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estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 8, n. 3, (set. 2020), p. 152-173
Da ação à reação: o caso chinês
na consolidação do monopólio de
Elementos de Terras Raras à demanda na
Organização Mundial do Comércio
From action to reaction: the Chinese case in the
consolidation of the Rare Earth Elements monopoly and
the complaint at the World Trade Organization
De la acción a la reacción: el caso chino en la
consolidación del monopolio de elementos de tierras raras
sobre la queja de la Organización Mundial de Comercio
Mércia Cristina Gomes de Araújo
1
Alexandre Cesar Cunha Leite
2
Elia Elisa Cia Alves
3
DOI: 10.5752/P.2317-773X.2020v8.n3.p152
Recebido em: 29 de novembro de 2019
Aceito em: 04 de março de 2020
R
Qual a estratégia da China em mercados de recursos naturais em que tem
grande participação na oferta? A partir de um estudo de caso eminentemente
qualitativo, mas com ferramentais quantitativos, tais como índice de poder
de monopólio do mercado de Elementos de Terras Raras (ETR), mostramos
como a China consolidou-se como monopolista e como reagiu às acusações no
sistema internacional de comércio. Os ETR não são terras e tampouco raras,
mas caracterizam um importante insumo da cadeia produtiva comercial global,
destacando-se, majoritariamente, nos sistemas de controle de mísseis, de defesa
e de comunicação. Anal, qual o interesse da China em obter o controle sobre a
cadeia produtiva desse setor? Como o país alcançou isso e quais instrumentos de
política industrial e comercial foram empregados? Qual a reação dos outros ato-
res nesse mercado? Sugere-se que o objetivo de monopolizar a cadeia produtiva
dos recursos naturais estratégicos de ETR foi em consolidar o poder econômico
chinês. Mostramos como a China ocupou uma posição privilegiada no setor,
galgando a posição de maior exportador destes elementos e forte poder de mo-
nopólio, calculado através de índices de elasticidade-preço da demanda e como
foi seu posicionamento no litígio internacional.
Palavras Chave: China. Elementos de Terras Raras. Poder Econômico.
Monopólio.
1. Bacharelanda em Direito (UFPB),
Mestre em Relações Internacionais
(UEPB), João Pessoa/PB, Brasil.
2. Docente do Programa de Pós-Gradua-
ção em Relações Internacionais da Uni-
versidade Estadual da Paraíba (PPGRI/
UEPB) e do Programa de Pós-Graduação
em Gestão Pública e Cooperação
Internacional da Universidade Federal
da Paraíba (PGPCI/UFPB), João Pessoa/
PB, Brasil. Orcid: orcid.org/0000-0002-
0209-2717.
3. Docente do Programa de Pós-Gradua-
ção em Gestão Pública e Cooperação
Internacional da Universidade Federal
da Paraíba (PGPCI/UFPB), João Pessoa/
PB, Brasil. Orcid: orcid.org/0000-0002-
0434-7656.
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Mércia Crisna Gomes de Araújo, Alexandre Cesar Cunha Leite, Elia Elisa Cia Alves Da ação à reação: o caso chinês na consolidação do monopólio de
Elementos de Terras Raras à demanda na Organização Mundial do Comércio
A
What is Chinese strategy in natural resource markets with a large supply partici-
pation? From an eminently qualitative case study, but with quantitative tools such
as monopoly power index of the Rare Earth Elements (REE) market, we show
how China has consolidated as a monopolist and how it has responded to the ac-
cusations in the international trading system. REEs are neither rare nor land, but
they characterize an important input of the global trade supply chain, standing
out mainly in missile control, defense and communication systems. After all,
what is China’s interest in gaining control over its production chain? How did the
country achieve this and what instruments of industrial and trade policy were
employed? What is the reaction of other actors in this market? It is suggested
that the goal of monopolizing the supply chain of strategic RREs natural resour-
ces was to consolidate Chinese economic power. We show how China occupied
a privileged position in the sector, reaching the position of largest exporter of
these elements and strong monopoly power, calculated through price elasticity
indices of demand and how it was positioned in the international dispute.
Keywords: China. Elements of Rare Earths. Economic Power. Monopoly.
