Chamada de Artigos - Dossiê "O BRICS 15 anos depois: desafios e oportunidades em face a sua expansão"
Dossiê: "O BRICS 15 anos depois: desafios e oportunidades em face a sua expansão"
Organizadores: Laerte Apolinário (PUC-SP) e Augusto Rinaldi (PUC-SP).
Prazo para submissão: 15 de outubro de 2024
Desde a origem do BRICS em 2009 as análises sobre o grupo têm refletido
sentimentos que vão do ceticismo ao otimismo. A cobertura dos temas e das áreas em
que o grupo atua é igualmente variada, com estudos focando nas suas origens e
institucionalização ao longo do tempo; enquanto outros discutem os incentivos e as
dificuldades de atuação nos planos regional e global; alguns analisam a atuação do
grupo em temas específicos e outros ainda vem estudando a identidade que o BRICS
tem assumido nas relações internacionais contemporâneas. Analistas também
apontam para as perspectivas e limites a um arranjo composto de potências regionais,
potências estabelecidas e países de menor poder relativo.
A literatura que aborda o BRICS não apresenta entendimento amplamente
aceito a respeito da melhor forma de caracterizá-lo. Alguns o consideram um grupo de
coalizão, enquanto outros o definem como uma plataforma de cooperação entre países
emergentes com uma agenda difusa. Pesquisas mais recentes o descrevem como um
clube ou um alinhamento estratégico entre potências emergentes.
Na última década, uma parte dos analistas e observadores internacionais, em
particular europeus e norte-americanos, tem argumentado que dada a heterogeneidade
dos países que compõem o BRICS seria muito difícil formar um arranjo coerente com
condições de entregar resultados práticos. Assim, na década seguinte após a sua
criação, o grupo BRICS e a narrativa das potências emergentes perderam parte do seu
apelo. O crescimento econômico dos seus membros estagnou, com exceção da Índia e
da China, e os desafios políticos internos restringiram a política externa dos seus
membros. Com o passar dos anos, estudos mais críticos acerca da narrativa destas
potências emergentes tornaram-se comuns. Embora estas críticas não sejam novas, o
tom geral em termos da relevância e do potencial deste grupo para moldar grandes
eventos tornou-se mais pessimista. Os estudos mais recentes passaram a dar mais
ênfase às suas limitações práticas, especialmente devido à crescente assimetria entre
os seus membros, dada a ascensão econômica e geopolítica da China, não
questionando necessariamente a relevância das potências emergentes.
Diante da recente conjuntura internacional de crise econômica global decorrente
da pandemia de Covid-19, do acirramento de tensões entre países ocidentais e não-
ocidentais em razão da invasão russa da Ucrânia em 2022 e da crescente rivalidade
estratégica entre Estados Unidos e China, em que os países em sido pressionados a
“assumir lados” em um mundo cada vez mais alinhado em torno de agendas
geopolíticas e econômicas bem definidas, o arranjo voltou a ganhar protagonismo
global. A despeito do ceticismo e contradizendo as expectativas mais céticas, os
membros do BRICS fortaleceram sua cooperação e, em 2024, o bloco passou a incluir
cinco novos países, marcando a maior expansão desde sua criação em 2009.
O acrônimo BRICs surgiu pela primeira vez em 2001 num relatório elaborado por
Jim O’Neill, então economista-chefe do banco Goldman Sachs, no qual apontava para
as oportunidades de investimentos de longo-prazo naqueles países dado os altos
índices de crescimento econômico que apresentavam à época – e com promissoras
perspectivas futuras. Em 2006, às margens da reunião da Assembleia Geral da ONU,
os chanceleres de Brasil, Rússia, Índia e China se encontram para identificar eventuais
pontos de convergência diplomática e, a partir disso, se articular politicamente. Dali em
diante, perceberam que havia oportunidades de adensar o relacionamento e estreitar
posições acerca de temas gerais das relações internacionais, em particular a
necessidade de atualizar as estruturas de governança global existentes.
Neste contexto, em 2009, na cidade russa de Ecaterimburgo, os países se
reúnem novamente e este encontro marca o momento em que o BRICs (neste
momento, sem a África do Sul) abandona sua “marca inicial de investimento” para
tornar-se uma entidade política com aspirações internacionais. Dentre elas, passa a
defender um sistema internacional ancorado em princípios de cooperação multilateral,
respeito às leis internacionais e maior espaço para os países em desenvolvimento
assumir responsabilidades e contribuir para a estruturação das esferas de governança
global. Adotando uma posição de “representantes” dos países em desenvolvimento, o
BRICs atuaria na arena internacional advogando por uma ordem mais legítima,
representativa e inclusiva aos interesses dos países em desenvolvimento.
A entrada da África do Sul se dá em 2011 e, desde então, os encontros anuais
têm regularmente incorporado tópicos mais amplos, incluindo a discussão acerca das intervenções humanitárias, transferência de tecnologias, promoção de programas de
desenvolvimento e ajuda externa, cooperação para alívio da pobreza, saúde global e
combate ao terrorismo. Em 2014, na VI Cúpula realizada em Fortaleza, os países
avançam no processo de institucionalização ao lançar em 2014 o Novo Banco de
Desenvolvimento. Em 2023, durante a XV Cúpula realizada em Joanesburgo, o BRICS
decide convidar seis novos membros – Arábia Saudita, Argentina, Egito, Emirados
Árabes Unidos, Etiópia e Irã –, dando maior espaço a países da África, América Latina
e Oriente Médio. Ainda não está claro quais critérios foram considerados para aceitar a
inclusão destes países, no entanto é possível apontar alguns fatores que parecem ter
sido relevantes na decisão: i) todos eles têm alguma importância geopolítica regional;
ii) alguns são potências energéticas – Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Irã;
iii) alguns são potências militares – Arábia Saudita e Irã; iv) representam grandes
populações, economias e graus variados de insatisfação com a ordem internacional
liberal atual.
