LIBERDADE E DOMINAÇÃO

a política das alforrias e a reprodução das relações escravistas em Minas Gerais (São João del-Rei, primeira metade do século XIX)

Autores

  • Bruno Martins de Castro Universidade Federal de São João del-Rei

Palavras-chave:

Escravidão, Alforrias, Dominação, Hierarquias, São João del-Rei

Resumo

Este artigo tem por objetivo analisar os diferentes sentidos que senhores e escravos atribuíam à liberdade. Ao perscrutarmos o conjunto serial das cartas e escrituras de liberdade, registradas no tabelionato do 1° e 2° Ofício de Notas do termo de São João del-Rei, entre os anos de 1830 e 1860, pôde-se constatar que esses documentos exprimiam uma ideologia marcada pela política de domínio dos senhores sobre seus dependentes. Nesse sentido, o ato de alforriar era afirmado como uma prerrogativa senhorial, sempre manifestada como um benefício, uma dádiva concedida aos mancípios por suas qualidades e bons serviços. Por outro lado, para os cativos, a noção de liberdade nem sempre se limitava apenas à mudança de status jurídico. Grande parte dos escravos, mesmo sem qualquer garantia em obter a sua alforria, concebia a liberdade associando-a às conquistas miúdas do cotidiano, por meio das quais buscavam alargar seus espaços de autonomia dentro dos limites do cativeiro. Isso, naturalmente, não quer dizer que os escravos não tivessem almejado e lutado para negociar a liberdade com os seus senhores. Reduzindo a escala de observação e seguindo os pressupostos metodológicos da micro-história, conseguimos acompanhar a trajetória de alguns escravos em seus processos de transposição das barreiras do cativeiro, relacionando tais processos a uma dimensão conjuntural de reprodução da lógica da escravidão. De igual modo, buscou-se analisar quantitativa e qualitativamente a natureza das condições impostas pelos senhores para as concessões das alforrias e as motivações que os levaram a manumitir seus escravos. Em vista das dinâmicas e vicissitudes desses processos, consideramos que as alforrias estiveram, profundamente, marcadas por relações assimétricas de poder, que contribuíram para reforçar e reproduzir as hierarquias sociais vigentes e preservar a vitalidade da própria ordem escravista. 

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Biografia do Autor

Bruno Martins de Castro, Universidade Federal de São João del-Rei

Professor efetivo de História da SEE/MG, Mestre em História pela Universidade Federal de São João del-Rei, integrante do grupo de pesquisa "Escravismo Atlântico: família, riqueza e cultura" (UFMG-CNPq) e membro do GT "Emancipações e Pós-Abolição em Minas Gerais" (ANPUH-MG).

Referências

FONTES

 Arquivo Histórico e Escritório Técnico II do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) – São João del-Rei, MG:

• Livros de Notas do Cartório do 1° Oficio (1830-1860) – São João del-Rei
Códices: 25, 26, 27, 28, 29, 31, 32, 33, 34, 36, 37, 38, 40, 41 e 42.

• Livros de Notas do Cartório do 2° Oficio (1830-1856) – São João del-Rei
Códices: 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13 e 14.

• Inventário post mortem de dona Bernarda Jesuína da Silva e do alferes Miguel Garcia Duarte. 1851. Cx. 80.

• Inventário post mortem e testamento anexo do capitão José Manoel de Carvalho. 1850. Cx. 49.

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Publicado

2022-12-07

Edição

Seção

Artigos Dossiê "Estudos de História Regional: Minas Gerais por sua história