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Nildo Viana Existe Uma Sociologia Das Relações Internacionais?
Existe Uma Sociologia Das Relações
Internacionais?
Is There A Sociology Of International Relations?
¿Existe Una Sociología De Las Relaciones Internacionales?
Nildo Viana1
DOI: 10.5752/P.2317-773X.2022v10.n1.p61
Recebido em: 17 de setembro de 2020
Aprovado em: 06 de dezembro de 2021
R
O presente artigo apresenta uma reexão sobre a existência e consolidação de
uma sociologia especial, a voltada para o campo fenomenal das relações interna-
cionais. Para tanto, realiza uma reexão sobre as condições de possibilidade para a
existência de uma sociologia especial e para sua consolidação. O caminho percor-
rido foi analisar as contribuições involuntárias e voluntárias para a constituição de
uma sociologia das relações internacionais. A conclusão nal do artigo é a de que
existe uma sociologia das relações internacionais, mas incipiente e em formação.
Para que ela se consolide é necessário desenvolver suas tradições analíticas, ree-
xões sobre relações internacionais e reconhecimento social. Por m, as publica-
ções mais recentes apontam para a tendência desses elementos se desenvolverem.
Palavras-Chave: Sociologias especiais, sociologia das relações internacionais,
tradições analíticas, campo fenomenal, reconhecimento social.
A
This article presents a reection on the existence and consolidation of a special
sociology, the one focused on the phenomenal eld of international relations.
Therefore, it conducts a reection on the conditions of possibility for the
existence of a special sociology and for its consolidation. The path taken was
to analyze the involuntary and voluntary contributions to the constitution of a
sociology of international relations. The nal conclusion of the article is that
there is a sociology of international relations, but incipient and in formation.
For it to become consolidated, it is necessary to develop its analytical traditions,
reections on international relations and social recognition. Finally, the most
recent publications point to the tendency of these elements to develop.
Keywords: Special sociologies, sociology of international relations, analytical
traditions, phenomenal eld, social recognition.
R
Este artículo presenta una reexión sobre la existencia y consolidación de una
sociología especial, la enfocada en el campo fenomenal de las relaciones internacio-
1. Doutor, Universidade Federal de
Goiás. E-mail: nildosviana@gmail.com.
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nales. Por tanto, realiza una reexión sobre las condiciones de posibilidad para la
existencia de una sociología especial y para su consolidación. El camino recorrido
fue analizar los aportes involuntarios y voluntarios a la constitución de una socio-
logía de las relaciones internacionales. La conclusión nal del artículo es que existe
una sociología de las relaciones internacionales, pero incipiente y en formación.
Para que se consolide, es necesario desarrollar sus tradiciones analíticas, reexiones
sobre las relaciones internacionales y el reconocimiento social. Finalmente, las pu-
blicaciones más recientes apuntan a la tendencia a desarrollarse de estos elementos.
Palabras clave: sociologías especiales, sociología de las relaciones internaciona-
les, tradiciones analíticas, campo fenomenal, reconocimiento social.
Introdução
Já há algum tempo se questiona se existe uma sociologia das rela-
ções internacionais. Com o passar do tempo, novas obras sobre essa te-
mática apareceram e isso poderia dar a impressão de que é uma discussão
ultrapassada e que não há dúvida sobre a existência, efetiva, de uma so-
ciologia das relações internacionais. Porém, o questionamento permane-
ce existindo e o fato de terem sido publicadas mais obras sociológicas no
mercado sobre relações internacionais não signica a consolidação desta
sociologia especial. O fato de algumas grades curriculares utilizarem o
nome “sociologia e relações internacionais” ao invés de “sociologia das
relações internacionais”, reforçam a dúvida sobre sua existência ou, pelo
menos, consolidação como sociologia especial. Isso traz a necessidade de
uma reexão sobre as condições de possiblidade de uma sociologia espe-
cial2, bem como sobre as questões relativas à sua consolidação.
Para a consolidação de uma sociologia especial3, faz-se necessário
não apenas quantidades de obras, mas que algumas delas consigam dar
respostas a algumas questões fundamentais que podem consolidá-la aca-
dêmica e intelectualmente. Sem dúvida, o inverso também é verdadeiro:
a solidicação analítica através de uma ampla reexão que responda às
questões fundamentais de uma sociologia não é suciente para sua con-
solidação, pois é necessário que isso seja reconhecido socialmente, o que
ocorre por meio da quantidade de publicações4, inserção nas grades cur-
riculares, tradição analítica, formação de grupos de pesquisa e eventos,
agenda de pesquisa, etc. Isso tudo justica as duas questões que busca-
remos responder no presente artigo: existe uma sociologia das relações
internacionais?5 Se existe, ela está consolidada?
Nesse sentido, é necessário colocar em que contexto podemos con-
siderar que uma determinada sociologia especial existe e em qual situação
ela pode ser considerada consolidada. Para uma sociologia especial existir
ela precisa ter bases intelectuais desenvolvidas, tal como um conjunto de
teses (que alguns denominam “teorias”) basilares que servem de referencial
explicativo dos aspectos mais amplos do fenômeno social especíco, uma
delimitação da especicidade do fenômeno social que constitui seu campo
de pesquisa, uma tradição analítica (existência de teses basilares que são
referências e oferecem bases explicativas para os temas pesquisados), reco-
nhecimento social (grades curriculares, grupos de pesquisa, quantidade de
pesquisas e publicações em sua área, etc.). Em síntese, possuir bases intelec-
2. O processo de especialização e sua
ampliação é um fenômeno social analisado
pela própria sociologia. Esse foi o caso de
Max Weber e sua análise da racionaliza-
ção do ocidente e da especialização que é
parte dela e de Karl Marx e sua crítica da
divisão social do trabalho e do que denomi-
nou “idiotismo da especialização”. Ambos
eram grandes eruditos e Weber acabou
sendo precursor de várias sociologias
especiais, mas, ele mesmo, não desen-
volveu nenhuma, por pensar num sentido
sociológico mais amplo. Marx, por sua vez,
nem se considerava sociólogo e nunca
buscou produzir uma ciência particular, o
que o deixa bem distante das subdivisões
da sociologia, tais como são as sociologias
especiais. Porém, concorde-se ou não, a
especialização acabou se intensificando e
gerando as sociologias especiais e o nosso
objetivo aqui é analisar esse processo no
caso específico da sociologia das relações
internacionais, o que não significa concor-
dância e falta de percepção dos problemas
que isso gera tanto no âmbito social
quanto intelectual. O nosso foco analítico é
a situação dessa sociologia especial e por
isso nos limitamos a abordar o seu proces-
so de constituição e seu estado atual.
