estruturais, somente 6%
da força de trabalho no país está no setor corporativo e quase 90% per-
manece fora do chamado setor organizado da economia, ou seja, tem
estatuto informal (SUNDAR, 2017; BARDHAN, 2010). O ritmo lento da
criação de emprego naquele que, em breve, será o país mais populoso do
mundo, é um problema grave, para o qual a expansão do setor de serviços
não oferece solução.
Na realidade, cerca de 2/3 da população indiana ainda vive no cam-
po e metade da força de trabalho dedica-se a atividades rurais. Desde a
independência, a segurança alimentar é uma preocupação social e política
incontornável, que inibe, em alguma medida, a expansão do agronegócio
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para exportação. Embora gêneros agrícolas respondam por 10% das expor-
tações, a economia do país não é movida pela exportação agrícola, ou de
commodities. Além de serviços, o país exporta joias e pedras preciosas, de-
rivados do petróleo, produtos farmacêuticos, têxteis e carros, entre outros.
Sob o neoliberalismo, numerosas políticas de segurança alimentar
e assistência social no meio rural foram reduzidas ou cortadas. A conjun-
ção entre liberalização das importações, cortes nos subsídios e em pro-
gramas de assistência rural, redução dos serviços e empregos estatais no
campo, condenou quem vive da terra ao desamparo. Expressão extrema
desta realidade é o alto índice de suicídios registrados: 12 mil trabalhado-
res rurais suicidados por ano desde 1995, acumulando em 2018 um total
estimado em 300.000 pessoas, segundo cálculos da Universidade de Ber-
keley (Delacroix, 2018).
A política do INC
Os impactos sociais das reformas neoliberais na cidade e no campo,
em um momento em que os referenciais historicamente associados ao par-
tido do Congresso estavam em xeque, acelerou o m da dominação desta
organização na política indiana. Entretanto, se no Brasil o desgaste das
políticas neoliberais condenou eleitoralmente os tucanos, abrindo espaço
para a asceno do Partido dos Trabalhadores, na Índia a novidade política
pendeu para a direita. A degradação social e moral da política congressista
nos marcos do neoliberalismo, facilitou a comunalização da política - uma
politização da religião de orientação discriminatória, frequentemente em-
bebida em uma retórica e em práticas violentas (CHANDRA, 2002).
Com a chegada ao poder em 1998 do Bharatiya Janata Party (BJP),
o “Partido do Povo Indiano", pela primeira vez um partido que se nutre
da política comunal e do nacionalismo hindu (hindutva), comandou o país
durante um mandato completo (1998-2004), elevando o grau de sensibili-
dade da questão religiosa no país. Ao mesmo tempo, deslocou-se para um
segundo plano a dimensão econômica da política nacional. Entre 1991 e
2004, a racionalidade do ajuste estrutural deu o tom das reformas avan-
çadas, sob ambos partidos. Desde então, a clivagem entre o partido do
Congresso e o BJP se coloca nas dimensões social e cultural da política,
enquanto a ordem neoliberal permanece inquestionada.
Quando voltou ao comando do país em 2004, com apoio da esquer-
da, o partido do Congresso pretendeu reparar parcialmente a situação
que corroborou para criar, no campo como na cidade. Desde a campanha
eleitoral o partido ensaiou um mea-culpa, propondo uma “reforma com
rosto humano, com a pretensão de conciliar as reformas econômicas,
cujos fundamentos seguiram intocados, com reformas sociais.
No campo, o National Rural Employment Guarantee Act (2005) ofe-
receu proteção elementar contra o desemprego rural, assegurando ao
menos 100 dias de trabalho por ano aos lavradores, enquanto a National
Rural Health Mission (Missão Nacional de Saúde Rural) somou-se a ações
para ampliar a infraestrutura rural (Bharat Nirman). Nos anos seguintes,
a cobertura do sistema previdenciário foi ampliada, programas de auxílio
nanceiro para viúvas e decientes vivendo abaixo da linha da pobreza
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Fabio Luis Barbosa dos Santos Economia políca da integração regional
foram implementados (Indira Gandhi National Widow/ Disability Pension
Scheme), assim como um programa de alimentação escolar (Midday meal
scheme), entre outras iniciativas de cunho assistencialista. De modo a-
logo ao que observou-se no Brasil, no contexto da extensão de programas
de transferência de renda condicionada como o Bolsa Família, enquanto
alguns enxergam uma abordagem mais universalista no provimento de
assistência social, ativistas criticam um deslizamento rumo a políticas fo-
calizadas de combate à porbreza em lugar da defesa de direitos dos traba-
lhadores (NIELSEN, 2017).
Na Índia como no Brasil, esta política social foi facilitada por altas
taxas de crescimento, em média 9% entre 2004 e 2008 no caso asiático,
aançando a reeleição do partido do Congresso em 2008. No entanto, o
crescimento econômico também desdobrou-se em conitos sociais. Mas-
sivos uxos de capital estrangeiro, que em 2007 equivaleram a 9,2% do
PIB, intensicaram a especulação nanceira, mas também imobiliária.
Entre os motores do crescimento econômico esteve a construção civil,
cuja expansão afetou a cidade e o campo, envolvendo empreendimentos
residenciais e comerciais, obras de infraestrutura e a criação de zonas
econômicas especiais (SEZ), provocando conitos em todos os casos. Al-
gumas destas lutas tem sido exitosas em nível local, como a resistência
à SEZ de Nadigram em West Bengal, então governada pelos comunis-
tas, ou as conhecidas batalhas contra fábricas de Coca-Cola que amea-
çam o suprimento de água da economia camponesa (PRASHAD, 2015;
INDIA RESOURCE CENTER, 2018). No entanto, de forma análoga ao
caso brasileiro, onde houve resistência a obras associadas ao Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC), como a hidroelétrica de Belo Monte,
em ambos países esta resistência não coagulou um projeto alternativo de
ressonância nacional.
O empenho do partido do Congresso em avançar políticas sociais
continuou no segundo mandato, culminando com a implementação do
Right of Food Act em 2013. Este programa, que visa prover gêneros alimen-
tares básicos a preços subsidiados para 2/3 da população, provocou uma
reação indignada da classe dominante. Por outro lado, sucessivos escân-
dalos de corrupção abalaram o prestígio do partido entre a classe média,
enquanto os limites para a criação de emprego, a despeito do crescimento
econômico, corroeram a adesão popular ao partido.