R
¿Cuál es la estrategia de China en los mercados de recursos naturales donde
tiene una gran participación en el suministro? A partir de un estudio de caso
eminentemente cualitativo, pero con herramientas cuantitativas como el índice
de poder de monopolio de mercado de Elementos de tierras raras (ETR), mos-
tramos cómo China se ha consolidado en la posición de monopolio y cómo ha
respondido a las acusaciones en el sistema de comercio internacional Los ETR
no son raros ni terrestres, pero caracterizan un aporte importante de la cadena
de suministro del comercio mundial, destacando principalmente en los sistemas
de control de misiles, defensa y comunicación. Después de todo, ¿cuál es el in-
terés de China en obtener el control de su cadena de producción? ¿Cómo logró
el país esto y qué instrumentos de política industrial y comercial se emplearon?
¿Cuál es la reacción de otros actores en este mercado? Se sugiere que el objetivo
de monopolizar la cadena de suministro de los recursos naturales estratégicos
ETR era consolidar el poder económico chino. Mostramos cómo China ocupó
una posición privilegiada en el sector, alcanzando la posición de mayor expor-
tador de estos elementos y un fuerte poder de monopolio, calculado a través
de los índices de demanda de elasticidad de precios y cómo se posicionó en la
disputa internacional.
Palabras clave: China. Elementos raros de la Tierra. Poder Económico. Mono-
polio.
Introdução
Desde a década de 1970, o campo teórico das Relações Internacio-
nais (RI) tem cedido importante espaço à interdependência e complexi-
dade dos problemas estatais. Ainda assim, em contraste com questões
referentes aos jogos de poder entre os Estados, noções de soberania,
instituições internacionais e relações comerciais, a disputa por recursos
naturais não constitui o foco prioritário da área (FUSER, 2010). Grande
parte da literatura apresenta recursos naturais estratégicos
4
como fator
condicionante à conguração do poder bélico (KLARE, 2000; KREMER,
2012), mesmo quando diante do mesmo objeto desse trabalho (MELO;
HAMANA, 2015).
4. Um recurso natural estratégico é
aquele que “é a chave do funcionamen-
to do sistema capitalista de produção e/
ou para a manutenção da hegemonia re-
gional e mundial” (RAMOS et al., 2010,
p. 32). À medida que uma matéria-prima
passa a ser potencialmente vital para
o desenvolvimento de atividades
econômicas, a sua escassez traz à tona
um componente conflitivo da geopolítica
em função da própria assimetria de sua
dotação (SENHORAS, MOREIRA, VITTE,
2009).
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o obstante, esse trabalho busca desvencilhar-se de uma pers-
pectiva militarizada dos recursos naturais. Do ponto de vista econômi-
co, Oliveira (2010) salienta as alterações do sistema econômico mundial
desde o pós 2ª Guerra Mundial, apontando a disputa pelo controle dos
principais mercados do mundo, dentre os quais destacam-se as maté-
rias-primas. Segundo esse autor, o crescimento econômico de países em
desenvolvimento impulsionou a busca por uma maior projeção política
de coparticipação nos processos decisórios internacionais. Nesse sentido,
Ramos et al. (2018) destacam a maior articulação institucional da China,
especialmente no que tange à busca por consolidar uma agenda de gover-
nança econômica paralela à dirigida pelos países desenvolvidos.
Leite (2011) destaca o dinamismo econômico chinês na esfera do co-
mércio internacional, seja atuando como polo exportador, importador ou
como investidor estrangeiro em grande escala. Alinhando seus interesses
nos ambientes doméstico e internacional, no ano de 1978, sob orientação
de Deng Xiaoping, a China seguiu rumo a uma economia voltada para o
mercado (WALL, 1996; EGLIN, 1997). Consequentemente, a emergência
chinesa alterou as estruturas produtivas globais. Particularmente, no se-
tor pririo, ao criar dimicas que impulsionaram uma grande deman-
da de recursos naturais, a China assumiu o posto de responsável pela alta
dos preços internacionais de commodities, lugar que terminou por estabe-
lecê-la como motor da expansão industrial extrativa em nível mundial
(MORENO, 2015).
Diante disso, o artigo tem por objetivo analisar os recursos natu-
rais estratégicos sob uma perspectiva da Economia Política Internacional
(EPI), buscando compreender os Elementos de Terras Raras (ETR/TR)
5
empregados como um recurso de poder econômico pelo Estado chinês.
Apesar do reducionismo das análises de EPI focarem nas relações entre
Estado e Mercado, conforme aponta Gonçalves (2005), esse é um tema
que perpassa toda a agenda dos estudos da área, seja por uma perspecti-
va mais liberal-institucional (FRIEDEN E LAKE, 2000) ou mais crítica.