3. A distinção entre “sociologia geral” e
“sociologias especiais” já é tradicional
no interior do pensamento sociológico e
pode ser vista desde a análise clássica de
Durkheim até os manuais de sociolo-
gia. A chamada “sociologia geral” é,
fundamentalmente, a parte da sociologia
considerada mais “teórica” e “geral”, a
que trata da sociedade em seu conjunto,
dos conceitos básicos, das bases teóricas
e metodológicas dessa ciência. As obras
dos clássicos Marx, Durkheim e Weber,
apontam para essa discussão mais ampla
e geral da sociologia, tratando de questões
como o surgimento e as características
da sociedade moderna, bem como seus
elementos teóricos e metodológicos
básicos. As sociologias especiais, por
sua vez, são subdivisões da sociologia
que efetivam análises e pesquisas sobre
fenômenos sociais mais específicos no
interior da sociedade global, como a edu-
cação, a religião, a política, a economia,
a cultura, a arte, etc. Isso gera diversas
sociologias especiais, como, por exemplo,
a sociologia da educação, a sociologia da
religião, a sociologia política, a sociológica
econômica, a sociologia da cultura. Essas
sociologias especiais, por sua vez, podem
ainda gerar subdivisões internas e apenas
um exemplo, o da sociologia da cultura, é
suficiente para mostrar isso: sociologia da
arte, sociologia da ciência, entre outras.
E outra subdivisão ainda pode ocorrer, tal
como na sociologia da arte, que engloba
a sociologia do cinema, a sociologia da
literatura, a sociologia da música, etc.
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tuais signica ter um arcabouço explicativo mais geral do fenômeno social
especíco, uma tese geral que pode se desdobrar em diversas teses comple-
mentares, e uma delimitação do campo fenomenal a ser pesquisado, o que
alguns denominam “objeto de pesquisa” (VIANA, 2020).
Para que ocorra uma consolidação de uma sociologia especial exis-
tente são necessários ainda mais dois elementos: uma tradição analítica
(ou seja, diversas abordagens sociogicas que em um certo período de
tempo realize pesquisas e publicações sobre ela e seu tema que são refe-
rências na área) desenvolvida ao ponto de gerar uma agenda de pesquisa
(um conjunto de temas e problemas relacionados ao campo fenomenal de
pesquisa que justique novas pesquisas e reexões) e o reconhecimento
social amplo no interior da sociologia e outros espaços sociais (o que ocor-
re com sua inserção em grades curriculares, criação de grupos de pesqui-
sa, quantidade de pesquisa e publicações na área, entre outros processos
que mostram o reconhecimento na esfera cientíca e, no caso, na subes-
fera sociológica, bem como impacto para além dela). Assim, para uma
sociologia especial existente se consolidar, necessita do desenvolvimento
de sua tradição analítica e uma amplião do seu reconhecimento social.
Assim, a sociologia da religião teve as contribuições originais de Marx,
Durkheim e Weber e, portanto, já teve suas bases intelectuais lançadas pela
sociologia clássica. Os escritos de Marx sobre A Questão Judaica (1978) e vá-
rias passagens em diversas obras possibilitaram a publicação de coletâneas
de textos de Marx sobre o fenômeno religioso (MARX; ENGELS, 1972), bem
como surgiram autores comentando sua concepção de religião ou buscando
desenvolvê-las. Durkheim em sua obra As Formas Elementares da Vida Religio-
sa (1996), bem como Max Weber em seu livro A Ética Protestante e o Espírito
do Capitalismo (1987) e seus outros textos sobre religião (WEBER, 2006) tam-
bém contribuíram com essa consolidação da reexão sociológica sobre o
fenômeno religioso. É por isso que em obra sobre sociologia da religião essas
contribuições, junto com as posteriores, geralmente aparecem.
Porém, a contribuição da sociologia clássica6 é uma contribuição
involuntária. Ela teve impacto na sociologia da religião que emerge pos-
teriormente, tal como se vê na inuência de Marx (HOUTART, 1994;
HOUTART, 1992). Após essas contribuições, diversas outras emergiram.
Algumas obras se apresentando como uma “sociologia da religião” e
discutindo o signicado e tema dessa sociologia especial (DESROCHE,
1984; HOUTART, 1994), como uma innidade de obras de sociologia da
religião, tanto as que tratam do tema em geral (BERGER, 1985), quanto
as que tratam de fenômenos religiosos especícos e seus derivados.
Isso vale para a sociologia da educação, sociologia política, entre ou-
tras. Mesmo que as contribuições dos clássicos em alguns casos sejam bem
sintéticas, ao lado de toda a produção intelectual de amplo desenvolvimen-
to desses autores, com seus métodos e análises, elas se tornam sólidas após
eles, em grande parte devido às suas contribuições involuntárias. Esse não
foi o caso de outras sociologias especiais, que só emergiram após os clássi-
cos. A sociologia do cinema, por exemplo, não poderia receber a contribui-
ção involuntária dos clássicos, pois o cinema nem sequer existia na época
de Marx e, embora já existisse quando Durkheim e Weber ainda estavam
vivos, ainda dava os seus primeiros passos e começava a se tornar um fe-
6. A sociologia clássica é a que foi
desenvolvida por Marx, Durkheim e
Weber, embora alguns tentem acres-
centar outros a tal lista, o que não tem
sentido por serem mais “preferências
individuais” do que importância teórica
e reconhecimento social, elementos
fundamentais para que se considere de-
terminado autor um clássico. As grades
curriculares da disciplina “sociologia
clássica” (ou “teoria sociológica clássi-
ca”) tratam desses autores, bem como
obras, manuais etc. (VIANA, 2013).
