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Wallace Lucas Magalhães Políca Externa e Cooperação Técnica para a Modernização Agrícola no Pós-Segunda Guerra:
o Caso do Escritório Técnico de Agricultura (Brasil-EUA)
Política Externa e Cooperação Técnica
para a Modernização Agrícola no Pós-
Segunda Guerra: o Caso do Escritório
Técnico de Agricultura (Brasil-EUA)
Foreign Policy and Technical Cooperation for Agricultural
Modernization in the Post-Second War: The Case of the
Technical Agriculture Office (Brazil-USA)
Política Exterior y Cooperación Técnica para la
Modernización Agrícola em la Posterior a la Segunda
Guerra: El Caso de la Oficina Técnica de Agricultura
(Brasil-EE.UU)
Wallace Lucas Magalhães1
DOI: 10.5752/P.2317-773X.2022v10.n1.p25
Recebido em: 02 de julho de 2020
Aprovado em: 23 de fevereiro de 2021
RESUMO
Este artigo analisa a criação do Escritório Técnico de Agricultura (ETA) a partir de
um acordo de cooperação técnica entre Brasil e Estados Unidos. Criado em 1953,
o ETA era proveniente de um conjunto de acordos gerais de cooperação técnica
que marcavam as relações entre os dois países desde a década de 1940 e tinha
como objetivo “facilitar o desenvolvimento da agricultura e dos recursos naturais
dos Estados Unidos do Brasil”. Para que possamos compreender os principais pon-
tos deste acordo, apresentaremos o histórico da cooperação técnica no pós-segun-
da guerra, bem como algumas diretrizes da política externa brasileira no período.
Ultrapassada a equidistância pragmática, que marcou a direção da política exterior
em anos de guerra, o paradigma americanista, determinante no pós-guerra, foi
adaptado ao nacional-desenvolvimentismo do segundo governo Vargas, no qual
a modernização de setores como a agricultura assumia papel fundamental como
política de Estado. Como metodologia, expostas questões históricas e teóricas so-
bre política externa e cooperação técnica no pós-segunda guerra, apresentaremos,
de forma expositiva, os principais elementos presentes no referido acordo, bem
como sua suposta efetividade como instrumento de desenvolvimento.
Palavras-chave: Política externa, cooperação técnica, Escritório Técnico de
Agricultura
1. Doutorando pela Universidade
Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).
E-mail: luckasoab@yahoo.com.br.
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estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 10, n. 1, (abr. 2022), p. 25-40
ABSTRACT
This article analyzes the creation of the Technical Oce of Agriculture (ETA)
based on a technical cooperation agreement between Brazil and the United States.
Created in 1953, the ETA came from a set of general technical cooperation agre-
ements that marked the relations between the two countries since the 1940s and
aimed to “facilitate the development of agriculture and natural resources in the
United States of Brazil”. So that we can understand the main points of this agree-
ment, we will present the history of technical cooperation in the post-second war
period, as well as some guidelines of Brazilian foreign policy in the period. Having
overcome the pragmatic equidistance, which marked the direction of foreign policy
in the years of war, the Americanist paradigm, which was decisive in the post-war
period, was adapted to the national developmentalism of the second Vargas gover-
nment, in which the modernization of sectors such as agriculture had a funda-
mental role as state policy. As a methodology, exposed historical and theoretical
questions about foreign policy and technical cooperation in the post-second war,
we will present, in an expository way, the main elements present in the referred
agreement, as well as its supposed eectiveness as a development instrument.
Keywords: Foreign policy, technical cooperation, Agricultural Technical Oce
RESUMEN
Este artículo analiza la creación de la Ocina Técnica de Agricultura (ETA) basada
em un acuerdo de cooperación técnica entre Brasil y los Estados Unidos. Creado
em 1953, ETA proviene de un conjunto de acuerdos generales de cooperación téc-
nica que marcó las relaciones entre los dos países desde la década de 1940 y tenia
como objetivo “facilitar el desarrollo de la agricultura y los recursos naturales
en los Estados Unidos de Brasil”. Para comprender los puntos principales de este
acuerdo, presentaremos la historia de la cooperación técnica en la posguerra,
así como algunas pautas de la política exterior brasileña en el período. Una vez
superada la equidistancia pragmática, que marcó la dirección de la política exterior
en años de guerra, el paradigma americanista, determinante en el período de pos-
guerra, se adaptó al desarrollismo nacional del segundo gobierno de Vargas, en el
que la modernización de sectores como la agricultura asumió un papel funda-
mental como política del estado. Como metodología, expuso preguntas históricas
y teóricas sobre política exterior y cooperación técnica en la posguerra, presen-
taremos, de manera expositiva, los principales elementos presentes en el referido
acuerdo, así como su supuesta efectividad como instrumento de desarrollo.
Palabras clave: Política exterior; cooperación técnica; Ocina Técnica de Agricultura.
Introdução
A questão central que permeia este artigo é a cooperação técnica
entre Brasil e Estados Unidos da América (EUA) no pós-segunda guerra, e
de maneira mais especíca, a voltada para a modernização da agricultura
nacional. Ainda durante o conito mundial, os dois países rmaram acor-
dos de cooperação técnica destinados aos esforços da guerra e que tinham,
dentre outros objetivos, a produção de gêneros alimentícios, no qual a
modernização da produção agrícola já se fazia presente.
Segundo alguns autores que apresentam a historiograa da cooperação
técnica (MILANI, 2017, CERVO, 1994), o pós-guerra foi um momento funda-
mental de disseminação da cooperação técnica, assumindo esta dimensões
internacionais. Todavia, ainda na primeira metade da década de 1940, a coo-
peração técnica era um instrumento de relações bilaterais entre Brasil e EUA.
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o Caso do Escritório Técnico de Agricultura (Brasil-EUA)
Porém, para compreender o escopo destes acordos, faz-se necessá-
rio, além da dimensão internacional que a cooperação técnica assumiu
no pós-guerra, analisar a política externa brasileira e suas relações com o
país do norte. Transitando entre o que Gerson Moura (1980) denominou
de equidistância pragmática do governo Vargas (1935-1942), alinhamentos
hemisférico (1942-1945) e inevitável (1945-1951) e a adaptação do paradig-
ma americanista ao nacional-desenvolvimentismo no segundo governo
Vargas, as relações entre Brasil e EUA foram, como apontam Cervo e
Bueno (2002), centrais na política externa brasileira desde a proclamação
da República, com destaque para a aproximação entre os dois países a
partir da gestão Rio Branco (1902-1912).