Embora supercialmente haja similaridades entre os motivos de
desgaste do INC e aqueles que afetaram o PT, como os escândalos de
corrupção, há notáveis diferenças. Em contraste com o Brasil, não houve
na Índia um levante popular comparável às jornadas de junho de 2013 e o
partido foi derrotado nas urnas em 2014 ano em que o PT venceu, ainda
que por escassa margem. Este contraste parece ainda mais surpreendente
porque, ao contrário do Brasil, a economia indiana continuava crescendo
em 2014, quando perdeu as eleições.
Entendo que os motivos desta derrota remetem ao longo processo
de corrosão política do INC, que remontam aos anos 1970, quando foi
derrotado nas urnas pela primeira vez, mas que ganhou novos contornos
quando o partido assumiu a agenda do ajuste estrutural, contradizendo
o referencial hisrico da organização. O outro lado deste processo foi o
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fortalecimento da política comunal, que a partir dos anos 1990 ascendeu a
um lugar dominante na política indiana, em um contexto em que o secu-
larismo foi percebido como uma dimeno do projeto nacional do partido
do Congresso, que falhou (CHANDRASEKHAR, 2017).
Entretanto, apesar da tendência à abertura econômica prevalente
desde os anos 1990, o alcance das reformas ainda é limitado na Índia, em
comparação com outros países. De modo geral, análises sob o prisma
liberal avaliam que o mercado indiano é relativamente fechado, reser-
vando muitos produtos para pequenas empresas locais. Considera-se a
legislação laboral rigorosa em comparação com a China, por exemplo,
dicultando demissões e contratos temporários. A burocracia estatal é
vista como um empecilho ao investimento externo, enquanto regulações
dicultam a aquisição de terra para propósitos industriais, sujeitas ainda
ao enfrentamento com agricultores e sindicatos. Por m, a infraestrutura
é precária e o subcontinente indiano está entre as regiões menos integra-
das do planeta, seja a leste em direção do sudeste asiático, a oeste rumo
ao Oriente Médio ou ao norte onde estão a China e a Rússia. A taxa de co-
mércio intraregional é a mais baixa do mundo, respondendo por menos
de 5% das trocas. Frente a estes reveses, a dimeno do mercado interno é
visto como um dos únicos trunfos do país no contexto asiático (WORLD
BANK, 2015; GUPTA, 2017).
É sobre este pano de fundo que analisaremos, a seguir, as estratégias
perseguidas pelo Estado indiano no entorno regional, visando potenciar
as oportunidades de realização mercantil no contexto da globalização.
Política externa
A tentativa nehruviana de desenvolvimento econômico não-colo-
nial nos marcos do capitalismo correspondeu, no plano das relações in-
ternacionais, ao ensejo de equidistância em relação aos blocos da Guerra
Fria. A Índia liderada por Nehru foi o principal motor político e ideológi-
co da conferência Afro-Asiática de Bandung em 1955, que adotou e desen-
volveu os “cinco princípios da coexistência pacíca” (Pancha Sila) formu-
lados pelo líder indiano. Este encontro se desdobrou no Movimento dos
Países Não-Alinhados, referência fundamental das lutas anti-coloniais no
Terceiro Mundo sob a Guerra Fria, no qual a Índia teve sempre um pa-
pel destacado. Esta política não tem paralelo com o Brasil, à exceção da
efêmera Política Externa Independente ensaiada no contexto anterior ao
golpe militar de 1964, ano em que morreu Nehru.
A despeito de paradoxos e contradições, o horizonte da política ex-
terna indiana esteve referido ao não-alinhamento até o nal da Guerra
Fria, quando a inexão neoliberal correspondeu a um progressivo ali-
nhamento aos Estados Unidos. Esta reorientação incidiu no modo como
o país enquadra as relações com o entorno asiático. O paradigma do não-
-alinhamento angulava a solidariedade asiática em escala ampla, tanto do
ponto de vista geográco como civilizatório, concebendo a aproximação
entre os países do sul nos marcos de uma estratégia de superação do le-
gado colonial, referido aos valores do Pancha Sila. A partir dos anos 1990,
a abordagem prevalente distanciou-se desta orientação contra-hegemô-
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Fabio Luis Barbosa dos Santos Economia políca da integração regional
nica, pautando-se por um enfoque resignado, ditado de modo crescente
pelas exigências mercantis inerentes à globalização. A ambição de um ho-
rizonte civilizatório alternativo diante da Guerra Fria cedeu lugar a uma
racionalidade pragmática que, aceitando a liderança dos Estados Unidos e
a globalização, projeta estratégias que favoreçam um lugar menos peri-
rico para o país na ordem mundial.
Esta perspectiva modicou a dimica com os países vizinhos, e
com a Ásia de maneira geral. A relação com os países fronteiros ga-
nhou maior importância, segundo uma racionalidade que concebe a li-
derança regional como um ativo político na ordem mundial, derivando
recentemente na política de neighbors rst (vizinhos em primeiro lugar).
Entretanto, esta liderança é dicultada pelo histórico de dissenso legado
pela partilha, e as clivagens religiosas que a acompanharam. No tocante
ao sudeste asiático, a chamada Look East policy (olhar para o oriente) que
circula no país desde os anos 1990, expressa o interesse indiano em vin-
cular-se ao dinamismo econômico que emana do oriente. Em ambos ca-
sos, seja no entorno imediato, seja no sudeste asiático, a Índia envolveu-se
em diversas iniciativas políticas e econômicas de integração regional. Em
ambos casos, a projeção do poder chinês inuencia cálculos e decisões,
enquanto na relação com a África, o espírito de Bandung cedeu lugar à
expano mercantil.
Em 1985, mesmo ano em que foi assinada a Declaração de Foz
do Iguaçu por Brasil e Argentina, que está na origem do Mercosul, foi
criada a South Asian Association for Regional Cooperation (SAARC), à qual
aderiram todos países do subcontinente indiano e adjacências: Afeganis-
tão, Bangladesh, Butão, Índia, Nepal, Maldivas, Paquistão e Sri Lanka.