4. A questão de quantas obras varia,
pois algumas poucas obras podem ser
tornar “clássicas” e referencias que
suprem a necessidade de um grande
número e também há a questão do
tempo, pois com o passar dos anos, a
tendência é aumentar a quantidade de
obras e abordagens, mas para a con-
solidação, bem como de traduções. Por
outro lado, pode haver um certo número
de obras, mas sem grande importância
ou originalidade. Assim, a questão da
quantidade é relativa, mas dificilmente
se pode considerar uma sociologia
especial consolidada com apenas uma,
duas ou cinco obras. A exceção seria
apenas no primeiro caso, ou seja, pela
excepcionalidade e reconhecimento de
poucas obras.
5. Entenda-se por sociologia das
relações internacionais, numa definição
sintética, uma sociologia especial, logo,
uma subdivisão da sociologia, que elege
como domínio temático de pesquisa as
relações internacionais, ou seja, as rela-
ções entre os diversos países existentes
na sociedade moderna.
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nômeno cultural mais popular e um fenômeno social mais consolidado no
nal da vida desses autores7. Esse é o caso também da sociologia das histó-
rias em quadrinhos, embora este fenômeno só tenha recebido alises so-
ciológicas muito tempo depois de sua existência e impacto social, devido,
em parte, a pouca seriedade que era atribuída a esse produto cultural. Mas
existem outros fenômenos de grande ressonância social que emerge mais
de um século depois dos clássicos, como é o caso da internet, condição de
possibilidade para o surgimento de uma sociologia da internet.
Podemos, nesse sentido, dizer que existe um período de formação
de uma sociologia especial. Esse período de formação é caracterizado
pelo processo de efetivação de contribuições involuntárias, no sentido
de quem não busca, voluntariamente, constituir uma alise sociológica
sobre um fenômeno social especíco. Isso se deve ao fato de que nem
sempre são sociólogos que efetivam tais contribuições iniciais ou mesmo
posteriormente. Além dos sociólogos, análises relativamente “sociogi-
cas” ou próximas são realizadas por um conjunto de livres pensadores,
cientistas de áreas ans, militantes políticos, indivíduos envolvidos com
o fenômeno analisado (arte, religião, política, etc.), entre outros.
A sociologia política, por exemplo, retoma várias contribuições de
cientistas políticos, bem como a sociologia da cultura recebe contribuições
de antropólogos. A sociologia do cinema recebeu uma primeira contribui-
ção involuntária de alto nível quando Bertolt Brecht (2005) resolveu publi-
car uma obra em que comentava o processo jurídico em torno do lme A
Opera dos Três Vinténs, realizando uma alise do capital cinematogco
nascente e suas relações internas, bem como sobre a recepção pela impren-
sa do processo e as questões jurídicas envolvidas. Seria necessário esperar
muitos anos depois para que os primeiros ensaios de uma sociologia do
cinema surgissem. A sociologia em geral, por sua vez, recebeu, desde o seu
nascimento, a contribuição de livres pensadores, lósofos, socialistas utó-
picos, lantropos, que se preocuparam com a chamada “questão social.
Claro que, nesse caso, não são contribuições sociológicas, mas que podem
ser integradas em alguns de seus aspectos numa alise sociogica.
Porém, também existem contribuões sociogicas involuntárias
quando um soclogo não pretende desenvolver uma sociologia especial,
mas aborda temática que outros sociólogos buscam sistematizar como
tal. Esse é o caso dos cssicos da sociologia que, ao lado de uma teoria da
sociedade e reexão metodogica, entre outras contribuições que seriam
consideradas para a sociologia geral, abordaram aspectos especícos da
sociedade, tal como no caso da religião, como citamos anteriormente,
bem como no caso da educação, economia etc.
As contribuições involuntárias são aquelas que abordam o fenôme-
no, e, no máximo, apresentam sua denição ou conceituação, bem como
algumas reexões e teses iniciais sobre ele. As contribuições voluntárias
são geralmente posteriores8 e não apresentam apenas uma abordagem do
fenômeno e sua denição ou conceituação e teses iniciais, como também
busca a autodenição da própria sociologia especial e a sistematização de
alise global do fenômeno. Quando Max Weber escreveu Os Fundamen-
tos Racionais e Sociológicos da Música (1996), iniciou uma reexão que hoje
seria incorporada à sociologia da música, mas ele não apresentou nenhu-
7. Aqui não trabalhamos com a
concepção comum de cinema e sim
de uma conceituação mais elaborada.
Nesse sentido, não se trata da invenção
do cinematógrafo ou das primeiras
filmagens, e sim da produção de filmes.
O primeiro filme, nesse sentido, é pro-
duzido em 1912, O Estudante de Praga.
A consolidação da produção fílmica,
começa a ocorrer no final da década
de 1910 e Durkheim morre em 1917 e
Max Weber em 1920. Sobre a história
do cinema, cf. Viana, 2009 e sobre o
conceito de filme: Viana, 2012.
8. O mais comum é que as contribuições
involuntárias surjam primeiro e depois
da formação e consolidação de uma
sociologia especial, elas tendem a
escassear (no caso de alguns fenôme-
nos, pois em outros, isso não ocorre,
havendo uma competição entre análise
sociológica e análises “nativas” dos
indivíduos envolvidos diretamente com
o campo fenomenal de análise), pois
essa última tende a se tornar a grande
referência sobre o fenômeno (ou as
demais ciências particulares, dependen-
do de qual domínio temático se trata).
Porém, não deixam de existir os “livres
pensadores”, os filósofos, os militantes,
os envolvidos diretos, os cientistas de
áreas afins e, por conseguinte, muitas
vezes após a sociologia especial já
estar consolidada, haver contribuições
involuntárias, embora a tendência seja
sua desconsideração ou pouco reco-
nhecimento no interior da sociologia,
sendo integradas na análise sociológica
geralmente se tiver um reconhecimento
social mais amplo (seja para realizar
efetivamente sua integração como
contribuição, seja para realizar a sua
refutação).
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ma discussão especíca sobre esta sociologia especial e nem um esboço
de uma sociologia da música.