É no contexto de adaptação do americanismo ao projeto nacional-
-desenvolvimentista do governo Vargas que encontramos a realização de
um acordo entre Brasil e EUA rmado em junho de 1953. Voltado para
a “execução de um programa de cooperação agrícola”, o acordo previa
como principal objetivo “facilitar o desenvolvimento da agricultura e
dos recursos naturais” brasileiros, mediante o estímulo ao intercâmbio
entre os dois países em matéria de conhecimento, eciência prossional
e processos técnicos no domínio da agricultura (UNITED STATES OF
AMERICA, 1953).
Pelo exposto, este artigo está dividido em três tópicos: o primeiro
fará uma exposição da política externa brasileira do segundo governo Var-
gas (1951-1954), retomando aspectos de continuidade de governos anterio-
res, como a centralidade das relações entre Brasil e EUA para a política
exterior do Brasil. Este tópico nos oferecerá subsídios para compreender
a direção da política externa brasileira para o desenvolvimento nacional.
O segundo tópico aborda o histórico da cooperação técnica no pós-
-segunda guerra. Tal abordagem irá expor, de forma concomitante, a di-
mensão internacional da cooperação técnica, neste caso denida como
Cooperação Técnica Internacional (CTI), bem como a criação de uma
rede de cooperação nacional ancorada no projeto desenvolvimentista.
No terceiro tópico, abordaremos o acordo de cooperação técnica
rmado entre Brasil e EUA em 26 de junho de 1953, pesquisado junto ao
Arquivo Histórico do Itamaraty no Rio de Janeiro. A partir de uma expo-
sição de alguns pontos do acordo, podemos observar as questões expostas
nos tópicos anteriores: a conjugação entre americanismo e nacional-de-
senvolvimentismo, presente na política externa brasileira, transitando
pelo histórico da cooperação técnica no pós-guerra. Por m, abordaremos
como um aparelho do Estado, o Ministério da Agricultura, referendava
as ações do ETA como fundamentais para o desenvolvimento nacional.
Política externa brasileira do segundo governo Vargas: americanismo e
nacional-desenvolvimentismo (1951-1954)
A política externa brasileira apresentou, a partir de 1951, caracterís-
ticas novas que a diferenciavam de períodos anteriores, p.14). Importante
destacar, porém, que embora o período tenha impulsionado uma nova
formulação para a política externa brasileira, podemos observar alguns
traços de continuidade com os períodos anteriores.
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A aliança não escrita (BURNS, 2003) do Brasil com os EUA imple-
mentada a partir da gestão do Barão do Rio Branco (1902), e determinante
durante toda a primeira metade do século XX, foi um importante elemen-
to orientador da política externa brasileira no segundo governo Vargas. O
privilegiamento das relações com os EUA, com destaque para o contexto
internacional do pós-segunda guerra, foi um importante traço de conti-
nuidade que podemos observar quanto à política externa brasileira no
início da segunda metade do século XX. Todavia, é fundamental desta-
carmos importantes mudanças na cena nacional, como o desenvolvimen-
to ecomico e as transformações políticas da sociedade brasileira, cujos
efeitos impulsionaram novas demandas da política externa brasileira. A
retomada da política de desenvolvimento econômico, todavia, deve ser
analisada a partir de seus novos alicerces, destacando-se novas dinâmicas
e orientações para a política externa brasileira.
Na cena internacional, a Guerra Fria era marcada por diversas ten-
sões e instabilidades, como os movimentos de descolonização e a revolu-
ção chinesa de 1949. Nesse contexto, os EUA fortaleciam seus instrumen-
tos de contenção para o conito bipolar, caso da cooperação internacional,
entendida em seu movimento inicial no pós-guerra como ajuda internacio-
nal, tanto para os países da Europa quanto para as economias periféricas.
Internamente, o segundo governo Vargas foi marcado pelo processo
de polarização em setores fundamentais da sociedade brasileira, tais como
a opinião pública e as Forças Armadas. O conito entre nacionalistas e os
entreguistas, estes expoentes de uma política mais liberal e de maior parti-
cipação do capital estrangeiro na economia nacional, foi um elemento que
permeou a política externa varguista, na qual o “populismo, o nacionalis-
mo e o antiimperialismo tornam-se categorias cada vez mais presentes no
discurso político dessa época (CERVO; BUENO, 2002, p. 273).
Nesse cenário, o sistema político tinha de dar respostas ao aumento
da participação popular e da ascensão e consolidação de novos segmentos
sociais, como a burguesia industrial, favorecida pelo processo de indus-
trialização, no qual Vargas “viu-se na contingência de retomar o projeto
de desenvolvimento industrial por substituição de importações, incre-
mentando a indústria de base” (VIZENTINI, 2008, p. 17).
Nesse contexto, cabia ao setor externo da economia papel fundamen-
tal no projeto de desenvolvimento nacional. Todavia, como aponta Vizentini
(2008, p. 17), a aquisição de capital e tecnologia teria nos EUA, potência he-
gemônica do mundo capitalista, seu principal ator, motivo pelo qual a coo-
peração com o país do norte, tanto ecomica quanto técnica, seria impres-
cindível para os objetivos nacionais. Porém, no contexto da Guerra Fria, das
tensões do conito bipolar, do privilegiamento das relações dos EUA para a
reconstrução da Europa via Ponto Marshall e consequente descaso quanto
aos países da América Latina, a capacidade de mobilizar, por parte da política
externa brasileira, os olhares norte-americanos, tornou-se mais restrita.