Embora na sua origem a organização acenasse com propósitos políticos,
visando superar o trauma da partilha, também evoluiu na direção da
integração comercial, consumada em 2006 como South-Asian Free-Trade
Area (SAFTA). Entretanto, enquanto no caso sul-americano a evolução
política nos anos subsequentes aproximou Brasil e Argentina, sobretudo
sob as presidências de Lula em Kirchner a partir de 2003, as tensões entre
Paquistão e Índia persistiram, desaguando em mais um conito militar
entre os países em 1999, a Guerra de Kargil na região de Caxemira. O
quadro foi agravado pelo ascenso do nacionalismo hindu, que coman-
dava o país naquele momento, difundindo uma atitude hostil à religião
muçulmana prevalente no Paquistão.
A desavença entre Índia e Paquistão sempre entravou avaos con-
cretos da SAARC, o que levou o primeiro país a se engajar em iniciati-
vas alternativas. Em 1997, constituiu-se o embrião da organização que, a
partir de 2004 foi conhecida como Bay of Bengal Initiative for Multi-Sectoral
Technical and Economic Cooperation (BIMSTEC). Originalmente um arran-
jo relativamente frouxo, a composição da organização é reveladora da
orientação da política externa indiana. Integrada por países do sul e do
sudeste asiático (Bangladesh, Índia, Myanmar, Sri Lanka, Tailândia, Bhu-
tão e Nepal), BIMSTEC foi concebida como uma espécie de ponte entre
SAARC e Association of South East Asean Nations (ASEAN) (ADB, 2016).
Neste quadro, BIMSTEC resulta da convergência entre a orienta-
ção indiana de "olhar para o oriente” (Look East) com a política de “olhar
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estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 7, n. 1, (abr. 2019), p.41 - 62
para o ocidente” (Look West) que emanava da Taindia, por motivações
similares (BONU, 2012; DATTA, 2017). A iniciativa ofereceu à Índia uma
porta de entrada à ASEAN, da qual participam Myanmar e Tailândia.
Por outro lado, a organização reúne países da SAARC, mas sem a pre-
sença do Paquistão, considerada incômoda para os interesses indianos.
Em suma, BIMSTEC expressa duas tendências fundamentais da política
externa indiana: a intenção de consolidar a liderança entre os países do
entorno imediato, mesmo que isso implique em excluir o Paquistão; por
outro lado, o empenho ecomico em intensicar a integração regional
na direção oriental, com vistas a potenciar nexos econômicos nos marcos
da globalização (YAHYA, 2003; PALIT, 2016).
Neste mesmo diapasão, foi lançada em 2000 no Laos a Mekong-Gan-
ga Cooperation (MGC), iniciativa reunindo a Índia e cinco países da ASEAN
(Cambodja, Laos, Myanmar, Tailândia e Vietnã), em torno de uma agen-
da turismo, cultura, educação e transporte. Além do ensejo de maior co-
nectividade, sugerido pela evocação de dois grandes rios que singram o
continente, a iniciativa apoia-se em nexos históricos que vinculam a Índia
com esta região, remontando ao menos à propagação do budismo. O sítio
arqueológico de Angkor Wat por exemplo, principal atração tustica do
Cambodja, foi inicialmente concebido como um templo hindu, erguido
pelo império Khmer. Em outras palavras, há relevantes similaridades cul-
turais que podem favorecer a aproximação com a Índia, em termos do
que alguns analistas se referem como soft power (YHOME, 2017).
É possível traçar um paralelo com a situação brasileira na América
do Sul, onde apesar da diferença de idioma, similaridades históricas e cul-
turais favorecem a aproximação. Porém, se no caso sul-americano o cál-
culo geopolítico é motivado pela inuência histórica dos Estados Unidos,
na Ásia contemporânea o móvel fundamental é o receio da projeção chi-
nesa, em um contexto em que todos os países da região tem algum nível
de apreensão em relação a este país, em função de conitos passados ou
tensões presentes. Porém, diferentemente dos tempos do não-alinhamen-
to, esta aproximação pode convergir com interesses dos Estados Unidos:
em um momento em que a presença paquistanesa na China se multiplica,
a Índia foi vista pela gestão Obama como um potencial pivô para isolar a
China na Ásia (KURUVILLA, 2017).
A proposta de integrar sul e sudeste asiático nos marcos da glo-
balização não era nova. Desde 1992 o Asian Development Bank (ADB)
secretariava a Greater Mekong Sub-region (GMS), que não tem a partici-
pação da Índia, mas inclui regiões da China relacionadas ao rio Mekong
(Verghese: 2001, 195). No início dos anos 2000, também o ADB respon-
deu às novas tendências que emanavam da Índia, e esteve à frente do
programa South Asia Subregional Economic Cooperation (SASEC) em 2001.
Trata-se de uma iniciativa reunindo países do sul e sudeste asiático em
torno de uma agenda de projetos de integração infraestrutural regional
comparável à Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-
-Americana (IIRSA), avançada neste mesmo momento pelo Banco Inte-
ramericano de Desenvolvimento (BID) na América do Sul. Também SA-
SEC propunha uma estratégia conjunta de integração regional, embora
no caso sul-americano, a escala da proposta seja maior. Segundo Prabir
51
Fabio Luis Barbosa dos Santos Economia políca da integração regional
De, não se trata de coincidência, mas há muito intercâmbio entre o ADB
e o BID, que se reete na estratégia de atuação dos bancos. Chaturdevi é
ainda mais enfático, sugerindo que os bancos iniciaram os processos de
integração em ambos continentes (DE, 2017; CHATURDEVI, 2017).
No caso sul-americano, a IIRSA foi originalmente pensada como
a dimensão de infraestrutura de um projeto de integração regional re-
ferenciado ao regionalismo aberto, no contexto em que se discutia a im-
plementação da Área de Livre-Comércio das Américas (ALCA). A car-
teira de projetos da iniciativa foi desenhada pelo Banco Interamericano
de Desenvolvimento (BID), que retalhou o subcontinente em dez eixos
de integração e desenvolvimento, segundo uma racionalidade orientada
por corredores de exportação de matérias-primas. Em termos territoriais,
pretendia-se superar dois obstáculos "naturais" à integração subcontinen-
tal, os Andes e a Amazônia, potencializando os nexos entre a costa Atlân-
tica (o Brasil) e o Pacíco, em um contexto de gravitação do dinamismo
da economia mundial para a Ásia.