Há também um processo de colaboração recíproca – nem sempre
amistosa, pois também ocorrem conitos e competição – entre as socio-
logias especiais e outras ciências ou técnicas particulares que abordam o
mesmo campo fenomenal, ou os agentes envolvidos no fenômeno pesqui-
sado (o que varia de acordo com a tradição analítica e o campo fenomenal
pesquisado)9. Assim, há uma colaboração recíproca entre pedagogia e so-
ciologia da educação, bem como entre economia e sociologia econômica,
ou, ainda, entre quadrinistas e sociólogos das histórias em quadrinhos.
Os cursos de pedagogia geralmente possuem a disciplina de sociologia
geral e a de sociologia da educação em sua matriz curricular e os autores
especialistas desta área lançam mão, frequentemente, das contribuições
sociológicas (bem como psicológicas e losócas). Por outro lado, os so-
ciólogos que se dedicam ao fenômeno educacional também usam, muitas
vezes, o saber especializado da Pedagogia. Inclusive, o que ocorre muitas
vezes, o próprio saber especializado se torna tema do soclogo especial,
tal como as alises sociológicas do discurso pedagógico (BERNSTEIN,
1996). Da mesma forma, quando Eisner faz reexões sobre as histórias em
quadrinhos – “arte sequencial” – ele pode se tornar fonte de inspiração
ou ponto de partida para reexões sociogicas sobre esse fenômeno, as-
sim como muitos quadrinistas leem obras sociológicas sobre hisrias em
quadrinhos e assimilam alguns de seus elementos.
Nesse sentido, é importante identicar algumas das contribuões
involuntárias para a sociologia das relações internacionais, pois esse é um
elemento do seu processo de formação. Sem as contribuões involuntá-
rias, a formação e desenvolvimento de uma sociologia especial é mais
lenta e as diculdades maiores, bem como sua consolidação, pois tais con-
tribuições ampliam o reconhecimento social de uma sociologia especial,
o que vale também para a sociologia das relações internacionais.
Contribuições involuntárias para uma sociologia das relações internacionais
Existiram contribuições involuntárias para uma sociologia das rela-
ções internacionais? A resposta é positiva. É preciso, no entanto, demonstrar
isso e apresentar, mesmo que sumariamente, quais são essas contribuições.
Sem dúvida, é possível iniciar com as contribuões de lósofos, juristas e
historiadores, como alguns fazem (MERLE, 1981). Contudo, esse procedi-
mento pode ser útil para o pesquisador analisar o fenômeno ou suas primei-
ras abordagens, mas é equivocada se queremos realizar uma alise históri-
ca da gênese de uma sociologia especial. Heródoto narrou acontecimentos
históricos, verdadeiros ou falsos, reais ou ccionais, e isso em nada contribui
para sabermos da formação da sociologia histórica como sociologia especial,
embora seja citado por historiadores para tratar da gênese da historiograa.
Logo, as contribuições involuntárias para a constituição de uma so-
ciologia especial são aquelas que surgem a partir de soclogos ou autores
que exercem inuência na sociologia e que trabalham temas considera-
dos sociológicos, ou, mais especicamente sobre o fenômeno social que
é o domínio temático de uma das sociologias especiais. Entre os últimos,
9. E há também o problema do
“imperialismo sociológico” que alguns
especialistas de outras áreas apontam
(BOTTOMORE, 1970).
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muitos são considerados “soclogos” e o caso exemplar é o de Marx, con-
siderado um cssico da sociologia, embora nunca tenha se autodeclarado
sociólogo como ou tido qualquer vínculo institucional com essa ciência.
Entre as contribuições involuntárias para a sociologia das relões
internacionais podemos citar dois clássicos da sociologia: Marx e Weber.
Marx, obviamente, nunca discutiu sociologia das relações internacionais
e nem mesmo algo como uma “sociologia geral. Porém, ele fez análises
das relações internacionais. Dentre suas alises, podemos citar o capítu-
lo, em O Capital (MARX, 1988), sobre a acumulação primitiva de capital e
o colonialismo, ou seus diversos escritos sobre colonialismo (MARX; EN-
GELS, 1970), bem como sua obra sobre “diplomacia europeia” (MARX,
2020) e diversas passagens em várias obras, a começar pelo Manifesto Co-
munista, citado extensivamente por Merle (1981). Sem dúvida, é uma aná-
lise substancial, pois os termos “relações internacionais”, “sociologia das
relações internacionais”, entre outros, não aparecem, mas o campo feno-
menal dessa sociologia especial é contemplado em tais alises.
Uma outra contribuição involuntária é a de Max Weber. Embora sinté-
ticas, as suas reexões sobre “o prestígio e o poder das grandes potências”, “as
bases econômicas do imperialismo”, a ideia de nação, “as origens da discipli-
na na guerra” (WEBER, 1971) apontam para análises de temáticas que com-
porão o campo perceptivo da sociologia das relações internacionais. E aqui
temos, como em Marx, uma alise substancial e fundamentada em méto-
do, bem como alise sociológica, mas não uma referência formal a uma
sociologia especial ou, mais especicamente, das relações internacionais.
No caso de Durkheim não há nenhuma reexão mais profunda so-
bre o campo fenomenal das relações internacionais. Ele escreveu alguns
pequenos artigos a respeito de temas próximos das relações internacionais,
tal como patriotismo, bem como analisou a “mentalidade alemã” após o
início da Primeira Guerra Mundial. Dos três clássicos foi o que menos
contribuiu para discutir o campo fenomenal das relações internacionais.
Depois de Marx e Weber existiram outras contribuições involuntá-
rias. Na esteira de Marx, surgiram as chamadas “teorias do imperialismo”,
tais como a de Rudolf Hilferding (1985), Rosa Luxemburgo (1985); Lênin
(1987), entre inúmeros outros autores até a Segunda Guerra Mundial10.
Após esta, a teoria do capitalismo de Marx serve de fonte de inspiração
para outras tantas concepções de imperialismo que também lançavam
mão dos autores citados anteriormente e assim podemos ver uma con-
cepção luxemburguista de imperialismo (BARRATT BROWN, 1976), os
comentaristas e adeptos da concepção leninista, bem como as concepções
posteriores, como a chamada “teoria da troca desigual” (EMMANUEL,
1973) ou a “teoria da dependência” (GUNDER FRANK, 1980)11, entre di-
versas outras, além das alises das várias concepções de imperialismo
(COHEN, 1976; VILA, 1976; OSÓRIO, 2018).