O americanismo, aqui compreendido como a centralidade das rela-
ções com os EUA para a política externa brasileira, implementado no go-
verno Dutra como um “servilismo aos interesses estrangeiros, particular-
mente norte-americanos” (VIZENTINI, 2008, p. 16), reetiu seus efeitos,
em menor ou maior grau, nos anos seguintes. É nesse cenário, marcado
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o Caso do Escritório Técnico de Agricultura (Brasil-EUA)
pelo conjunto de elementos internos e externos, tais como o projeto nacio-
nal-desenvolvimentista e a centralidade das relações com os EUA para a po-
lítica externa brasileira, concomitante ao privilegiamento norte-americano
para a reconstrução da Europa frente à Arica Latina, que a política ex-
terna do segundo governo Vargas foi orientada pela barganha nacionalista.
Letícia Pinheiro (2010, p. 29) expõe a barganha nacionalista como o
processo pelo qual Vargas procurava negociar o apoio político-estratégi-
co aos EUA mediante cooperação para o desenvolvimento econômico,
adaptando o paradigma americanista ao nacional-desenvolvimentismo.
Além da dimensão externa da barganha nacionalista, esta foi importante
como instrumento de fortalecimento interno do governo, fornecendo-lhe
apoio de diferentes forças sociais, cuja cooperação e assistência técnica
negociada com os EUA contemplavam diversos segmentos produtivos,
como a indústria e a agricultura, este um dos setores fundamentais da
economia nacional.
Como exposto, embora a década de 1950 não tenha apresentado as
condões favoráveis da equidistância pragmática, política de relações conco-
mitantes com EUA e Alemanha no período da segunda guerra que conferiu
ganhos ao Brasil, não signica dizer que a política externa de Vargas não
tenha mobilizado importantes estratégias de forma a impulsionar o desen-
volvimento econômico, destacando-se a conciliação de aspectos suposta-
mente antagônicos, como americanismo e desenvolvimento nacional.
Como elemento da barganha nacionalista, dado o cenário de descaso
dos EUA em relação ao Brasil, Vargas pôs em prática uma política de au-
tonomia nacional concomitante ao alinhamento político aos EUA. Como
expõe Pinheiro (2010, p. 29), embora a política externa brasileira fosse
orientada por “um comportamento mais autônomo, que projetasse o país
no plano internacional, o desenvolvimentismo tinha suas demandas, de
forma que, “mais uma vez as relações com os Estados Unidos eram cen-
trais para garantir o sucesso do projeto econômico” (PINHEIRO, 2010,
p. 30). Ou seja, temos a política externa brasileira conjugando elementos
de autonomia e alinhamento aos EUA em virtude dos interesses do de-
senvolvimento econômico nacional, das relações de forças internas e da
ordem internacional da Guerra Fria.
Corroborando tal posição, Hirst (1990, p. 51-52) destaca que:
A conjugação de alinhamento político e nacionalismo não representava em si
mesma um paradoxo, graças ao papel neutralizador que poderia ser desempe-
nhado pela política de desenvolvimento econômico. As contradições geradas
apareciam muito mais na própria ação política, transmitidas através de disputas e
conitos. [...] O nacionalismo presente neste caso antes manifestava-se através do
antagonismo a interesses internos e externos do que na proposta de um projeto
nacional. A instrumentalização de uma política nacionalista aparecia como uma
medida defensiva e não ofensiva.
Para a autora, a necessidade da cooperação para o desenvolvimento
e nesse sentido, das relações com os EUA, moldava decisões que se apro-
ximavam de um consenso, sendo objeto de tensões as formas de coopera-
ção e a profundidade do alinhamento com os EUA (HIRST, 1990, p. 52).
Pelo exposto, podemos concluir que as tensões referentes à políti-
ca externa brasileira não estavam centradas em seus objetivos, estes es-
trategicamente denidos e praticamente consensuais, mas em seu modus
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operandi. Temos, portanto, a aglutinação de ações distintas referentes à
política externa, porém orientadas para os interesses nacionais.
Fica evidente, porém, que na busca pela realização dos objetivos
nacionais instrumentalizados pela política externa brasileira, temos um
conjunto formado por relações de assimetria entre os atores internacio-
nais, bem como por cálculos e estratégias políticas de maior ou menor
ecácia no atendimento dos interesses nacionais.
Dessa forma, para a continuidade de nossas alises, partimos da
premissa de que, mesmo no cenário de descaso dos EUA para com a Amé-
rica Latina e, de forma mais especíca para com o Brasil, as relações entre
os dois países constituíram um dos fatores fundamentais nos planos de
industrialização do segundo governo Vargas. Embora a Guerra Fria fosse
um evento fundamental para a reorientação da política externa brasilei-
ra, a política varguista de barganha com os EUA não parecia totalmente
inecaz. O desenvolvimento, entendido como política de Estado, na qual
cooperação econômica e técnica eram um dos seus cororios, mantinha-
-se como um elemento negociável entre os dois países.
Dessa forma, embora permeada por contradições, como a disputa
entre nacionalistas e entreguistas, damos passos signicativos para com-
preender como a política externa brasileira foi um importante instrumento
de desenvolvimento nacional no governo Vargas, ou como, a partir da aná-
lise empírica de políticas de cooperação entre Brasil e EUA, entender como
aquele articulou americanismo e desenvolvimento econômico nacional.
Como exemplo da política de cooperação técnica para o desenvolvi-
mento entre Brasil e EUA, será apresentado o acordo rmado em 1953 para
a execução de um programa de cooperação agrícola, cujo destaque foi a cria-
ção do ETA. Sob a tutela conjunta do Brasil e dos EUA, o ETA foi responsável
pela proposta e implantação de diversos projetos de cooperação e desenvol-
vimento rural, contemplando ações educativas, de modernização produtiva,
emprego de técnicas e mecanização da agricultura, dentre outros.
Antes de adentrarmos no acordo de cooperação que criou o ETA,
torna-se fundamental um breve histórico da cooperação técnica.
Na historiograa, é comum tratar o pós-segunda guerra como marco
da cooperação técnica, uma vez que esta assumiu no pós-45 uma dimen-
são internacional, sendo impulsionada por programas de grande visibilidade
como o Ponto IV do discurso presidencial do presidente norte-americanos
Harry Truman, em 1949. Partindo desse recorte histórico, vamos apresentar
alguns elementos para a compreensão da cooperação internacional de forma
ampla, bem como as medidas precursoras de criação de uma rede de coo-
peração nacional, o que nos fornecerá subsídios para a análise do acordo de
cooperação técnica entre Brasil e EUA que culminou na criação do ETA em
1953, bem como sua instrumentalidade para o desenvolvimento nacional.