No caso indiano, o imperativo de conectar o país com o sudeste
asiático subjacente a BIMSTEC e a SASEC responde ao desígnio de inte-
grar o país a cadeias globais de valor, potencializando o acesso a merca-
dos como o Japão e os Estados Unidos (TANEJA, 2017). Portanto, em am-
bas situações, a integração regional não emerge como um m em si, mas
como uma via para potencializar a conexão de Brasil e Índia aos circuitos
mais dinâmicos da economia global. Neste processo, em ambas situações
potencializaram-se nexos mercantis com os respectivos entornos regio-
nais, mas referidos a racionalidades diferentes.
No Brasil, as gestões presidenciais petistas pretenderam distanciar-
-se do regionalismo aberto propondo, em consonância com a reivindica-
ção de uma política econômica “neodesenvolvimentista”, um “regiona-
lismo desenvolvimentista”. Este regionalismo promoveria “a integração
física entre os interiores dos países, passo fundamental para a integração
de cadeias produtivas de fornecedores e produtores relacionados, obje-
tivando a formação de economias de escala e a própria integração das
sociedades sul-americanas” (DESIDERA NETO; TEIXEIRA, 2012, p. 32).
Neste contexto a ALCA naufragou, pois deparou-se com múltiplas resis-
tências no campo popular, mas também não obteve consenso entre as
classes dominantes na América Latina nem nos Estados Unidos.
Por outro lado, a IIRSA foi abraçada pelo projeto de integração re-
gional avançado pelo governo Lula. Com a constituição da União de Na-
ções Sul-Americanas (UNASUL) em 2008, a iniciativa foi incorporada ao
Conselho de Infraestrutura e Planejamento (COSIPLAN) desta organi-
zação, consumando uma situação paradoxal: a iniciativa converteu-se no
esteio material de uma organização identicada com um "regionalismo
desenvolvimentista", que se propunha a inverter as premissas que orien-
taram a constituição original da própria IIRSA, sob a égide do "regiona-
lismo aberto". O argumento é que seria possível e desejável integrar o
arcabouço técnico da iniciativa, mas concedendo-lhe um sentido político
diferente nos marcos da liderança brasileira sob a égide da UNASUL.
Este paradoxo responde à racionalidade do projeto integracionista
brasileiro. O substrato econômico da política regional petista foi a estraté-
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estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 7, n. 1, (abr. 2019), p.41 - 62
gia de apoiar a internacionalização de grandes empresas de capital nacional
ou sediadas no país, entendidas como vetor do desenvolvimento capitalista
nacional: é a política das "campeãs nacionais". Este apoio se materializou
principalmente por meio de uma diplomacia empresarial, praticada pelo
Itamaraty, e pela política de crédito do Banco Nacional de Desenvolvimen-
to Econômico e Social (BNDES). Beneciaram-se deste apoio setores con-
centrados e oligopolizados do capitalismo brasileiro, que frequentemente,
operam como uma exteno de negócios dominados por transnacionais,
notavelmente no campo da construção civil e da exportação primária, em
torno a produtos como soja, etanol, minérios, carne, petróleo e outros. A
justicativa para este foco é a avaliação de que são os setores em que o país
é mais competitivo internacionalmente (SANTOS, 2017).
No caso indiano, o retorno do partido do Congresso à presidência
em 2004 não se traduziu em uma estratégia diferenciada para o entorno
regional. Se a ideologia petista de uma política econômica “neodesenvolvi-
mentista” tem paralelo na proposta mais modesta de “reforma com rosto
humano, a proposição de um “regionalismo desenvolvimentista” não tem
equivalência na política do INC. Na realidade, assim como ocorre no ter-
reno da economia, as tendências prevalentes na política externa desde a in-
exão liberal nos anos 1990 não foram contestadas, sequer no plano ideo-
gico. Segundo Yhome, a principal novidade no início do século XXI é que a
projeção internacional chinesa se evidenciou, o que aguçou a necessidade
de respostas políticas e econômicas por parte do governo indiano (YHO-
ME, 2017). O sentido da resposta intensicou movimentos na direção do
livre-comércio, da conexão oriental e da liderança política regional.
O marco principal da abertura comercial multilateral foi o ingres-
so da Índia na Organização Mundial do Comércio em 1995, decio que
explicitou o distanciamento em relação ao nacional-desenvolvimentista
nehruviano. A partir de 2004, sob a gestão do INC, acordos de livre-co-
mércio se multiplicaram, impulsionando intercâmbios comerciais. Em
2005 foi assinado um tratado de livre-comércio com Singapura, país que
acolhe uma signicativa diáspora indiana. Entretanto, a expectativa de
que este acordo servisse como uma porta de entrada para ASEAN, não
se concretizou e em 2009, um tratado de livre-comércio com a própria
ASEAN foi assinado (CHANDA, 2017). Seguiram-se acordos com Japão,
Malásia e Coreia do Sul, que em 2017, estavam em diferentes estágios de
implementação. Negociações com Austlia, Nova Zelândia e Indonésia
também estavam em curso. Neste processo, as trocas entre a Índia e os
países ASEAN se multiplicaram por vinte em vinte anos, atingindo U$ 77
bilhões em 2014-5 (RIS, 2016, p. 31). No entorno imediato, a criação da SA-
FTA acordada em uma cúpula da SAARC em 2004, colocou a sub-região
na via do livre-comércio.
Porém, há quem indique que esta proliferação de tratados bilaterais
responde a um certo modismo, em lugar de constituir uma estratégia
ponderada (ARPITA MUKHERJEE, 2017). Indício da abertura do país,
entre 1990 e 2007 a taxa de troca internacional de bens e servos na eco-
nomia indiana dobrou, passando de 17% a 31% do PIB, até alcançar 54%
em 2013 (BOUILLOT, 2016, p. 87). Em termos comerciais, desde o início
dos anos 2000 a Índia apresenta décit crescente com os países da ASEAN
53
Fabio Luis Barbosa dos Santos Economia políca da integração regional
e com a China, uma vez que o aumento das importações não foi compen-
sado por exportações de manufaturas, ou de serviços. No primeiro caso,
a economia indiana apresenta obstáculos diversos para atrair a manufa-
tura transnacional, aos quais já nos referimos, entre a organização dos
trabalhadores e limitações de infraestrutura, enquanto poucos setores da
indústria nacional tem competitividade internacional. Já no setor de ser-
viços constatam-se barreiras não comerciais, como a questão do idioma,
que dicultam a expansão dos negócios indianos em países como o Japão
e a Coreia (CHANDA, 2017).