Nesse caso, as “teorias do imperialismo” são, em sua maioria, contri-
buições involuntárias por não serem de sociólogos ou são de sociólogos que
não visam trabalhar com a delimitação temática e subdisciplinar12 das “rela-
ções internacionais”. Sem dúvida, isso requer uma explicação. As “teorias do
imperialismo”, obviamente, tratam de relações internacionais. Porém, essas
abordagens tratam, geralmente, dos aspectos econômicos e políticos, em
10. Seria possível acrescentar a
“sociologia do imperialismo” de Joseph
Schumpeter (1961), que, no entanto,
era um economista que tentou refutar
a concepção marxista e leninista de
imperialismo ao mostrá-lo como uma
possibilidade no interior do capitalismo,
mas não um derivado dele. A força
das análises do imperialismo era tão
forte que tiveram impacto sobre Weber
e Schumpeter (1961). Schumpeter
escreveu um ensaio intitulado “Socio-
logias do Imperialismo”. Sweezy (1961)
explica o interesse de Schumpeter pelo
problema do imperialismo a partir de
sua relação com o austromarxismo (Otto
Bauer) e a obra de Rodolf Hilferding e
Primeira Guerra Mundial. Sem dúvida,
as ressonâncias da guerra e as concep-
ções de imperialismo tiveram influência
não somente em Schumpeter, mas
em toda uma geração e elas estavam
entrelaçadas.
11. Existe uma extensa lista de adeptos
da chamada “teoria da troca desigual”
e da “teoria da dependência”, e por isso
optamos por citar apenas um represen-
tante de cada uma dessas concepções.
12. No sentido de subdisciplina, ou
seja, uma divisão no interior de uma
disciplina, tal como são as sociologias
especiais no interior da sociologia como
ciência.
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detrimento de outros elementos. É por isso que a maioria dos autores que
abordaram o fenômeno eram economistas, ativistas e militantes políticos. A
sociologia das relações internacionais tem como um de seus temas o impe-
rialismo, concorde-se ou não com esse termo e seus signicados, e, por con-
seguinte, as “teorias do imperialismo”, que são explicações das relações in-
ternacionais no âmbito fundamentalmente econômico e, secundariamente,
político (alguns autores extrapolam essa limitação, seja de forma supercial
e periférica, seja de forma mais ampla e profunda). Nesse sentido, o estudo
da sociologia das relações internacionais pressupõe o estudo das alises
do imperialismo, abarcando a contribuição de sociólogos e não-soclogos.
Assim, o conjunto de contribuições involuntárias para uma socio-
logia das relações internacionais é bastante amplo e poderia contar com
diversas outras, embora algumas sem grande reconhecimento por parte
dos sociólogos e outras com elementos mais restritos da perspectiva mais
analítica, tal como alguns cientistas de áreas ans. E algumas contribui-
ções involuntárias acabam se confundindo com as contribuições voluntá-
rias, tal como o caso da ciência política norte-americana. Porém, quanto
mais desenvolvida é uma sociologia especial, mais especializada ela ca e
mais robusta, o que tem como consequência sua maior autonomia e me-
nor apelo às contribuições involuntárias. Claro que isso varia de acordo
com o campo fenomenal da sociologia especial ou da tradição analítica.
Certos fenômenos sociais atraem maior atenção de um conjunto de cien-
tistas, militantes etc., e assim, em alguns casos, as contribuições involun-
rias tendem a ter grande volume e assim ser relativamente incorporada
nas discussões da sociologia especial. Por outro lado, se a sociologia espe-
cial já está consolidada, depende menos de tais contribuições, mas algu-
mas tradões analíticas no seu interior (tal como, por exemplo, as que va-
loram a interdisciplinaridade ou o marxismo, que é adisciplinar) podem
lançar mão frequentemente delas devido suas características próprias13.
No caso especíco das relações internacionais, algumas contribui-
ções involuntárias continuarão existindo e caberá às tradições analíticas
lançarem mão ou não delas. A geopolítica, enquanto subdivisão da geo-
graa, as produções intelectuais e pesquisas da área especíca das rela-
ções internacionais14, as concepções do imperialismo, entre outras, que
continuam existindo e avançando, são exemplos desse processo de per-
manência das contribuições involuntárias e de sua assimilação pela socio-
logia das relações internacionais. Algumas tendências da sociologia das
relações internacionais, incluindo aquelas mais contrafeitas às contribui-
ções de outras disciplinas, acabam lançando mão de suas teses, pois ela
ainda é uma sociologia especial que, devido ao seu estágio de desenvolvi-
mento, necessita de um “apoio externo”.
As tentativas de uma sociologia das relações internacionais
A sociologia das relações internacionais, enquanto sociologia espe-
cial, emerge a partir das contribuições involuntárias que são fundamen-
tais para a sua formação e a partir das tentativas de determinados soció-
logos no sentido de constituir essa nova especialidade dentro do pensa-
mento sociogico. Sem dúvida, isso ocorre, como em qualquer ciência
13. Existem casos fronteiriços, como
o da Revista International Political
Sociology, que busca ser “transversal”
e “interdisciplinar”, reunindo cientistas
políticos, sociólogos e pesquisadores
de outras áreas, cuja delimitação é
difícil, entre outras contribuições que
compõem um amplo leque de produção
intelectual e que não poderão ser
analisadas aqui, pois enfatizamos as
concepções estritamente sociológicas e
de maior ressonância internacional.
14 As diversas abordagens no interior
das relações internacionais constituem
contribuições involuntárias para uma
sociologia das relações internacionais,
com suas divisões e diferenças, que são
retomadas (ou não) pelas concepções
sociológicas a partir das suas bases
semelhantes (por exemplo, o constru-
tivismo tem maior facilidade de ser
resgatado por sociólogos de orientação
pós-estruturalista e semelhantes).
Não seria possível aqui sintetizar tais
contribuições involuntárias, mas vale
a pena ressaltar sua existência e que
trazem elementos importantes para o
desenvolvimento de uma sociologia das
relações internacionais.
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particular ou subdivisão desta, através da formação de tradições analíti-
cas distintas, formando diferentes teses ou mesmo escolas.