Cooperação técnica no pós-segunda guerra: desenvolvimento e zonas
de influência
Ao analisarem o histórico da cooperação técnica em nível inter-
nacional, Milani (2017) e Cervo (1994) expõem algumas fases ou etapas
na qual a cooperação assumiu dinâmicas distintas, passando pelo con-
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o Caso do Escritório Técnico de Agricultura (Brasil-EUA)
texto da cena internacional, pelo processo de institucionalização nos
países recipienrios, bem como pela própria natureza e objetivos da
cooperação técnica. Nesse sentido, destacam que a década de 1940, es-
pecialmente o pós-guerra, marcou o que denominam como antecedente
da cooperação técnica em nível internacional.2
No período antecedente, podemos observar algumas características
fundamentais relacionadas à cooperação técnica internacional, partindo
da reexão acerca do cenário internacional do período, o conito políti-
co-ideológico bipolar e da constituição de organismos internacionais.
Cabe ressaltar que, embora o processo de institucionalização da
cooperação técnica tenha sido distinto e gradual nos países receptores, na
nova geopolítica mundial, os Estados com maiores recursos de poder, com
destaque para os EUA, implementaram um amplo processo de institucio-
nalização da cooperação técnica ancorado em diretrizes e políticas de or-
ganismos internacionais como a Organização das Nações Unidas (ONU).
Nesse sentido, como destacam Milani (2017) e Lancaster (2007), a
institucionalização da cooperação técnica em nível internacional no pós-
-guerra teve como ponto de partida a aprovação da resolução nº 200 da
Assembleia Geral da ONU, de 1948, cujo principal ponto era a destinação
de verbas e recursos humanos para a formulação de programas de de-
senvolvimento econômico nos países considerados subdesenvolvidos por
meio de “assistência técnica.
No ano seguinte, foi criado o Programa das Nações Unidas de
Assistência Técnica (UNEPTA), que denia a assistência técnica como
a “transferência, em caráter não comercial, de técnicas, expertise e co-
nhecimentos, por meio de projetos a serem desenvolvidos em parcerias
entre atores de nível desigual de desenvolvimento, ou seja, entre países
prestadores e receptores, “envolvendo peritos, treinamento de pessoal,
elaboração de material bibliogco, aquisição de equipamentos, realiza-
ção de estudos e pesquisas” (MILANI. 2017, p. 8).
Ainda em 1949, ganhou destaque no campo da assistência técni-
ca o Ponto IV do presidente Harry Truman, denido como o primeiro
programa de assistência técnica bilateral dos EUA para os países subde-
senvolvidos (MILANI. 2017, p. 8). Em seu pronunciamento junto ao Con-
gresso, Truman destacou a necessidade de criação de um programa que
colocasse os avanços cientícos e os resultados do progresso industrial
à disposição do crescimento econômico dos países subdesenvolvidos, que
mediante a assistência técnica, avançariam sobre sua condição primitiva
quanto ao desenvolvimento econômico (MILANI. 2017, p. 9).
Ponto importante a ser destacado são as transformações quanto aos
objetivos da assistência técnica e da cooperação internacional, representa-
das por categorias como ajuda ao longo da segunda metade do século XX.
Como aponta Cervo (1994), sob condições favoráveis no sistema inter-
nacional do pós-guerra, temos a implementação da cooperação técnica sob a
conguração de ajuda aos países subdesenvolvidos, bem como para a recons-
trução da Europa. Nesse cenário, além dos aspectos econômicos que permea-
vam a assistência técnica, um importante elemento presente neste processo
era sua dimensão ideogica, na qual a ajuda funcionava como instrumento
de demarcação de zonas de inuência. Como destacou Cervo (1994, p. 38):
2. Analisando o processo de evolução
da cooperação técnica internacional no
Brasil, Milani (2017), didaticamente,
aborda três períodos fundamentais:
o “antecedente”, que vai de 1940 até
1969, quando da criação do Sistema
Nacional de Cooperação Técnica (SNCT).
O segundo período perdurou até 1987,
ano de criação da Agência Brasileira
de Cooperação (ABC), definida como
marco do amadurecimento institucional
da cooperação técnica internacional e
início da terceira etapa.
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A inserção da CTI no sistema internacional ocorreu com as modicações intro-
duzidas no imediato pós-guerra, entre 1945 e 1949. Falava-se então em “ajuda”
para a reconstrução da Europa e para o desenvolvimento, porém as duas super-
potências, Estados Unidos e União Soviética, tinham em vista, antes de tudo, a
montagem de seus sistemas de aliança (Organização do Tratado do Atlântico
Norte - OTAN e Pacto de Varsóvia), bem como a preservação das zonas de inu-
ência com que haviam organizado o espaço terrestre.
Pelo exposto, assistência e cooperação técnica funcionaram, nos
anos iniciais, como importante elemento estratégico de consolidação de
espaços político-ideológicos na geopolítica da Guerra Fria, sendo instru-
mentalizadas mediante a transferência não-comercial de técnicas e co-
nhecimentos entre os países prestadores e receptores, bem como pela
execução de projetos em conjunto, envolvendo peritos, treinamento de
pessoal, material bibliogco, equipamentos, estudos e pesquisas (CER-
VO, 1994, p. 39).
Portanto, a primeira etapa da história da cooperação técnica teve
na ajuda, orientada por elementos econômicos e ideológicos, e não na
cooperação entre as partes, seu perl predominante, no qual o combate à
pobreza assumiu dimensão privilegiada no campo da cooperação técnica.
Na mesma direção Valler Filho (2007, p. 36) destaca que o termo as-
sistência técnica estava ligado à ideia de ajuda. Para o autor, o emprego da
expressão assistência técnica correspondia às noções de atraso e subdesen-
volvimento, e ainda à consolidação da relação de dependência entre países
centrais e periféricos do capitalismo.