De todo modo, o desígnio de intensicar trocas exige enfrentar
a questão da conectividade infraestrutural na direção oriental, um de-
sao considerável que SASEC e BIMSTEC pretendem endereçar. Para
comar, a própria região nordeste da Índia evoluiu como uma espécie
de enclave, escassamente conectado com o conjunto do país e com seus
vizinhos. A conexão entre as fronteiras ocidental e oriental de Bangla-
desh, país rodeado pela Índia, é mais fácil por mar. Em relação a Myan-
mar, apenas uma estrada mal preservada conecta ambos países, apesar
de uma fronteira de 1643 quimetros. No conjunto, o nordeste indiano
compreende territórios relativamente isolados e pouco integrados, onde a
presença do Estado é escassa, exceto no aspecto militar (RIS, 2011). O bai-
xo desenvolvimento econômico é ainda complicado em função da diver-
sidade étnica prevalente e das relações informais com os países vizinhos,
uma vez que o contrabando é uma atividade importante em toda a região
que se estende a leste da Índia.
Entretanto, o imperativo de conectar a Índia ao oriente para estrei-
tar vínculos com os mercados globais exige enfrentar a questão, pois se
as ligações marítimas são relativamente ecientes, por terra não o são.
Segundo Yhome, três projetos principais foram inicialmente concebi-
dos: uma rodovia trilateral conectando Índia, Myanmar e Taindia; o
corredor multimodal Kaladan envolvendo rotas marítimas e terrestres
para contornar Bangladesh, conectando o leste indiano aos estados do
nordeste; uma ferrovia Índia – Hanoi, que em 2017, ainda estava no pa-
pel. Seguiram-se outras iniciativas de integração infraestrutural, como o
corredor entre a Índia e o Mekong e a já mencionada carteira de projetos
associadas à SASEC (YHOME, 2017).
Em correspondência com os esforços de integração infraestrutural,
os uxos comerciais entre a Índia e os países CMLV (Cambodja, Mya-
nmar, Laos e Vietnã) decuplicou entre 2004 e 2013, saltando de U$ 1.1
bilhões para U$ 11.2 bilhões. Neste último ano, o investimento indiano
nestes países era estimado em U$ 40.9 milhões. Estas cifras, embora ex-
pressivas, empalidecem em comparação com os investimentos da ASEAN
nos países CMLV neste ano, que alcançaram U$ 3.5 bilhões, enquanto a
China sozinha investia cerca de U$ 2 bilhões (DIXIT, 2015).
Na realidade, conforme já observado, o interesse fundamental da
Índia não é estes mercados em si, mas as possibilidades de conexão com
cadeias globais de valor, uma vez que o setor mais competitivo das ex-
portões do país é serviços, destinados principalmente a corporações
transacionais que operam a partir dos países industrializados. De modo
análogo, a relação da Índia com os países limítrofes não é pautada central-
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estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 7, n. 1, (abr. 2019), p.41 - 62
mente por interesses econômicos, pois tratam-se de mercados pequenos
(PANDE, 2017). Ainda que negócios aconteçam, são questões geopolíti-
cas que ditam a dimica das relações da Índia com o entorno regional.
Deste ponto de vista, há diferenças importantes entre a política con-
gressista para o subcontinente indiano e a estratégia petista para a Améri-
ca do Sul, embora o entorno regional tivesse importância política central
em ambas estratégias de inserção global. Em linhas gerais, a racionali-
dade petista entendeu que a internacionalização de corporações brasilei-
ras serviria de alicerce material para projetar regionalmente a inuência
do país, modicando seu padrão de inserção internacional. Ou para usar
o jargão do meio diplomático, fazer do Brasil um global player. Foi nesta
perspectiva que se criou em 2008 a UNASUL, organização que reuniu to-
dos os países sul-americanos sem a presença dos Estados Unidos, mas que
diferentemente da Alternativa Bolivariana para as Américas (ALBA) pro-
posta por Venezuela e Cuba, não tinha pretensões contra-hegemônicas.
No caso brasileiro, a estratégia integracionista articulava a am-
pliação de frentes de negócio ao protagonismo político do país. Os vizi-
nhos sul-americanos demostraram duas motivações fundamentais para
se acercar. Por um lado, houve aqueles que enxergaram a oportunidade
de consolidar um campo político alternativo à inuência estadunidense,
motivação subjacente aos países sul-americanos que integram a ALBA,
iniciativa potencialmente mais radical que foi neutralizada, na prática,
pela conduta brasileira. Por outro lado, houve países que zeram negó-
cios com o Brasil como com qualquer país, como é o caso do Peru. Sinto-
maticamente, Venezuela e Peru são os dois países em que a Odebrecht,
corporação que simboliza a expansão apoiada pelas gestões petistas, mo-
vimentou maior volume de negócios (CHAN, 2015).
No contexto indiano, não se constata uma articulação comparável
entre expano mercantil e projeção política. Diversos fatores que ex-
plicam esta diferença. No plano econômico, não houve uma política de
apoio à expansão de negócios indianos na região, o que pode ser atribuído
a fatores comerciais, como os diminutos mercados vizinhos, a natureza
das exportações indianas, ou recursos insucientes à disposição do Exim
Bank indiano. Porém, considerações de natureza política também tem
um papel relevante.
De modo análogo ao que ocorre no sudeste asiático com a China,
os pequenos países do subcontinente indiano enxergam com apreeno a
projeção indiana. Este receio remete não apenas ao trauma da partilha e às
diversas guerras com o Paquistão, mas também às intervenções em Ban-
gladesh (1971, então Paquistão Oriental), Sri Lanka (1987) e ilhas Maldivas
(1988). De fato, no começo de 2018 aventava-se novamente a possibilidade
de intervenção da Índia em meio à crise política nas Maldivas (KAZMIN,
2018). Este legado histórico não tem paralelo na América do Sul.
Por outro lado, os investimentos chineses no subcontinente indiano
escalaram desde o lançamento da One Belt, One Road Initiative (BRI) em
2013. Trata-se de uma estratégia do governo chinês que evoca as antigas
rotas da seda, visando intensicar as conexões mercantis na direção da
Ásia Central e Europa (Silk Economic Belt Road), mas também na direção
sul, articulando-se a variadas rotas marítimas (Maritime Silk Road). Neste
55
Fabio Luis Barbosa dos Santos Economia políca da integração regional
contexto, a China tem se apresentado como um parceiro disponível, em
circunstâncias em que a Índia não deseja, ou é incapaz de comparecer.