Nesse sentido, o BRICS parece ter identificado oportunidades de estreitamento
de relações que podem ser exploradas no sentido de instrumentalizar o arranjo para
defender pautas e interesses que são comuns todos os membros – e potencialmente
para outros países interessados –, assim como incorporar novas pautas e agendas
antes marginalizadas. Em relação às razões para os novos países fazerem parte do
BRICS, pode-se destacar as questões de defender maior capital político, econômico e
financeiro na governança global; baixo custo de pertencimento ao arranjo; espaço
“seguro” de circulação diplomática; acesso ao amplo leque de opções econômicas; e
fortalecimento na construção e consolidação de “instituições paralelas” – tal como o
Novo Banco de Desenvolvimento. Contudo, os desafios também são relevantes, dentre
os quais o acirramento de rivalidades geopolíticas regionais – China e Índia; Arábia
Saudita e Irã; o crescente protagonismo chinês dentro do arranjo; o dilema da ação
coletiva com um grupo ampliado; a identidade que BRICS assumirá daqui para a frente
– status quo ou revisionista antiocidental; e a questão da transição energética,
mudanças climáticas e a presença de grandes produtores e exportadores de petróleo.
Assim, o processo de ascensão e consolidação do BRICS como um novo polo
de poder global é mais um elemento que complexifica a análise das relações internacionais atuais, que parecem atravessar profundas mudanças nas dinâmicas da
economia política internacional e geopolítica global. A dimensão da economia política
global abrange o que tem sido chamado da formação de duas “zonas de globalização”
em que Estados Unidos e China organizam, cada qual à sua maneira, os padrões de
intercâmbio comercial, transação financeira e construção de instituições multilaterais
circunscritas aos que estão “dentro” de cada zona. De um lado, o lançamento da “Belt
and Road Initiative” (BRI) em 2013 e da “Iniciativa Global para o Desenvolvimento”
(GDI, na sigla em inglês) em 2021 pela China marcam essa estratégia; de outro, o
lançamento do “Partnership for Global Infrastructure Investment” (PGII) pelos Estados
Unidos e demais países do G7 em 2022 ilustra a zona norte-americana.
A dimensão geopolítica, por sua vez, refere-se às dinâmicas dos alinhamentos,
alianças e criação/fortalecimento de arranjos entre países que resultam na formação de
constelações geopolíticas com potencial impacto sobre a distribuição internacional de
poder. A recente decisão de expandir o BRICS e o lançamento pela China da “Iniciativa
Global para a Segurança” (GSI, na sigla em inglês) em 2022 e a reativação do arranjo
QUAD pelos Estados Unidos em 2017 e as sucessivas expansões da OTAN no Leste
europeu apontam nesse sentido.
Sendo assim, o BRICS talvez esteja atravessando hoje um dos momentos mais
importantes de sua história. Representando cerca de 46% da população global e quase
30% da economia mundial, além de 43% da produção global de petróleo, o BRICS tem
sido interessante objeto de pesquisa dada algumas de suas particularidades, em
especial a presença de potências regionais e potências estabelecidas, uma agenda de
atuação cada vez mais ampliada, e na sua consolidação como um ator relevante nas
mais diversas áreas das relações internacionais. O BRICS, portanto, amplia os
interesses de análise sobre suas relações com a ordem internacional e leva a
questionar o seu lugar na estrutura global de poder e o modo como seu recente
alargamento pode afetar as dinâmicas da política internacional atual.
Considerando então a celebração dos 15 anos da formação do BRICS e dos
desafios associados à sua consolidação como um polo de poder, este Dossiê Temático
da Conjuntura Internacional convida especialistas, pesquisadores e acadêmicos a
contribuir com suas perspectivas e análises sobre o lugar do BRICS nas relações internacionais no século XXI, com especial atenção para sua recente expansão em
2024. Esperamos receber trabalhos que proponham discussões sobre as
transformações em curso na política internacional, o lugar e os papeis do BRICS nesse
contexto, os interesses dos novos países de fazer parte do arranjo, as dificuldades e
oportunidades que a expansão enseja para os seus membros, a identidade que o
BRICS pode assumir, as relações dele – e de seus membros – com a governança
global atual e os potenciais efeitos regionais e sistêmico de um BRICS ampliado.
Esperamos, com isso, que os trabalhos explorem as várias dimensões do arranjo à luz
das mudanças em curso no cenário internacional e que contribuam para uma melhor
compreensão tanto de suas realizações quanto das limitações e desafios.
Qualquer pergunta ou dúvida referente a este Dossiê Temático pode ser enviada
à equipe editorial da revista Conjuntura Internacional ou aos editores do Dossiê,
Augusto Leal Rinaldi (alrinaldi@pucsp.br) e Laerte Apolinário Júnior
(laerteapj@gmail.com).