Porém, como expõe Cervo (1994, p. 39), a ordem internacional da
Guerra Fria sofria, na década de 1950, diversas críticas que permeavam
o tecido do sistema bipolar e de suas respectivas zonas de inuência. Os
diversos movimentos que eclodiram no transcorrer da Guerra Fria, tais
como os processos de descolonização, o movimento dos países não-ali-
nhados, a Conferência de Bandung de 1955, bem como a crítica histó-
rico-estrutural das relações de dependência e subdesenvolvimento dos
países periféricos elaborada pela Comissão Econômica para a América
Latina e Caribe (CEPAL), foram fatores determinantes na reconguração
não apenas das relações internacionais de forma mais ampla, mas de suas
dimensões mais restritas, tais como a assistência técnica e a cooperação
internacional.
Nesse contexto de transformações, a expressão assistência técnica
foi substituída por cooperação técnica, como expõe a Resolução 1.383 da
Assembleia Geral das Nações Unidas de 1959 (ONU, 1959).
Mais do que uma mera alteração vocabular ou do campo da retó-
rica, a cooperação técnica representava uma mudança de conteúdo, pois
como arma Valler Filho (2007, p. 36), a cooperação técnica contemplava a
ideia de direito ao desenvolvimento, conjugando-o ao dever de cooperar
por parte dos países industrializados, tornando mais efetivos os princí-
pios descritos na Carta das Nações Unidas.
É a partir desse movimento global da cooperação técnica, ou no
bojo da implementação da assistência técnica do pós-segunda guerra, que
podemos compreender os passos iniciais da política nacional para o setor.
Nesse contexto é que temos o envolvimento inicial do Brasil com a coo-
peração técnica, mediante a “recepção da cooperação origiria de países
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o Caso do Escritório Técnico de Agricultura (Brasil-EUA)
desenvolvidos e de organismos internacionais, principalmente das agên-
cias ou programas da ONU e do Banco Mundial” (MILANI, 2017, p. 11).
Quanto ao envolvimento do Brasil no campo da assistência e coo-
peração técnica, torna-se fundamental abordar o papel da política externa
brasileira nesse processo.
Uma vez mais, empregando as análises de Milani (2017) sobre o his-
tórico da cooperação técnica no Brasil, arma o autor que já na década de
1930, concomitante a algumas ações esparsas de recepção de assistência
técnica no país, a política externa passava a ser cada vez mais associada ao
projeto de desenvolvimento nacional.
Na década seguinte, o relacionamento do Brasil com os EUA foi pau-
tado, dentre outros mecanismos, pela concessão de empréstimos nancei-
ros e pela oferta de assistência técnica. Tais programas e empréstimos
visavam, como destaca Milani (2017, p. 11), “garantir a industrialização
nacional, sendo a criação da Companhia Siderúrgica Nacional em Volta
Redonda é o exemplo mais emblemático dos resultados desse processo.
Em 1949, na gestão do presidente Dutra, foi constituída importante
missão de cooperação econômica entre Brasil e EUA, a Comissão Mis-
ta Brasileiro-Americana de Estudos Econômicos (CMBAEE), conhecida
como Missão Abbink, cujos principais objetivos eram avaliar os fatores,
as oportunidades e os principais cenários do desenvolvimento econômico
brasileiro, bem como estabelecer diretrizes para o crescimento econômi-
co brasileiro (RIBEIRO, 2012).
Em 1951, foi criada a Comissão Mista Brasil-Estados Unidos para o De-
senvolvimento Econômico (CMBEU), que deveria analisar projetos passíveis
de nanciamento e a criação de condões para incremento do uxo de
investimentos públicos e privados, nacionais e estrangeiros, assim como
a eliminação de obstáculos a tais investimentos. Cabia ainda à CMBEU a
preparação de projetos para inversões de capitais em setores básicos dire-
cionados ao crescimento da economia brasileira, tendo a assistência técni-
ca papel fundamental nesse processo (CMBEU, 1954, p. 21).
Como resultado dos estudos da Comissão, foi criado em 1952, o
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), um dos mais impor-
tantes aparelhos econômicos do Estado desde então.
Nesse cenário, Ribeiro (2012, p. 16) destaca um ponto fundamen-
tal que vai contornar as alises feitas até agora: o papel da CMBEU na
construção do desenvolvimento como projeto. Embora avance sobre tal
análise, incorporando ao desenvolvimento uma dimeno ideológica,
dada a imporncia da temática do crescimento econômico nos estudos
da Comissão, o autor aborda o desenvolvimento enquanto projeto, dado
o conjunto coordenado de investimentos que possibilitaram e estimula-
ram a acumulação de capital através da “primeira abordagem à técnica de
planejamento econômico feita no Brasil.
Como exposto, a política externa brasileira, pautada na barganha
nacionalista do segundo governo Vargas, foi um importante instrumental
para que possamos compreender o papel da cooperação técnica no pro-
cesso de desenvolvimento como projeto político.
Embora frustrantes, ou não tão efetivas para a consolidação dos in-
teresses nacionais, as negociações em torno da CMBEU não ofuscaram a
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contribuição mais ampla e geral dessa experiência de cooperação bilateral
para o desenvolvimento econômico brasileiro.
É a partir do conjunto de fatores internos e da política externa bra-
sileira, que Cervo (1994, p. 41) destaca as transformações qualitativas do
desenvolvimento histórico da cooperação técnica no Brasil. Para o autor,
embora quantitativamente os investimentos em cooperação técnica no
Brasil tenham sido pouco expressivos, as condições internas, com des-
taque para o modelo desenvolvimentista implementado como projeto
político, intensicaram os resultados da política de cooperação no Brasil
ao longo do tempo. Nesse contexto de condições internas favoráveis, a
cooperação assumiu importante conotação como elemento da política
externa, moldando uma interface entre ambos. A cooperação avançou de
um conceito no qual a ajuda ganhava contornos determinantes, para uma
prática política. Na linguagem diplomática e política, o termo coopera-
ção instrumentalizava, via política externa, a losoa desenvolvimentis-
ta que carregava, cabendo-lhe ainda “preencher, mediante mecanismos
concretos, a função supletiva consignada à política exterior para o esforço
interno de desenvolvimento” (1994, p. 41).