No Sri Lanka, os chineses nanciaram a construção do porto de
Hambantota no sul da ilha, que os indianos anteriormente recusaram,
considerando-o caro. No nal de 2017, menos de sete anos após a inau-
guração, o porto foi arrendado pelo governo cingalês aos chineses por 99
anos, diante da impossibilidade de pagar a dívida, integrando-se concre-
tamente à BRI (PURUSHOTHAMAN, 2017). No Nepal, o impacto dos
investimentos chineses é notável em estradas, hidroelétricas e ferrovias,
além do auxílio para a reconstrução do país após o terremoto de 2015.
Enquanto o investimento chinês era estimado em U$ 8.3 bilhões em 2017,
o compromisso indiano estava em U$ 317 milhões. Neste ano, os comu-
nistas venceram as eleições, prenunciando uma maior aproximação entre
o reino e a China. Em Bangladesh, onde as relações com a Índia tem
evoluído favoravelmente, o embaixador chinês anunciou investimentos
da ordem de U$ 10 bilhões em 2018, nos marcos da BRI. Mesmo a -
delidade do pequeno Butão, com quem a Índia cultiva “laços sagrados”
aançados pela dependência econômica (95% das exportações e 75% das
importações), tem sido cortejado por investimentos chineses. Enquanto
isso, Maldivas assinou o seu primeiro tratado de livre-comércio no nal
de 2017, justamente com a China.
Vista por este prisma, a política Neighbors First adotada pelo Pri-
meiro-Ministro Narendra Modi desde 2014, emerge antes como uma
reação à corrosão da hegemonia indiana no seu entorno imediato, do
que como uma estratégia para armar o protagonismo do país na or-
dem mundial. A intenção de cultivar a delidade política dos vizinhos
é movida, sobretudo, por preocupações de segurança. Por outro lado,
estes países encontram na China oportunidades de negócios, mas tam-
bém um trunfo político a ser utilizado nas negociações com a Índia: a
chamada China card, ou seja, a possibilidade de manipular a aproxima-
ção com Beijing como forma de obter concessões de Delhi. Entretan-
to, é no Paquistão que a presença chinesa se arma de modo massivo.
Neste país, o braço da BRI é o chamado China-Pakistan Corridor, envol-
vendo investimentos em infraestrutura estimados em U$ 62 bilhões, o
que equivale a todo investimento estrangeiro direto no país desde 1970.
O corredor atravessa a região de Caxemira, motivo de disputa entre a
Índia e o Paquistão desde a partilha. O alcance geopolítico do corredor
não está evidente: há quem considere as ambições chinesas limitadas,
mas reações hostis ensaiadas por Trump podem tornar a aproximação
com a China uma “profecia auto-realizável.
Diante dos constrangimentos para projetar-se a oeste, na direção
de Paquistão e Afeganistão, ou para o norte, onde está a China, negócios
indianos têm se expandido na África em anos recentes. Apesar de dicul-
dades relacionadas à língua, à infraestrutura e à dimensão dos mercados,
empresas indianas encontram maior abertura neste continente, e setores
diversos como a indústria de serviços (IT e telecomunicações), minera-
ção, construção civil e a aquisição de terras (land grabbing), tem expan-
dido suas atividades (CHANDA, 2017; MAZUMDAR, 2017). O comércio
entre a Índia e a África quintuplicou entre 2005-06 e 2015-6, alcançando
56
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U$ 52 bilhões em março 2016-17. O investimento direto indiano na África
totalizava em 2012, U$ 14 bilhões, convertendo o país no sétimo maior
investidor estrangeiro no continente. Embora estes números sejam mo-
destos em relação à totalidade dos negócios indianos no ultramar, os in-
vestimentos têm aumentado desde então, e as movimentões políticas
também: a partir 2008, realiza-se periodicamente o Forum India-Africa.
A mais recente cúpula foi realizada em Nova Delhi em 2015 e reuniu 41
chefes de Estado africanos (DUBEY; BISWAS, 2016). De maneira geral, o
Estado tem apoiado esta expansão, sem no entanto, desenvolver uma es-
tratégia precisa (CHANDA, 2017). Nas palavras do presidente do Export
Import Bank of India, “A história indiana (na África) é uma história de
empreendedorismo privado” (KHARE, 2013).
Governo Modi
O que muda com a destituição de Dilma Roussef e a eleição de Na-
renda Modi? No caso brasileiro, a conjunção entre crise econômica e es-
ndalos de corrupção envolvendo diversas entre as “campeãs nacionais”,
já colocara em xeque o projeto regional petista, mesmo antes do golpe
em 2016. O governo Michel Temer desinteressa-se pelo protagonismo
sul-americano e pelas veleidades desenvolvimentistas das gestões petis-
tas, acenando com uma volta à agenda da abertura comercial multilate-
ral, associada no plano doméstico a uma agressiva ofensiva antipopular.
Vislumbra-se uma política externa de escassa iniciativa e planejamento,
conforme à orientação geral da globalização pregada por corporações e
organismos multilaterais.
No caso indiano, a eleição de Narendra Modi como primeiro-mi-
nistro em 2014 trouxe o nacionalismo hindu de volta ao comando do país.
Modi é um político rude mas caristico, adepto da espetacularização
da política e do ativismo em redes sociais, que converte motivos hindus
em objeto de marketing pessoal ou de negócios, projetando uma versão
modernizadora do hindutva. Adotando a consigna Make in India, Modi se
propôs a aumentar a fatia do PIB industrial de 16% para 25% em 2022,
criando 100 milhões de novos empregos. Sob seu comando, a economia
do país continuava crescendo em ritmo acelerado, tornando-se em 2017
a mais dinâmica do G-20, à frente da China, com uma taxa de cresci-
mento superior a 7%. Entretanto, as tendências já descritas perseveram:
embora o país fosse o nono destino mundial de investimento estrangeiro
direto em 2016, poucos eram os investimentos greeneld e menor ainda a
geração de empregos. Ao contrário, o setor manufatureiro registrava no
segundo semestre de 2017 a perda de 87 mil empregos, em um país que
precisa criar 1 milhão de empregos por mês para absorver o crescimento
vegetativo da força de trabalho (PINSON; STIEL, 2018).
