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estudos internacionais • Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 11, n. 1, (fev. 2023), p. 127-131
transcende a mera competição, superando a dicotomia entre vitória e der-
rota. Em sua qualidade de domínio especíco, o esporte representa uma
microcosmia da sociedade, exibindo singularidades, desaos e triunfos
próprios. Ele se enraíza profundamente no tecido social e reete sua di-
nâmica intrínseca.
As notas introdutórias e o primeiro capítulo – intitulado “Qu’est-ce
que le sport”7 – da obra de Guégan fazem eco ao subtítulo da obra supra-
citada – “Business et spectacle: l’idéal sportif en jeu”8 – uma vez que os his-
toriadores e o jornalista investem no esporte por meio de seus excessos
econômicos e midiáticos, percebidos tanto positivamente (através do seu
potencial agregador), como negativamente (naquilo que envolve o custo
e os salários exorbitantes). Sem se apoiar explicitamente no campo da
geograa, as primeiras páginas pretendem sobretudo retratar as repre-
sentações do desporto prossional nas sociedades, passando rapidamente
de um campo a outro. Este primeiro capítulo, “esperado” nas ciências que
tratam da temática esportiva, não traz grandes novidades, sendo apresen-
tado como uma forma de síntese dos principais esportes em termos de
participantes, audiências e receitas nanceiras. Ou seja, uma espécie de
raio X, com especial ênfase ao caráter polissêmico e complexo do fenô-
meno esportivo. Ao término desse catálogo das práticas, Guégan elabora
uma lista de elementos constitutivos de uma grade de leitura, composta
por atores, performances, organizações, governanças, cargos, políticas de
desenvolvimento, estratégias de inovação, permitindo uma “explicação
diferente” do mundo (p. 77-78). Esta interpretação é mais manuseada nos
dois outros capítulos, decididamente mais orientados para o campo da
geograa, em um primeiro momento (capítulo 2 – “Que représente le sport
aujourd’hui en France et dans le monde en termes de pratiques et d’importance
économique”9 ), do que especicamente para a geopolítica, em um instante
posterior (capítulo 3 – “Qu’est-ce que la géopolitique et pourquoi l’appliquer au
sport?”10 ).
Após a reconstrução do nascimento do esporte11 , o segundo ca-
pítulo chancela uma verdadeira mudança de direção por meio de uma
abordagem mais geográca, na qual uma conguração espacial do espor-
te se apresenta ao leitor (p. 90-101). De fato, o autor retoma, reformula e
atualiza as principais obras teóricas dos geógrafos do desporto, em parti-
cular a contribuição de Jean-Pierre Augustin, publicada em 1995, intitu-
lada “Sport, géographie et aménagement”12 . Destaca-se as análises dedicadas
ao rúgbi e ao ciclismo, particularmente instrutivas no que tange à atual
evolução dessas duas modalidades e às suas crescentes globalizações13 .
Vale ressaltar que as investigações sobre futebol, esporte já consagrado,
acabam sendo protagonistas na maioria das obras esportivas, apartando
outras modalidades essenciais das análises geopolíticas.
Enm, o terceiro capítulo, cuja potência nos leva à considera-lo
como o coração da obra. Dois eixos estruturam-no: i) o desporto visto
como uma competição entre Estados-Nações, onde o campo de jogo trans-
forma-se em campo de batalha simbólico; e ii) o desporto para além das
quatro linhas, espaço disputado pelo mercado, pela imagem, pelo bran-
ding, onde o papel das potências extranacionais (empresas, patrocínios,
mídia) se faz cada vez mais coexistir. Mediante uma espécie de resenha
7. “O que é o esporte.” (Tradução do
autor).
8. “Negócios e espetáculo, o ideal
esportivo em jogo.” (Tradução do autor).
9. “O que representa o esporte atual-
mente na França e no mundo em termos
de prática e importância econômica?”
(Tradução do autor).
10. “O que é a geopolítica e por que
aplicá-la ao esporte?” (Tradução do
autor).
11. Segundo a Carta Europeia do
Esporte (Charte européenne du sport),
adotada em 24 de setembro de 1992,
e revisada em 2001, o esporte reúne
todas as formas de atividades físicas e
esportivas, através de uma participação,
organizada ou não, que possuem como
objetivo a expressão e a melhoria de
condição física e psíquica, o desen-
volvimento das relações sociais ou a
obtenção de resultados em competição
de todos os níveis. (CHARTE EUROPÉEN-
NE DU SPORT, 2001).
12. “Esporte, geografia e organização”.
(Tradução do autor).
13. Quanto à globalização, é importante
sublinhar, como relatado pelo Prof.
Richard Giulianotti (2004; 2011), a ne-
cessidade de evitar uma visão ingênua
do potencial inato do esporte para o
bem, considerando a relação histórica
do esporte com formas de colonialismo
e neocolonialismo. O autor destaca a
importância de análises sociológicas
críticas sobre o papel do esporte na
consecução de objetivos sociais, como a
resolução de conflitos ou a reabilitação
social dos traumatizados. Ele argumenta
que o esporte pode trazer benefícios
significativos em contextos difíceis,
desde que os projetos de desenvol-
vimento se baseiem em um diálogo
significativo com os grupos receptores
e sejam acompanhados por políticas
mais diretas para aliviar doenças, fome,
guerra e migração forçada.
6. “Um altas do esporte mundial.”
(Mascarenhas, 2011).
5. “Geopolítica do esporte: uma outra
explicação do mundo”. (Tradução do
autor).
4. Pascal Boniface é considerado como
um dos primeiros autores franceses
a analisar os fatores geopolíticos no
campo esportivo. Entre outras obras, é
autor do clássico JO Politiques: Sport
et relations internacionales, publicado
em 2014.