Foi nesse quadro de interfaces entre desenvolvimento como projeto
político, cooperação técnica e política externa, que o governo brasileiro
criou, junto ao Ministério das Relações Exteriores, a Comissão Nacional
da Assistência Técnica (CNAT), de acordo com o decreto 28.799 de 27 de
outubro de 1950.
Composta por onze membros nomeados pelo Presidente da Repú-
blica mediante indicação do Ministro das Relações Exteriores, que exer-
cia a presidência da Comissão, cabia à CNAT, dentre outros objetivos,
estudar problemas relativos à participação do Brasil em programas de
assistência técnica das Nações Unidas e, eventualmente, da Organização
dos Estados Americanos (OEA), além do levantamento das necessidades
brasileiras em matéria de assistência técnica, culminando nos primeiros
passos para a construção de uma rede de aparatos administrativos e nor-
mativos referentes à cooperação técnica (BRASIL, 1950).
De forma a sistematizar o exposto sobre o período antecedente da coo-
peração técnica no Brasil, podemos obser-la sob prismas variados, tais
como sua inserção nos projetos de desenvolvimento, sua conotação política
ou demarcadora de áreas de inuência, suas transformações retóricas e de
conteúdo, bem como sua instrumentalidade para a política externa brasilei-
ra. Além disso, cabe ressaltar seu gradativo processo de institucionalização,
mediante a estruturação de agências, órgãos e comissões especializadas em
áreas consideradas estratégicas para o desenvolvimento nacional.
É nesse contexto que, em 1953, mediante um acordo de coopera-
ção técnica entre Brasil e EUA, foi implementado o ETA, cujos princípios
giravam em torno da formação de especialistas integrados ao desenvolvi-
mento e iniciativas destinadas à maximização da produtividade agrícola.
Vamos observar como a cooperação técnica para a modernização
agrícola operacionalizada pelo ETA, presentes as variantes dos recursos
de poder de Brasil e EUA, ao impulsionar as transformações da agricultu-
ra tradicional para a racional e produtiva, agregava os interesses de desen-
volvimento presentes na barganha nacionalista do governo Vargas.
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Wallace Lucas Magalhães Políca Externa e Cooperação Técnica para a Modernização Agrícola no Pós-Segunda Guerra:
o Caso do Escritório Técnico de Agricultura (Brasil-EUA)
“ETA – três letras que estão mudando o panorama agrícola do Brasil”
Antes de adentrarmos de forma detalhada no acordo de cooperação
técnica entre Brasil e EUA que culminou na criação do ETA, devemos
destacar que tal medida não representou uma novidade no campo da coo-
peração para a modernização agrícola no país, mas um traço de conti-
nuidade no qual podem ser citados outros acordos referentes à primeira
metade da década de 1940.
Nesse sentido, podemos destacar o acordo rmado entre Brasil e
EUA em 13 de setembro de 1942 para a execução de um plano de incre-
mento da produção de alimentos no Brasil que, tendo em vista os esforços
da guerra e as diculdades de transporte, era direcionado à produção de
gêneros de primeira necessidade. O acordo contemplava itens como assis-
tência técnica para aumento e melhoria da produção destes, provimento
de meios, ferramentas, equipamentos, inseticidas, ampliação dos recur-
sos das divisões de fomento da produção vegetal e animal, tomando-se
como modelo as técnicas agropecuárias executadas nos Estados Unidos,
sendo para tal m constituída uma comissão especial denominada Co-
missão Brasileiro-Americana de Produção de Gêneros Alimentícios (UNITED
STATES OF AMERICA, 1942).
Os acordos de cooperação técnica direcionados à modernização
da produção agrícola, fundamentais para o projeto de desenvolvimen-
to nacional conduzido por Getúlio Vargas, tinham na transformação do
homem via educação um elemento norteador daquele processo. O desen-
volvimento requeria não apenas a industrialização ou a modernização
das atividades produtivas consideradas arcaicas, mas a transformação do
homem mediante processos educativos.
Nessa direção, temos o acordo rmado entre os dois países em 20 de
outubro de 1945, direcionado à educação rural e à modernização agrícola.
Tendo como representante do governo dos Estados Unidos a Inter-
-American Educational Foundation, subordinada à Inter-American Aairs, o
acordo era destinado à realização de um programa de cooperação educa-
cional mediante intercâmbio intensivo de educadores, ideias e métodos
pedagógicos entre os dois países (UNITED STATES OF AMERICA, 1945).
Segundo o acordo, como parte integrante do Ministério da Agri-
cultura, criou-se uma comissão especial denominada Comissão Brasilei-
ro-Americana de Educação das Populações Rurais (CBAR), que atuaria como
órgão executivo na realização do programa de cooperação educacional,
com o objetivo principal de desenvolver relações mais amplas entre pro-
fessores do ensino prossional agrícola do Brasil e dos Estados Unidos,
facilitando o intercâmbio e o treinamento de brasileiros e americanos es-
pecializados em ensino prossional agrícola.
O acordo previa também que poderia ser adotado o fornecimento,
por parte da Fundação, de um pequeno corpo de especialistas em ensino
agrícola para colaborar na realização do programa cooperativo, denin-
do ainda o intercâmbio entre administradores, educadores e técnicos bra-
sileiros e norte-americanos, com o m de estudar, proferir conferências,
lecionar e permutar ideias e experiências. Previa ainda o acordo a realiza-
ção de programas de treinamento de professores no ramo do ensino pro-
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ssional agrícola; a aquisição de equipamentos, preparação de material
de ensino, utilização de recursos tais como rádio, cinema, missões rurais,
bibliotecas e museus circulares, além da utilização de quaisquer outros
meios que possam ser considerados, por ambas as partes, convenientes à
realização do programa (UNITED STATES OF AMERICA, 1945).
Portanto, o acordo rmado em 1953 seguiu a lógica de uma traje-
tória desenvolvimentista, na qual a modernização via cooperação técnica
entrelaçava política externa e a efetivão, em menor ou maior grau, dos
interesses nacionais.