No plano econômico, o sentido da gestão do BJP é abrir e desregu-
lamentar o mercado interno com vistas a atrair investimento estrangeiro,
ao mesmo tempo em que apoia a projeção de negócios indianos competi-
tivos internacionalmente. Modi recuperou a ideia das ZES, mas nos mar-
cos de uma estratégia que objetiva limitar geogracamente a oposição à
liberalização econômica entre industriais e trabalhadores. Em compara-
57
Fabio Luis Barbosa dos Santos Economia políca da integração regional
ção com o Brasil, a economia indiana é relativamente fechada, e novos
setores tem sido abertos ao capital internacional, inclusive universidades,
hospitais, bancos e o comércio varejista (MENON, 2017).
Ao mesmo tempo, o governo constituiu um Project Development
Fund para apoiar indústrias indianas interessadas em instalar-se em polos
manufatureiros nos países CLMV. Esta política, contraditória com a ban-
deira Make in India, é justicada com o argumento de que a competitivi-
dade da indústria indiana aumentará, trazendo no longo prazo, práticas
e tecnologias mais avançadas para o país. Também a África tem atraído
indústrias indianas, como é o caso de uma fabricante de transformadores
que anunciou a instalação de uma unidade em Zâmbia em 2018, bene-
ciando-se do cobre local.
Neste contexto, a atuação do Exim Bank intensica-se: no início
de 2018, o banco levantou U$ 10 bilhões por meio de emissão de títulos
no mercado londrino, que serão destinados a projetos de exportação e
investimentos no exterior por meio de linhas de crédito de longo prazo
(MONEY CONTROL, 2018)
3
. Em particular, os negócios na África tem
se expandido. Já em 2015, o banco anunciara a criação da Kuzuza Project
Development Company (KPDC), que trabalha para viabilizar projetos de in-
fraestrutura com participação indiana na África, continente que, segundo
um estudo do Banco Mundial, requer investimentos da ordem de U$ 90
bilhões por ano (SRIVATS, 2015).
No bojo do crescente envolvimento mercantil com a África, foi lan-
çado em 2017 o Asia-Africa Growth Corridor (AAGC), um acordo de coope-
ração econômica entre os governos da Índia, Japão e os países da África.
Segundo o documento original, objetiva-se uma colaboração para desen-
volver a infraestrutura africana, inclusive digital, tendo em vistas poten-
cializar os nexos entre os países através do oceano Índico (RIS, 2017). Vi-
sualiza-se um corredor marítimo com ramicações sobre os territórios,
em uma evidente reação à One Belt, One Road Initiative chinesa, que prevê
um bro estendendo-se sobre o mesmo Oceano Índico. Unidos pelo te-
mor chinês, Índia e Japão concertam esforços para expandir negócios na
e com a África, visando também assegurar o suprimento de matérias-pri-
mas e alimentos que necessitam, ao mesmo tempo em que contrabalan-
çam a expansão chinesa na África e no Oceano Índico
4
.
Finalmente, o governo considera a aderir à Regional Comprehensi-
ve Economic Partnership (RCEP), constituindo uma área de livre-comér-
cio entre os dez países da ASEAN e o seis países com que ASEAN tem
acordos de livre-comércio (Austlia, China, Índia, Japão, Coreia do Sul e
Nova Zelândia). A RCEP é vislumbrada como uma alternativa à Trans-Pa-
cic Partnership (TPP), iniciativa que engloba diversos países americanos
e asiáticos, mas que exclui China e Índia. Entretanto, setores expressivos
do capitalismo indiano, que incluem industriais aglutinados na Confede-
ration of Indian Industry (CII), são contrios à proposta, principalmente
pelo receio da concorrência chinesa (CHATURDEVI, 2017). Para Arpi-
ta Mukherjee, a RCEP não oferece qualquer interesse econômico para
o país, mas este pesquisador adverte que, como o BJP não acredita em
planejamento nem em pesquisa, tende a tomar decisões cada vez menos
informadas (MUKHERJEE, 2017).
3. De modo similar ao que ocorreu
com o BNDES em 2003, quando uma
alteração estatutária permitiu uma linha
de crédito estimulando a internacio-
nalização das “campeãs nacionais”,
é permitido desde 2005 aos bancos
indianos apoiar aquisições operadas por
empresas nacionais no exterior.
4. Simultaneamente, os Estados Unidos
propõem um corredor econômico
Indo-Pacífico, visando conectar o sul da
Ásia ao sudeste asiático, integrando os
oceanos Índico e Pacífico (YHOME, K;
CHATURVEDY: 2017, p. 28).
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Em síntese, o governo do BJP está comprometido a liquidar o que
resta do horizonte nehruviano associado à indústria nacional, à política
secular e ao não-alinhamento, propondo em seu lugar o livre-comércio, a
política comunal e o alinhamento aos Estados Unidos. No plano domés-
tico, embora goze de uma legitimidade que Temer não tem, cultiva uma
versão autoritária do nacionalismo hindu, mobilizando práticas frequen-
temente comparadas a uma modalidade de fascismo (MUKHERJEE,
2017; VANAIK, 2017).
Considerações finais
Embora comparáveis, há diferenças importantes entre a formação
histórica da Índia e do Brasil, assim como entre a constituição e atuação
política do INC e do PT, que incidem no contraste entre as políticas regio-
nais praticadas por estes governos no início do século XXI.
No Brasil, o Partido dos Trabalhadores alcançou a presidência pela
primeira vez em 2003, despertando expectativas de mudança despropor-
cionais à política que esposara. A pretensão de superar o neoliberalismo
articulando continuidade macroeconômica a políticas assistenciais, teve
expressão ideogica no discurso neodesenvolvimentista, que no plano
regional, correspondeu à intenção de convergir a internacionalização de
negócios brasileiros com certa soberania regional: o regionalismo desen-
volvimentista.
No caso indiano, o INC retornou ao poder em 2004 após ter co-
mandado a inexão de sentido neoliberal nos anos 1990, afastando-se do
legado associado a indústria nacional e ao não-alinhamento. Navegando
em um horizonte civilizatório rebaixado, em que a comunalização da
política ofuscou o debate sobre os constrangimentos à mudança, a prática
congressista ambicionou conciliar a agenda do ajuste estrutural com pro-
gramas de sensibilidade social, sem reivindicar mudanças profundas na
política doméstica ou internacional: a reforma com rosto humano.