É quase consenso que as primeiras tentativas voluntárias de cons-
tituir uma sociologia das relações internacionais ganharam maior força
no período posterior à Segunda Guerra Mundial (DEVIN, 2009; MERLE,
1981). A razão disso remete tanto ao problema da guerra e suas conse-
quências e traumas, quanto às inovações que ocorrem posteriormente,
tal como a expansão do capital transnacional e a formação de organis-
mos internacionais (Fundo Monerio Internacional, Organização das
Nações Unidas, Banco Mundial, etc.). Antes disso, apontam-se algumas
poucas obras, mas cujo caráter sociológico é questionável. Se seguirmos
a concepção de Merle (1981), nos Estados Unidos emergiram as primeiras
tentativas especicamente sociológicas no sentido de abordar as relações
internacionais. Merle (1981) Ele aponta a existência de duas concepções
sociológicas sobre as relações internacionais: a behaviorista e a funciona-
lista. Porém, nesse caso também se trata de cientistas políticos e análises
interdisciplinares, tais como as de Deutsch e outros (DEUTSCH; 1978;
MORGENTHAU, 2003) e não de alises de sociólogos.
A abordagem funcionalista é mais próxima de uma sociologia das re-
lações internacionais, pois foi desenvolvida por cientistas políticos, que são
especialistas bastante próximos da sociologia política, além da proximida-
de das duas ciências (sociologia e ciência política). Além disso, a concepção
funcionalista, que também cou conhecida como “estrutural-funcionalis-
mo, se desenvolveu e foi hegemônica simultaneamente na sociologia e
na ciência política nos Estados Unidos. David Easton e outros, na Ciência
Política, e Parsons e Merton, entre outros, na Sociologia, desenvolveram
essa concepção hegemônica desse período, que estava de acordo com o pa-
radigma hegemônico da época, o reprodutivismo (VIANA, 2019). Porém,
essas contribuições são, no entanto, mais involuntárias do que voluntárias
e, assim, contribuem com alises do fenômeno das relações internacio-
nais, mas não com o desenvolvimento da abordagem especicamente so-
ciológica ao seu respeito, embora realizem discussões metodológicas que
podem ser englobadas pela pesquisa sociogica posterior.
Uma das primeiras tentativas sistemáticas de desenvolver uma socio-
logia das relações internacionais foi a obra do sociólogo francês Raymond
Aron15. Aron publicou algumas obras dedicadas às questões internacionais
e dedicou uma especicamente para sistematizar uma alise sociológica
das relações internacionais, intitulada “Paz e Guerra entre as Nações, escrita
entre 1960 e 1961 e publicada em 1962 (PAIM, 2002). Essa volumosa obra,
que na tradução portuguesa tem mais de 900 páginas (ARON, 2002), apon-
ta para vários elementos que se exige de uma sociologia especial, tal como
a denição de relações internacionais, a apresentação do seu domínio te-
mático, os seus principais problemas, uma agenda de pesquisa.
A denição de relações internacionais de Aron abre espaço para se
pensar uma agenda de pesquisa que seria própria da sociologia das rela-
ções internacionais:
Não há dúvida de que o centro das relações internacionais está situado no que chama-
mos de “relações interestatais”, as que engajam as unidades políticas. Essas relações se
manifestam por meio de canais especiais, personagens que chamarei, simbolicamen-
te, de diplomata e de soldado. Os dois e somente eles – agem plenamente não como
membros mas como representantes das coletividades a que pertencem: o diplomata,
15. Sem dúvida, trata-se aqui do espec-
tro das contribuições que conseguiram
ressonância social e que realizou um
desenvolvimento efetivo da discussão.
Não é possível conhecer todas as obras
em todos os idiomas que tratam dessa
questão, mas apenas aquelas que
tiveram ressonância o suficiente para
serem traduzidas, citadas e reconhe-
cidas pelos demais sociólogos. Assim,
seria possível, por exemplo, colocar
aqui a contribuição do pequeno artigo
de quatro páginas de Jacques Vernant,
escrito em 1952, Por uma Sociologia das
Relações Internacionais. O texto curto
e sintético, no entanto, avança mais em
alguns elementos do que obras mais
extensas. Vernant (1952) afirma que
as relações internacionais são “fatos
sociais”, e constata que as tentativas de
análises sociológicas das relações in-
ternacionais são mais descritivas e que
é necessário ir além do descritivismo.
Vernant também aponta a “sociedade
internacional” (que é, segundo ele, uma
forma de sociedade sui generis, que é
uma ideia de inspiração durkheimiana)
como campo fenomenal de pesquisa da
sociologia das relações internacionais,
bem como questiona que não se pode
reduzi-lo (como faz Aron) às relações
intergovernamentais, pois engloba tam-
bém as relações econômicas e culturais,
além das especificamente políticas. O
problema da ressonância remete para
as relações internacionais no plano da
produção sociológica, pois a subor-
dinação na divisão internacional do
trabalho e o processo de concentração
e centralização no capitalismo mundial
gera um efeito tanto sobre o processo
de produção intelectual no capitalismo
subordinado quanto sobre sua resso-
nância externa. Tickner (2011) abordou
elementos desta relação ao abordar
as relações entre “centro-periferia”
nas “relações de conhecimento”, bem
como se reconhece que a dicotomia
“centro-periferia” governa o “aparato da
produção intelectual” (TICKNER; BLA-
NEY, 2013). Assim, é possível perceber
que há uma divisão internacional do
trabalho intelectual, que remete para as
relações internacionais estabelecidas
no capitalismo mundial.
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no exercício das suas funções, é a unidade política em nome da qual fala; no campo
de batalha, o soldado é a unidade política em nome da qual mata o seu semelhante.
O golpe de leque do soberano de Argel teve o valor de um acontecimento histórico
porque atingiu um Embaixador. Uniformizado, e agindo por dever, o cidadão de um
Estado civilizado mata sem problema de consciência. O diplomata e o soldado vivem e
simbolizam as relações internacionais que, enquanto interestatais, levam à diplomacia
e à guerra. As relações interestatais apresentam um traço original que as distinguem
de todas as outras relações sociais: elas se desenrolam à sombra da guerra; para em-
pregar uma expressão mais rigorosa, as relações entre os Estados implicam essencial-
mente na guerra e na paz. Como cada Estado tende a reservar para si o monopólio
da violência, no curso da história, todos os Estados, reconhecendo-se reciprocamente,
reconheceram a legitimidade das guerras que faziam entre si (ARON, 2002, p. 52).