Passemos à exposição dos principais pontos do acordo e, posterior-
mente, à análise de como os feitos do ETA eram apresentados por órgãos
do Estado, como o Ministério da Agricultura, no sentido de sua instru-
mentalidade desenvolvimentista.
Firmado em 26 de junho de 1953, o acordo que criou o ETA era
direcionado à execução de um programa de cooperação agrícola, cujos
objetivos eram: facilitar o desenvolvimento da agricultura e dos recursos
naturais do Brasil, mediante ação conjunta dos governos brasileiro e nor-
te-americano; estimular e aumentar o intercâmbio entre os dois países,
em matéria de conhecimentos, eciência prossional e processos técnicos
no domínio da agricultura e dos recursos naturais, além de promover
e fortalecer o entendimento e a boa vontade entre os povos do Brasil e
dos EUA, bem como o desenvolvimento das normas de vida democrática
(UNITED STATES PF AMERICA, 1953).
Firmado entre governos, mas aberto à participação de instituições
privadas, o acordo previa que os principais campos de atuação da coope-
ração técnica seriam: estudos das necessidades do Brasil no setor da agri-
cultura e dos recursos naturais e dos meios existentes para satisfazê-las;
formulação e constante adaptação de qualquer tipo de projeto, no campo
da agricultura, dos recursos naturais e de pesca, que as Partes pudessem
acordar, além de atividades correlatas de treinamento, tanto no Brasil
quanto no exterior.
Como órgão administrador do programa de cooperação técnica, o
acordo criava uma “entidade especializada, o ETA, sob a direção de dois
co-diretores, um brasileiro e outro norte-americano.
Um dos pontos fundamentais do acordo, e que representa de for-
ma mais transparente a barganha nacionalista da política externa do se-
gundo governo Vargas, foi o artigo VI, referente à contribuição dos dois
governos para a efetividade do programa. Previa o acordo que o gover-
no norte-americano forneceria os fundos necessários para o pagamento
dos salários e outras despesas dos membros do corpo técnico dos EUA,
bem como das demais despesas administrativas referentes ao programa
de cooperação, além de uma contribuição de cento e setenta e cinco mil
dólares distribuída entre a data de entrada de vigência do acordo e 31 de
dezembro de 1953.
Antes de apresentarmos como o Ministério da Agricultura reco-
nhecia as benesses da cooperação técnica para a modernização da agri-
cultura e para o desenvolvimento nacional, cabe ressaltarmos um impor-
tante elemento descrito no acordo no qual cooperação e política externa
se entrelaçam de forma efetiva.
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Wallace Lucas Magalhães Políca Externa e Cooperação Técnica para a Modernização Agrícola no Pós-Segunda Guerra:
o Caso do Escritório Técnico de Agricultura (Brasil-EUA)
Previa o artigo VI o reconhecimento da imunidade soberana às Par-
tes contratantes do acordo. Estas reconheciam que a administração, que
integrava o corpo técnico norte-americano, bem como seu co-diretor, te-
ria direito aos privilégios e imunidades, inclusive em processos judiciais
de competência dos tribunais brasileiros.
Expostos alguns dos principais pontos do acordo, com destaque
para a constituição do ETA, como podemos compreender sua efetividade
no desenvolvimento, pensado como política de Estado?
A atuação do escritório ganhou destaque nos Relatórios do Ministé-
rio da Agricultura, publicação ocial que externava as atividades do órgão.
Dentre seus diversos assuntos, a cooperação agrícola entre Brasil e EUA
via atuação do ETA ganhou grande relevância, tendo no ensino prossio-
nal importante elemento para o desenvolvimento. Ao enfatizar as ativida-
des do Ministério da Agricultura entre os anos de 1954 e 1955, o Relatório
deu ênfase à atuação do ETA da seguinte forma:
Dedicando especial interesse ao desenvolvimento do ensino prossional para as
atividades rurais – agronomia e veterinária associadas à experimentação e com
prática de extensão, economia doméstica, mecanização – o ETA não somente
tem estimulado várias iniciativas nesses setores, como realiza um estudo obje-
tivo das condições vigentes naquele ensino, sob todos os aspectos, já havendo
publicado um relatório sobre as escolas superiores de agronomia e veterinária.
Vem atuando também na realização do programa de visitas e treinamento, nos
Estados Unidos, de líderes rurais, educadores técnicos. O número de bolsas
proporcionadas de acordo com esse programa, que data de 1951, chega a 168,
beneciando agrônomos, veterinários, economistas domésticos, agricultores e
jovens recém-formados (BRASIL, 1954 e 1955. p. 173).
No informativo Informação Agrícola do Ministério da Agricultura,
publicado em março de 1955 (BRASIL, 1955, p. 15), foi divulgado que o
ETA, através de sua divisão de Economia Doméstica, havia implementa-
do vários serviços de extensão agrícola, destacando-se o nanciamento
para a implantação de escritórios da Associação Brasileira de Crédito e
Assistência Rural (ABCAR) em diversos estados do Brasil, considerados
indispensáveis ao desenvolvimento do meio rural.
Na mesma publicação ocial, datada de agosto de 1959 (BRASIL,
1959, p.1), foi abordada a colaboração do ETA com 11 órgãos do Ministério
da Agricultura, além de Secretarias de Agricultura estaduais e Universi-
dades Rurais do país, inuindo diretamente em atividades supostamente
ligadas ao bem-estar das populações do campo em mais de 220 municípios,
com ênfase para os processos de modernização das atividades produtivas.
Atuando em diversas áreas da produção agrícola, a cooperação bila-
teral era um instrumento fundamental na consolidação de determinados
valores pertinentes à modernização do mundo rural, tais como educação,
qualicação da força de trabalho e mecanização da produção, conferin-
do-lhe aspectos de projeto político e ideológico. Destacavam os técnicos
do Ministério da Agricultura em 1956 que o ETA havia promovido “assis-
tência técnica à cultura do cacau; trabalhos de economia doméstica e trei-
namento de técnicos em cooperação com o Ministério da Agricultura.