Diante desse quadro, busca-se compreender o interesse da China no con-
trole sobre a cadeia produtiva dos ETR, sugerindo-se que, o controle das
reservas, depósitos e do consumo de alto valor adicionado em produção
de tecnologia high tech, confere à China maior poder de barganha, reeti-
do no seu aumento de poder econômico. A China é o país ofertante desse
recurso com maior imporncia no mercado, inuenciando variáveis cha-
ve no funcionamento do mesmo, tais como preço e volume negociado.
Sobre esse tema Wubbeke (2013) bem como Kalantzakos (2018) des-
tacam que os controles de exportação de ETR implementados pela China
não podem ser analisados isoladamente e sugere que a explicação geopolí-
tica, que vê os recursos naturais como instrumentos da política de poder,
só pode ser parcialmente atribuída às políticas chinesas de ETR. Segundo
o autor, é preciso considerar as demandas domésticas emergentes sobre a
dimensão ambiental e de desenvolvimento industrial. Do ponto de vista
metodológico, tal problemática será observada através do estudo do caso
da estratégia de inserção monopolista chinesa nesse mercado, a partir da
restrição da produção, com o ápice através da abertura de um painel na
Organização Mundial do Comércio (OMC) em 2012 (OMC, 2015).
5. Terras raras (TR) ou Elementos de
Terras Raras (ETR) compreendem uma
série de elementos químicos que se
encontram na tabela periódica entre
o Lantânio (La;57) e o Lutécio (Lu;71).
Somados a essa série estão os metais
Escândio (Sc;21) e Ítrio (Y;39). Os ETR
caracterizam-se como um importante
insumo da cadeia produtiva comercial
global, e destacam-se, majoritariamen-
te, nos sistemas de controle de mísseis,
de defesa e de comunicação (ROCIO; da
SILVA; de CARVALHO; CARDOSO, 2013,
LEITE; ARAÚJO, 2015). Além disso, os
ETR são utilizados desde a composição
de imãs, lasers, radares, lentes de
câmeras, motores elétricos de auto-
móveis até nas blindagens de reatores
nucleares e em materiais usados no
refino do petróleo.
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Elementos de Terras Raras à demanda na Organização Mundial do Comércio
A pertinência temática somada ao caráter atual do trabalho perpas-
sa inúmeras questões. Primeiramente, conforme já mencionado, grande
parte da produção acadêmica no Brasil sobre ETR é instrumentalizada
pela alise militar-estratégica ou geopolítica (REIS, 2017). Em segundo
lugar, há que se ressaltar que a escalada das disputas comerciais entre
os EUA e a China, desde 2017, revela uma resposta à uma estratégia que
vinha sendo construída pela potência emergente paulatinamente e con-
solidada desde o início dos anos 2000. Finalmente, ainda que não tenha
a mesma ênfase que algumas commodities minerais mais conhecidas, as
ETR têm amplo destaque nos meios relacionados às atividades minerado-
ras de pesquisa, exploração, produção, assim como de comercialização.
Para isso, o artigo está dividido em quatro partes, incluindo essa
seção introdutória. Na seção 2, busca-se situar o debate do ponto de vista
teórico e descrever como o país conseguiu se projetar no setor de ETR
como grande monopolista, posição identicada a partir do cálculo de sa-
liência das relações comerciais. Na seção 3, discute-se o caso de disputa na
OMC, ilustrando como esse espaço foi instrumentalizado pelo país para
consolidar sua estratégia. Finalmente, a seção 4 traz considerações nais.
O mercado de Terras Raras e a ascensão chinesa nos anos 2000
Os ETR foram descobertos em território chinês no nal da década
de 1920, no distrito de Bayan Obo, cidade mineira localizada no oeste da
Mongólia Interior. Até esta data (ou esta descoberta), sua produção era
majoritariamente estadunidense. O interesse chinês em inuir sobre os
ETR era inexistente até meados da década de 1960. Esse cenário foi al-
terado no governo de Deng Xiaoping, particularmente a partir de 1986.
Desde então, a China optou por uma estratégia de longo prazo, envol-
vendo desde o domínio da extração até a produção e rotas de distribuição
(CARDOSO; PAZETTI; SANTOS, 2014).
Nos anos 1980, a China promoveu uma redução de preço para pro-
mover a desmobilização da extração dos insumos no resto do globo. Des-
tarte, países como os EUA e o Japão optaram por não produzir e passa-
ram a importar a matéria-prima da república asiática.