Aron desenvolve reexões sobre a teoria e sobre o conteúdo das rela-
ções internacionais, destacando a questão da guerra e da paz, da diplomacia
e da estratégia, e o diplomata e o soldado como “atores”. A busca de regula-
ridades, a alise dos tipos de guerra, do sistema internacional, aponta tanto
para uma reexão “teórica” quanto para alise de processos sociais e histó-
ricos. Sem dúvida, a concepção de Aron pode ser considerada limitada e pro-
blemática, além de carregar em si o “espírito da época”, tal como elementos
do paradigma reprodutivista ao lado de elementos weberianos (o uso dos ti-
pos ideias em sua tipologia das guerras)16. Porém, apesar de possuir elemen-
tos problemáticos e limitações, ele apontou para colocar vários elementos
necessários para uma sociologia das relações internacionais e abriu caminho
para novas contribuições no sentido de desenvolver tal sociologia especial.
Alguns anos depois, mais precisamente em 1974, é publicada outra
obra na França cujo título é exatamente “Sociologia das Relações Interna-
cionais, de Marcel Merle (1981). Merle aponta as contribuições involuntá-
rias, sem utilizar essas palavras, para a sociologia das relações internacio-
nais advindas dos lósofos, juristas e historiadores, para depois apontar
as contribuições especicamente sociológicas, embora não que claro
tal caráter sociológico de algumas das concepções que ele expõe. Merle
aponta as contribuições de Marx e “marxistas” posteriores, bem como
behavioristas” e “funcionalistas”. Além disso, ele realiza uma discussão
conceitual e sobre a possibilidade de uma teoria das relações internacio-
nais. Na segunda parte de sua obra, já aponta os termos fundamentais de
sua alise, como os fatores que atuam no meio internacional, os atores e
o sistema internacional. A obra de Merle, ao contrário da de Aron, pode
ser considerada uma verdadeira introdução à sociologia das relações in-
ternacionais, pois ela apresenta um balao das contribuições involun-
rias e algumas contribuições que ele considera sociológicas, aponta os
termos-chave e desenvolve uma análise mais geral do campo fenomenal
da sociologia da relações internacionais.
Merle aponta para o reconhecimento que as relações internacionais
constituem uma massa enorme de fenômenos” (1981, p. 112). Ele avança
no sentido de considerar que as relações internacionais são relações inte-
restatais, mas vai além de Aron e outros e coloca que ela engloba também
relações privadas.
Qualquer que seja a importância do papel dos Estados na sociedade internacio-
nal, não se poderia, portanto, reduzir as relações internacionais aos intercâmbios
de todos os tipos operados entre governos. As relações internacionais compor-
tam o conjunto dos intercâmbios, públicos ou privados, que se desenvolvem
acima das fronteiras (MERLE, 1981, p. 110-11).
16. Colocamos isso no sentido limitado
de sua contribuição para uma sociologia
das relações internacionais, ou seja,
não em relação ao conteúdo de sua
obra nos mais variados aspectos, pois,
nesse caso, o volume da crítica e os
elementos a serem criticados aumentam
drasticamente. Basta lembrar a crítica
de Chatelet e Touraine para sua ideia
de centralidade do Estado (HOLEINDRE,
2012).
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Assim, nessa ampliação do campo fenomenal das relações interna-
cionais, há uma diversidade de questões que envolve os Estados (diploma-
cia, guerra, comércio, etc.) e outras organizações e indivíduos. Merle cita,
por exemplo, os grupos de interesses, partidos políticos, organizações
prossionais ou corporativas, etc.
Além de contribuir com a denição de relações internacionais, Merle
propõe uma abordagem sistêmica desse campo fenomenal e por isso o cons-
truto de “sistema internacional” assume grande importância. Sem dúvida,
trata-se de uma abordagem totalizante e que aponta para um termo hege-
mônico da época do paradigma reprodutivista, que, complementado com o
estudo do “meio” e dos “atores”, promove uma percepção sociogica abran-
gente das relações internacionais, concorde-se ou não com sua concepção.
Sem dúvida, assim como a contribuição de Aron, a obra de Merle pode ser
considerada limitada e ser criticada, mas, no que se refere a uma contribui-
ção para o desenvolvimento de elementos importantes para a constituição
de uma sociologia das relações internacionais, é inquestionável que ele foi
um dos pioneiros e forneceu subsídios signicativos nesse sentido.
A partir das décadas seguintes proliferam novas pesquisas sociogi-
cas sobre as relações internacionais, embora grande parte não se coloque
como expressão desta sociologia especial e outra parte não se dedique a
discussões terminológicas e metodológicas sobre este campo fenomenal.
Emergem estudos que buscam trabalhar com a sociologia dos campos de
Pierre Bourdieu (TARGA, 2017), com o gramscismo (COX, 2007), entre
outras abordagens17, bem como se mantém as reexões sociológicas e de
ciências ans sobre imperialismo e, a partir dos anos 1990, globalização
(IANNI; 1996; FARIAS, 2013; OSÓRIO, 2018)18.
Obras especícas sobre sociologia das relações internacionais apa-
receram, mas uma parte não ultrapassou os marcos nacionais, não tendo
muita ressonância para além das fronteiras nacionais, não tendo tradução
para outros idiomas. Outras não conseguiram avançar muito em relação
ao que já havia sido reproduzido. Assim, a obra de Devin (2009) aponta
para algumas discussões, mas não avança no sentido de uma sistemati-
zação ou estruturação mais profunda, tal como se observa também em
artigos e outras publicações.
