Discussões, polêmicas amargas e xingos de todo gênero:
o debate estendido sobre a língua do Brasil
Resumo
Neste artigo, analisamos os significados sociopolíticos e históricos das polêmicas linguísticas entabuladas no contexto subsequente à promulgação da Constituição Federal de 1946, que determinou, precisamente no artigo nº 35 do Ato das Disposições Transitórias, a formação de uma Comissão de professores, escritores e jornalistas que opinasse sobre a denominação da língua falada no Brasil. Apesar do parecer conclusivo da referida Comissão quanto à conservação do nome língua portuguesa ao idioma nacional, a discussão se prolongou por décadas, ocupando espaço na esfera política. Para compreender a extensão do debate, focalizamos o projeto de lei nº 756, apresentado à Câmara dos Deputados por Altamirando Requião, em 30 de setembro de 1947, visando, mais uma vez, à oficialização da chamada língua brasileira. Argumentamos que a disputa entre intelectuais, aqui e além-mar, com grupos opostos manifestando-se em favor ou contra a denominação língua portuguesa, jamais visou ao reconhecimento das línguas socialmente classificadas como minoritárias. Nesse sentido, observa-se que a persistência do debate, enquanto produto e produção discursiva dos grupos dominantes, funcionou como um importante instrumento na legitimação de uma elite política nacional, suficientemente autorizada a produzir um novo discurso de autoridade sobre a língua, forjando uma identidade linguística compatível com seus próprios interesses. Trata-se de uma análise interdisciplinar, desenvolvida com base em apontamentos sociolinguísticos e históricos, em diálogo com as teorias de Pierre Bourdieu (1989, 2008).
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