Vida nua. Forma-de-vida

A contraface da soberania

Autores

  • João Pedro Maia dos Santos Mestrando e graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). Assessor jurídico no Ministério Público de Minas Gerais.

DOI:

https://doi.org/10.5752/P.1678-3425.2025v10n19p203-222

Palavras-chave:

Canudos, vida nua, Belo Monte, Forma-da-vida

Resumo

Este artigo aplica a tese de Daniel Arruda Nascimento à interpretação da Guerra de Canudos, explorando a proximidade conceitual entre vida nua e forma-de-vida em Giorgio Agamben. A hipótese defendida é que ambos os conceitos designam, em última instância, o mesmo fenômeno: a vida isolada da soberania, diferenciando-se pela natureza dessa isolação. A vida nua resulta de uma decisão soberana de abandono: os sujeitos são postos em relação de bando, privados de proteção e tornados vidas matáveis sem consequências. Foi o que ocorreu em Canudos, quando a recém-proclamada República brasileira declarou Antônio Conselheiro e seus seguidores inimigos da ordem republicana, legitimando seu extermínio como ato fundador do novo regime. Já a forma-de-vida caracteriza-se por um isolamento distinto, não imposto, mas originado na recusa ou na inexistência da soberania. Assim vivia a comunidade de Belo Monte, organizada de modo autônomo, com base no cuidado mútuo e na autossuficiência, sem necessidade de validação estatal. Tal experiência, ao tornar inoperantes as estruturas do poder político e corporificar uma vida comunal, revelou-se intolerável para a República, que a destruiu militarmente e, anos depois, buscou apagá-la simbolicamente com o Açude de Cocorobó. Belo Monte mostra, portanto, que a soberania não detém o monopólio do viver; pelo contrário, a experiência conselheirista evidencia a possibilidade de outras formas de vida, fora da lógica soberana, tornando o episódio um paradigma para se repensar Agamben no Brasil.

Downloads

Não há dados estatísticos.

Referências

AGAMBEN, Giorgio. A loucura de Hölderlin – crônica de uma vida habitante 1806-1843 [La follia di Hölderlin – cronaca di una vita abitante 1806-1843]. Editora Âyiné, 2022. Recurso digital. Formato: ePub.

AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção: Homo Sacer, II, I. Tradução: Iraci D. Poletip. 2ª. ed. [S. l.]: Boitempo Editorial, 2004. 144 p. ISBN 857559057X. Recurso digital (formato ePUB)

AGAMBEN, Giorgio. Infância e história: destruição da experiência e origem da história. Tradução: Henrique Burigo. 1ª ed. aum. 1ª reimpressão. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2008. 188 p. ISBN 978-85-7041-459-5.

AGAMBEN, Giorgio. Habitar e construir. Tradução: Vinícius N. Honesko. Punkto, [s. l.], ed. 25, 25 nov. 2019. Disponível em: <https://www.revistapunkto.com/2019/11/habitar-e-construir-giorgio-agamben.html>. Acesso em: 08 jul. 2023.

AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer: o poder soberano e a vida nua 1. Tradução: Henrique Burgo. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002.

AGAMBEN, Giorgio. O fogo e o relato: ensaios sobre criação, escrita, arte e livros. Tradução Andrea Santurbano, Patricia Peterle. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2018. Recurso digital (formato ePub).

AGAMBEN, Giorgio. Opus dei: Arqueologia do Ofício. Tradução: Daniel Arruda Nascimento. 1. ed. [S. l.]: Boitempo Editorial, 31 de dezembro 2013. 144 p. ISBN 978-857-559-332-5. Recurso digital. Formato: ePub.

AGAMBEN, Giorgio. O tempo que resta: um comentário à Carta aos Romanos. Tradução de Davi Pessoa e Cláudio Oliveira. 1. ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2016.

AGAMBEN, Giorgio. O uso dos corpos. Tradução: Selvino J. Assmann. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2017. 324 p. ISBN 978-85-7559-536-7.

AGAMBEN, Giorgio. We refugees. Symposium, [s. l.], p. 114-119, Verão 1995. Disponível em: <https://thehubedu-production.s3.amazonaws.com/uploads/1836/1e788430-c11e-4036-8251-5406847cd504/AgambenWeRefugees.pdf>. Acesso em: 27 ago. 2025.

ARENDT, Hannah. We refugees. In: ROBINSON, Marc (ed.). Altogether elsewhere: Writes on Exile. Winchester: Faber and Faber, 1994. cap. 15, p. 110-120.

ARIANO Suassuna: Raízes Populares da Cultura Brasileira (Part 1). Aula magna no Teatro Municipal de Paulínia, em 2009, organizado pelo Diretório Central dos Estudantes Celso Furtado da Facamp. Paulínia: [s. n.], 2013. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=M3MSqbE2r04>. Acesso em: 30 ago. 2025.

ASSIS, Machado de. Comentários da semana. Separata de: ASSIS, Machado de. Machado de Assis: Obra completa. Rio de Janeiro: Edições W. M. Jackson, 1938. Disponível em: <https://machado.mec.gov.br/obra-completa-lista/item/download/61_31588f38b2cdca0afb1c56e15b408e4f>. Acesso em: 30 ago. 2025.

BAPTISTA, Mauro Rocha. Paródia e messianismo no conceito de forma-de-vida em Giorgio Agamben. Sapere aude, Belo Horizonte, v. 9, n. 18, p. 253-265, jul.-dez. 2018. Disponível em: <https://periodicos.pucminas.br/SapereAude/article/download/16309/14147/>. Acesso em: 30 ago. 2025.