Uma Sociologia Especial em Formação
Esse breve apanhado das reexões sociológicas sobre as relações
internacionais nos permite discutir o atual estado dessa sociologia espe-
cial. A conclusão é a de que a sociologia das relações internacionais ainda
está em processo de formação. As suas bases intelectuais ainda são rela-
tivamente frágeis, tanto pela quantidade quanto pela qualidade das teses
basilares que foram desenvolvidas. A delimitação do campo fenomenal
de pesquisa também não teve grandes avanços e a apontada por Aron
é limitada e problemática enquanto que a de Merle é imprecisa e sem
maior aprofundamento. A tradição analítica ainda é restrita quantitati-
va e qualitativamente, o que pode ser percebido a constante inclusão de
abordagens de outras ciências particulares como se fosse parte da socio-
logia das relações internacionais. O reconhecimento social, por sua vez, é
17 Outras iniciativas, de menor alcance,
também poderiam ser citadas, tal
como a de Fredéric Ramel e seu artigo
As Relações Internacionais segundo
Durkheim, Um objeto de estudo como
qualquer outro, que segue a linha
de Vernant, sem citá-lo e talvez sem
conhecê-lo.
18 Seria inviável citar o conjunto de
obras a respeito da globalização e impe-
rialismo, pois a quantidade é extrema-
mente elevada. Os livros de Ianni (1996),
um dos três que ele lançou sobre essa
temática, aponta diversas concepções
de globalização, bem como Farias (2013)
aponta várias concepções de imperialis-
mo, incluindo algumas mais recentes.
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bem restrito, inclusive no interior da própria sociologia. Isto signica que
é necessário avançar na delimitação do campo fenomenal, explicitando
que conjunto de fenômenos constituem as relações internacionais, bem
como desenvolver mais a reexão teórica e analítica. Esses elementos, por
sua vez, tendem a reforçar o reconhecimento social e vice-versa.
Contudo, apesar disso, é possível armar a existência de uma so-
ciologia das relações internacionais, mas em processo de formação e que
está num estágio ainda rudimentar. Isso signica que ainda é preciso
avançar nos seus elementos constitutivos para aprofundar o seu processo
de formação e um amplo desenvolvimento para se tornar uma sociolo-
gia especial consolidada. Assim, a sociologia das relações internacionais
precisa avançar em suas teses basilares, ampliar e desenvolvimento suas
tradições analíticas, delimitar com mais rigor o seu campo fenomenal de
estudos, bem como alargar seu reconhecimento social.
É possível armar que esse processo está em andamento, embo-
ra esteja mais avançado em alguns aspectos do que em outros. As teses
basilares ganharam algumas contribuições nas últimas décadas, mas de
forma lenta e acanhada. A delimitação do campo fenomenal já existe des-
de Vernant e Aron19, mas precisa ser repensada e renada, indo além de
Merle, que já havia avançado em relação a essa denição inicial. As tra-
dições analíticas, no entanto, vêm se desenvolvendo e não só o volume
de contribuições involuntárias continua crescendo paulatinamente como
reexões especícas começam a se desenvolver, como as embasadas na
sociologia dos campos de Bourdieu, na abordagem gramscista e na cha-
mada “sociologia da globalização”.20
A consolidação da sociologia das relações internacionais depende
desse desenvolvimento e, mais especialmente, da consolidação das abor-
dagens sociológicas, indo além das existentes, criando uma verdadeira
tradição analítica geradora de uma agenda de pesquisa, e uma ampliação
do reconhecimento social, ganhando mais espaço interno no interior da
subesfera sociológica e a nível mais global. O desenvolvimento da tradi-
ção analítica aponta para um aprofundamento geral e desenvolvimento
dos demais aspectos que permitem a consolidação de uma sociologia es-
pecial e criação de novas problemáticas e temas derivados, bem como
incentiva, embora não garanta, o seu reconhecimento social.
Considerações finais
O nosso objetivo no presente texto foi questionar se existe uma
sociologia das relações internacionais. Para tanto, assinalamos alguns
elementos necessários para que se possa armar a existência de uma so-
ciologia especial, bem como para considerá-la consolidada. Após isso,
apontamos para algumas reexões sobre as contribuições involuntárias e
a produção sociológica sobre relações internacionais e a partir disso con-
cluímos que a sociologia das relações internacionais ainda está em pro-
cesso de formação, ou seja, ela existe, mas ainda se encontra no seu pri-
meiro estágio. E concluímos que, para ela se consolidar, precisa de maior
desenvolvimento, bem como que existem indícios de que ela caminha
para a sua concretização.
19 Seria necessário ir além da concep-
ção de relações internacionais como
apenas “relações interestatais” (ARON,
2002) ou como “sistema internacional”
(VERNANT, 1952), inclusive tendo em
vista a sua complexidade crescente com
o desenvolvimento histórico.
20. E, nesse aspecto, a crítica da ideia
de globalização também se enquadra,
especialmente as de caráter sociológico
(BAUMANN, 1999; HIRST; THOMPSON,
1998; VIANA, 2009)
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A reexão aponta para a necessidade de compreender o processo de
formação e consolidação das sociologias especiais como condição necessá-
ria para entender o atual estágio da sociologia das relações internacionais.
As contribuições involuntárias de Marx e Weber, bem como de autores de
outras áreas, ajudaram nesse processo de constituição. Por outro lado, obras
especicamente sobre sociologia das relações internacionais surgiram, de
Vernant, passando por Aron e Merle, até chegar a autores contemponeos,
com destaque para Devin. Porém, ainda é necessário maiores avanços e
mais contribuões, bem como aprofundamento de diversas questões.
Nesse processo de consolidação, existem os aspectos institucionais
e de reconhecimento, bem como os de caráter teórico-metodológico. Os
aspectos institucionais e de reconhecimento podem ser, e geralmente são,
cumulativos, o que signica que tendem a se ampliar com o passar do tem-
po. E isso tende a reforçar o aspecto teórico-metodológico e a formação e
consolidação de tradições analíticas. Por outro lado, o desenvolvimento
teórico-metodológico reforça a tendência de reconhecimento. Assim, em-
bora esses elementos geralmente andem juntos e se reforcem reciproca-
mente, um avança mais rápido ou extraordirio de um tende a ter um
impacto geral. Porém, não podemos prever o futuro. A reexão que rea-
lizamos aqui apenas nos permite dizer que a sociologia das relações inter-
nacionais existe e que precisa avançar mais para se consolidar e podemos
apontar a tendência para que isso ocorra com o passar do tempo.
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