A estratégia chinesa pode ser analisada em três momentos distintos
(LEITE; ARAÚJO, 2015):
(i) Aumento da demanda: ao formar grandes e atrativos estoques
após a queda nos preços dos minerais no nal da década de 1990;
entre os anos 2000 e 2009. Nesse ponto, “a China tornou-se um
mercado atrativo para importação de marias de terras-raras”
6
(ROCIO; da SILVA; de CARVALHO; CARDOSO, 2013);
(ii) Restrição da oferta: após estabelecer planos de redução de quota
de exportação em 2010, entre 2011 e 2013, a China aumentou
a sua quota de produção de 89,20 toneladas métricas em 2010
para cerca de 93,80 toneladas métricas em 2011, um aumento
de cerca de 5%. Além disso, o Estado chinês impôs tarifas de
exportação de 25% sobre determinados produtos, enquanto que
os outros estariam sujeitos a uma tarifa de 15% (LIMA, 2011.
LEITE; ARAÚJO, 2015);
6. Com início em meados de 2003, a
produção no país estruturou-se em
dois grupos, o primeiro compreendendo
as províncias de Mongólia Interior,
de Gansu e de Sichuam, e com uma
produção centrada em minérios
detentores de bastnasita. O segundo
grupo compreendendo as províncias de
Guangdong, Human, Jiangxi e Jiangsu,
com uma produção voltada para argilas
enriquecidas com elementos pesados de
TR (LEITE; ARAÚJO, 2015).
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(iii) Explosão do aumento dos preços dos insumos que, segundo
Serra (2011), multiplicaram-se por 10.
Kay (2009) salienta que o poder econômico tem respaldo no po-
der de monopólio ou no monopsônio, ou seja, na existência de um único
vendedor de um bem ou serviço particular ou na existência de um único
comprador para esse bem. De acordo com Strange (1994), “é impossível
ter poder político sem o poder de compra, para comandar a produção e
mobilizar o capital. E é impossível ter poder econômico sem a sanção da
autoridade política, sem a segurança jurídica e física. Isso só pode ser for-
necido pela autoridade política” (STRANGE, 1994, p. 25).
Essa denição de poder econômico é particularmente importante.
Isso porque, atentando-se para a denição de poder voltada para o con-
trole sobre recursos naturais, existe uma crescente valoração histórica
de sua geopolítica. Na medida em que a abundância de recursos em um
território contrasta com a escassez em outro, dá-se início a uma natureza
iminentemente conitiva. Desse modo, no campo econômico, o poder de
monopólio e o poder de produção distinguem os atores do sistema com
mais ou menos poder frente aos demais.
Entretanto, segundo Nye (2012), a escassez de recursos em um de-
terminado Estado não é indício de baixo poder econômico. Esse autor sa-
lienta que, sem uma parcela signicativa de recursos naturais, no século
XX o Japão alcançou o patamar de segunda maior economia do mundo.
Por outro lado, países favorecidos de petróleo permaneceram fracos por
não conseguirem transformar seu recurso em poder nacional ou riqueza.
Destaca-se que concepção de poder como a capacidade de um ator usar
seus recursos materiais convertendo-os e levando outros atores a fazerem
o que eles não fariam em outra situação tem sido amplamente operacio-
nalizada na política internacional.
A competição em torno do acesso às fontes de recursos valiosos
acompanha a trajetória da humanidade desde a pré-história (KLARE,
2000; YERGIN, 2014). A esse respeito, Gilpin (1981) aponta que o efeito da
lei dos retornos decrescentes, responsável pelo funcionamento ecomi-
co em qualquer sociedade e em qualquer período de tempo, impulsiona a
disputa entre os atores pela posse de recursos valiosos. Observa-se, assim,
que os recursos essenciais e difíceis de substituir, tornam-se sujeitos a cer-
to grau de risco de seu fornecimento. Logo, entende-se que a geopolítica
dos recursos naturais estratégicos está diretamente ligada a cinco fatores
principais: “1. ao valor das commodities no mercado internacional, 2. às
taxas de crescimento dos países que compõem o Sistema Internacional, 3.
à escassez da mercadoria, 4. à sua utilidade e 5. à inelasticidade do bem
(MACHADO, 2012, p. 18).