No caso brasileiro, desenhou-se uma estratégia para a América do
Sul, que articulou expansão mercantil e protagonismo político. Esta es-
tratégia foi possível porque havia negócios brasileiros interessados em
mercados sul-americanos e vice-versa, enquanto a liderança política do
país foi de modo geral, bem-vinda, e as preocupações concernentes a um
subimperialismo brasileiro permaneceram relativamente marginais
5
. No
caso indiano, observa-se uma reação à projeção chinesa, que em lugar de
resultar em uma estratégia especíca, acentuou tendências já prevalentes
na direção da abertura comercial, da integração com o oriente e da busca
de liderança subcontinental. Negócios indianos estavam menos interessa-
dos nos diminutos mercados vizinhos do que na conexão com o sudeste
asiático, em direção a Japão, Estados Unidos e China, enquanto o históri-
co de tensões regionais diculta a liderança política do país.
Estas especicidades incidiram na forma como se concretizou a
integração política e a conectividade infraestrutural. Em ambos casos,
iniciativas originárias dos anos 1980 (Mercosul e SAARC), somaram-se a
outras, de diferente escopo e natureza. Na Índia, a difícil relação com o
Paquistão, somada ao imperativo da conexão oriental resultou em BIMS-
5. Sobre a noção de um sub-imperialis-
mo brasileiro sob as gestões petistas
consultar: Luce, 2007; Fontes, 2012.
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Fabio Luis Barbosa dos Santos Economia políca da integração regional
TEC, concebida como uma ponte entre SAARC (sem Paquistão ou Afe-
ganistão) e ASEAN. A articulação regional avançou uma agenda expli-
citamente mercantil, em que a conectividade estrutural é central, como
demonstra a superposição entre BIMSTEC e SASEC, secretariada pela
ADB. Ao mesmo tempo, tratados de livre-comércio foram assinados, au-
mentando a taxa de trocas da economia indiana e os décits comerciais
do país, enquanto negócios indianos se intensicam na África. As expor-
tações de manufaturas ou serviços não compensaram o crescimento das
importações e apesar do crescimento econômico registrado, a criação de
empregos estancou.
Na América do Sul, a constituição da UNASUL colocou em pri-
meiro plano a dimensão política da integração subcontinental, embora
o alcance de uma iniciativa que congrega governos díspares, como eram
em seu momento original o venezuelano e o colombiano (2009), fosse
necessariamente limitado. Ao mesmo tempo, UNASUL promoveu por
meio da IIRSA a agenda da conectividade infraestrutural dos organismos
multilaterais, secretariada no subcontinente pelo BID. Porém, não hou-
ve coesão estratégica no plano econômico. Desde o fracasso da ALCA,
tratados de livre-comércio não estiveram entre as prioridades brasileiras
nem do Mercosul, enquanto Chile, Colômbia e Peru pautaram-se pela
abertura multilateral. Houve certa sinergia entre a intensicação de ne-
gócios brasileiros na região e a projão internacional do país, que no en-
tanto, foi corroída pela conjunção entre escândalos de corrupção e crise
econômica. Finalmente, se na América do Sul a UNASUL insinuou uma
alternativa a histórica inuência dos Estados Unidos, no subcontinente
asiático a projão chinesa valorizou a Índia aos olhos da potência hege-
mônica, ao mesmo tempo em que motivou a aproximação entre os países
da região. A China tem oferecido investimentos e negócios na Ásia e na
África, mas junto com eles também difunde-se um receio compartilhado,
que acerca a Índia de parceiros improváveis, como o Japão.
Em suma, explicita-se nos anos 1980 que Brasil e Índia abdicam
do horizonte nacional-desenvolvimentista, aderindo em ritmo diferente
à agenda do ajuste estrutural que caracteriza a ordem neoliberal. Neste
processo, a constituição de burguesias nacionais, cujos negócios estariam
umbilicalmente vinculados ao espaço econômico nacional, cedeu passo
ao protagonismo de setores internacionalizados das burguesias locais,
apontando para horizontes de acumulação transnacionais.
Nesta perspectiva, a economia política petista pretendeu apoiar-se
no entorno regional como espaço privilegiado de acumulação de capital,
visando projetar negócios de escopo global, enquanto o partido do Con-
gresso ambicionou conectar negócios indianos a cadeias globais de valor,
via sudeste astico. Em ambos casos, as vantagens competitivas interna-
cionais residem na exploração do trabalho barato e de recursos naturais.
Enquanto as “campeãs nacionais” brasileiras dedicam-se à produção de
matérias-primas e à construção civil, a exportação de serviços indiana
benecia-se do movimento de terceirização no mundo corporativo em
escala mundial, reduzindo custos por meio da precarização do trabalho.
Portanto, enfocados em perspectiva totalizante, Brasil e Índia ins-
crevem-se em uma divisão internacional do trabalho que apoia-se na de-
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gradação do trabalho e na devastação ambiental, para acelerar e intensi-
car a circulação e acumulação de capital em escala global. Subordinados a
este movimento de valorização do valor, a conectividade infraestrutural,
a liberalização comercial e a formação de blocos regionais, entendidas
como dimensões da globalização, autonomizam-se em relação às na-
lidades elementares do desenvolvimento econômico, que remetem ao
bem-estar da população e ao equibrio ambiental. Os governos petistas
pretenderam negociar de modo mais favorável os termos desta partici-
pação, modulando a liberalização comercial e a integração regional, mas
sem questionar os marcos globais da inserção subordinada, assim como
o partido do Congresso pretendeu dosar o alcance da abertura, mas sem
problematizar o seu sentido. Porém, ao aceitar como inexoráveis os ter-
mos da globalização, a articulação estrutural entre dependência e desi-
gualdade social não foi desaada.
Na atualidade, a eleição de Modi ameaça o que resta do horizonte
nehruviano, enquanto a presidência de Temer condena o neodesenvolvi-
mentismo petista ao passado, ou à prisão. Reforça-se a lógica segundo a
qual a conectividade infraestrutural, a formação de blocos regionais e os
tratados de livre-comércio são perseguidos como ns em si, descolados
dos propósitos humanistas e ecológicos elementares do desenvolvimento
econômico. A globalização impõe-se como um fetiche, oferecendo como
horizonte civilizatório nada além da racionalidade autoreferida do capital.
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