BARROS, Joana. Desenvolvimento e narrativas do atraso: A campanha contra Canudos e as veredas da resistência. In: BARROS, Joana; PRIETO, Gustavo; MARINHO, Caio (org.). Sertão, Sertões: Repensando Contradições, Reconstruindo Veredas. São Paulo: Editora Elefante, 2019. ISBN 978-85-93115-33-2. E-book (264p.).

BARROS, Joana; PRIETO, Gustavo; MARINHO, Caio. Apresentação: Um caminho até Canudos. In: BARROS, Joana; PRIETO, Gustavo; MARINHO, Caio (org.). Sertão, Sertões: Repensando Contradições, Reconstruindo Veredas. São Paulo: Editora Elefante, 2019. ISBN 978-85-93115-33-2. E-book (264p.).

BENJAMIN, Walter. O anjo da história. Organização e tradução de João Barrento. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013. ISBN 978-85-8217-041-0. Recurso digital (formato ePUB).

CARVALHO, Felipe Santos Estrela de. O homem em luta: sobre contradições e resistência nos sertões da Bahia hoje. In: BARROS, Joana; PRIETO, Gustavo; MARINHO, Caio (org.). Sertão, Sertões: Repensando Contradições, Reconstruindo Veredas. São Paulo: Editora Elefante, 2019. ISBN 978-85-93115-33-2. E-book (264p.).

CORRÊA DE BRITO, Pedro Andrade. Giorgio Agamben no Sertão de Canudos. Controvérsia, São Leopoldo, v. 15, n. 3, p. 117-138, set.-dez. 2019. Disponível em: <https://revistas.unisinos.br/index.php/controversia/article/view/18708/60747455>. Acesso em: 30 ago. 2025.

DAVIS, Mike. Holocaustos Coloniais: a criação do terceiro mundo. Tradução de Alexandre Barbosa de Souza. São Paulo: Veneta, 2022. ISBN 978-85-9571-158-7. E-book (formato ePub).

FISHER, Mark. Acid Communism: (Unfinished Introduction). In: BLACKOUT ((poetry & politics)). [S. l.], 2018. Disponível em: <https://my-blackout.com/2019/04/25/mark-fisher-acid-communism-unfinished-introduction/>. Acesso em: 1 jun. 2025.

FOUCAULT, Michel. Segurança, Território, População: Curso dado no Collège de France (1977-1978). Tradução: Eduardo Brandão. 1ª. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

LEMOS, Thaísa Maria Rocha. Belo Monte, Canudos ou a “comunidade que vem” em estado fenomênico. (Des)troços: revista de pensamento radical, Belo Horizonte, v. 3, n. 1, p. 111–124, 2022. DOI: 10.53981/destroos.v3i1.40245. Disponível em: https://periodicos.ufmg.br/index.php/revistadestrocos/article/view/40245. Acesso em: 30 ago. 2025.

LIMA, João Batista da Silva. Entre euclidianos e conselheiristas: Canudos resiste. In: BARROS, Joana; PRIETO, Gustavo; MARINHO, Caio (org.). Sertão, Sertões: Repensando Contradições, Reconstruindo Veredas. São Paulo: Editora Elefante, 2019. ISBN 978-85-93115-33-2. E-book (264p.).

MACINTYRE, Alasdair. After Virtue: A Study in Moral Theory. 3. ed. Notre Dame, Indiana: University of Notre Dame Press, 2007. ISBN 978-0-268-08692-3. E-book.

MATOS, Andityas Soares de Moura Costa; COLLADO, Francis García. Para além da biopolítica. Tradução: Andityas Soares de Moura Costa Matos. 1. ed. São Paulo: Sobinfluência edições, 2021. 188 p. ISBN 978-65-995017-2-2.

NASCIMENTO, Daniel Arruda. Agamben contra Agamben: por uma revisão do conceito de vida nua. Sofia, Espírito Santo, Brasil, v. 11, n. 2, p. e11238862, 2022b. DOI: 10.47456/sofia.v11i2.38862. Disponível em: <https://periodicos.ufes.br/sofia/article/view/38862>. Acesso em: 12 jul. 2025.

NASCIMENTO, Daniel Arruda. Agamben contra Agamben: por uma vida nua. (Des)troços: revista de pensamento radical, Belo Horizonte, v. 3, n. 2, p. 104–120, 2022a. DOI: 10.53981/(des)troos.v3i2.45239. Disponível em: <https://periodicos.ufmg.br/index.php/revistadestrocos/article/view/45239>. Acesso em: 12 jul. 2025.

SUASSUNA, Ariano. Canudos e o Exército. Folha de São Paulo, São Paulo, 30 nov. 1999a. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz3011199907.htm>. Acesso em: 27 ago. 2025.

SUASSUNA, Ariano. Canudos, nós e o mundo. Folha de São Paulo, São Paulo, 7 dez. 1999b. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0712199907.htm>. Acesso em: 27 ago. 2025.

Downloads

Publicado

2025-10-23

Como Citar

SANTOS, João Pedro Maia dos. Vida nua. Forma-de-vida: A contraface da soberania. Virtuajus, Belo Horizonte, v. 10, n. 19, p. 203–222, 2025. DOI: 10.5752/P.1678-3425.2025v10n19p203-222. Disponível em: https://periodicos.pucminas.br/virtuajus/article/view/37032. Acesso em: 12 nov. 2025.

Edição

Seção

Dossiê Direitos Constitucionais e Soberania