Collier e Hoeer (2004) “argumentam que a alta volatilidade dos
preços internacionais de commodities faz com que os países importadores
sejam confrontados com choques de preços internos” (LEITE; ARAÚJO,
2015), que impactam a economia doméstica dos Estados e requerem es-
tratégias de gerenciamento adequadas, nem sempre aplicadas. A esse res-
peito, Peters (2004) argumenta que a perspectiva da emergência de coni-
tos relacionados com a escassez de recursos naturais somente despertou
a atenção dos teóricos em 1973, a partir do primeiro choque do petróleo.
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Elementos de Terras Raras à demanda na Organização Mundial do Comércio
Nota-se, portanto, que o controle de um recurso valioso pode se
traduzir em poder. Segundo Strange (1994), o poder estrutural é com-
posto por quatro subestruturas independentes e complementares. Nesse
caso, salienta-se a importância da estrutura de produção para construção
e/ou projeção de um poder econômico sólido. Essa estrutura de produ-
ção refere-se ao índice dos arranjos do Estado que determina os termos
do que deve ser produzido, por quem e para quem. Logo, denir o que,
como e para quem se produz é fundamental para o Estado que almeja
deter poder na economia mundial.
Conforme o gco 1, as reservas de ETR encontram-se dispostas
em diferentes regiões do globo, como nos Estados Unidos (EUA), na Eu-
ropa, no Canadá, na Austlia e, principalmente, em solo chinês, com
39% das reservas globais.
Gráfico 1 - Disponibilidade de Reservas de Elementos de Terras Raras (Em milhões de
toneladas)
Fonte: Elaboração própria com base em USGS (2019). Atualizado de (LEITE; ARAÚJO,
2015).
Apesar de importante, um país pode possuir uma vasta reserva e
optar por não explorá-la, mas importar ETR, considerando altos custos
de produção, transporte e impacto ao meio-ambiente (JHA, 2014). Até a
década de 1980, EUA, Brasil, Índia, Austrália e África do Sul concentra-
vam a atividade de mineração e respondiam por mais de 60% da produ-
ção mundial de ETR. Dentre estes, apenas os EUA possuíam uma cadeia
de suprimentos integrada, ou seja, produziam além dos minérios, óxidos,
imãs e outros produtos com a presença dos elementos. Os demais eram
responsáveis apenas pela exportação dos minérios e seus concentrados de
baixo valor adicionado para a Europa Ocidental e o Japão (MEDEIROS E
TREBAT, 2017). Em 2018, a China respondia pela produção em toneladas
de 120.000, seguida da Austlia com 20.000, EUA com 15.000 e Brasil
com apenas 1.000, conforme pode ser visto no gco 2:
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Gráfico 2 - Produção de ETR em 2018 – Dados em toneladas
Fonte: Elaboração própria com base em USGS (2019).
Até o início da década de 1990, o principal processo de agregação
de valor em óxidos e metais puros era feito em países desenvolvidos, e
com baixa perspectiva de competição internacional (Cornell, 1993). Esse
cenário foi alterado pela China, a partir de seus avanços na capacidade
de processamento e reno dos ETR. Nessa época, a exploração de ETR
tornou-se um setor ocialmente protegido e estratégico na China, com
a proibição total do investimento estrangeiro na mineração dos elemen-
tos no país. Sendo assim, empresas estrangeiras só poderiam investir na
separação, fundição e processamento dos ETR através de joint ventures
com empresas chinesas aprovadas pela Comissão Nacional de Desenvol-
vimento e Reforma (NDRC - sigla em inglês) e pelo Ministério do Co-
mércio (MOFCOM – sigla em inglês) (JEPSON, 2012). Em 2010, a China
já era praticamente monopolista na oferta de ETR, com aproximadamen-
te 90% da produção mundial (LAPIDO-LOUREIRO, 2013; USGS, 2013;
SANTOS, 2014).
Conforme Rocio et al. (2013), a inserção da China no mercado in-
ternacional resultou de uma estratégia de longo prazo sistematizada após
uma queda nos preços dos minerais no nal da década de 1990. Desde
então, a China aumentou sua produção em 450%, saindo de 16.000 tone-
ladas métricas para 73.000 toneladas métricas. Nos anos seguintes, a pro-
dução chinesa ampliou-se gradualmente, chegando a 2010 com 120.000
toneladas métricas (TSE, 2011), embora o consumo chinês tenha perma-
necido relativamente estável no período (TSE, 2011; MASSARI E RUBER-
TI, 2012). Consequentemente, olhando pelo lado da oferta do mercado,
além de se tornar o maior produtor, a China adquiriu o papel de maior
exportador mundial de ETR, conforme o gráco 3.