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Murilo Vilarinho Percursos Diplomácos, Sociais e Literários: as Contribuições Intelectuais de Guimarães Rosa
[...] a realidade propriamente humana – histórica, que é, como vimos, [...] o cam-
po da atividade diplomática – é a realidade pensada, os fatos concretos articula-
dos pelo pensamento numa totalidade signicativa. O diplomata – o “sonhador”
– busca, nessas condições “criar” a realidade, fazer a história, por meio do pensar
os fatos. Por isso é que Guimarães Rosa se preocupa, na formação do diplomata,
com o desenvolvimento dessa capacidade de pensar, o que não é a mesma coisa
que o simples raciocínio técnico, limitado a um campo do conhecimento. Pensar,
para ele, inclui a imaginação, o que não é a mesma coisa que a simples fantasia,
fabulação relativamente independente dos fatos concretos. Pensar é a utilização
da imaginação na articulação desses fatos, da imaginação que leva em considera-
ção o concreto, que depende dele e que lhe dá sentido. É construir.
Sobre a Parte VI Construção e crítica, a embaixadora Heloísa Vilhe-
na Araújo referencia a postura restauradora, construtora, isenta de agres-
sividade de Guimarães Rosa. O diplomata mostra-se avesso a qualquer
tipo de ação cega e violenta. Essa natureza do romancista de Grande Ser-
tão: Veredas ca nítida nas ideias expressas por Araújo (2020, p.59-60):
O fato de a postura básica de Guimarães Rosa, até aqui assinalada, ser aquela
do restaurador, do construtor, torna necessário fugir do perigo de idealizar sua
atuação, isentando-a de qualquer agressividade. Ao restaurar, Guimarães Rosa
destrói: uma coisa não pode ser feita sem a outra. Como foi possível vericar no
que se refere ao seu conceito de justiça, a restauração, para Guimarães Rosa, exi-
ge mesmo uma destruição: não uma destruição cega e violenta, mas uma refuta-
ção ponderada e raciocinada, expressa com rmeza: “Vossa Excelência, que tem
perfeita ciência da gravidade do assunto, conhece, não menos...” Na verdade, é
a ação cega e violenta que é refutada – destruída, desarmada – pelo exercício do
pensamento. O pensar desliga a ação do imediatismo, torna-a objetiva, desvincu-
la-a do emocionalismo subjetivo e do fanatismo. Com isso, não se quer dizer que
a desligue do sentimento, mas sim do instinto cego, por um lado, e da ideali-
zação, por outro. A ação de Guimarães Rosa é uma constante desconstrução
tanto do intempestivo e do violento, quanto da tentação de hipostasiar ideias, da
abstração. Assim, não tenta forçar a realidade num leito de Procusto, em nome
de um ideal abstrato de perfeição, inatingível, mas faz espaço para a admissão de
imperfeições e falhas, que procura remediar com justiça.
Na Parte VII O diplomata e o homem, visualiza-se o Guimarães Rosa
simples e genuíno em suas relações humanas e em seu ser. Heloísa Vi-
lhena Araújo, ao enfatizar esse lado do escritor, buscou uma ilustração
interessante do momento em que ele tomou posse como chefe da Divisão
de Fronteiras, em 1956. Naquela época, a sua declaração de bens e valo-
res resumia-se a Cr$ 900.000,00. A diplomata brasileira emprega parte de
uma entrevista de Guimarães Rosa a Günter Lorenz, por meio da qual o
mineiro de Cordisburgo enuncia:
[...] não me envergonho em admitir que Grande sertão me rendeu um montão
de dinheiro. Não me interessa o dinheiro: venho de um mundo onde ele não
adianta muito; lá se necessita de pão, armas, cavalos, e ainda se pratica o comér-
cio de troca. Naturalmente, não co infeliz, quando tenho dinheiro suciente
para viver como quero. Mas não nego esse fato. A esse respeito, quero dizer
uma coisa: enquanto eu escrevia Grande sertão, minha mulher sofreu muito
porque nessa época eu estava casado com o livro. Por isso dediquei-o a ela, para
lhe agradecer sua compreensão e paciência. Você sabe que tenho uma mulher
maravilhosa. Como sou um fanático da sinceridade linguística, isto signicou
para mim que lhe dei o livro de presente, e portanto todo o dinheiro ganho com
esse romance pertence a ela, somente a ela, e pode fazer o que quiser com ele
[...]. (COUTINHO apud ARAÚJO, 2020, p. 66).
A Parte VIII Conclusão: nacional e internacional encerra a obra em
questão. Nessa seção, apresenta-se, em tom de fechamento, que a diplo-
macia, assim como as letras, foi um dos aspectos da existência e Guima-