Além deste, o ETA também realizou “outros trabalhos objetivando
o desenvolvimento do nível prossional e vem executando um programa
de visitas e treinamento, nos Estados Unidos, de líderes rurais, educa-
dores e técnicos brasileiros”. Quantitativamente, de “1953 a 1956 foram
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contempladas 210 pessoas que receberam bolsas de estudos nos Estados
Unidos” por meio do ETA (BRASIL. 1956, p. 81-82).
No periódico Informação Agrícola, publicada em 1958, em comemo-
ração aos 5 anos do acordo e atuação do ETA no Brasil, o Ministério da
Agricultura enfatizou asTrês letras que estão mudando o panorama
agrícola do Brasil. De acordo com o periódico:
Em junho último completou o seu primeiro lustro o Escritório Técnico de Agricul-
tura, órgão executor do acordo rmado dentre os governos do Brasil e dos Estados
Unidos para um programa de desenvolvimentoda agricultura e recursos naturais
do nosso país, comumente conhecido por sua sigla – ETA. Seus objetivos estão
sendo plenamente alcançados e disso nos dá testemunho o volume das realizações
nesses cinco primeiros anos de existência do acordo, nas mais diversas iniciativas
em prol do progresso rural do Brasil. Sua história se resume numa palavra: coope-
ração (...) A ação do ETA se desenvolve através da assistência técnica e nanceira
a trabalhos em benefício da agricultura e do agricultor, realizados pelos órgãos
do governo e outras entidades públicas ou privadas, principalmente nos setores
do treinamento e da extensão rural, através de convênios que recebem o nome de
Projeto, seguido de um número de ordem. Até ns de 1957, o ETA assinara, com
mais de 70 órgãos diferentes, 46 projetos relativos a trabalhos de educação, pesqui-
sa, conservação de recursos naturais, solo, água, fomento da produção de leite e
derivados, cacau, batata-semente, assistência educativa (BRASIL, 1958. p. 1).
Por m, cabe uma última citação acerca das atividades de coope-
ração técnica implementadas pelo ETA no Brasil. Expondo a dimensão
da cooperação técnica direcionada à modernização da agricultura e ao
desenvolvimento nacional, a referência, datada de 1960, contempla parte
do histórico das ações do ETA no campo da cooperação técnica. Vejamos:
O Escritório Técnico de Agricultura Brasil-Estados Unidos, órgão inter-governa-
mental com um programa de melhoria agrícola, há perto de seis anos vem operan-
do proveitosamente como instrumento do Ministério da Agricultura. Canalizando
a ajuda técnica e nanceira prestada através do Ponto IV, seu objetivo é colaborar
com departamentos do M.A., assim como de outros órgãos da administração
pública, e assistir a programas de educação das massas rurais e à as orientação no
sentido de uma agricultura mais racional e produtiva. O ETA, desde 1954, assinou
58 convênios com parte de 80 entidades, de que sobressaem 11 departamentos
do Ministério da Agricultura, Secretarias de Agricultura de mais da metade dos
Estados e as Associações de Crédito e Assistência Rural de 12 Estados. Os acordos
destes acordos incluem fomento à produção agropecuária, conservação do solo,
pesquisa e, principalmente, o treinamento de técnicos em vários níveis e a assistên-
cia direta ao agricultor e sua família, através de serviços de extensão agrícola (...). O
ETA presta assistência às especialistas do Ministério e de outros órgãos, empenha-
dos em promover o desenvolvimento (BRASIL, 1960. p.108-110, grifo meu).
Podemos concluir como a cooperação técnica de forma geral, e o
ETA de forma mais especíca, fomentou a construção de uma rede de
desenvolvimento, mediante a ação conjunta de agências, órgãos e ins-
tituições públicas e privadas. Tal processo, todavia, não poderia ter sido
efetivado sem que cooperação técnica e política externa se tornassem
elementos impulsionadores do desenvolvimento nacional, arquitetado e
implementado como política de Estado.
Conclusão
Nas análises sobre política externa brasileira e cooperação técni-
ca para a modernização agrícola no pós-segunda guerra, alguns pontos
devem ser retomados para que possamos compreender a dinâmica e a
dimensão da imporncia da cooperação técnica para o Brasil.
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o Caso do Escritório Técnico de Agricultura (Brasil-EUA)
O primeiro ponto é a construção do tabuleiro geopolítico do pós-
-guerra e da Guerra Fria, seguido da inserção internacional do Brasil nesse
cenário. Vimos como a ajuda precedeu à cooperação e como tal, teve como
elemento orientador a demarcação de zonas de inuência no sistema bipolar.
Embora a política internacional assumisse naquele cenário a posi-
ção dominante para a análise das relações internacionais, cabe-nos, para
que possamos analisar a complexidade da cooperação técnica no período,
abrir a caixa preta da política externa e entender que, embora presentes
relações assimétricas de poder na cena internacional, podemos identicar
que muitas destas não são impostas de cima para baixo, mas por diversas
vezes negociadas e reinterpretadas de acordo com interesses locais.
Quanto aos interesses locais, destacamos o projeto desenvolvimen-
tista levado adiante por Getúlio Vargas, no qual, ultrapassada a equidis-
tância pragmática de tempos da segunda guerra, teve que se adaptar à
geopolítica do pós-guerra, mediante a troca de apoio político-estratégico
por cooperação técnica e nanceira para levar adiante o projeto nacional.
Nesse contexto, a barganha nacionalista procurou conciliar americanismo
e desenvolvimento, tendo em mente as contradições, disputas e assime-
tria de tal relação.
Para a pavimentação do projeto desenvolvimentista, política exter-
na e cooperação, mais do que elementos que se colocavam na geopolítica
mundial, foram conjugadas como instrumentos do desenvolvimento na-
cional.
Como elemento empírico dessas premissas, apresentamos o acordo
de cooperação técnica entre Brasil e EUA, que criou o ETA, órgão inter-
governamental de execução de um programa voltado para a moderniza-
ção da produtividade agrícola no país.
Através deste caso, foi possível demonstrar como política externa e
cooperação funcionaram como elementos que possibilitaram, mesmo em
um cenário de assimetria de recursos de poder entre os dois países, criar
uma rede de desenvolvimento de acordo com as realidades e estratégias
possíveis, mas que buscavam o atendimento dos objetivos nacionais.
Fontes e bibliografia
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